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Sistema intrauterino liberador de levonorgestrel e risco de câncer de mama

COMENTÁRIO

Sistema intrauterino liberador de levonorgestrel e risco de câncer de mama

Alessandro ScapinelliI,* * Correspondência: Rua Ernesto de Oliveira 40 Ap. 73 São Paulo - SP CEP: 04116-170 alescapinelli@uol.com.br ; Vilmar Marques de OliveiraII; Maira Mariko TakagiIII; José Mendes AldrighiIV

IEspecialista em Ginecologia e Obstetrícia - Médico Assistente da Clínica de Ginecologia Endócrina, Climatério e Anticoncepção (GECLAN) da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP

IIDoutor em Tocoginecologia - Professor Assistente da Clínica de Mastologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP

IIIMédica residente - Corresponsável pela Liga de Ginecologia Endócrina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP

IVLivre-Docente - Professor Titular da Clínica de Ginecologia Endócrina, Climatério e Anticoncepção (GECLAN) da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP

No último Congresso da Sociedade Européia de Contracepção e Saúde Reprodutiva, realizado em 2010 na Holanda, Dinger et al. apresentaram os resultados de um estudo que avaliou comparativamente o risco do câncer de mama em usuárias do sistema liberador ntra-uterino de levonorgestrel (SLIU/LNG) e do dispositivo intra uterino contendo cobre (DIU/Cu)1.

O estudo identificou, entre 2000 e 2007 nos registros de cânceres da Alemanha e Finlândia, 5113 casos de câncer de mama em mulheres abaixo de 50 anos confirmados histologicamente e 20452 controles.Todas foram analisadas quanto às características pessoais e fatores de risco para câncer de mama, como IMC, história ginecológica, uso de contracepção hormonal e TH, história familiar de cânceres ginecológicos, presença de comorbidades, uso de fármacos, indicadores socioeconômicos e estilo de vida.

A estatística se apoiou em testes com poder analítico de detectar o risco de câncer de mama acima de 1,5 vezes e se basearam em três diferentes modelos de regressão logística para avaliar 14 fatores confundidores.

Os resultados obtidos foram símiles nos dois países, tanto nas ex como nas usuárias atuais dos dois grupos (SLIU/LNG e DIU/Cu) no tocante ao risco de câncer de mama invasivo, aparecimento de metástases regional ou distante, tamanho/ tipo histológico do tumor e prevalência dos fatores de risco.

O estudo de Dinger et al. surge num momento oportuno, pois pode contribuir na resposta de uma questão ainda atual e que se tornou candente após a publicação dos resultados do WHI2, qual seja, a da possibilidade dos progestógenos se associarem a oncogênese mamária, uma vez que seu uso, quando combinado ao estrogênio, propiciou um maior risco do câncer de mama do que o observado com o estrogênio isolado.

O WHI foi o primeiro estudo duplo cego randomizado, placebo controlado a relatar maior risco de câncer de mama aos 5,2 anos no grupo de usuárias da associação estrogênio conjugado equino (ECE) com o acetato de medroxiprogesterona (AMP); diferentemente no grupo de usuárias do ECE isolado, constatou-se redução do risco aos sete anos de uso do esteróide, porém sem significância estatística.

Embora o WHI tenha sido o primeiro estudo randomizado, não foi pioneiro a considerar a possibilidade da associação progestógeno e câncer de mama. De fato, outros já tinham alertado sobre essa possibilidade, como o de PIKE (1988)3 que notou aumento do risco nas usuárias de contraceptivo contendo exclusivamente progestógeno e o de WREN (1988)4 em cadelas beagles tratadas com o acetato de medroxiprogesterona.

Posteriormente, a progesterona durante a segunda fase do ciclo menstrual, bem como o uso de progestógenos, foram responsabilizados a uma ação mitogênica no epitélio mamário (Nazário 1995)5.

Do exposto se depreende que todos esses estudos geram um embasamento biológico plausível que permite supor um possível impacto do esteroide no determinismo do câncer de mama.

Certamente, foi por isso que logo após o WHI muitos estudos emergiram da literatura com o intuito de esclarecer os possíveis mecanismos dos progestógenos na eclosão da mitogênese mamária

Um dos que tem sido muito estudado relaciona-se ao impacto dos progestógenos sobre as enzimas presentes no tecido mamário normal e naquele com câncer que apresentam importante participação na bioformação e transformação metabólica dos estrogênios, androgênios e progesterona; entre essas enzimas, destacam-se a sulfatase, aromatase, 17 β hidroxiesteroide dehidrogenase tipo 1 (17 β-HSD 1) e a sulfotransferase.

A sulfatase age no tecido mamário transformando estrona inativa em ativa, sendo esta via 100 a 500 vezes mais rápida que a da aromatase.

A 17 β-HSD, especificamente a tipo 1 (que está aumentada no câncer de mama), converte estrona em estradiol na célula mamária. O tumor que expressa essa enzima tem menor intervalo livre da doença e pior prognóstico. A aromatase é a responsável pela transformação de androgênios em estrogênios. A sulfatransferase age inibindo a ação tanto da estrona quanto do estriol.

Nesse sentido, Pasqualini (2009)6 observou que a ação da atividade dessas três primeiras enzimas de metabolização dos esteroides (sulfatase, 17 β-HSD 1 e aromatase) está aumentada, enquanto a da sulfatransferase se reduz no câncer de mama.

A progesterona natural e osprogestógenos (diidrogesterona e nomegestrol) agem inibindo a ação da sulfatase e 17β-HSD 1 e aumentam a ação da sulfatransferase; entretanto, o metabolito da progesterona (20x-hidroxiprogesterona), exibe efeito antiaromatase.

