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Estenose do enxerto de veia safena magna reversa em revascularização arterial infrainguinal

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a prevalência de estenose hemodinamicamente significativa na revascularização infrainguinal realizada com a veia safena magna reversa. MÉTODOS: No período compreendido entre março de 2008 e março de 2009, foram realizadas 56 revascularizações infrainguinais com a veia safena magna reversa em 56 pacientes, dos quais 32 foram avaliados com ultrassonografia vascular no 30º dia de pós- operatório. Foi analisada a prevalência de estenoses significativas nos enxertos e sua relação com as características clínico-cirúrgicas dos pacientes. Os parâmetros avaliados foram a localização das estenoses ao longo do enxerto, fatores de risco associados e a relação existente entre a ultrassonografia vascular e o índice tornozelo-braço no diagnóstico de estenoses. RESULTADOS: Houve prevalência de 48,4% de estenoses significativas nos enxertos avaliados, com 19,4% de estenoses graves e 29% de estenoses leve a moderada. Não foram encontradas associações significativas entre sexo, diabetes mellitus, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, diâmetro do enxerto, localização da anastomose distal, composição do enxerto e a constatação de estenoses significativas. Observou-se fraca correlação entre os métodos no diagnóstico das estenoses em geral (K = 0,30; IC95% 0,232-0,473; p = 0,018), mas razoável concordância no diagnóstico das estenoses graves (K = 0,75; IC95% 0,655-0,811; p = 0,0001). CONCLUSÃO: Este estudo demonstrou elevada prevalência de estenoses no 30º dia do pós-operatório, com localização predominante na metade proximal do enxerto. O índice tornozelo-braço e a ultrassonografia vascular apresentaram concordância, sobretudo no diagnóstico das estenoses graves, mas o índice tornozelo-braço, isoladamente, mostrou-se insuficiente na vigilância dos enxertos de veia safena magna reversa.

Ultrassonografia Doppler em cores; ultrassonografia Doppler de pulso; oclusão de enxerto vascular; angiografia; desobstrução vascular


OBJECTIVE: The aim of this study was to evaluate the prevalence of hemodynamically significant infrainguinal bypasses stenosis using reverse great saphenous vein graft. METHODS: From March of 2008 to March of 2009, 56 infrainguinal bypasses were performed with reverse great saphenous vein graft in 56 patients. On the 30th post-operative day, 32 out of 56 patients were submitted to vascular ultrasonography. The prevalence of significant graft stenosis was determined. In addition, the diagnosis of stenosis was related to the clinical and surgical characteristics of the patients. The variables analyzed at the moment of diagnosis were the localization of the graft stenosis, the risk factors associated with stenosis and the association of vascular ultrasonography findings with ankle brachial pressure index (ABI). RESULTS: The overall prevalence of significant graft stenosis was 48.4%. Out of the total number of observed stenosis, 19.4% were considered severe, and 29% mild or moderate. There was no significant association between the presence of significant stenosis and the following variables: gender, diabetes, hypertension, smoking, hipercholesterolemia, graft diameter, site of the distal anastomosis, and graft composition. There was a weak agreement between ABI and vascular ultrasonography in detecting stenosis in general (K = 0.30; CL95% 0.232 - 0.473; p = 0.018). However, there was a substantial agreement in detecting severe stenosis (K = 0.75; CL95% 0.655 - 0.811; p = 0.0001). CONCLUSION: There was a high prevalence of stenosis on the 30th post-operative day, mostly localized in the proximal half of the vein graft. There was no significant association of stenosis with clinical and surgical factors analyzed. ABI and vascular ultrasonography had weak agreement with the diagnosis of stenosis in general and an important agreement for the diagnosis of severe stenosis.

