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Uso de telas na cirurgia da hérnia inguinal

CORRESPONDÊNCIA

Uso de telas na cirurgia da hérnia inguinal

Eduardo Neubarth TrindadeI, Manoel Roberto Maciel TrindadeII

IEspecialista - Cirurgião Geral

IIDoutor em Medicina; Professor Associado do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Chefe do Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS

Em relação ao artigo intitulado "O uso de telas resolveu o problema da recidiva na cirurgia da hérnia inguinal?", publicado na Revista da Associação Médica Brasileira1, em que são questionados alguns conceitos atuais da correção das hérnias inguinais, tecemos algumas considerações.

O tratamento cirúrgico das hérnias inguinais é um dos procedimentos mais freqüentes em todo o mundo, todavia permanece como um desafio para os cirurgiões. A melhor técnica para correção das hérnias permanece como motivo de controvérsia. Entretanto alguns avanços contribuíram para uma significativa redução na morbidade e diminuição expressiva da recorrência.

A utilização de prótese já havia sido preconizada por Billroth em 1880, que profetizava que o problema da hérnia poderia ser resolvido quando fosse possível a substituição artificial de tecidos.

Um grande avanço na correção em uma maior uniformidade da técnica foi quando Lichtenstein et al., descreveu um reparo por via anterior utilizando tela de polipropileno e o conceito de "Tension-Free" que demonstrou um índice de recidiva menor que 1%, confirmando o benefício das próteses2. Sendo que alguns autores a estabelecerem (as telas) como um dos quatro grandes avanços na última metade do século XX na redução das recorrências, junto com a aceitação ampla do conceito de "Tension-Free", a possibilidade de uso do espaço pré-peritoneal e a terapêutica videolaparoscópica3.

São vários os trabalhos atuais que demonstram um importante papel das alterações do colágeno na gênese das hérnias inguinofemorais4,5. O colágeno tem uma função crucial de atribuir resistência e integridade às aponeuroses e fáscias. Esses estudos que evidenciam a alterações tanto no colágeno total quanto nas proporções de colágeno tipo I e tipo III, demonstram claramente o fato da inutilidade e da clara tendência a recorrência quando da utilização de estruturas enfraquecidas e com alterações para correção de defeitos herniários da parede abdominal, como preconizado pelas técnicas convencionais sem tela.

Muitos são os ensaios que estabelecem a superioridade da correção com tela versus sem tela nas hérnias inguinais. Metanálise que avaliou 58 ensaios clínicos com 11.174 pacientes, (The EU Trialist Collaboration), o uso de tela demonstrou reduzir o risco de recorrência, independente do método de colocação (técnica aberta ou videolaparoscópica), redução no tempo de hospitalização, de dor pós-operatória e recuperação mais rápida6. Embora, algumas séries de caso possam apresentar bons resultados sem o uso de próteses, quando considerado estudos populacionais a correção de hérnias recidivadas sem tela é muito alta.

Estudo recente conduzido pelo Departamento de Cirurgia do Centro Médico Universitário de Roterdã, em que foi realizado ensaio multicêntrico com seguimento longo, conclui que após 10 anos o reparo com prótese é superior ao reparo sem prótese7. Alem disso, em publicação do mesmo grupo em que se avaliava os resultados sobre os efeitos sobre dor crônica, foi evidenciado que os reparos com tela são iguais aos reparos sem tela em relação a dor persistente a longo prazo e em relação aos níveis de desconforto e sua interferência nas atividades diárias8.

As evidências atuais permitem questionar entre as técnicas abertas com tela, qual a melhor entre elas9 e a discussão entre a técnica aberta e a videolaparoscópica10, bem como os princípios de integração e fibroplasia das telas; todavia alguns princípios, como o uso rotineiro de próteses, estão hoje consolidados. Não se discute a indicação do uso de prótese na correção das hérnias inguinofemorais. As perspectivas futuras são o desenvolvimento de próteses menos densas e mais porosas, a fixação com clipes reabsorviveis ou cola biológica e o emprego da biologia molecular para melhora da resistência da matriz extracelular.

O conhecimento adequado por parte dos cirurgiões da etiopatogenia, da evolução da correção das hérnias e do uso correto das próteses é fundamental para diminuir o importante impacto desta enfermidade.

  • 1. Ilias EJ, Kassab P. O uso de telas resolveu o problema da recidiva na cirurgia da hérnia inguinal? Rev Assoc Med Bras. 2009;55:240.
  • 2. Lichtenstein IL, Shulman AG, Amid PK, Montllor MM. The tension-free hernioplasty. Am J Surg. 1989;157:188-93.
  • 3. Richards AT, Quinn TH, Fitzgibbons RJ Jr.. Abdominal wall hernias. In: Greenfield LJ, Mulholland MW, Oldham KT, Zelenock GB, Lillemoe KD, editors. Greenfields surgery: scientific principles and practice. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. p.1185-224.
  • 4. Casanova A B, Trindade EN, Trindade MR M. Collagen in the transversalis fascia of patients with indirect inguinal hernia: a case-control study. Am J Surg. 2009;198:1-5.
  • 5. Wolwacz Jr I, Trindade MRM, Cerski CT. The collagen in transversalis fascia of direct inguinal hernia patients treated by videolaparoscopy. Acta Cir Bras. 2003;18:196-202.
  • 6. The EU Trialists Collaboration. Repair of groin hernia with synthetic mesh: meta-analysis of randomized controlled trials. Ann Surg 2002; 235:322-32.
  • 7. Van Veen RN, Wijsmuller AR, Vrijland WW, Hop WC, Lange JF, Jeekel J. Long-term follow-up of a randomized clinical trial of non-mesh versus mesh repair of primary inguinal hernia. Br J Surg. 2007;94(4):506-10.
  • 8. van Veen RN, Wijsmuller AR, Vrijland WW, Hop WC, Lange JF, Jeekel J. Randomized clinical trial of mesh versus non-mesh primary inguinal hernia repair:long-term chronic pain at 10 years. Surgery. 2007;142:695-8.
  • 9. Zhao G, Gao P, Ma B, Tian J, Yang K. Open mesh techniques for inguinal hernia repair: a meta-analysis of randomized controlled trials. Ann Surg. 2009l;250:35-42.
  • 10. Trindade MRM, Trindade EN. Correção videolaparoscópica das hérnias inguinais. Rev Assoc Med Bras. 2006;52:74-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    2010
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