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Gêmeos unidos e autorização judicial para o aborto

Resumos

OBJETIVO: Descrever casos de gravidez de gêmeos unidos de acordo com a solicitação de autorização judicial para interrupção gravidez. MÉTODOS: Análise retrospectiva das gestações de gêmeos unidos, sem possibilidade de sobrevida extrauterina ou de separação cirúrgica pós-natal, atendidos em um hospital terciário, entre 1998 e 2010. RESULTADOS: Entre 30 casos observados durante o período do estudo, seis (20,0%) casais decidiram continuar com a gravidez, e, em cinco (16,7%) casos, a autorização para interrupção da gestação não foi solicitada devido à idade gestacional avançada (> 25 semanas). A autorização para interromper a gravidez foi solicitada em 19 (63,3%) casos: a permissão foi concedida em 12 (63,2%), indeferida em cinco (26,3%), e não se teve a informação do resultado em dois (10,5%) casos. Nos casos submetidos à interrupção legal da gestação, o parto vaginal foi realizado em 83,3%, e no grupo em que a autorização não foi concedida, a cesárea foi realizada em todos os casos (p < 0,01). CONCLUSÃO: A solicitação da autorização judicial para o aborto é uma alternativa na gravidez de gêmeos unidos sem prognóstico de sobrevida pós-natal. Além disso, o sucesso de um parto vaginal pode ser obtido na maioria dos casos antes do terceiro trimestre, reduzindo os riscos à saúde da mulher e o sofrimento do casal.

Gêmeos unidos; aborto legal; ultrassonografia pré-natal; complicações na gravidez; gravidez múltipla


OBJECTIVE: To describe pregnancies with conjoined twins according to the request for legal termination of pregnancy. METHODS: Retrospective review of pregnancies with conjoined twins, with no possibility of extrauterine survival or postnatal surgical separation, observed at a tertiary teaching hospital, between 1998 and 2010. RESULTS: Amongst 30 cases seen during the study period, six (20.0%) couples decided to continue with the pregnancy, termination of pregnancy was not requested due to advanced gestational age (> 25weeks) in 5 cases (16.7%). Legal authorization to terminate the pregnancy was requested in 19 (63.3%) cases: permission was granted in 12 (63.2%), denied in five (26.3%) and information was missing in two (10.5%) cases. A successful vaginal delivery was performed in 83.3% of the cases undergoing termination of pregnancy and a cesarean section was performed in all the remaining cases (p < 0.01). CONCLUSION: In pregnancies with conjoined twins and without fetal prognosis, legal termination of the pregnancy is an alternative. Moreover, a successful vaginal delivery can be performed in most cases before the third trimester, further reducing maternal risks and parental suffering.

Twins conjoined; legal abortion; ultrasonography prenatal; pregnancy complications; pregnancy multiple


ARTIGO ORIGINAL

Gêmeos unidos e autorização judicial para o aborto

Roseli Mieko Yamamoto NomuraI; Maria de Lourdes BrizotII; Adolfo Wenjaw LiaoIII; Wagner Rodrigues HernandezII; Marcelo ZugaibIV

ILivre-docente em Obstetrícia; Professora associada do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, SP

IIMédica-assistente da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP

IIIDoutorado em Obstetrícia; Docente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP

IVProfessor Titular do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP

Correspondência para Correspondência para: Roseli Mieko Yamamoto Nomura Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 255, 10º andar CEP: 05403-000 - São Paulo - SP roseli.nomura@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Descrever casos de gravidez de gêmeos unidos de acordo com a solicitação de autorização judicial para interrupção gravidez.

MÉTODOS: Análise retrospectiva das gestações de gêmeos unidos, sem possibilidade de sobrevida extrauterina ou de separação cirúrgica pós-natal, atendidos em um hospital terciário, entre 1998 e 2010.

RESULTADOS: Entre 30 casos observados durante o período do estudo, seis (20,0%) casais decidiram continuar com a gravidez, e, em cinco (16,7%) casos, a autorização para interrupção da gestação não foi solicitada devido à idade gestacional avançada (> 25 semanas). A autorização para interromper a gravidez foi solicitada em 19 (63,3%) casos: a permissão foi concedida em 12 (63,2%), indeferida em cinco (26,3%), e não se teve a informação do resultado em dois (10,5%) casos. Nos casos submetidos à interrupção legal da gestação, o parto vaginal foi realizado em 83,3%, e no grupo em que a autorização não foi concedida, a cesárea foi realizada em todos os casos (p < 0,01).

