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Avaliação da vitalidade fetal e resultados perinatais em gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux

Resumos

OBJETIVO: Analisar os resultados da avaliação da vitalidade fetal de gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux, verificando as complicações maternas e os resultados perinatais. MÉTODOS: No período de julho de 2001 a setembro de 2009, foram analisados, retrospectivamente, dados de prontuário de pacientes com gestação após gastroplastia com derivação em Y de Roux, acompanhadas em pré-natal especializado e cujo parto foi realizado na instituição. Foram analisados os exames de avaliação da vitalidade fetal (cardiotocografia, perfil biofísico fetal e dopplervelocimetria das artérias umbilicais) realizada na semana anterior ao parto. As variáveis maternas investigadas foram: dados demográficos, complicações clínicas maternas, tipo de parto, complicações no parto e pós-parto, exames hematimétricos maternos e resultados perinatais. RESULTADOS: Trinta gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux foram identificadas e 24 delas foram submetidas à avaliação da vitalidade fetal. Todas as pacientes apresentaram resultados normais na cardiotocografia, no perfil biofísico fetal e na dopplervelocimetria das artérias umbilicais. Houve um caso de oligohidrâmnio. A principal complicação observada foi anemia materna (Hb < 11,0 g/dL, 86,7%). A cesárea foi realizada em 21 pacientes (70%). As complicações do parto incluíram um caso de aderências, um de hematoma e infecção de parede e um de histerectomia pós-parto por miomatose e atonia uterina. A proporção de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional foi de 23,3%. CONCLUSÃO: Não houve comprometimento do bem-estar fetal em gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux. A principal complicação materna foi a anemia e essas mulheres requerem aconselhamento nutricional específico com ampla avaliação das deficiências de micronutrientes desde o início da gravidez.

Gravidez; Anemia; Cesárea; Feto; Gastroplastia


OBJECTIVE: To study fetal vitality assessed in pregnancies after gastroplasty with Roux-en-Y gastric bypass'and verify maternal complications and perinatal results. METHODS: Hospital charts of all pregnancies after gastroplasty with Roux-en-Y gastric bypass were reviewed retrospectively. All cases followed at the specialized prenatal care that gave birth in this institution, between July 2001 and September 2009, were reviewed. The assessment of fetal vitality (cardiotocography, fetal biophysical profile and umbilical artery Doppler velocimetry) performed in the last week before delivery were analyzed. The maternal variables investigated were: demographic data, maternal complications, mode of delivery, complications during delivery and postpartum, maternal blood exams and perinatal results. RESULTS: During the study period 30 pregnancies after gastroplasty with Roux-en-Y gastric bypass were identified and 24 of them had undergone assessment of fetal vitality. All patients presented normal cardiotocography, normal fetal biophysical profile and normal results at the umbilical artery Doppler velocimetry. One case presented with oligohydramnios. The main complication observed was maternal anemia (Hb < 11.0 g/dL, 86.7%). Cesarean section was performed in 21 pregnancies (70%). Delivery complications included one case of adherences, one hematoma and infection of abdominal wall scar and one postpartum hysterectomy for myoma and uterine atony. The proportion of small infants for gestational age was 23.3%. CONCLUSION: Fetal vitality was not compromised in pregnancies after gastroplasty with Roux-en-Y gastric bypass. The main maternal complication was anemia, therefore these women require specific nutritional counseling and a broad evaluation for micronutrient deficiencies at early pregnancy.