Color Doppler ultrasonography; Pulsed Doppler ultrasound; vascular graft occlusion; angiography; vascular patency


ARTIGO ORIGINAL

Estenose do enxerto de veia safena magna reversa em revascularização arterial infrainguinal

Francesco Evangelista BotelhoI; Tarcizo Afonso NunesII; Túlio Pinho NavarroIII; Bruno Lima de CastroIV; Daniel Lopes PinheiroV; Jose Oyama Moura LeiteVI; Petronio Generoso ThomazVII; Renato Samy AssadVIII

IMestrado em Ciências e Cirurgião Vascular pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, MG

IIProfessor Associado e Cirurgião Geral da UFMG, Belo Horizonte, MG

IIIProfessor Adjunto e Cirurgião Vascular da UFMG, Belo Horizonte, MG

IVEspecialista em Cirurgia Vascular e Cirurgião Vascular pela UFMG, Belo Horizonte, MG

VAcadêmico de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, MG

VIDoutorado em Ciências Nutricionais pela University of Connecticut, EUA; Cirurgião Vascular, Belo Horizonte, MG

VIIDoutorado em Ciências e Cirurgião Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, São Paulo, SP

VIIILivre-docente em Cirurgia Cardiovascular e Cirurgião Cardiovascular pela FMUSP, São Paulo, SP

Correspondência para Correspondência para: Francesco Evangelista Botelho Rua Professor Antonio Aleixo 760/1401 - Bairro Lourdes Belo Horizonte - MG - CEP: 30180-150 petronio@sbccv.org.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a prevalência de estenose hemodinamicamente significativa na revascularização infrainguinal realizada com a veia safena magna reversa.

MÉTODOS: No período compreendido entre março de 2008 e março de 2009, foram realizadas 56 revascularizações infrainguinais com a veia safena magna reversa em 56 pacientes, dos quais 32 foram avaliados com ultrassonografia vascular no 30º dia de pós- operatório. Foi analisada a prevalência de estenoses significativas nos enxertos e sua relação com as características clínico-cirúrgicas dos pacientes. Os parâmetros avaliados foram a localização das estenoses ao longo do enxerto, fatores de risco associados e a relação existente entre a ultrassonografia vascular e o índice tornozelo-braço no diagnóstico de estenoses.

RESULTADOS: Houve prevalência de 48,4% de estenoses significativas nos enxertos avaliados, com 19,4% de estenoses graves e 29% de estenoses leve a moderada. Não foram encontradas associações significativas entre sexo, diabetes mellitus, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, diâmetro do enxerto, localização da anastomose distal, composição do enxerto e a constatação de estenoses significativas. Observou-se fraca correlação entre os métodos no diagnóstico das estenoses em geral (K = 0,30; IC95% 0,232-0,473; p = 0,018), mas razoável concordância no diagnóstico das estenoses graves (K = 0,75; IC95% 0,655-0,811; p = 0,0001).

CONCLUSÃO: Este estudo demonstrou elevada prevalência de estenoses no 30º dia do pós-operatório, com localização predominante na metade proximal do enxerto. O índice tornozelo-braço e a ultrassonografia vascular apresentaram concordância, sobretudo no diagnóstico das estenoses graves, mas o índice tornozelo-braço, isoladamente, mostrou-se insuficiente na vigilância dos enxertos de veia safena magna reversa.

Unitermos: Ultrassonografia Doppler em cores; ultrassonografia Doppler de pulso; oclusão de enxerto vascular; angiografia; desobstrução vascular.

Introdução

A operação de revascularização com a utilização da veia safena magna para tratamento da isquemia crítica dos membros inferiores é uma opção terapêutica consolidada, que apresenta índices reduzidos de mortalidade cirúrgica e taxas de sucesso satisfatórias na preservação do membro isquêmico1. Essa operação, no entanto, está sujeita a elevada frequência de estenose do enxerto, tanto nas anastomoses quanto no corpo da veia safena magna, em consequência à hiperplasia miointimal e/ou de problemas técnicos, principalmente no primeiro ano do pós-operatório. Essas estenoses podem evoluir para trombose da veia safena magna e causar a falência do procedimento2.

O desenvolvimento da ultrassonografia vascular tem possibilitado a monitoração hemodinâmica não invasiva depois de revascularizações de membros inferiores. Diversos estudos3 mostraram a acurácia do método no diagnóstico de estenoses significativas e, com isto, possibilitou-se a realização de intervenções cirúrgicas para tratamento das estenoses que ameaçavam a perviedade da veia antes que ocorresse a trombose da mesma. Possibilitou também conhecer a prevalência e a história natural das estenoses nos enxertos venosos. Verificou-se que as estenoses que ocorrem mais precocemente progridem mais rapidamente para estenose crítica, quando comparadas com as estenoses mais tardias, reforçando, assim, a importância da realização do exame ultrassonográfico no pós-operatório recente4. A melhor maneira de acompanhamento pós- operatório dos pacientes permanece controversa e a vigilância ultrassonográfica de rotina não foi recomendada pelo consenso TASC II, baseado nos resultados de estudo multicêntrico europeu5.

