Acessibilidade / Reportar erro

Diagnóstico de disgerminoma ovariano durante a gestação

IMAGEM EM MEDICINA

Diagnóstico de disgerminoma ovariano durante a gestação

José Eduardo GauzaI,* * Correspondência: Rua Blumenau, 178 , 8º andar , 802 - Centro Joinville-SC CEP: 89204.250 Fone: (47) 34336630 gauza@terra.com.br ; Ademir Garcia RebertiII; Jean Carl SilvaIII; Leonora Zozula Blind PopeIV; João Cesar da Rocha dos SantosV; Silvana Maria QuintanaVI

IMestrado em Saúde e Meio Ambiente - Médico obstetra do Hospital Dona Helena, Joinville, SC

IIMestre em Saúde e Meio Ambiente - Professor do Curso de Medicina da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, Joinville, SC

IIIDoutor em Ciências Médicas - Professor do Curso de Medicina da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, Joinville, SC

IVMestre em Saúde e Meio Ambiente - Professora do Curso de Medicina da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE-SC, Joinville, SC

VMédico oncologista do Hospital Dona Helena, Joinville,SC

VIDoutora em Tocoginecologia - Professora do Curso de Medicina da Universidade de São Paulo - USP-Ribeirão Preto, São Paulo, SP

Introdução

O disgerminoma é um tumor originário da célula primordial germinativa do ovário, muito raro e, frequentemente maligno, responsável por cerca de 1% de todos tumores germinativos.1,2 Cerca de 20% a 25% de os tumores ovarianos, têm sua origem em células germinativas e apenas 3% são malignos.3 Os tumores germinativos são responsáveis por cerca de 70% dos casos de neoplasia ovariana, nas primeiras décadas da vida, tendo características malignas em 1/3 das situações e são encontrados muito raramente após este período.3,4 Disgerminoma exibe correlação clássica com o seminoma do testículo, apresentando estrutura histológica idêntica a este.1,2,5,6 Acomete mulheres jovens, geralmente na infância e respondem bem ao tratamento quimioterápico.1 Geralmente são considerados de baixo poder maligno, mas podem disseminarem-se, caso ocorra invasão por metástases, em cápsula, envolvimento de nódulos linfáticos ou células sanguineas. 2,8,9

Caso

Feminina, 25 anos, branca, procurou atendimento médico para realização de pré-natal.

História pregressa nos últimos quatro anos hígida e sem alterações. Nega história familiar de neoplasia, menarca aos 12 anos, ciclos menstruais regulares. Nega cirurgias anteriores e cauterizações do colo uterino. Gesta 1 Para 0, exames pré-natal sem alterações, gestação evoluiu sem intercorrências clínicas. Realizado US obstétrico com 14 semanas que demonstrou: ovário esquerdo aumentado com cisto de corpo lúteo. US com 19s2d sem anormalidades. Us com 31 semanas mostrando: massa sólida em anexo esquerdo, em contiguidade ao útero, medindo 179x152 mm=1915 cm3 podendo corresponder a nódulo miomatoso com necrose central, feto sem anormalidades. A partir deste período, a paciente passou a referir leves dores em hipocôndrio esquerdo irradiando-se à fossa ilíaca do mesmo lado, que melhoravam com uso de analgésicos não-opioides sem outras queixas. Com 39 semanas, paciente entrou em trabalho de parto e optou-se por realizar cesariana através de uma laparotomia infra-umbilical mediana com feto pesando 2700g, apgar 9, no primeiro minuto e 10 ao quinto minuto. Ao se investigar a cavidade abdominal, constatou-se que a massa sólida, correspondendo a volumosa formação anexial esquerda, com origem em ovário, sendo as outras estruturas adjacentes ao útero, aparentemente, sem alterações macroscópicas. Resultado anatamopatológico:Disgerminoma puro, pesando 2855g, medindo 23,0x18,0x11,0cm, tumor limitado ao ovário, cápsula infiltrada, porém intacta, com ausência de neoplasia na superfície externa.