A progesterona, por sua vez, é largamente transformada na mama: no tecido mamário normal há uma maior concentração de 20 e 3x-hidroxiprogesterona do que de 5x-progesterona e o inverso no câncer de mama. Isto sugere que o câncer de mama está relacionado com a mudança na concentração dos metabolitos da progesterona.

Estudo experimental de Simoncini (2008)7 mostrou que a progesterona, acetato de medroxiprogesterona (AMP), drosperinona e nesterona isolados ou em combinação com estradiol, aumentam a migração e invasão celular no câncer de mama por meio da ativação do complexo actina-miosina e induz ao rearranjo do citoesqueleto; tal fato, demonstra que a progesterona propicia impacto na progressão do câncer de mama receptor de progesterona positivo, alterando a habilidade das células interagirem com o meio extracelular. Logo a ativação do receptor da progesterona pode ter um papel na progressão do câncer de mama ER /PR .

No entanto, há nítidas diferenças de potências entre eles, sendo o AMP, o mais potente, seguido da progesterona natural, nestorona e drosperinona.

Curiosamente, a associação da progesterona ou de algum desses progestógenos com estradiol provoca diminuição da invasão celular, quando se compara com o estradiol isolado; isso sugere que alguns progestógenos diminuem o efeito do estradiol na invasão celular do câncer de mama.

Outro progestógeno que deve ser considerado é o levonorgestrel (LNG), uma vez que é um dos componentes mais comuns das pílulas combinadas, além de também ser constituinte do sistema liberador intrauterino, que propicia concentração sérica do LNG 1000 vezes menor do que a intrauterina (Nilson 1982)8.

Por isso, é plausível supor que essa biodisponibilidade sistêmica desprezível cause mínimo efeito mamário e os estudos nesse sentido são ainda escassos.

Assim, Backman et al. (2005)9, em estudo caso-controle notaram que as usuárias de SLIU/LNG não apresentaram diferenças na incidência de câncer de mama, enquanto Lundstrom et al. (2006)10 não constataram aumento da densidade mamária em usuárias do SLIU/LNG, quando associado ao valerato de estradiol.

Trinh et al. (2008)11 , em corte retrospectiva de três anos, envolvendo mulheres com câncer de mama invasivo sem metástases, constataram que as usuárias do SLIU/LNG, cujo diagnóstico foi feito durante seu uso, apresentaram pior prognóstico, quando comparadas as que nunca tinham utilizado o sistema e, com aquelas cuja inserção ocorreu após o tratamento do câncer. Entretanto, várias foram as limitações do estudo, como maior percentual de axila comprometida nas mulheres cujo diagnóstico do câncer foi feito durante o uso do SLIU/LNG, menor tempo de seguimento médio e pequeno tamanho amostral.

Dessa forma, o estudo de Dinger et al. (2010)1 assume particular importância, pois não mostrou evidências de indução ou promoção do câncer de mama nas usuárias do SLIU/LNG; entretanto, novos estudos devem ser feitos para uma melhor elucidação do risco de câncer de mama nas usuárias do SLIU/LNG.

Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP

  • 1. Dinger J, Bardenheuer K, Moehner S. Breast cancer risk associated with the use of levonorgestrel-containing intrauterine devices compared to copper intrauterine devices. In: Berlin Center for Epidemiology and Health Research. Berlin; 2010.
  • 2. Stefanick ML, Anderson GL, Margolis K, Hendrix SL, Radabough RJ,Paskett ED, et al. Effects of conjugated equine estrogens on breast cancer and mammography in postmenopausal women with hysterectomy. JAMA. 2006;295:1647-57.
  • 3. Pike MC, Key TJ. The role of oestrogens and progestagens in the epidemiology and prevention of breast cancer. Eur J Cancer Clin Oncol. 1988;1(24):29-43.
  • 4. Wren LM. Depo Provera: still controversial. Int Health News. 1988;2(9):2-3.
  • 5. Nazário AC, De Lima GR, Simões MJ, Novo NF. Cell Kinetics of the human mammary lobule during the proliferative and secretory phase of the menstrual cycle. Bull Assoc Anat (Nancy). 1995;79(244):23-7.
  • 6. Pasqualini JR. Breast cancer and steroid metabolizing enzymes: the role of progestogens. Maturitas. 2009;65(Suppl 1):S17-21.
  • 7. Simoncini T, Genazzani AR, Sitruk-Ware R, Garibaldi S, Baldacci C, Sanches AM, et al. Comparative actions of progesterone, medroxyprogesterone acetate, drospirenone and nesterone on breast cancer cell migration and invasion. BMC Cancer. 2008;8:166.
  • 8. Nilson CG, Haukkamaa M, Vierola H, Luukkainen T. Tissue concentration of levonorgestrel in women using levonorgestrel releasing IUD. Clin Endocrinol. 1982;17(6):529-36.
  • 9. Backman T, Rauramo I, Jaakkola K, Inki P, Vaahtera K, Launonen A, et al. Use of the levonorgestrel-releasing intrauterine system and breast cancer. Obstet Gynecol. 2005;106(4):813-7.
  • 10. Lundströn E, Söderqvist G, Svane G, Azavedo E, Olovsson M, Skoog L, et al. Digitized assessment of mammographic breast density in patients who received low-dose intrauterine levonorgestrel in continuous combination with oral estradiol valerate: a pilot study. Fertil Steril. 2006;85(4):989-95.
  • 11. Trinh XB, Tjalma WA, Makar AP, Buytaert G, Weyler J, van Dam PA. Use of the levonorgestrel-releasing intrauterine system in breast cancer patients. Fertil Steril. 2008;90(1):17-22.
  • *
    Correspondência: Rua Ernesto de Oliveira 40 Ap. 73 São Paulo - SP CEP: 04116-170
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      2010
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