Publicações internacionais mostraram o benefício do exame ultrassonográfico no diagnóstico precoce das estenoses, mas em nosso meio não há estudos similares. Dessa maneira, a proposta deste estudo é conhecer a prevalência das estenoses nas revascularizações infrainguinais com veia safena magna, sua distribuição ao longo do enxerto, bem como os fatores de risco associados. Adicionalmente, procurou-se estudar a concordância entre o índice tornozelo-braço (ITB)6 e a ultrassonografia vascular no diagnóstico das estenoses.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (protocolo ETIC 339/07). Foram incluídos neste estudo os pacientes submetidos à cirurgia de revascularização infrainguinal realizada com a veia safena magna em posição reversa, no Hospital Risoleta Tolentino Neves (Belo Horizonte- MG) no período de março de 2008 a março de 2009. Todos os pacientes apresentavam doença arterial obstrutiva dos membros inferiores de origem aterosclerótica, com grau avançado de isquemia (lesão trófica ou dor de repouso). Foram excluídos do estudo pacientes que foram a óbito no pós-operatório, com trombose do enxerto de veia safena antes do exame ultrassonográfico, aqueles que foram submetidos à revascularização dos membros inferiores com outros condutos que não a veia safena magna, aqueles que não compareceram para o exame ultrassonografico pós-operatório e os que não aderiram ao protocolo. Os dados referentes ao procedimento cirúrgico, tais como extensão da ponte, diâmetro da veia e segmentos venosos, bem como a medida do ITB na alta hospitalar foram coletados e anotados no questionário utilizado neste estudo.

Após a alta hospitalar, os pacientes foram orientados a retornar no 30º dia de pós-operatório para reavaliação clínica, medida do ITB e exame ultrassonográfico do membro revascularizado. Os pacientes foram examinados em decúbito dorsal, com leve abdução da articulação coxo- femoral e leve flexão do joelho. Os exames ultrassonográficos foram realizados com o ultrassom GE Vivid 6 (GE, USA), por único examinador, utilizando transdutor linear com frequência variando entre 5 MHz e 10 MHz. A caixa do Doppler em cores foi angulada em 60 graus. O exame ultrassonográfico obedeceu à seguinte sequência:

Inicialmente percorreu-se todo o trajeto do enxerto venoso com o transdutor linear ultrassonográfico no modo colorido, observando-se locais com aumento focal de velocidade.

Obtiveram-se os registros da velocidade de pico sistólico (VPS) na artéria doadora, na anastomose proximal, nos terços proximal, médio e distal do enxerto venoso, na anastomose distal e na artéria receptora.

As anastomoses e o enxerto foram caracterizados quanto à presença de estenoses7, empregando-se os critérios de velocidade de fluxo sanguíneo arterial para classificação da estenose. Considerou-se a velocidade de pico sistólico (VPS) e a razão das velocidades (RV). Foram classificadas como estenoses graves aquelas com VPS maior 300 cm/s e RV maior que 3,5; estenose moderadas aquelas com VPS 180 a 300 cm/s e RV 2 a 3,5; ausência de estenose VPS menor que 180 cm/s e RV menor que 2.

Os pacientes com estenose leve a moderada foram encaminhados para exame clínico e ultrassonográfico seriados. Aqueles com estenose acentuada e/ou velocidade inferior a 45 cm/s no corpo do enxerto e/ou queda no ITB superior a 0,15, quando comparado ao exame de alta hospitalar, foram encaminhados para a arteriografia e novo procedimento cirúrgico, caso fosse confirmada a estenose8.

Análise estatística

As variáveis qualitativas analisadas foram apresentação clínica, sexo, diabetes, tabagismo, hipertensão, diâmetro da veia safena magna, local da anastomose distal, variação do índice tornozelo-braço.