Pregnancy; Gastroplasty; Fetus; Anemia; Cesarean section


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da vitalidade fetal e resultados perinatais em gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux

Assessment of fetal vitality and perinatal results in pregnancies after gastroplasty with Roux-en-Y gastric bypass

Roseli Mieko Yamamoto NomuraI,* * Correspondência: Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 255, 10º andar - sala 10037 São Paulo - SP CEP: 05403-000 ; Maria Carolina Gonçalves DiasII; Ana Maria Kondo IgaiIII; Adolfo Wenjaw LiaoIV; Seizo MiyadahiraV; Marcelo ZugaibVI

ILivre-docente em Obstetrícia; Professora associada do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

IIMestre em Ciências; Nutricionista da Divisão de Nutrição e Dietética e do Grupo de Nutrologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo São Paulo, São Paulo, SP

IIIDoutora em Obstetrícia; Médica da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo , São Paulo, SP

IVDoutor em Obstetrícia; Docente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

VLivre-docente em Obstetrícia; Médico da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

VIProfessor Titular do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

RESUMO

OBJETIVO: Analisar os resultados da avaliação da vitalidade fetal de gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux, verificando as complicações maternas e os resultados perinatais.

MÉTODOS: No período de julho de 2001 a setembro de 2009, foram analisados, retrospectivamente, dados de prontuário de pacientes com gestação após gastroplastia com derivação em Y de Roux, acompanhadas em pré-natal especializado e cujo parto foi realizado na instituição. Foram analisados os exames de avaliação da vitalidade fetal (cardiotocografia, perfil biofísico fetal e dopplervelocimetria das artérias umbilicais) realizada na semana anterior ao parto. As variáveis maternas investigadas foram: dados demográficos, complicações clínicas maternas, tipo de parto, complicações no parto e pós-parto, exames hematimétricos maternos e resultados perinatais.

RESULTADOS: Trinta gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux foram identificadas e 24 delas foram submetidas à avaliação da vitalidade fetal. Todas as pacientes apresentaram resultados normais na cardiotocografia, no perfil biofísico fetal e na dopplervelocimetria das artérias umbilicais. Houve um caso de oligohidrâmnio. A principal complicação observada foi anemia materna (Hb < 11,0 g/dL, 86,7%). A cesárea foi realizada em 21 pacientes (70%). As complicações do parto incluíram um caso de aderências, um de hematoma e infecção de parede e um de histerectomia pós-parto por miomatose e atonia uterina. A proporção de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional foi de 23,3%.

CONCLUSÃO: Não houve comprometimento do bem-estar fetal em gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux. A principal complicação materna foi a anemia e essas mulheres requerem aconselhamento nutricional específico com ampla avaliação das deficiências de micronutrientes desde o início da gravidez.

Unitermos: Gravidez. Anemia. Cesárea. Feto. Gastroplastia.

SUMMARY

OBJECTIVE: To study fetal vitality assessed in pregnancies after gastroplasty with Roux-en-Y gastric bypass'and verify maternal complications and perinatal results.

METHODS: Hospital charts of all pregnancies after gastroplasty with Roux-en-Y gastric bypass were reviewed retrospectively. All cases followed at the specialized prenatal care that gave birth in this institution, between July 2001 and September 2009, were reviewed. The assessment of fetal vitality (cardiotocography, fetal biophysical profile and umbilical artery Doppler velocimetry) performed in the last week before delivery were analyzed. The maternal variables investigated were: demographic data, maternal complications, mode of delivery, complications during delivery and postpartum, maternal blood exams and perinatal results.

RESULTS: During the study period 30 pregnancies after gastroplasty with Roux-en-Y gastric bypass were identified and 24 of them had undergone assessment of fetal vitality. All patients presented normal cardiotocography, normal fetal biophysical profile and normal results at the umbilical artery Doppler velocimetry. One case presented with oligohydramnios. The main complication observed was maternal anemia (Hb < 11.0 g/dL, 86.7%). Cesarean section was performed in 21 pregnancies (70%). Delivery complications included one case of adherences, one hematoma and infection of abdominal wall scar and one postpartum hysterectomy for myoma and uterine atony. The proportion of small infants for gestational age was 23.3%.

CONCLUSION: Fetal vitality was not compromised in pregnancies after gastroplasty with Roux-en-Y gastric bypass. The main maternal complication was anemia, therefore these women require specific nutritional counseling and a broad evaluation for micronutrient deficiencies at early pregnancy.

