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Prevalência e fatores associados à prática da episiotomia em maternidade escola do Recife, Pernambuco, Brasil

Resumos

OBJETIVO: Determinar a prevalência e fatores associados à realização de episiotomia em centro de referência de Pernambuco. MÉTODOS: Estudo retrospectivo, tipo corte transversal, no período de janeiro a dezembro de 2006 com 495 mulheres (escolhidas de uma população total de 2564) submetidas a parto normal na Maternidade Professor Monteiro de Moraes do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM) da Universidade de Pernambuco. Os fatores avaliados foram aspectos que antecederam o parto, características do trabalho de parto e resultados perinatais. Para verificar associação entre as variáveis preditoras e realização da episiotomia, foram utilizados testes Qui quadrado, exato de Fisher e T de Student, quando pertinentes, a um nível de significância de 5%. A razão de prevalência e intervalo de confiança a 95% foram calculados, além da análise de regressão logística. RESULTADOS: A prevalência de realização de episiotomia foi de 29,1% (n=144). Após análise bivariada, encontrou-se associação significativa da episiotomia com adolescência (RP 1,74; IC95% 1,33-2,28), idade superior a 35 anos (RP 0,35; IC95% 0,14-0,90), primiparidade (RP 4,73; IC95% 3,33-6,71), ausência de parto vaginal prévio, grupo que inclui além das primíparas pacientes que foram submetidas a parto cesariano em gestação anterior (RP 5,44; IC95% 3,67-8,06) e doenças associadas no momento do parto (RP 1,71; IC95% 1,30-2,25). Não foi encontrada relação significativa com idade gestacional no parto, duração do trabalho de parto acima de seis horas (tempo médio da fase ativa do trabalho de parto), período expulsivo maior que 30 minutos (considerado prolongado), uso de misoprostol ou ocitocina, alterações da frequência cardíaca fetal, presença de mecônio, turno de realização do parto (noturno ou diurno), índice de Apgar, no primeiro e quinto minutos e peso do recém- nascido. A presença de lacerações perineais foi maior no grupo não submetido à episiotomia, porém só foram descritas lacerações de primeiro e segundo graus. Após análise de regressão logística os fatores que permaneceram associados à episiotomia foram doenças maternas (RA 1,99; IC95% 1,20-3,28) e ausência de parto vaginal anterior (RA 9,85; IC95% 6,04-16,06). CONCLUSÃO: A prevalência da realização de episiotomia na instituição foi de 29%. As variáveis que continuaram relacionadas à episiotomia foram doenças maternas e ausência de parto vaginal anterior.

Episiotomia; Parto normal; Períneo


OBJECTIVE: To determine the prevalence and factors associated with episiotomy in a reference center of Pernambuco. METHODS: A retrospective cross-sectional study was carried out from January to December 2006 with 495 women who had a normal delivery at the Maternity Center Monteiro de Moraes Integrated Health Amaury de Medeiros (CISAM) University of Pernambuco. Assciated factors were issues preceeding birth, characteristics of labor and perinatal outcome. To verify the association between predictors and performance of episiotomy the Chi square, Fisher's exact and Student's t tests were used as appropriate, with a a significance level of 5%. The prevalence ratio and confidence intervals were calculated at 95%, in addition to logistic regression analysis. RESULTS: Prevalence of performing episiotomy was 29.1% (n = 144). After bivariate analysis, we found a significant association of episiotomy with adolescence (PR 1.74. 95% CI 1.33-2.28), age over 35 years (PR 0.35. 95% CI 0.14-0.90), primiparity (PR 4.73, 95% CI 3.33-6.71), absence of previous vaginal delivery (PR 5.44, 95% CI 3.67-8.06) and related diseases at the time of delivery (RP 1.71, 95% CI 1.30-2.25). There was no significant relation with gestational age at delivery, duration of labor over 6h and expulsion period of more than 30 minutes, use of misoprostol or oxytocin, abnormal fetal heart rate, presence of meconium, shift of completion of delivery (night or day), rate of Apgar score in 1 and 5 minutes and weight of the newborn. Presence of perineal lacerations was higher in the group not subject to episiotomy, however only 1st and 2nd degree lacerations were described. After logistic regression, the analyzed remaining factors associated with episiotomies were maternal diseases (RA 1.99, 95% CI 1.20-3.28) and absence of previous vaginal delivery (9.85 RA, 95% CI 6.04-16.06). CONCLUSION: Prevalence of episiotomies in the institution was 29%. Variables that remained related to episiotomy were maternal diseases and absence of previous vaginal delivery.