As variáveis quantitativas analisadas foram idade e velocidade do fluxo sanguíneo nos segmentos da ponte. A análise foi feita por meio da observação dos valores mínimos e máximos e do cálculo de médias e desvios- padrão. Para as qualitativas, calcularam-se as frequências absolutas e relativas.

A concordância entre o diagnóstico da estenose pela ultrassonografia vascular e o índice tornozelo-braço foi testada por meio do índice de concordância Kappa. Este índice varia entre zero e 1,0. Valor de K < 0,45 indica baixa reprodutibilidade (concordância) entre os métodos comparados; valores de K entre 0,45 e 0,75 indicam boa reprodutibilidade; valores de K > 0,75 indicam ótima reprodutibilidade entre os métodos comparados9.

Para testar a associação entre as variáveis qualitativas e a presença de estenose, foram utilizados o teste exato de Fischer para frequências esperadas abaixo de cinco ou o teste qui-quadrado para frequências esperadas mais altas. O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%.

Resultados

Das 56 revascularizações infrainguinais construídas com a veia safena magna em posição reversa, cinco pacientes apresentaram oclusão precoce por trombose das pontes, três foram a óbito e 16 não compareceram no 30o dia para realização do exame ultrassonográfico.

O grupo que compareceu ao exame foi constituído de 32 pacientes (21 homens, 61,6%), que representaram 57,1% dos pacientes operados. As características clínicas dos pacientes estão apresentadas na Tabela 1. Em um paciente, o exame não foi realizado por dificuldade técnica. Ele era obeso e apresentava infecção com deiscência da ferida, o que impossibilitou a visibilização de toda a extensão do enxerto. Dessa maneira, em 31 (55,4%) foi possível a realização do exame ultrassonográfico e a obtenção dos dados utilizados na análise deste estudo.

Após a realização da ultrassonografia vascular, os pacientes foram classificados em três grupos, de acordo com a existência de estenoses nos enxertos: sem estenose 16 pacientes (51,6%), estenose leve/moderada nove pacientes (29%), estenose acentuada seis pacientes (19,4%).

Os pacientes com estenose grave foram encaminhados para a realização de arteriografia e submetidos à correção da estenose após a confirmação diagnóstica. Dos seis encaminhados para realização da arteriografia, um tinha oclusão do enxerto e cinco pacientes apresentavam estenoses que foram corrigidas pelo tratamento endovascular. Todas estas estenoses graves estavam situadas no seguimento proximal dos enxertos. Os pacientes com estenose leve a moderada foram orientados para a necessidade de realizar exames mensais seriados, e os sem estenose foram recomendados para o exame trimestral no primeiro ano. Estudou-se a associação entre variáveis clínicas, demográficas e constituição do enxerto e a existência de estenoses. Não houve, neste estudo, associação significativa entre as variáveis estudadas e a presença de estenoses nas revascularizações (Tabela 2).

A Tabela 3 demonstra que, no diagnóstico das estenoses em geral, houve concordância entre o índice tornozelo-braço e a ultrassonografia vascular em 67,74% dos pacientes, cujo resultado foi significativo (p = 0,018). Na avaliação da intensidade da concordância pelo índice Kappa, observou-se fraca concordância (índice Kappa < 0,45). No diagnóstico das estenoses graves, constatou-se concordância entre o índice tornozelo-braço e a ultrassonografia vascular em 91,30% dos pacientes, com resultado significativo (p = 0,0001). Na avaliação da intensidade da concordância pelo índice Kappa, a concordância foi razoável (índice Kappa 0,75).

Discussão

O presente estudo encontrou elevado índice de enxertos com estenoses, valor superior aos da literatura10. Todos os pacientes estudados tinham isquemia crítica como indicação cirúrgica e 2/3 das pontes foram infrapoplíteas. Esse achado diferiu substancialmente dos trabalhos citados, que relataram percentagem significativa de claudicação intermitente e menos intensidade da doença arterial obstrutiva nos membros inferiores, refletida no alto percentual de revascularizações femoropoplíteas. Deve-se ressaltar que seis pacientes com estenose grave foram encaminhados para tratamento cirúrgico, o que reforçou a necessidade da realização precoce do exame ultrassonográfico. O tratamento da isquemia crítica dos membros inferiores pelas revascularizações que utilizam a veia safena magna necessita de planejamento pré-operatório na escolha da configuração da ponte e de estratégia de vigilância clínica e ultrassonográfica pós-operatória para alcançar índices de perviedade satisfatórios em longo prazo.