Key words: Pregnancy. Gastroplasty. Fetus. Anemia. Cesarean section.

Introdução

A incidência e a prevalência da obesidade mórbida vêm crescendo gradativamente nos dias atuais e a cirurgia bariátrica surgiu como opção terapêutica para essa entidade mórbida. Dos pacientes que se submetem à cirurgia bariátrica, muitas são mulheres em idade fértil, e, após essa cirurgia, verifica-se melhora significativa na fertilidade, com normalização dos níveis hormonais e dos ciclos menstruais, que favorecem a ocorrência da gravidez1. Os benefícios da cirurgia bariátrica residem na redução significativa do peso corpóreo e na atenuação dos riscos vinculadas às comorbidades associadas. Entretanto, existem importantes percalços traduzidos pelos déficits nutricionais que são desencadeadas pela má absorção de nutrientes, induzida pelo "bypass" gástrico.

A gestação em mulheres obesas associa-se a maiores taxas de complicações maternas e perinatais, quando comparadas às gravidezes em mulheres com índice de massa corporal (IMC) normal. Constata-se aumento na incidência de diabetes, hipertensão arterial, parto cesariano, macrossomia fetal e complicações anestésicas2-5. De outra forma, estudos realizados em gestantes com antecedente de cirurgia bariátrica não demonstram repercussões significativas nos resultados perinatais6-9.

Por outro lado, em relação às repercussões sobre o compartimento materno nas pacientes com obesidade mórbida, a maioria dos estudos relata resultados animadores com a cirurgia bariátrica. Aponta redução na incidência de diabetes gestacional, hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia10-12. Portanto, nesse grupo de pacientes, a taxa de complicações na gravidez, tanto maternas quanto fetais, parece estar reduzida após a cirurgia, quando comparadas com as obesas mórbidas não operadas.

Apesar de se observar redução na ocorrência de comorbidades relacionadas à obesidade, a heterogeneidade de opiniões, prolatada na literatura, assinala a persistência de preocupações a respeito da segurança na saúde materna e do feto, na gravidez após gastroplastia redutora. Em virtude disso, recomenda-se que, durante a evolução da gestação, na assistência pré-natal sejam incluídos os cuidados na monitoração da nutrição e do ganho de peso materno. Para a implantação de assistência diferenciada para esses casos, o obstetra deve se atentar que as informações fornecidas pelas pesquisas, nesse tema, referem-se a diferentes tipos de cirurgias bariátricas, cujas consequências quanto à disabsorção de micronutrientes apresentam espectros distintos e, esse aspecto deve ser considerado.

No presente estudo, é apresentada a experiência no seguimento pré-natal de gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux. O objetivo é analisar os resultados dos exames de avaliação da vitalidade fetal dessas gestações e verificar as complicações clínicas maternas e os resultados perinatais.

Métodos

Este trabalho foi realizado em hospital universitário, de nível terciário, que atende a gestações de alto risco. Os sujeitos incluídos nesta pesquisa abrangem gestantes com antecedente de cirurgia bariátrica, especificamente a gastroplastia redutora com derivação em Y de Roux. Todas as pacientes realizaram acompanhamento com a equipe da Divisão de Nutrição e Dietética e do grupo de Nutrologia, e no pré-natal especializado da Clínica Obstétrica, no período de julho de 2001 a setembro de 2009. O estudo é do tipo retrospectivo e descritivo. O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da instituição sob o número 008/06.

Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: gestante com diagnóstico de antecedente de gastroplastia redutora com derivação em Y de Roux; gestação única; pré-natal e partos realizados na instituição; e normalidade fetal à ultrassonografia morfológica.

As pacientes foram selecionadas e os dados coletados incluíram informações obtidas por meio de consulta aos prontuários médicos e livros de registro de partos, arquivados na Seção de Arquivo Médico da instituição, bem como informações obtidas a partir da consulta do banco de dados informatizado do departamento.