CONCLUSÃO: A solicitação da autorização judicial para o aborto é uma alternativa na gravidez de gêmeos unidos sem prognóstico de sobrevida pós-natal. Além disso, o sucesso de um parto vaginal pode ser obtido na maioria dos casos antes do terceiro trimestre, reduzindo os riscos à saúde da mulher e o sofrimento do casal.

Unitermos: Gêmeos unidos; aborto legal; ultrassonografia pré-natal; complicações na gravidez; gravidez múltipla.

Introdução

Nas últimas décadas, os avanços tecnológicos na medicina reprodutiva estão associados ao aumento no número de gravidezes múltiplas, bem como às complicações conexas a esse evento, entre elas a ocorrência de malformações fetais. Entre as anormalidades na formação dos fetos, a de maior gravidade é o desenvolvimento de gêmeos unidos ou conjugados, com incidência estimada em 1:50.000 a 1:200.000 gestações1-3.

Os gêmeos são classificados de acordo com o local de união acrescido do termo pagus que indica fusão: toracópagos (união torácica); onfalópagos (unidos pelo abdome); parapagus (união lateral extensa); pigópagos (fusão sacral); isquiópagos (união do abdome inferior e pelves); cefalópagos (união das cabeças e encéfalo); craniópagos (união do crânio) e raquipagus (união das colunas vertebrais)4.

O diagnóstico ultrassonográfico pode ser realizado a partir da 12ª semana de gestação5, e a detecção precoce é crucial para o planejamento da conduta na gravidez, bem como para o aconselhamento da família6. A sobrevida dos casos submetidos à separação depende do grau de compartilhamento dos órgãos e das malformações associadas. Nesse contexto, as fusões cardíacas são as condições relacionadas a pior prognóstico7,8. Muitos dos gêmeos unidos, sem perspectivas de separação cirúrgica pós-natal, morrem em poucas horas9.

No Brasil, a previsão legal para o aborto inclui apenas as situações de gestação resultante de estupro ou quando existe risco à vida da mulher. Nos casos de malformação fetal letal, tal como a anencefalia, é necessário que o casal solicite ao Poder Judiciário a autorização para a interrupção da gestação. Por ser evento raro, poucos centros de referência apresentam casos de gemelidade conjugada em que tenha sido solicitada a autorização judicial para o aborto. O Judiciário também é pouco demandado para decidir sobre esses casos de elevada complexidade. Na impossibilidade de sobrevida dos fetos, o aborto tem sido autorizado, o que abrevia o sofrimento da mulher e minimiza os riscos de complicações na gravidez e no parto.

Quando existe o compartilhamento extenso de órgãos vitais em que a separação cirúrgica pós-natal está impossibilitada, e, sendo o desejo do casal, a autorização judicial para o aborto tem sido solicitada. O objetivo do presente artigo foi descrever os casos de gêmeos unidos com impossibilidade de separação cirúrgica pós-natal pelo compartilhamento grave de órgãos e impossibilidade de sobrevida extrauterina, descrevendo os casos de acordo com a solicitação ou não da autorização judicial para o aborto.

Métodos

Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: diagnóstico de gestação gemelar com fetos unidos na primeira avaliação neste serviço, avaliação conclusiva de impossibilidade de cirurgia ou de sobrevida pós-natal, e seguimento na instituição. Os dados foram coletados a partir da consulta aos prontuários médicos e livros de registro de partos.

Foram identificados 37 casos de gestações. Um caso apresentou diagnóstico de óbito fetal na primeira avaliação ultrassonográfica, e não foi incluído na análise. Em seis casos, constatou-se prognóstico de possibilidade de separação cirúrgica pós-natal, e também não foram incluídos nesta análise. Nesta pesquisa foram analisados os dados de 30 gestações com diagnóstico de gêmeos unidos com impossibilidade de cirurgia ou de sobrevida pós-natal. Os dados referentes às características da população estão apresentados na Tabela 1.