Natural childbirth; Episiotomy; Perineum


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência e fatores associados à prática da episiotomia em maternidade escola do Recife, Pernambuco, Brasil

Cynthia Coelho Medeiros de CarvalhoI,* * Correspondência: Av. Visconde de Jequitinhonha, 2390 / Ap. 1.901 -Boa Viagem Recife - PE CEP: 51.020-030 Tel: (81) 3343-4973 cynthiacoelho@ibest.com.br ; Alex Sandro Rolland SouzaII; Olímpio Barbosa Moraes FilhoIII

IMestre em Tocoginecologia pelo Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM) - Preceptora de Ginecologia e Obstetrícia e Medicina Fetal do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, PE

IIMestre e Pós-graduando (Doutorado) em Saúde Materno Infantil - Coordenador da Residência Médica em Medicina Fetal, Recife, PE

IIIDoutor em Tocoginecologia pela Universidade de Campinas - UNICAMP - Professor Adjunto do Departamento Materno Infantil da Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco - FCM da Universidade de Pernambuco - UPE, Recife, PE

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a prevalência e fatores associados à realização de episiotomia em centro de referência de Pernambuco.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo, tipo corte transversal, no período de janeiro a dezembro de 2006 com 495 mulheres (escolhidas de uma população total de 2564) submetidas a parto normal na Maternidade Professor Monteiro de Moraes do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM) da Universidade de Pernambuco. Os fatores avaliados foram aspectos que antecederam o parto, características do trabalho de parto e resultados perinatais. Para verificar associação entre as variáveis preditoras e realização da episiotomia, foram utilizados testes Qui quadrado, exato de Fisher e T de Student, quando pertinentes, a um nível de significância de 5%. A razão de prevalência e intervalo de confiança a 95% foram calculados, além da análise de regressão logística.

RESULTADOS: A prevalência de realização de episiotomia foi de 29,1% (n=144). Após análise bivariada, encontrou-se associação significativa da episiotomia com adolescência (RP 1,74; IC95% 1,33-2,28), idade superior a 35 anos (RP 0,35; IC95% 0,14-0,90), primiparidade (RP 4,73; IC95% 3,33-6,71), ausência de parto vaginal prévio, grupo que inclui além das primíparas pacientes que foram submetidas a parto cesariano em gestação anterior (RP 5,44; IC95% 3,67-8,06) e doenças associadas no momento do parto (RP 1,71; IC95% 1,30-2,25). Não foi encontrada relação significativa com idade gestacional no parto, duração do trabalho de parto acima de seis horas (tempo médio da fase ativa do trabalho de parto), período expulsivo maior que 30 minutos (considerado prolongado), uso de misoprostol ou ocitocina, alterações da frequência cardíaca fetal, presença de mecônio, turno de realização do parto (noturno ou diurno), índice de Apgar, no primeiro e quinto minutos e peso do recém- nascido. A presença de lacerações perineais foi maior no grupo não submetido à episiotomia, porém só foram descritas lacerações de primeiro e segundo graus. Após análise de regressão logística os fatores que permaneceram associados à episiotomia foram doenças maternas (RA 1,99; IC95% 1,20-3,28) e ausência de parto vaginal anterior (RA 9,85; IC95% 6,04-16,06).

CONCLUSÃO: A prevalência da realização de episiotomia na instituição foi de 29%. As variáveis que continuaram relacionadas à episiotomia foram doenças maternas e ausência de parto vaginal anterior.

Unitermos: Episiotomia. Parto normal. Períneo.

Introdução

Episiotomia é definida como alargamento do períneo, feito de forma cirúrgica, com incisão durante o segundo período do trabalho de parto, podendo ser feita com tesoura ou lâmina de bisturi e requerendo sutura para sua correção1 . A realização rotineira da episiotomia foi recomendada no passado com objetivo de prevenir danos ao assoalho pélvico, pois se acreditava na redução da incidência de distopias genitais, além de proteger o períneo anterior e encurtar o período expulsivo2.