Taxa de 5 mitoses / CGA, pouco estroma e discreto infiltrado linfocitico.Não se identificou invasão angiolinfática. Realizada investigação oncológica que não mostrou sinais indicativos de processos expansivos intracavitários. Posteriormente, foi submetida a cirurgia para estadiamento do tumor, sendo realizadas biópsias em fossa ilíaca direita e esquerda (D/E), peritôneo diafragmático D/E, goteira parietocólica D/E, exerese total do epiplon e lavado peritoneal, onde não foi evidenciado tecido neoplásico no material. A paciente foi encaminhada à quimioterapia para tratamento complementar com estadiamento final, segundo a FIGO (1985) Estádio 1 A. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Dona Helena, Joinville-SC, conforme a Resolução 196/96 sobre a pesquisa envolvendo seres humanos do Conselho Nacional de Saúde com autorização, por escrito da paciente.

Discussão

Os tumores ovarianos não-epiteliais, com origem em células germinativas, são raros, quando comparados aos tumores epiteliais, sendo responsáveis por 10% dos casos de câncer ovariano.1,2,4,5,10 Por ser um tumor incomum, o diagnóstico de disgerminoma é suspeitado no momento em que o cirurgião o aborda, pela primeira vez e, não o bastante, seu prognóstico requer a sapiência do não acometimento por metástases o que,certamente, melhoram as chances de uma sobrevida maior e melhor.2,9,11 No caso presente, durante o pré-natal, foi feito o diagnóstico de leiomioma uterino gigante em lado esquerdo e não foi cogitada a hipótese de tumoração anexial ou neoplasia ovariana. Apesar de o US obstétrico com 14 semanas ter evidenciado cisto de corpo lúteo em ovário esquerdo aumentado, até certo ponto, pode corresponder a um fato identificado em cerca de 70% a 80% das vezes, quando o ultrassonografista não afere rotineiramente o diâmetro do mesmo 8,11,12. Da mesma forma, o US realizado com 19 semanas e dois dias de gestação não ter identificado anormalidades estruturais tanto em nível fetal como ovariano, faz pensar se, até aquela data existia ou não massa ovariana, uma vez que nada foi relatado pelo ultrassonografista. E sabido, pela literatura pertinente, que casos de neoplasia podem ter crescimento geométrico até cerca de 20% do seu tamanho em um período muito curto( um a dois meses) 12,14,26. Quando foi realizado US com 31 semanas gestacional, identificando massa sólida em anexo esquerdo, não foram vistas as características morfológicas da mesma quanto à estrutura,consistência e localização exata, somente demonstrando estar em contiguidade ao útero. Por isso, foi sugerido tratar-se de miomatose uterina e, em decorrência a isso, quando existe a suspeita de miomatose uterina adjuvante a gestação não é proferida a propedêutica que se empreenderia como fosse suspeitado de um tumor ovariano maligno como a realização de marcadores tumorais, ressonância nuclear magnética pélvica, entre outros.2,3,4,26 Zganjer et al. aventaram a hipótese da associação disgerminoma com trauma abdominal em paciente de 12 anos de idade após acidente automobilístico6. É fato também que algumas síndromes tenham, no seu transcurso clínico, alguma associação com o disgerminoma, como é o caso da síndrome de Cowden12, síndrome ataxia -t elangectasia13, syndrome de Swyer (disgenesia gonadal pura associada a cariótipo XY 46)14,15, síndrome Apert (desordem autossômica dominante)16 e a síndrome de Down 17. A paciente do presente estudo por se encontrar em período pré-natal, sem alterações fenotípicas que sugerissem algum dado sindrômico pertinente, não foi questionada ou avaliada sobre esta possibilidade. A associação de disgerminoma com hipercalcemia maligna10,18,19 é descrita por alguns autores que, no presente caso, os exames complementares mostraram estar dentro da normalidade. Outra peculiaridade chama a atenção quando é descrita a associação de disgerminoma em algumas variedades de animais20,21. Apesar de se apresentar um tumor ovariano, com grandes proporções, com peso avaliado na sala cirúrgica de 3160 g, consistência firme, móvel, cápsula íntegra, sem ascite, tudo seria indicativo de mau prognóstico o que, na realidade não se concretizou e, posteriormente, chegou-se ao diagnóstico histopatológico de disgerminoma em estádio 1 A. Apesar de a literatura pesquisada aventar a possibilidade de realizar-se quimioterapia adjuvante nesta paciente, optou-se por não realizar a mesma e fazer somente controle clínico em virtude das condições benéficas encontradas na cirurgia para estadiamento tumoral com 45 dias pós-cesariana e estado clínico considerado estável por parte da paciente, o que se mantém até hoje e está em acordo com alguns autores,22,23 que mostram alguns insucessos com a quimioterapia relatados por Ishibashi et al 11, que relatam o caso resistente ao primeiro tratamento quimioterápico em uma adolescente de 14 anos.