As gestantes foram avaliadas por mais de um ultrassonografista da equipe de Medicina Fetal, para caracterização do local de união dos gêmeos, avaliação da extensão e compartilhamento de órgãos. Foi investigada a presença de outras malformações associadas e também foi realizada a ecocardiografia fetal especializada, para determinação do prognóstico e possibilidade de separação dos fetos quando havia compartilhamento cardíaco.

Foram investigados os seguintes dados: idade gestacional no diagnóstico, prognóstico com relação à letalidade dos fetos, autorização ou não para o aborto, tipo de parto, complicações no parto, peso do produto conceptual, idade gestacional, e as seguintes variáveis demográficas: idade materna, estado marital, paridade, filhos vivos e antecedente de cesárea. O peso conjunto dos gêmeos, em gramas, foi aferido na sala de parto.

Foram adotados os seguintes critérios para a solicitação da autorização para interrupção da gestação: letalidade da malformação fetal e da união dos fetos, ausência de prognóstico de separação cirúrgica pós-natal, idade gestacional inferior a 25 semanas e ausência de contraindicação para parto vaginal. Nos casos com idade gestacional acima de 25 semanas, ou quando o casal não decidiu pela solicitação da interrupção, a gestação foi acompanhada até a sua resolução. Nesses casos, os pais receberam assistência multidisciplinar sobre oferecimento de medidas de suporte para garantia do conforto básico dos gêmeos após o nascimento.

Nos casos em que o casal optou por solicitar a autorização judicial para interrupção da gestação, foram fornecidos laudos da avaliação ultrassonográfica e ecocardiográfica constando detalhes dos achados do exame e parecer do prognóstico dos fetos. A gestante/casal foi submetida à avaliação psicológica que demonstrou ser decisão "adequada", e foi realizado laudo do parecer específico sobre os achados diagnósticos, prognóstico e parecer psicológico. O laudo foi assinado por dois médicos da equipe de Medicina Fetal que participaram da avaliação. Foram anexadas ao laudo, cópias de artigos da literatura sobre a condição fetal, fornecendo embasamento de que a condição era do tipo letal. A gestante/casal foi orientada a apresentar a solicitação da autorização judicial para interrupção da gestação no Fórum da localidade de sua residência. Após decisão do juiz, a paciente retornava ao serviço para cumprimento da mesma.

O prognóstico de letalidade foi caracterizado pela união extensa de órgãos vitais (coração e fígado) com malformação cardíaca complexa. Uma vez deferida a autorização judicial para interrupção da gestação, optou-se pela indução do óbito fetal e da via vaginal para o parto. O preparo do colo e a indução do parto foram iniciados no mesmo dia após a indução do óbito fetal, quando a avaliação ultrassonográfica demonstrou que o maior diâmetro das partes unidas e dos polos cefálicos juntos não fossem dificultar o parto.

Os resultados foram analisados através do programa Statistica for Windows (versão 4.3, Statsoft, Inc., 1993). As variáveis foram analisadas descritivamente, calculando- se medianas, mínimos, máximos, frequências absolutas e relativas. Os dados categóricos e semiquantitativos foram avaliados pelo teste do qui-quadrado ou Teste exato de Fisher, quando indicado. As variáveis contínuas foram analisadas pelo Teste de Mann-Whitney U. O nível de significância utilizado para os testes foi de p < 0,05.

Resultados

Foram analisados 30 casos de gestações com gêmeos unidos e prognóstico de impossibilidade de cirurgia ou de sobrevida pós-natal. Do total de 25 casos para os quais foi oferecida a possibilidade de solicitação da autorização judicial para interrupção da gestação, 76% optaram por essa conduta e 24% (seis casos) pela manutenção da gravidez. As características das gestações nos casos em que se solicitou ou não a interrupção estão apresentados na Tabela 1. Em cinco casos com idade gestacional superior a 25 semanas no diagnóstico da gemelidade conjugada, a interrupção da gestação não foi discutida. Dos 19 casos em que foi solicitada a autorização para a interrupção, 12 (63,2%) pedidos foram deferidos pelo juiz e o aborto foi autorizado, cinco (26,3%) pedidos foram indeferidos e em dois (10,5%) não se teve conhecimento da resolução dos casos. As características dos 17 casos em que se conheceu a decisão judicial da autorização ou não da interrupção da gestação estão apresentados na Tabela 2. No grupo de interrupção da gestação, o parto por via vaginal ocorreu em 83,3%, mas no grupo em que a autorização não foi deferida, a cesárea foi realizada em 100% dos casos (p < 0,01).