Benefícios ao feto também foram relatados, como diminuição da compressão do polo cefálico no canal de parto, a qual poderia causar danos cerebrais, principalmente nos fetos prematuros e macrossômicos2.

A episiotomia foi originalmente recomendada para auxiliar em partos laboriosos e sua realização de rotina começou a ser defendida por Pomeroy, em 1918. Durante muitos anos essa prática de rotina foi aceita e ensinada como verdade absoluta em grandes centros obstétricos, todavia sem base em estudos bem conduzidos e controlados. A partir da década de 70 foram publicados os primeiros ensaios clínicos consistentes que questionavam o valor desse procedimento.

Nos últimos anos, muitos estudos, revisões e metanálises evidenciaram que não há base científica para manutenção da prática sistemática da episiotomia3 . Ao contrário, é admitido que sua realização traga aumento das complicações intra e pós-operatórias, sugerindo que sua prática fique restrita a gestantes selecionadas3. Destaca-se que mesmo restringindo as indicações, não há consenso sobre quais seriam e sugere-se que novos estudos randomizados sejam feitos para elucidar esses questionamentos3.

É importante destacar que, como qualquer procedimento cirúrgico, a episiotomia é também responsável por complicações, como extensão da lesão perineal, hemorragia, edema, infecção, hematoma, dispareunia, fístulas retovaginais, mionecrose, intoxicação neonatal com lidocaína, reações de hipersensibilidade ao anestésico, endometriose na cicatriz, necessidade de correção cirúrgica por problemas de cicatrização irregular ou excessiva, dor após o parto e rejeição materna ao neonato devido a dor1,3. A realização de analgesia poderia amenizar a dor durante e após o parto4 . Porém, estudo sugere que a analgesia poderia aumentar a necessidade de episiotomia5.

O principal respaldo para realização da episiotomia rotineira e amplamente difundido foi a proteção do períneo no período expulsivo. Acreditava-se que o corte impedia a ruptura das fibras musculares que compõem o assoalho pélvico. Eis aqui o maior engano em relação à episiotomia. A perineotomia lesa tecido muscular, nervoso, vasos, mucosa e pele. Assim, um procedimento que se acreditava proteger, na verdade é, por si só, uma lesão de segundo grau1. As lacerações espontâneas, quando praticada a episiotomia rotineira, na maioria das vezes, são de baixo grau. Lesam apenas pele e mucosa, apresentam cicatrização mais rápida e menores complicações3.

Apesar das recomendações atuais contra o uso rotineiro da episiotomia, sua incidência continua elevada. Nos Estados Unidos (EUA), um estudo evidenciou declínio de 60,9%, em 1979, para 24,5%, em 20046, porém estima-se que no Brasil seja realizada em aproximadamente 94% dos partos vaginais7. Ainda não há um consenso sobre o percentual ideal, porém quando restringidas às indicações, sugere que 20% seja um percentual razoável8.

Desde 2002 a episiotomia seletiva tornou-se norma na Maternidade Professor Monteiro de Moraes, localizada no Recife, Pernambuco, Brasil, sendo indicada em gestantes com sofrimento fetal agudo e progressão insuficiente do parto. No presente estudo foi avaliada a prevalência de episiotomia no ano de 2006, além dos fatores associados a sua indicação. Desta forma, poder-se-á de forma objetiva promover ações mais efetivas na busca de diminuição da sua frequência, oferecendo uma prática médica baseada em evidências científicas.

Métodos

Realizou-se estudo retrospectivo, tipo corte transversal, no período de janeiro a dezembro de 2006, na Maternidade Escola Prof. Monteiro de Moraes do Centro de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM). A instituição é importante centro de ensino para alunos dos cursos de graduação e residência médica em tocoginecologia e enfermagem, da Universidade de Pernambuco (UPE), a qual realiza aproximadamente 4.000 partos por ano.