As pacientes foram acompanhadas pelo grupo de nutrologia, incluindo avaliação antropométrica (peso, altura e IMC). A orientação dietética objetivou atingir 15 a 25 kcal/kg/dia13, para atingir ganho de peso gestacional de 7-11 kg, como é recomendado para gestantes com sobrepeso (IMC de 26.1 a 29.0 kg/m2) pelo Instituto de Medicina14. As pacientes foram instruídas a consumirem pequenas porções na refeição, cortando todos os alimentos em pequenos pedaços, especialmente as carnes, frutas e vegetais. As pacientes foram orientadas a manterem permanentemente baixo consumo de gorduras (< 30% da energia total), especialmente saturadas, e a evitarem alimentos calóricos e doces, tais como petiscos, frituras, chocolate, sorvete, bolachas, e bebidas açucaradas. Foi mantida a suplementação vitamínica (ferro e ácido fólico) durante todo o pré-natal, profilática ou terapêutica, quando necessário.

Foram avaliadas 30 gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux e os dados referentes às características da população estão apresentados na Tabela 1.

A vitalidade fetal foi avaliada por meio da cardiotocografia anteparto, perfil biofísico fetal (PBF) e dopplervelocimetria das artérias umbilicais. As pacientes realizaram os exames no mesmo período em que foram agendadas para a consulta de pré-natal, no terceiro trimestre da gestação. Para a presente pesquisa foram analisados os resultados da última avaliação realizada na semana que antecedeu ao parto. Pela ultrassonografia foram avaliados os parâmetros do PBF (tônus, movimentos corpóreos fetais, movimentos respiratórios fetais, e volume de líquido amniótico). Foi utilizado equipamento de ultrassonografia da marca Toshiba® modelo SSA-220A e Philips® modelo Envisor; e aparelho de cardiotocografia da marca Hewllet Packard®. Os resultados da cardiotocografia foram classificados conforme o protocolo do serviço, que compreende a designação de feto ativo, considerado normal, quando o traçado demonstra pelo menos duas acelerações transitórias de 15 bpm de amplitude em até 30 minutos de traçado, FCF basal entre 110 e 160 bpm, variabilidade acima de 5 bpm e ausência de desacelerações. Os fetos com traçados cardiotocográficos anormais foram designados de: feto hipoativo e feto inativo. O volume do líquido amniótico foi avaliado pelo índice de líquido amniótico (ILA). Seus valores foram classificados como normais quando superiores a 5,0 cm. Para a execução da dopplervelocimetria das artérias umbilicais a insonação do segmento do cordão umbilical foi próximo à inserção placentária e na ausência de movimentos corpóreos e respiratórios fetais. Considerou-se satisfatória a obtenção de pelo menos três sonogramas contendo, no mínimo cinco ondas uniformes. Foram calculados os índices A/B (relação sístole/diástole) e índice de pulsatilidade (IP). Os valores obtidos foram comparados à curva de normalidade para este vaso15.

Foram investigadas as seguintes variáveis: morbidade materna (anemia - Hb<11,0 mg/dL, necessidade de transfusão de sangue, tipo de parto, complicações no parto, infecção puerperal), resultados perinatais (índices de Apgar no nascimento, peso do recém-nascido, idade gestacional, crescimento fetal) e as seguintes variáveis demográficas: idade materna, paridade, IMC pré-gestacional, ganho de peso na gravidez, e complicações clínicas na gestação atual.

A idade gestacional foi calculada a partir da data da última menstruação (DUM), quando era compatível com a idade gestacional estimada pela ultrassonografia realizada, no máximo, até a 20ª semana de gestação. Nos casos em que não foi observada tal concordância, a idade gestacional foi calculada pelos dados da primeira ultrassonografia. O peso do recém-nascido, em gramas, aferido na sala de parto, foi comparado à curva de normalidade de Alexander et al.16, de forma que foram classificados como pequenos para a idade gestacional aqueles com o peso inferior ao 10º percentil da faixa correspondente.