A Tabela 3 apresenta a descrição dos casos em que foi autorizada a interrupção da gestação. Os cinco casos em que não foi autorizada a interrupção estão apresentados na Tabela 4. Em três casos havia outras malformações associadas além das cardíacas. Quanto à união cardíaca, verifica-se que em todos os casos havia a fusão de átrios e ventrículos, em quatro casos o óbito dos gêmeos ocorreu nas primeiras três horas após o nascimento e em um caso o óbito dos gêmeos ocorreu no 28º dia.

Discussão

Apesar de existirem muitas publicações sobre gêmeos unidos, poucas analisam as características dos casos em que se realiza o aborto. Nos países em que a prática do aborto é legalizada, os casais têm maior liberdade para optarem por essa conduta. No entanto, no Brasil, pelo fato de o aborto legal não estar previsto nos casos de anomalias fetais incompatíveis com a vida extrauterina, a opção pelo aborto exige que o casal se exponha em busca da autorização judicial para o procedimento, prolongando o sofrimento e ansiedade vivenciados.

O presente estudo demonstra que, confirmada a letalidade da malformação, 76% dos casais optaram por solicitar a autorização judicial. Dos casos em que foi solicitada a autorização, 63% obtiveram decisão favorável autorizando o aborto. A mediana da idade gestacional na interrupção da gestação foi de 22 semanas. A média do intervalo para se obter a autorização judicial foi de aproximadamente três semanas nos 12 casos deferidos. Nos casos em que o Poder Judiciário indeferiu as solicitações de interrupção da gestação, o parto foi realizado pela cesárea e todos os gêmeos evoluíram para óbito neonatal, quatro no mesmo dia no nascimento e um com 28 dias pós-parto.

A interrupção da gestação em casos de gemelidade conjugada e impossibilidade de sobrevida dos fetos objetiva minimizar os riscos maternos associados às dificuldades no parto de gêmeos unidos, que invariavelmente nascem pela cesárea quando atingem o terceiro trimestre gestacional, bem como os riscos inerentes à continuidade da gestação gemelar. O aborto até o segundo trimestre permite que o parto seja realizado pela via vaginal, reduzindo o risco de complicações maternas e sem submeter a mulher a procedimento que poderá comprometer o útero e sua saúde reprodutiva, principalmente quando a incisão uterina é corporal. Uma vez submetida a uma cesárea corporal, nas gestações subsequentes, o parto deve ser realizado obrigatoriamente pela cesárea, pois é conhecido o risco de rotura uterina em gestantes com antecedente de cesárea corporal.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão sobre a autorização para interrupção da gestação em casos de gêmeos unidos, afirma: 'Esta Corte de Justiça tem se posicionado no sentido de, na impossibilidade de sobrevida do feto, permitir o aborto, com o propósito de abreviar o sofrimento materno, em respeito ao seu luto, sua saúde e dignidade' (Mandado de segurança nº 990.09 100287-9 - Santos - 6ª Câmara Criminal - Rel. Marco Antonio - 21.05.09).

A impossibilidade de separação de gêmeos unidos é determinada pela gravidade e complexidade da fusão cardíaca, e em casos que possam resultar em deformidades graves inaceitáveis. Nessa situação, incluem-se os gêmeos toracópagos com união cardíaca complexa, e os encefalópagos ou craniópagos, quando a separação pode deixar sequelas neurológicas10,11.

Ao longo de 12 anos, 37 gestações gemelares com gêmeos conjugados foram diagnosticadas nesta Instituição. Trata-se de casuística relevante quando se compara com as séries descritas na literatura12-17. Em estudo epidemiológico realizado na Espanha2, os autores analisam a incidência de gêmeos unidos em dois períodos (1980 a 1985, 1986 a 2006) e referem diminuição da incidência de nascimentos de gêmeos unidos após a legalização da interrupção da gestação.

A mediana da idade gestacional na primeira avaliação ultrassonográfica foi relativamente tardia, no segundo trimestre, 24 semanas. Comparando-se com duas séries nos Estados Unidos publicadas em 199018 e 200214, em que as idades gestacionais médias foram de 18,5 e 19,8 semanas, e em 64,3% e 21,4% dos casos a gestação foi interrompida nas primeiras semanas do segundo trimestre. Em revisão de literatura dos casos de gêmeos unidos diagnosticados abaixo da 15ª semana, Pajkrt e Jauniaux19 encontram 50 casos publicados, em que 41 (82%) realizam interrupção da gestação.

