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Paquidermoperiostose associada à neoplasia gástrica

IMAGEM EM MEDICINA

Paquidermoperiostose associada à neoplasia gástrica

Bibiana Callegaro FortesI; Gabriel DottaI; Rafaela Martinez CopêsI; Rafael ValentiniI; João Carlos Nunes da SilvaII; Odirlei André MonticieloIII

IAcadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, RS

IIEspecialista em Reumatologia; Professor assistente da disciplina de Reumatologia do Departamento de Medicina Interna da UFSM, Santa Maria, RS

IIIMestrado em Clínica Médica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; Professor-assistente da disciplina de Reumatologia do Departamento de Medicina Interna da UFSM, Santa Maria, RS

Correspondência para Correspondência para: Gabriel Dotta Serviço de Reumatologia - HUSM Av. Roraima, Prédio 22, Campus, Camobi Santa Maria, RS - CEP: 97105-900 gdotta@gmail.com

A paquidermoperiostose (PDP) ou osteoartropatia hipertrófica primária é uma doença rara, de caráter autossômico dominante, mais comum em homens2, que se caracteriza por baqueteamento digital das mãos, periostose e espessamento da pele1,3, principalmente da face. Podem estar presentes também artralgia, artrite, limitação dos movimentos, pseudogota, hiperidrose e ptose palpebral1,3.

A PDP deve ser diferenciada da forma de osteoartropatia secundária, que se instala durante a evolução de algumas doenças cardíacas e pulmonares graves ou mesmo neoplasias, como doenças pulmonares supurativas, neoplasia pulmonar, doença cardíaca congênita cianótica, endocardite infecciosa1,4,5, neoplasia gástrica5,14, entre outras.

Mais de 20% dos pacientes com PDP apresentam gastrite hipertrófica ou úlcera gástrica e, em alguns destes, há elevadas concentrações de pepsinogênio. Outras doenças do aparelho digestório podem ser consideradas associações casuais, como polipose gástrica, doença de Crohn e enteropatia perdedora de proteínas3,4.

A associação de osteoartropatia primária com neoplasia gástrica é rara, havendo poucos casos descritos na literatura5,15. Descreveremos um paciente com esta associação, hipotetizando que a PDP possa ter sido um fator de risco para câncer gástrico5.

Relato de caso

Homem branco, 47 anos, ex-agricultor, tabagista, encaminhado ao ambulatório do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) com queixa de poliartralgia simétrica de grandes articulações envolvendo joelhos, tornozelos e quadris há cerca de 20 anos. Apresentava também parestesias nos membros inferiores e mãos durante o repouso e cervicalgia mecânica com limitação de movimentos.

Ao exame físico, o paciente apresentava baqueteamento digital, espessamento cutâneo das palmas das mãos (Figura 1), plantas dos pés e face (Figura 2), aumento de volume dos tornozelos e joelhos, crepitações em joelhos e ombros, além de diminuição da amplitude dos movimentos cervicais.



Exames laboratoriais como hemograma, função hepática, função renal, função tireoideana, função pancreática e eletroforese de proteínas foram todos normais.

A radiografia de tórax demonstrou espessamento pleural, confirmado posteriormente com tomografia computadorizada de tórax (TC), que apresentou perda de volume do pulmão esquerdo, desvio do mediastino, espessamento pleural e calcificações na base pulmonar à esquerda. A radiografia de esqueleto apendicular evidenciou espessamento periosteal e cortical generalizado de ossos longos, mais acentuados no fêmur e tíbia (Figura 3) bilateralmente, também acometendo os metacarpianos e as falanges de ambas as mãos. Os achados radiográficos na PDP costumam ser aumento de partes moles e acrosteólise de falanges distais, periostose em ossos longos, geralmente mais proeminente na parte distal dos membros inferiores17,18.


Em 2009, realizou endoscopia digestiva alta (EDA) em outro serviço, que evidenciou gastrite crônica inativa grau I, não atrófica e pesquisa de Helycobacter pylori positiva. A EDA foi repetida em janeiro de 2010 no HUSM e mostrou lesão infiltrativa do fundo gástrico. A biópsia desta lesão foi compatível com adenocarcinoma pouco diferenciado com células em anel de sinete no fundo gástrico e mucosa de transição com metaplasia intestinal, consistente com esôfago de Barret na transição esofagogástrica. Diante disso, o paciente foi encaminhado ao serviço de Cirurgia Digestiva e submetido à gastrectomia total após estadiamento. O exame anatomopatológico da peça cirúrgica revelou adenocarcinoma pobremente diferenciado, ulcerado, do tipo difuso de Lauren, metástase em 15 dos 35 linfonodos da pequena curvatura gástrica e 0 de 9 linfonodos da grande curvatura com margens cirúrgicas livres. Depois do tratamento cirúrgico, foi encaminhado para equipe de Oncologia do HUSM para tratamento quimioterápico e encontra-se atualmente em acompanhamento clínico.

Discussão

A PDP é uma osteoartropatia primária, com manifestações clínicas diversas, sendo mais característico o baqueteamento digital, a periostose e o espessamento cutâneo. Deve ser distinguida da forma secundária, desencadeada por doenças pulmonares, cardíacas ou neoplásicas.

A associação da forma primária com neoplasia gástrica é rara, havendo poucos casos relatados na literatura5,14-16, embora a presença de gastrite hipertrófica e/ou úlcera gástrica estejam presentes em mais de 20% dos pacientes com PDP3.

Após 20 anos do início dos sintomas de PDP, a presença de neoplasia gástrica criou a hipótese de uma possível relação entre esta osteoartropatia e o surgimento de malignidade gástrica, mesmo sem a presença de gastrite hipertrófica concomitante.

Embora anormalidades genéticas sejam suspeitadas na PDP, os genes causadores ainda não foram identificados. Além disso, estudos sobre a associação entre PDP e carcinogênese têm sido insuficientes. Neste artigo, sugerimos a existência de uma associação entre PDP e neoplasia gástrica.

Dessa forma, a EDA pode vir a ser realizada em algum momento da evolução, tendo em vista que a PDP pode ser um fator de risco para câncer gástrico5, e também para investigação concomitante de doenças esofágicas, já que existe um número considerável na literatura de patologias do esôfago associadas à osteoartropatia hipertrófica4.

Trabalho realizado no Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, RS

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  • Correspondência para:
    Gabriel Dotta
    Serviço de Reumatologia - HUSM
    Av. Roraima, Prédio 22, Campus, Camobi
    Santa Maria, RS - CEP: 97105-900
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011
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