O propósito da divulgação deste caso foi chamar a atenção para os tumores anexiais que podem acometer o organismo feminino, mesmo no transcurso de um pré-natal sem intercorrências e que assombram pelo volume desenvolvidos em tão pouco tempo.

Trabalho realizado no Hospital Dona Helena, Joinville, SC

  • 1. Ladis SH, Murray T, Bolden S, Wingo PA. Cancer statistics. CA Cancer J Clin. 1998;48:6-25.
  • 2. Duska L, Bicher A. Câncer de ovário. In: Lambrou NC, Morse AN, Wallach E. Manual de ginecologia e obstetrícia do Johns Hopkins. Porto Alegre: Artmed; 1999. p.431-50.
  • 3. Thimble EL. The NIH Consenus Conference on ovarian cancer: screening, treatment and follow-up. Gynecol Oncol. 1994;55:51-3.
  • 4. Palenzuela G, Martin E, Meunier A, Beuzeboc P, Laurence V, Orbach D, et al. Comprehensive staging allows for excellent outcome in patients with localized malignant germ cell tumor of the ovary. Ann.Surg. 2008;248:836-41.
  • 5. Nguyen HN, Averette HE, Janicek M. Ovarian carcinoma: a review of the significance of familial risk factors and the role of prophylactic oophorectocmy in cancer prevention. Cancer. 1994;74:545-55.
  • 6. Zganjer M, Cizmic A, Stepan J, Butkovic D, Zupancic B, Bartolek F. Ovarian dysgerminoma and acute abdomen. Bratisl.Lek.Listy. 2006;107:253-5.
  • 7. Topuz S, Iyibozkurt AC, Akhan SE, Keskin N, Yavuz E, Salihoglu Y, et al. Malignant germ cell tumors of the ovary: a review of 41 cases and risk factors for recurrence. Eur.J.Gynaecol.Oncol. 2008;29:635-7.
  • 8. Desirotte G, Pintiaux A, Foidart JM, Nisolle M. Four clinical cases of dysgerminoma. Rev Med Liege. 2008;63:523-7.
  • 9. Guillem V, Poveda A. Germ cell tumours of the ovary. Clin Transl Oncol. 2007;9:237-43.
  • 10. Hibi M, Hara F, Tomishige H, Nishida Y, Kato T, Okumura N, et al. 1,25-dihydroxyvitamin D-mediated hypercalcemia in ovarian dysgerminoma. Pediatr Hematol Oncol. 2008;25:73-8.
  • 11. Ishibashi M, Nakayama K, Oride A, Yeasmin S, Katagiri A, Iida K, Nakayama N, Miyazaki K. [A case of PEP(BEP)-resistant ovarian dysgerminoma successfully treated by VeIP therapy]. Gan To Kagaku Ryoho. 2009;36:513-7.
  • 12. Cho MY, Kim HS, Eng C, Kim DS, Kang SJ, Eom M, Yi SY, Bronner MP. First report of ovarian dysgerminoma in Cowden syndrome with germline PTEN mutation and PTEN-related 10q loss of tumor heterozygosity. Am J Surg Pathol. 2008;32:1258-64.
  • 13. Koksal Y, Caliskan U, Ucar C, Yurtcu M, Artac H, Ilerisoy-Yakut Z, et al. Dysgerminoma in a child with ataxia-telangiectasia. Pediatr Hematol Oncol. 2007;24:431-6.