O único critério de inclusão deste estudo foram gestantes submetidas ao parto vaginal nesta instituição e no período do estudo. Excluíram-se pacientes com óbito fetal que antecedeu ao trabalho de parto e fetos com peso igual ou inferior a 500 gramas. No período do estudo, tiveram 2.564 candidatas a inclusão no estudo, por terem sido submetidas ao parto vaginal neste período. Selecionou-se 495 gestantes de forma aleatória sistemática da seguinte forma, com a listagem do registro das parturientes no período de estudo, alternava-se a escolha de uma paciente a cada quatro prontuários até completar a amostra desejada, desta forma todo período foi bem representado.

As variáveis avaliadas foram, além da realização da episiotomia: aspectos que antecedem ao parto: idade materna, posteriormente categorizada em adolescentes (menores de 20 anos) e idade materna maior ou igual há 35 anos, paridade, antecedente de parto normal, presença de síndromes hipertensivas, diabetes clínico ou gestacional. Características do trabalho de parto: idade gestacional no parto, duração do trabalho de parto (maior que seis horas - média da fase ativa do trabalho de parto), período expulsivo (maior que 30 minutos), uso de misoprostol ou ocitocina no trabalho de parto, alterações da frequência cardíaca fetal (bradicardia, desacelerações ou taquicardia), presença de mecônio, turno de realização do parto (noturno ou diurno). E resultados perinatais: índice de Apgar no primeiro e quinto minutos, peso do recém-nascido e presença de lacerações perineais. Na amostra estudada não foi evidenciada a ocorrência de parto a fórceps.

No CISAM não há orientação quanto a exercícios perineais para prevenção de lacerações, durante o pré-natal, ou critérios formais para indicação da episiotomia. Durante o período expulsivo do trabalho de parto o médico assistente é responsável pela realização ou não do procedimento, existindo recomendações do serviço que sejam realizadas apenas quando necessárias. Foram promovidas aulas de atualizações e discussões aos profissionais da saúde com o intuito de esclarecer sobre as novas diretrizes da assistência ao parto. É importante ressaltar que a episiotomia médio-lateral foi realizada em todas as pacientes e que em estudo anterior as principais indicações da episiotomia seletiva e referida pelos médicos assistentes foram rigidez perineal, primiparidade, macrossomia fetal e prematuridade9.

As lacerações ocorridas foram corrigidas por meio de sutura simples da lesão, não havendo lacerações graves do tipo 3º e 4º graus. Além disso, nenhuma paciente foi submetida a analgesia do parto e não ocorreram óbitos neonatais durante o internamento hospitalar.

Os dados foram coletados pelos pesquisadores, por meio de formulário específico, nos prontuários médicos da instituição. A pesquisa teve início apenas após o projeto ter sido aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa em seres humanos do CISAM (CEP n.058/06 Recife, 12/12/2006).

A análise estatística foi realizada pelo programa de domínio público epi-info versão 3.5. Para descrever as características da amostra, foram utilizadas medidas de tendência central e dispersão, além de distribuições de frequências. Para determinar a associação entre variáveis preditoras (independentes) e realização de episiotomia (variável dependente), utilizaram-se os testes Qui quadrado e exato de Fisher, quando pertinentes a um nível de significância de 5%. A razão de prevalência (RP) foi calculada com intervalo de confiança de 95%. A partir de um modelo de casualidade previamente estabelecido, foram selecionadas variáveis independentes que apresentaram um nível de significância de 20% para análise multivariada. Realizou-se análise de regressão logística múltipla stepwise, evidenciandose, para o modelo final, variáveis que persistiram associadas com o desfecho.

Resultados

A prevalência de realização de episiotomia encontrada na amostra estudada foi de 29,1% (IC95% 25,2% - 33,3%). Para estudo dos fatores associados à episiotomia dividiu-se a amostra em dois grupos com (n=144) e sem episiotomia (n=351). Além disso, as variáveis foram caracterizadas préparto, durante o trabalho de parto e após o parto, incluindo os resultados perinatais.

A idade materna variou entre 13 e 43 anos, com média de 21,3± 5,4 anos, nas pacientes que realizaram episiotomia e de 24,7±6,7 anos, nas que não realizaram (p<0,0001). Enquanto nas mulheres que realizaram ou não a episiotomia, a idade gestacional média no momento do parto foi de 38±3 semanas e 37,5± 3,4 semanas (p=0,17) e a média de peso dos recém-nascidos foi de 2.970,4±582,6 gramas e 2.873,0 ±732,2 (p=0,15), respectivamente.