Os resultados foram analisados através do programa Statistica for Windows (versão 4.3, Statsoft, Inc., 1993). As variáveis foram analisadas descritivamente, calculando-se frequências absolutas e relativas. Para as variáveis quantitativas esta análise foi feita pela observação dos valores mínimos, máximos, cálculo de médias e desvios padrão.

Resultados

Um total de 30 gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux constituiu a presente casuística. Desse total, 24 gestantes foram submetidas à avaliação da vitalidade fetal na semana que antecedeu ao parto.

As variáveis maternas estão apresentadas na Tabela 1. Em relação à morbidade materna, a anemia foi a mais frequente, e ocorreu em 86,7% das gestantes. Todas receberam suplementação ou reposição de ferro por via oral. Três gestantes necessitaram de reposição de ferro por via intravenosa (duas no período anteparto e uma no pós-parto) e uma necessitou de transfusão sanguínea para correção da anemia.

Os resultados da avaliação da vitalidade fetal estão apresentados na Tabela 2. A cardiotocografia apresentou resultado normal em todos os exames realizados, o mesmo ocorrendo com o perfil biofísico fetal. Um caso apresentou diagnóstico de oligohidrâmnio, com índice de líquido amniótico inferior a 5,0 cm. A dopplervelocimetria das artérias umbilicais apresentou resultado normal em todos os casos.

Em relação ao parto, verifica-se que a maior parte foi cesárea (n=21), conforme demonstrado na Tabela 3. As indicações das cesáreas compreenderam: distocia funcional (5 casos - 23,8%), cesárea anterior contra indicando indução (4 casos - 19,1%), iteratividade (3 casos - 14,3%), suspeita de macrossomia fetal (3 casos - 14,3%), sofrimento fetal intraparto (3 casos - 14,3%), miomatose uterina (2 casos - 9,5%) e restrição de crescimento fetal (1 caso - 4,8%). Em três casos foram verificadas complicações na cesárea: uma paciente apresentava aderências que dificultaram a cirurgia; uma evoluiu com hematoma e infecção de cicatriz cirúrgica, sendo submetida à drenagem, antibioticoterapia e resolução do quadro; e um caso necessitou de histerectomia puerperal por miomatose e atonia uterina. A proporção de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional foi de 23,3%.

Discussão

O tratamento cirúrgico da obesidade mórbida é procedimento em franca ascensão, na atualidade. O objetivo da cirurgia bariátrica é reduzir a ingestão calórica com o intuito de se provocar a redução no peso corpóreo do indivíduo, de forma duradoura. Entretanto, a gastroplastia com derivação em Y de Roux, por ser cirurgia restritiva e em parte disabsortiva, pode acarretar deficiências nutricionais específicas. Na gestação, destaca-se a prevalência elevada de anemia nesses casos, apesar de medidas rotineiras como a suplementação e reposição terapêutica do ferro17. Após a cirurgia bariátrica, não é raro a paciente relatar intolerância a determinados alimentos, em particular à carne vermelha. Como consequência, verifica-se baixa ingestão de ferro na dieta materna, determinando substancial redução na oferta de ferro heme18. Além disso, a limitação da capacidade gástrica prejudica a produção de suco gástrico que é necessário para a digestão e liberação do ferro dos alimentos proteicos. Isso resulta em prejuízo na oxidação do ferro não heme, fato causador de dificuldades na passagem da forma férrica para ferroso, o que reduz a incorporação do ferro ao enterócito. Dessa forma, tal como verificado no presente estudo, os depósitos de ferro encontram-se abaixo do normal.

A gestação em mulheres obesas está associada à maior incidência de complicações como diabetes gestacional, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, macrossomia fetal, prematuridade e maior taxa de cesáreas. A comparação de resultados maternos de gestações antes e após cirurgia bariátrica indica redução de complicações maternas como diabetes e doenças hipertensivas12. O mesmo se verificou com a macrossomia fetal. Na presente casuística, apesar do elevado IMC pré-gestacional, o diabetes gestacional foi complicação detectada em apenas uma gestante.