A maior indicação da ultrassonografia de rotina no primeiro trimestre em vários países proporciona diagnóstico precoce das anormalidades fetais. O diagnóstico correto, antes da viabilidade, permite que os pais possam optar por solicitar ou não a interrupção da gestação e, consequentemente, minimizar a morbidade materna à medida que a interrupção da gestação em idade gestacional precoce apresenta menor risco. Neste estudo, nos casos em que a autorização foi concedida e o aborto realizado, a avaliação da necropsia confirmou os achados descritos nos exames prénatais, e todos que prosseguiram a gestação evoluíram para óbito neonatal sem separação cirúrgica.

No presente estudo, a solicitação da autorização judicial para interrupção da gestação seguiu as recomendações do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo20. A idade gestacional na ocasião da interrupção da gestação tem importância clínica, pois quanto mais precoce o procedimento do aborto é realizado, menores são os riscos maternos. O parto vaginal tem sucesso pela flexibilidade dos tecidos moles entre os fetos e devido ao menor volume conjunto dos fetos.

Apesar de a literatura apresentar muitos relatos com relação aos gêmeos unidos, abordando vários aspectos médicos, éticos e legais, as complicações maternas são pouco descritas e pormenorizadas. Na revisão de casos realizada por Harper et al.21, abrangendo casos publicados de onfalópagus em 300 anos, os autores encontram descrição de distocia em 36% e taxa de natimortos de 19%. Rode et al.16 descrevem experiência em 40 anos com casos de gêmeos unidos e relatam um óbito materno durante o parto. Na série descrita por Al Rabeeah12, o trauma no canal de parto é relatado em dois de cinco casos que evoluíram para parto vaginal.

Gêmeos unidos atraem muitas discussões éticas e legais22-25. Com o avanço da medicina, diversos exames diagnósticos permitem avaliações pormenorizadas de detalhes de suas anatomias. Os desafios éticos e médicos surgem quando os gêmeos compartilham órgãos vitais, tal como o coração e o fígado, impossibilitando a separação pós-natal ou não permitindo a sobrevida extrauterina. Esses compartilhamentos de órgãos vitais podem cursar com perdas fetais, óbitos neonatais e deterioração precoce de um dos gêmeos.

Na prática, nos casos de gestação conjugada com impossibilidade de vida extrauterina, os médicos devem informar os pais de forma clara, respeitando suas opiniões, seus fatores culturais e posições religiosas. A tomada de decisões deve ser efetuada pelos pais, sob o aconselhamento da equipe médica, levando em consideração o melhor interesse para a saúde da gestante. A partir do diagnóstico pré-natal, no seguimento da gestação, os pais devem discutir e planejar com a equipe médica as possíveis condutas a serem adotadas. A confidencialidade deve ser assegurada por todos os envolvidos, e o sensacionalismo público e da mídia devem ser evitados a qualquer custo23,25. A abordagem de cada caso deve manter coerência com as decisões conjuntamente tomadas, e os pais devem ser encorajados a buscar conselhos religiosos, se assim desejarem. E, ainda, deve ser assegurado aos pais que eles detêm substancial controle sobre o processo de decisões nas condutas a serem seguidas.

A gemelidade conjugada representa diagnóstico de elevada gravidade, pois em muitos casos os órgãos compartilhados e a extensão da fusão conferem características que impedem a separação cirúrgica ou impossibilitam a vida extrauterina. A opção pela interrupção da gestação pode ser efetivada pela solicitação da autorização judicial para o aborto. Uma vez deferido o pedido no segundo trimestre gestacional, o parto vaginal é a regra, reduzindo os riscos à saúde da mulher e minimizando o sofrimento do casal.

Artigo recebido: 15/11/2010

Aceito para publicação: 23/01/2011

Conflito de interesses: Não há.

Trabalho realizado no Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

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  • Correspondência para:

    Roseli Mieko Yamamoto Nomura
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 255, 10º andar
    CEP: 05403-000 - São Paulo - SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      15 Nov 2010
    • Aceito
      23 Jan 2011
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