Em 1973, Szilagyi et al.11 demonstraram, por meio do seguimento pós-operatório com arteriografia, que um terço das revascularizações infrainguinais com veia safena magna desenvolveu, no primeiro ano do pós-operatório, estenoses que necessitaram de correção cirúrgica. Outros estudos mais recentes confirmaram os achados prévios12 e identificaram a hiperplasia miointimal como mecanismo responsável pelo aparecimento dessas estenoses13, o que tornou necessário o acompanhamento pós-operatório dos pacientes.

A realização do exame ultrassonográfico no 30º dia tem como objetivo identificar as estenoses graves que devem ser corrigidas e as estenoses leves a moderadas que necessitam de vigilância contínua, pois têm história natural desfavorável quando comparadas às revascularizações sem estenoses. Nesse exame, é possível avaliar a adaptação dos enxertos venosos ao fluxo arterial e o padrão de hiperplasia miointimal desenvolvido por cada ponte safena e, ainda, prever o comportamento biológico dos enxertos, sua propensão ao aparecimento de estenoses e consequente risco de oclusão.

Os enxertos venosos com estenoses nos períodos iniciais do pós-operatório têm evolução clínica desfavorável. Wilson et al.14 avaliaram 123 pacientes submetidos à revascularização dos membros inferiores, por meio da ultrassonografia vascular realizada na alta hospitalar, e encontraram prevalência de 37% de estenose. Em 26 (57%) dos pacientes com estenoses houve piora, com comprometimento hemodinâmico e necessidade de intervenção cirúrgica. Nielsen15, com acompanhamento de 42 pacientes, evidenciou evolução clínica desfavorável das estenoses de aparecimento precoce, quando comparadas com estenoses tardias (perviedade de um ano 51 x 92%, p = 0,03). Ferris et al.16 analisaram 224 revascularizações dos membros inferiores e identificaram prevalência de 26% de estenoses no exame ultrassonográfico realizado nas primeiras seis semanas. O grupo dos pacientes com estenose apresentou perviedade em cinco anos inferior ao grupo sem estenoses (77 x 83%, p = 0,05), mesmo com vigilância ultrassonográfica, o que demonstrou limitação parcial das intervenções em prolongar a sobrevida desses enxertos.

A qualidade do enxerto venoso utilizado nas revascularizações é fator determinante para desenvolver estenose; e dentre as características do enxerto, o seu diâmetro é um dos aspectos mais considerados pelo cirurgião. No presente estudo, analisou-se a influência do diâmetro do enxerto no aparecimento das estenoses. A maioria dos enxertos (27 enxertos/87,1%) analisados tinha diâmetro maior que 3 mm, o que pode ser explicado pela seleção prévia realizada no pré-operatório ou maior incidência de trombose precoce nos enxertos com diâmetro reduzido e que não fariam parte da amostra estudada no 30º dia de pós-operatório. Nessa amostra não foi identificada relação significativa entre diâmetro do enxerto e estenose. Idu et al.17 analisaram 300 revascularizações com enxerto autólogo para identificar fatores de risco associados ao aparecimento de estenoses. Após análise de regressão múltipla, em que foram considerados diversos fatores como extensão do enxerto, sítio das anastomoses proximal e distal, anastomoses venovenosas no corpo do enxerto, técnica utilizada (in situ ou reversa) e fatores de risco para aterosclerose, o único fator independente preditor de estenose foi o diâmetro do enxerto menor que 3,5 mm. Os enxertos de veia safena magna com diâmetros menores que 3,5 mm exibiram perviedade inferior, quando comparados com enxertos alternativos construídos com veias do braço ou safena parva, e, segundo os autores, não devem ser utilizados quando estes estiverem disponíveis.