A taxa de cesáreas apresenta-se extremamente elevada no presente estudo (70%), fato que se justifica ao se considerar que esta instituição, por ser hospital universitário terciário com grande contingente de gestações de alto risco, apresenta proporção de cesáreas da ordem de 57%19. Esse resultado corrobora os resultados de outros estudos, envolvendo gestantes após cirurgia bariátrica, que associam o procedimento em apreço e maior risco de cesárea. Patel et al.7 verificam incidência de cesárea de 61,5% em gestações após derivação em Y de Roux, proporção essa semelhante a de mulheres obesas (46,5%), mas significativamente maior que a observada no grupo controle de não obesas (36,2%). Considerando-se que a perda sanguínea materna é maior na cesárea, é importante ressaltar a necessidade do controle rigoroso dos níveis de hemoglobina materno ao final da gestação, pela maior morbidade e mortalidade materna em situações de anemia20,21.

A presente pesquisa indica que a vitalidade fetal encontra-se preservada nas gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux. Os marcadores agudos do bem-estar fetal apresentaram-se normais em todos os casos (Tabela 2). Apenas um caso apresentou diagnóstico de oligohidrâmnio, caracterizando comprometimento do marcador crônico da vitalidade fetal: o volume de líquido amniótico. Esses dados não podem ser cotejados a estudos prévios, pois não existem trabalhos na literatura apresentando dados referentes à avaliação da vitalidade fetal em gestações semelhantes à presente casuística.

Neste estudo, apesar de a última avaliação da vitalidade fetal apresentar-se normal, o sofrimento fetal intraparto ocorreu em três casos. Esse resultado indica que é importante a monitorização fetal eletrônica no período intraparto, nas gestações após cirurgia bariátrica, para estrito seguimento do bem-estar fetal.

A ocorrência de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional foi verificada em 23,3% da presente casuística, proporção esta maior que a relatada em outros estudos. Em gestações após derivação por Y de Roux, Patel et al.7 verificam 11,5% de pequenos para a idade gestacional, proporção significativamente maior que a observada no grupo controle de gestantes não obesas (0,5%). A deficiência nutricional após este tipo de cirurgia bariátrica envolve a absorção de proteínas, ferro, vitamina B12, folatos, vitamina D e cálcio. A avaliação nutricional do perfil de ingestão de micronutrientes e o aconselhamento dietético é recomendado desde o início da gestação22,23.

Portanto, mulheres com antecedente de cirurgia bariátrica necessitam de aconselhamento nutricional específico e direcionado para a correção dos déficits conhecidos. Os níveis maternos de hemoglobina devem ser monitorados e a reposição terapêutica de ferro e outros minerais e vitaminas deve ser mandatória, pois é medida relevante para se promover as melhores condições hematimétricas para o momento do parto.

Em relação ao produto conceptual, apesar de nesta casuística não se ter observado comprometimento da vitalidade fetal no período anteparto, a ocorrência de restrição de crescimento fetal em proporções notáveis (na ordem de 23,3%), sugere que a vigilância do feto seja diferenciada tanto em sua nutrição, quanto em sua oxigenação, porque a etiologia de ambas pode ser ancorada em um mesmo desvio funcional.

Conclusão

Não houve comprometimento do bem-estar fetal em gestações após gastroplastia com derivação em Y de Roux. A principal complicação clínica sobre a mãe foi a anemia e isso sugere que essas mulheres requerem um seguimento clínico voltado para a avaliação das deficiências de micronutrientes do início da gravidez até o seu término.

Artigo recebido: 23/03/10

Aceito para publicação: 03/09/10

Conflito de interesse: não há

Trabalho realizado na Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP e Divisão de Nutrição e Dietética Grupo de Nutrologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

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    Correspondência: Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 255, 10º andar - sala 10037 São Paulo - SP CEP: 05403-000
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      23 Mar 2010
    • Aceito
      03 Set 2010
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