Dentre as características que antecederam o parto, os extremos da idade materna foram associados à episiotomia. Nas pacientes que realizaram episiotomia foi encontrada uma frequência de 46,2% de adolescentes, comparado a 27,6% nas sem episiotomia, representando 74% a mais de risco de ter episiotomia, diferença estatisticamente significante. Enquanto que a possibilidade de ser submetida à episiotomia foi estatisticamente menor entre as parturientes com idade igual ou superior a 35 anos (2,8% comparado a 9,4% sem episiotomia) (Tabela 1).

Quanto às outras características que antecederam o parto, foram associadas à episiotomia as primíparas, ausência de parto vaginal em gestações anteriores e doenças associadas no momento do parto (diabetes clínica ou gestacional e síndromes hipertensivas). Destaca-se que dentre as doenças maternas associadas, as síndromes hipertensivas foram as que demonstraram maior prevalência, (21,6%) do total de pacientes, sendo significativamente associada à episiotomia (Tabela 1).

Não se observou associação quanto às variáveis analisadas, como duração do período expulsivo, trabalho de parto, uso de ocitocina e misoprostol, alterações da frequência cardíaca fetal, eliminação de mecônio e turno noturno da ocorrência do parto. Os grupos não apresentaram diferença significativa quanto aos partos prematuros (abaixo de 259 dias ou 37 semanas) e pós-datismo (acima de 294 dias ou 42 semanas) (Tabela 2).

Observou-se ainda que a não realização de episiotomia não esteve associada a resultados perinatais adversos, como índice Apgar abaixo de sete no primeiro e quinto minutos, recémnascido de baixo peso (inferior a 2.500 gramas) e macrossômico (acima de 3.999 gramas). Quanto à frequência de laceração perineal, nas pacientes que não realizaram episiotomia foi significativamente maior (46,7%) quando comparadas as que realizaram o procedimento (6,3%), isto é, o risco de se ter uma laceração é sete vezes maior para as pacientes que não fizeram episiotomia. Porém, não foram identificados casos de laceração de terceiro ou quarto graus, consideradas de maior gravidade (Tabela 3).

Após análise de regressão logística as variáveis que permaneceram associadas à episiotomia foram doenças maternas e ausência de parto vaginal anterior, com uma constante estatisticamente significativa (Tabela 4).

Discussão

A prevalência da realização de episiotomia observada encontra-se bem abaixo da média nacional, que chegou a 94%7, todavia acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde, em torno de 10%10. A implementação da educação médica continuada, assim como divulgação de revisões e metánalises sobre o tema1,5,6,8, demonstram influenciar na redução desta taxa. Estudo realizado nos Estados Unidos evidenciou um declínio de 60,9% em 1979 para 24,5% em 20046. Na maternidade Prof. Monteiro de Moraes, centro do estudo, no ano de 2003, antes da implantação das normas de episiotomia seletiva, a frequência de realização de episiotomia encontrava-se em torno de 46%11. Assim, em três anos de implantação houve uma redução de mais de 1/3 dessa frequência11.

Após análise bivariada, encontrou-se no grupo de adolescentes um risco 74% maior de realizar episiotomia em gestantes submetidas ao parto vaginal, semelhante a outro estudo que avaliou gestações em adolescentes comparadas a pacientes em idade adulta12.Os autores evidenciaram uma incidência de 63,7% de realização de episiotomia nas adolescentes versus 47,9% nas mulheres adultas, diferença estatisticamente significante12. Aventa-se que o períneo das gestantes adolescentes apresente musculatura mais tensa que as mulheres adultas, o que poderia levar ao aumento do período de delivramento do polo cefálico, induzindo o obstetra assistente à realização da episiotomia. Outras razões habitualmente invocadas para explicar esta disparidade são a imaturidade biológica e as expectativas de parteiras e médicos quanto à tentativa de proteção do períneo em grávidas particularmente novas. Não foram encontrados estudos dirigidos à avaliação deste conceito psicológico dos profissionais de saúde ou das suas consequências12,13.