Outro aspecto a ser considerado quando se analisa a qualidade do enxerto venoso e sua propensão ao desenvolvimento de estenoses trata-se das anastomoses venovenosas no corpo do enxerto com a união de segmentos não adjacentes da veia safena magna. Essa técnica é utilizada quando segmentos da veia safena magna apresentam alterações macroscópicas que indicam a inadequação daquele segmento, tais como ausência de dilatação no seu preparo ou espessamento da parede secundário a processos inflamatórios prévios. Em situações de extensão insuficiente de veia safena magna disponível, é necessária a confecção da anastomose venovenosa com segmento de veia safena magna contralateral ou enxertos venosos alternativos. As estenoses poderiam aparecer nos locais da anastomose ou em segmentos das veias com alterações microscópicas. No presente estudo, cinco pontes safenas (16,1%) foram constituídas de enxertos compostos: duas (40%) com estenoses ao exame ultrassonográfico inicial, com prevalência semelhante à encontrada nas outras pontes (Odds ratio -OR 0,36, p = 0,4). Estudo multicêntrico com pacientes originados do estudo PREVENT III enfatizaram aspectos técnicos associados à trombose dos enxertos. Um dos aspectos estudados foi a perviedade dos enxertos compostos (com anastomoses venovenosas)18. Nesse estudo, 15% dos enxertos eram enxertos compostos, com perviedade primária em um ano diminuída quando comparados com enxertos constituídos de um único segmento de veia safena magna (OR 1.47- intervalo de confiança - IC de 95% 1,18-1,84).

A extensão do enxerto e a localização da anastomose distal podem determinar o aparecimento das estenoses, em função da velocidade do fluxo sanguíneo, uma vez que velocidades reduzidas estimulam a hiperplasia miointimal19. As pontes com anastomoses distais localizadas na artéria poplítea apresentam velocidade de fluxo maior quando comparadas com pontes infrapoplíteas, em razão da diferença verificada no escoamento do fluxo sanguíneo20. No presente trabalho, 67,7% das pontes analisadas apresentavam anastomose distal em artérias infrapoplíteas, que refletiu a gravidade do quadro clínico desses pacientes. Não houve diferença significante na prevalência das estenoses entre as pontes femoropoplíteas e as pontes infrapoplíteas (40 x 47,6%, p = 0,445).

Nesta série, a maioria das estenoses estava localizada no segmento proximal da ponte (anastomose proximal, terço proximal e médio do enxerto venoso). Uma das explicações para esse fato é a utilização da veia safena magna na forma reversa, cujo segmento de maior diâmetro da veia safena magna e menos susceptível a estenoses corresponde ao terço distal da ponte. Distribuição semelhante é encontrada na literatura21. Não foram encontrados trabalhos que analisaram diferenças na localização das estenoses quando a ponte foi construída com a safena magna na posição in situ, ocasião em que a ponte apresenta diminuição gradual do diâmetro da anastomose proximal para a distal.

O significado clínico das estenoses localizadas na artéria proximal e na anastomose proximal e a sua importância prognóstica têm sido motivo de discussão. Alguns autores22 demonstraram que as estenoses localizadas nesse segmento são pouco sintomáticas quando comparadas com as localizadas nos segmentos distais da ponte. Outros questionaram o significado prognóstico das estenoses localizadas na anastomose proximal, bem como o benefício de suas correções23. O aumento da velocidade de fluxo na anastomose proximal é frequentemente encontrada nos exames ultrassonográficos de rotina e pode não estar relacionado à estenose. Nessa localização, o fluxo sanguíneo sofre alterações hemodinâmicas secundárias à desproporção do calibre e espessura entre a artéria e a veia anastomosadas, que não são observadas quando se analisa o fluxo sanguíneo no corpo do enxerto venoso. Talvez os critérios de velocidade como indicativos de estenose no corpo do enxerto não sejam válidos ou não tenham o mesmo valor prognóstico quando aplicados na análise do fluxo na anastomose proximal.

O principal motivo para a utilização da ultrassonografia vascular no acompanhamento pós-operatório das revascularizações dos membros inferiores é a possibilidade de identificação das estenoses que aumentariam o risco de oclusão do enxerto e que não são identificadas pela avaliação clínica. A avaliação clínica baseia-se na queda do índice tornozelo-braço. A medida do índice tornozelo- braço e sua comparação com o exame anterior podem indicar estenoses no enxerto quando houver queda superior a 0,15. Na amostra investigada, foram identificados quatro pacientes com queda no índice tornozelo-braço, todos com estenose grave constatada pelo exame ultrassonográfico. Apesar da boa concordância observada entre o índice tornozelo-braço e a ultrassonografia no diagnóstico das estenoses graves (K = 0,7473), o índice tornozelo- braço não identificou dois pacientes com estenose grave e nove com estenose leve a moderada, que, no entanto, foram detectados pela ultrassonografia. Dessa maneira, a estratégia de vigilância pós-operatória com base apenas na mensuração do índice tornozelo-braço pode deixar de rastrear pacientes com estenose grave e que necessitam de intervenções imediatas. Além disso, não teria capacidade de identificar os enxertos com estenose leve a moderada, que necessitariam de vigilância contínua em decorrência da possibilidade de progressão das estenoses.

