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Tratamento operatório das hérnias incisionais com videocirurgia, a morbidade e a mortalidade são aceitáveis?

À BEIRA DO LEITO

CIRURGIA/GASTROENTEROLOGIA

Tratamento operatório das hérnias incisionais com videocirurgia, a morbidade e a mortalidade são aceitáveis?

Pedro Luiz Squilacci LemeI,* * Correspondência: Av. Nações Unidas, 561, ap. 52 Chácara Inglesa - São Bernardo do Campo - SP CEP: 09726-110 , Rodrigo Carvalho TurattiII

IProfessor Assistente Doutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP

IIAcadêmico do primeiro ano em Medicina da Universidade Nove de Julho - UNINOVE, São Paulo, SP

O tratamento operatório das hérnias incisionais com videocirurgia não é unanimidade1,2, mas começa a ser realizado com mais frequência em nosso meio. A seu favor advoga-se a maior facilidade e o menor tempo necessário para a operação, sempre trabalhosa quando realizada de modo convencional. Como crítica, a não abordagem direta da hérnia, corrigida com uma prótese sintética no interior da cavidade abdominal, obliterando o orifício herniário, e o saco herniário, que não é excisado nesta forma de tratamento, apresentando alguma morbidade, causam discussões entre os defensores e os que não aprovam esta opção.

Como em outras operações realizadas por laparoscopia, devemos considerar inicialmente os riscos relacionados à introdução e manipulação dos instrumentos necessários, sendo mais frequentes as complicações na punção da cavidade com agulha de Veress e na introdução do primeiro trocarte. A técnica aberta pode prevenir lesões iatrogênicas, especialmente neste doente que já apresenta a complicação de uma cirurgia abdominal. Também podem ocorrer lesões vasculares dos vasos da parede ou de vasos intra-abdominais, ocorrência de extrema gravidade. Os órgãos digestivos sólidos ou ocos podem ser lesados tanto na introdução dos instrumentos como pela utilização do bisturi elétrico; a abertura tardia da parede de alça intestinal lesada pelo calor tem consequências desastrosas. Estas lesões, quando despercebidas, representam importante causa de mortalidade3. As perfurações da bexiga, por sua vez, são menos frequentes.

As complicações relacionadas ao pneumoperitônio não são desprezíveis. O aumento da pressão intra-abdominal que ocorre com a videocirurgia, tornou o ato anestésico muito mais complexo, com complicações frequentes relacionadas ao sistema respiratório e cardiovascular.

Mesmo excluindo as hérnias gigantes, com perda de domicílio, o procedimento laparoscópico na quase totalidade das vezes implica na lise de aderências que se formam com o saco herniário, tática que aumenta os riscos de lesão iatrogênica do intestino delgado e deve ser realizada com extremo cuidado. As hérnias encarceradas, o tamanho do orifício herniário e sua localização devem fazer parte dos critérios de avaliação se esta hérnia poderá ou não ser operada desta forma2. Shah e colaboradores4, avaliando o tratamento laparoscópico de 103 hérnias encarceradas, encontraram como conteúdo do saco herniário o omento em 42 doentes, o intestino delgado em 28, o intestino grosso em seis; omento e intestino delgado estavam encarcerados em 34 das hérnias operadas, sendo que em seis delas existiam sinais de obstrução intestinal. As lesões inadvertidas de alças ocorreram quatro vezes e todas foram identificadas durante a operação, sem ter havido mortalidade.

A literatura apresenta poucos relatos sobre a abertura acidental do intestino, que é considerada a complicação mais séria do procedimento. LeBlanc, o primeiro cirurgião a realizar a correção da hérnia incisional por videocirurgia na década de 1990, publicou em 20073 uma revisão interessante sobre o assunto. Estima-se que esta situação ocorra em 1,78% dos doentes operados, sendo que a lesão do intestino grosso representa 8,3% destas ocorrências. As enterotomias puderam ser identificadas e reparadas em 82% das vezes. O ato operatório pode ser completado de forma habitual por laparoscopia em 57% dos doentes, mas precisou ser convertido para cirurgia convencional nos 43% restantes. A mortalidade global do procedimento foi de 0,05%, havendo um aumento para 2,8% quando ocorreu a abertura de uma alça intestinal. A lesão, quando identificada durante o ato operatório, apresentou uma mortalidade de 1,7%, mas este número subiu para 7,7% quando não se identificou a perfuração.

Morales-Conde2 reoperou três doentes (2,14%) de uma série de 140 hérnias operadas em 135 doentes, devido a lesões não evidenciadas durante a primeira operação, suturando o intestino lesado e retirando a prótese sintética empregada. Um doente (0,71%) de sua série morreu de sepse.

Egea e colaboradores1 também relataram mortalidade associada à lesão do intestino. Quatro lesões em 90 operações (4,4%), três delas evidenciadas imediatamente, que necessitaram conversão para procedimento convencional e uma lesão não identificada inicialmente, com morte do doente também por sepse (1,1%). Em seu estudo encontraram na literatura consultada uma mortalidade global para as herniorrafias realizadas por videocirurgia que variou de 0,6 a 3,4%. Estima-se que a incidência de enterotomias durante a correção da hérnia incisional com procedimentos laparoscópicos oscile entre 1% e 6% 2.

O seroma no interior do saco herniário é a complicação menor mais frequente e pode persistir por meses. Morales-Conde2 relatou o aparecimento de seroma uma semana após a operação em 95,2% de uma amostra de 135 doentes operados. Este seroma ainda era notado um mês após em 52,9% dos casos. O saco herniário era percebido pelo paciente em 76,2% das vezes um mês após e persistia em 38,9% após três meses. Espera-se que o saco herniário não excisado sofra certo grau de atrofia posteriormente, em média três meses após a operação, o que influencia o resultado final.

Embora existam controvérsias, devem ser estabelecidas indicações precisas para a indicação da correção da hérnia incisional por videocirurgia, assim como a multiplicidade de detalhes técnicos envolvidos no ato operatório deve ser considerada, principalmente no que diz respeito à lise de aderências e o acompanhamento do seroma que pode se formar no interior do saco herniário2. Devemos lembrar que a humildade do cirurgião em reconhecer precocemente que o doente não está apresentando uma evolução satisfatória no pós-operatório, indicando a reoperação, pode salvar uma vida quando ocorre a lesão intestinal e esta não é identificada adequadamente.

  • 1. Egea DA, Martinez JA, Cuenca GM, Miguel JD, Lorenzo JG, Albasini JL, et al. Mortality following laparoscopic ventral hernia repair: lessons from 90 consecutive cases and bibliographical analysis. Hernia. 2004;8:208-12.
  • 2. Morales-Conde S. Laparoscopic ventral hernia repair: advances and limitations. In: Campos FGCM, Lopes Filho GJ, editores. Congresso Paulista de Cirurgia 2008. Barueri: Manole/Minha Editora; 2009. p.60-70.
  • 3. LeBlanc KA, Elieson MJ, Corder JM3rd. Enterotomy and mortality rates of laparoscopic incisional and ventral hernia repair: a review of the literature. JSLS. 2007;11:408-14.
  • 4. Shah RH, Sharma A, Khullar R, Soni V, Baijal M, Chowbey PK. Laparoscopic repair of incarcerated ventral abdominal wall hernias. Hérnia. 2008;12:457-63.
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    Correspondência: Av. Nações Unidas, 561, ap. 52 Chácara Inglesa - São Bernardo do Campo - SP CEP: 09726-110
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      2010
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