Justificativa semelhante pode ser sugerida às parturientes primíparas, das quais ¾ aproximadamente foram submetidas à episiotomia, com risco aumentado cerca de cinco vezes maior. Isoladamente, pode-se sugerir que a primiparidade foi o fator que apresentou maior associação para realização de episiotomia, porém não se manteve significativo após análise multivariada. Revisão feita nos Estados Unidos com 8.647 pacientes mostrou frequência de 50% de episiotomia nas primíparas contra 23% nas secundíparas e multíparas (OR=4,10), estatisticamente significante14, concordando com nossos achados. As justificativas para esse alto índice de episiotomia, ainda não estão bem esclarecidas. Além da elasticidade do períneo, a antiga recomendação de episiotomia rotineira em gestantes primíparas2 , praticada por muitos obstetras, pode ainda estar influenciando na indicação deste procedimento nestas pacientes. Todavia, é importante destacar que revisão sistemática não apóia tal conduta5. Estudo randomizado comparou dois grupos de primíparas com episiotomia rotineira e seletiva. Evidenciou-se que no grupo com indicação seletiva não houve nenhuma episiotomia contra 100% do grupo com realização rotineira, além de não terem observado diferença significativa quanto à proteção perineal ou resultados perinatais15.

A relação entre uso de fórceps e realização de episiotomia não pode ser avaliada neste estudo, devido a não ocorrência do uso do parto cirúrgico na amostra selecionada.

A presença de doença associada no momento do parto foi significantemente associada à realização da episiotomia, destacando-se as síndromes hipertensivas, doença mais frequente em nosso estudo. Ressalta-se que após análise multivariada o risco ajustado foi de aproximadamente duas vezes para realização da episiotomia. Não foram encontrados estudos que avaliaram tal associação. Porém, acredita-se que gestações de alto risco com doenças associadas representem um maior risco ao parto, incluindo maior taxa de morbidade e mortalidade materna e perinatal16. Desta forma, o obstetra assistente pode temer que a não realização da episiotomia represente uma má assistência materna, supondo que sua realização diminua a duração do parto. Particularmente, nas pacientes com síndrome hipertensiva da gravidez, as quais apresentam maior risco para complicações pós-parto, como hemorragias, hematomas e infecções17 .

A ausência de parto vaginal anterior também demonstrou ser fator de risco para realização da episiotomia, sugerindo que o períneo, devido à elasticidade, pode se encontrar mais apto para o parto vaginal a partir do segundo nascimento. Neste estudo encontrou-se uma forte associação entre a ausência do parto vaginal anterior e a realização da episiotomia, permanecendo significativa, mesmo após análise multivariada. Assim, destacase que na maternidade Prof. Monteiro de Moraes, a ausência de parto vaginal anterior foi o principal fator associado à episiotomia, com um risco ajustado de aproximadamente dez vezes maior.

O trabalho de parto e período expulsivo prolongados encontram-se associados à episiotomia, sendo recomendada sua realização no intuito de diminuir tocotraumatismos e sofrimento fetal18. Neste estudo avaliou-se o trabalho de parto superior a seis horas (média da fase ativa do trabalho de parto) e período expulsivo prolongado (superior a 30 minutos) não evidenciando associação significativa para realização do episiotomia.

Porém, destaca-se a dificuldade inerente ao estudo retrospectivo, no qual houve subregistro destes dados, com perda de 27(5,45%) pacientes, quanto ao trabalho de parto superior a seis horas e 410 mulheres (82%), referente ao período expulsivo prolongado, o que provavelmente influenciou nos resultados. Estudo que avaliou tais variáveis encontrou relação estatisticamente significante18. Porém, até mesmo a afirmação de que a episiotomia encurta o período expulsivo é questionada19 .

O uso de misoprostol e ocitocina não representou risco aumentado para realização de episiotomia, apesar de supostamente estarem relacionados com doenças preexistentes e trabalho de parto prolongado. O misoprostol é utilizado para indução do parto e na maioria das vezes em gestações de alto risco com doenças associadas, particularmente as síndromes hipertensivas da gravidez20 . Já a ocitocina frequentemente é utilizada para indução e condução do parto21. Provavelmente, devido à baixa frequência de pacientes incluídos neste estudo que utilizaram o misoprostol, não se encontrou associação à episiotomia. Quanto à ocitocina, a não associação à episiotomia pode estar relacionada ao seu uso indiscriminado, na tentativa de abreviar o tempo do trabalho de parto, observação já descrita em outro estudo realizado no Brasil, que observa uma alta frequência de uso de ocitócico 21.