  • 14. Nisolle M, Kridelka F, Fridman V, Claudot A, Lorquet S, Foidart JM. A bilateral dysgerminoma: a rare presentation of the Swyer syndrome. Rev Med Liege. 2005;60:703-6.
  • 15. Namavar-Jahromi B, Mohit M, Kumar PV. Familial dysgerminoma associated with 46, XX pure gonadal dysgenesis. Saudi Med J. 2005 ;26:872-4.
  • 16. Rouzier C, Soler C, Hofman P, Brennetot C, Bieth E, Pedeutour F. Ovarian dysgerminoma and Apert syndrome. Pediatr Blood Cancer. 2008;50:696-8.
  • 17. Satge D, Honore L, Sasco AJ, Vekemans M, Chompret A, Rethore MO. An ovarian dysgerminoma in Down syndrome. Hypothesis about the association. Int J Gynecol Cancer. 2006;16(Suppl 1):375-9.
  • 18. Evans KN, Taylor H, Zehnder D, Kilby MD, Bulmer JN, Shah F, et al. Increased expression of 25-hydroxyvitamin D-1alpha-hydroxylase in dysgerminomas: a novel form of humoral hypercalcemia of malignancy. Am J Pathol. 2004;165:807-13.
  • 19. Matthew R, Christopher O, Philippa S. Severe malignancy-associated hypercalcemia in dysgerminoma. Pediatr Blood Cancer. 2006;47:621-3.
  • 20. Fitzgerald SD, Duncan AE, Tabaka C, Garner MM, Dieter A, Kiupel M. Ovarian dysgerminomas in two mountain chicken frogs (Leptodactylus fallax). J Zoo Wildl Med. 2007;38:150-3.
  • 21. Harland S, Smith C, Mogg T, Horadagoda N, Dart A. Surgical resection of a dysgerminoma in a mare. Aust Vet J. 2009;87:110-2.
  • 22. Pauls K, Wardelmann E, Merkelbach-Bruse S, Buttner R, Zhou H. c-KIT codon 816 mutation in a recurrent and metastatic dysgerminoma of a 14-year-old girl: case study. Virchows Arch. 2004;445:651-4.
  • 23. Ramirez TN, Basavilvazo Rodriguez MA, Tellez MA, Robles RG, Lemus RR, et al. Clinical experience with chemotherapy of the malignant tumor of germinal cells (dysgerminoma) of the ovary. Ginecol Obstet Mex. 2004;72:500-7.
  • 24. Patterson DM, Murugaesu N, Holden L, Seckl MJ, Rustin GJ. A review of the close surveillance policy for stage I female germ cell tumors of the ovary and other sites. Int J Gynecol Cancer. 2008;18:43-50.
  • 25. Roth LM, Talerman A. Recent advances in the pathology and classification of ovarian germ cell tumors. Int J Gynecol Pathol. 2006;25:305-20.
  • 26. Cunningham FG, Leveno KJ, Bloom SL, Hauth JC, Rouse DJ, Spong CY, editors. Williams obstetrics. 22nd ed. New York (NY): Mc Graw-Hill; 2005.
  • *
    Correspondência: Rua Blumenau, 178 , 8º andar , 802 - Centro Joinville-SC CEP: 89204.250 Fone: (47) 34336630
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      2010
    Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ramb@amb.org.br