Bandyk et al.24 enfatizaram que cerca de 20% a 40% dos pacientes com estenose com repercussão hemodinâmica, identificados pela ultrassonografia vascular, não apresentavam sintomas ou queda do índice tornozelo-braço. Papanicolaou et al.25 realçaram a ausência de correlação entre as variações no índice tornozelo-braço e a variação da velocidade de pico sistólico nas estenoses mensuradas pela ultrassonografia vascular. Green et al.26, em estudo prospectivo, compararam os dois métodos de vigilância dos enxertos no pós-operatório. Os pacientes sem queda do índice tornozelo-braço e com evidências ultrassonográficas de estenose moderada a grave ao longo do enxerto apresentaram 4% de trombose aguda dos enxertos. Naqueles com queda do índice tornozelo-braço superior a 0,10 associada ao diagnóstico ultrassonográfico de estenose hemodinamicamente significativa, o risco de trombose do enxerto foi de 66%, o que mostrou a importância da queda do índice tornozelo-braço na identificação dos enxertos com risco de trombose.

Limitações do estudo

O presente estudo apresenta como limitação o reduzido tamanho da amostra, que impossibilitou identificar os fatores de risco relacionados à estenose. Para possíveis associações, é desejável a construção de modelo de regressão logística com os diversos fatores de risco e amostra maior de pacientes. Outra limitação do trabalho refere-se à perda de pacientes em comparação à casuística inicial. Esse fato ocorreu devido à oclusão precoce dos enxertos e ao não comparecimento ao exame de vigilância pós-operatória. Os pacientes que não compareceram poderiam apresentar enxertos com prevalência de estenoses diferente da amostra estudada, o que alteraria o resultado. Uma hipótese para justificar o não comparecimento poderia ser imputada à evolução sem estenose e, consequentemente, ao sucesso da operação. Para reduzir o número de oclusão precoce do enxerto, faz-se necessária a aplicação de várias medidas: verificação da qualidade da operação durante o ato cirúrgico, por meio de métodos de imagem; e identificação de pacientes com trombofilias para iniciar precocemente a anticoagulação sistêmica e treinamento da equipe cirúrgica para reduzir as oclusões resultantes de falhas técnicas. A adesão dos pacientes à vigilância pós-operatória com comparecimento regular deve ser estimulada pela equipe médica e os pacientes que abandonaram devem ser incentivados ao retorno.

Conclusão

Os resultados apresentados neste trabalho indicam que, em consequência da prevalência elevada de estenoses nos enxertos e do reconhecimento da evolução desfavorável, sobretudo nas estenoses de aparecimento precoce, a ultrassonografia vascular deve ser realizada de rotina como parte da avaliação no 30º dia de pós-operatório. Com a realização desse exame será possível estabelecer estratégias diferentes de seguimento pós-operatório para os pacientes com estenoses nos enxertos de aparecimento precoce. Esses pacientes poderiam ser beneficiados com a vigilância ultrassonográfica associada ao exame clínico. Entretanto, a estratégia de vigilância ultrassonográfica restrita apenas aos pacientes com estenoses precoces não foi testada na presente pesquisa. Estudos adicionais prospectivos são necessários para comprovar a pertinência e a eficácia desta abordagem.

Artigo recebido: 19/10/2010

Aceito para publicação: 25/01/2011

Conflito de interesses: Não há.

Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas à Cirurgia e à Oftalmologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, MG

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  • Correspondência para:

    Francesco Evangelista Botelho
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    Belo Horizonte - MG - CEP: 30180-150
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      19 Out 2010
    • Aceito
      25 Jan 2011
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