Durante a construção do modelo causal desta pesquisa, aventou-se a hipótese que o turno noturno do parto seria fator de risco para a realização de episiotomia. No entanto, essa hipótese não foi confirmada e não foram encontrados na literatura pesquisada estudos associando episiotomia ao turno do parto.

Os supostos benefícios propostos para o feto com a realização da episiotomia incluem proteção cranial, especialmente para prematuros, redução da asfixia perinatal, melhores índices de Apgar, menor acidose fetal e redução de complicações na distocia de ombros22. Em relação à prematuridade, não há evidências de que a realização de episiotomia seja necessária para a prevenção de tocotraumatismos fetais. Ao contrário, o uso da episiotomia foi associado a aumento da taxa de contusões e abrasões cutâneas e não teve influência nas condições de nascimento, como índice de Apgar, acidose fetal ou admissão em unidade de cuidado intensivo neonatal23.

Na amostra estudada não se encontrou associação da episiotomia a sinais de sofrimento fetal durante o parto (alteração da frequência cardíaca fetal e eliminação meconial), e condições de nascimento dos recém-nascidos, avaliados pelo índice de Apgar menor que sete no primeiro e quinto minutos, achados esses também demonstrados em estudo que avaliou a morbidade neonatal relacionada com parto operatório23. A associação entre episiotomia e proteção perineal em partos operatórios (fórceps e vácuo extrator) é alvo de outros estudos17, 18. Porém, na amostra estudada, não foram observados partos com uso de fórceps, por sua incidência ser baixa no serviço. O tamanho amostral pode significar limitação para avaliação de algumas variáveis podendo este fato ser considerado uma limitação do estudo.

A proteção da integridade do assoalho pélvico é, sem dúvidas, a mais difundida indicação para realização da episiotomia. As lesões de primeiro e segundo graus são consideras leves, de fácil correção e cicatrização não causando grande prejuízo à puérpera, enquanto as de terceiro e quarto graus são classificadas como graves e podem levar à incontinência urinária e fecal19.

A realização de episiotomia no primeiro parto é fator de risco para a ocorrência de lacerações espontâneas em partos subsequentes, segundo estudo dos EUA (OR 4,47; IC95% 3,78-5,30), inclusive lesões perineais de terceiro e quarto graus (OR 5,25; IC95% 2,96-9,32)25. Em nosso estudo não foi possível avaliar a ocorrência de episiotomia em partos anteriores, por não haver registro deste dado no prontuário. Porém, a frequência de lacerações foi significativamente maior nas pacientes que não realizaram episiotomia, principalmente as lesões de períneo anterior e fúrcula. Na amostra estudada não houve relatos de lesões de terceiro e quarto graus.

Outras variáveis que são de interesse ao tema, como dor pósoperatória, ocorrência de infecção do sítio cirúrgico, hemorragia, dispareunia, incontinência urinária e fecal, fatores relacionados ao período mais tardio em relação ao parto não puderam ser avaliados devido ao desenho do estudo. Assim, novos estudos prospectivos são recomendados para determinação dos fatores de risco associados à realização da episiotomia, com ênfase às suas possíveis complicações.

A divulgação das taxas de episiotomia nos serviços de saúde, com avaliação criteriosa de suas indicações, visa buscar sua redução após implantação de políticas de restrição. Este estudo evidencia a importância da educação médica continuada para a reformulação de antigos conceitos. O decréscimo da frequência da realização de episiotomia, passando a obedecer às indicações seletivas, nos traz uma grande satisfação como educadores e um grande estímulo para continuar na busca pelo aprimoramento do conhecimento, refletindo numa melhor assistência a saúde. Assim, neste serviço com uma frequência de 29% de episiotomia, ainda temos que estimular a sua realização seletiva, atuando sobre os fatores associados que permaneceram significativos em nosso estudo, doenças maternas e ausência de parto vaginal anterior.

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 08/10/09

Aceito para publicação: 26/03/10

Trabalho realizado no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM), Maternidade Monteiro de Moraes da Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, PE

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      26 Mar 2010
    • Recebido
      08 Out 2009
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