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Perfil da mortalidade materna na região do Grande ABC de 1997 a 2005

Resumos

OBJETIVO: Analisar a situação da mortalidade materna na Região do ABC comparando indicadores produzidos pelo Comitê de Estudos da Mortalidade Materna da Região do Grande ABC (CEMM), da Direção Regional de Saúde II de Santo André (DIR II), e pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE). MÉTODOS: Este é um estudo transversal. As informações foram obtidas junto ao banco de dados do CEMM da DIR II - Santo André, que compreende dados dos sete municípios da região do Grande ABC. Foram analisados todos os óbitos de mulheres em idade fértil ocorridos no período de 1997 a 2005 na região. Os testes t pareado, Wilcoxon e Kruskal-Wallis foram utilizados para a análise estatística. RESULTADOS: Observam-se diferenças entre os coeficientes de mortalidade materna para os municípios de Diadema, São Bernardo do Campo, Santo André e DIR II, sendo os coeficientes calculados pelo CEMM maiores do que os fornecidos pelo SEADE (p < 0,001). Para os municípios de Mauá, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires e São Caetano do Sul não foram observadas diferenças significativas entre esses dois coeficientes (p ≥ 0,05), apesar de os coeficientes fornecidos pelo CEMM serem maiores do que os coeficientes fornecidos pelo SEADE. CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo demonstram que os dados oficiais de mortalidade materna no Brasil ainda são subestimados e sinalizam a falta de qualidade dos serviços de assistência a gestação, parto e puerpério

Coeficiente de mortalidade; mortalidade; mortalidade materna; registros de mortalidade; estudos transversais


OBJECTIVE: To analyze the maternal mortality in the ABC Region, comparing indicators from the Committee for the Study of Maternal Mortality in the Great ABC Region (CEMM) of the II Regional Health Center of Santo Andre (DIR II), and the State Data Analysis System Foundation (SEADE). METHODS: This is a cross sectional study. The information was obtained from the database of CEMM DIR II - Santo André, which includes data from seven counties of the ABC Region. We analyzed all deaths of childbearing-age women that occurred from 1997 to 2005 in that region. The paired t test, Wilcoxon and Kruskal-Wallis tests were used for statistical analysis. RESULTS: There were differences regarding the maternal mortality rates in the towns of Diadema, São Bernardo do Campo, Santo André and DIR II, with the coefficients calculated by CEMM being higher than those provided by the SEADE (p < 0.001). Concerning the towns of Mauá, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires and São Caetano do Sul, no significant differences were observed between these two coefficients (p ≥ 0.05), although the coefficients provided by CEMM were higher than the coefficients obtained from SEADE. CONCLUSION: Our results demonstrate that the official data of maternal mortality in Brazil are still underestimated and point to the lack of healthcare quality during pregnancy, childbirth and postpartum

Mortality coefficient; mortality; maternal mortality; mortality registries; cross-sectional studies


ARTIGO ORIGINAL

Perfil da mortalidade materna na região do Grande ABC de 1997 a 2005

Silvana TogniniI; Maria Lúcia Bueno GarciaII; Alfésio Luís Ferreira BragaIII; Lourdes Conceição MartinsII

ISecretaria de Estado da Saúde (SES-SP), São Paulo, SP; Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina do ABC, São Paulo, SP

IIProfessora Livre-docente, Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP); Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina, USP; Núcleo de Estudos em Epidemiologia Ambiental, Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP, Brazil

IIINúcleo de Estudos em Epidemiologia Ambiental, Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental, Faculdade de Medicina, USP; Grupo de Avaliação de Exposição e Risco Ambiental, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), Santos, SP, Brazil

IVGrupo de Avaliação de Exposição e Risco Ambiental, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, UNISANTOS, Santos, SP; Núcleo de Estudos em Epidemiologia Ambiental, Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental, Faculdade de Medicina, USP, SP, Brazil

Correspondência para Correspondência para: Lourdes Conceição Martins Rua Abraham Bloemaert, 126, Jd. das Vertentes São Paulo - SP, CEP: 05541-320 lourdesc@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a situação da mortalidade materna na Região do ABC comparando indicadores produzidos pelo Comitê de Estudos da Mortalidade Materna da Região do Grande ABC (CEMM), da Direção Regional de Saúde II de Santo André (DIR II), e pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE).

MéTODOS: Este é um estudo transversal. As informações foram obtidas junto ao banco de dados do CEMM da DIR II - Santo André, que compreende dados dos sete municípios da região do Grande ABC. Foram analisados todos os óbitos de mulheres em idade fértil ocorridos no período de 1997 a 2005 na região. Os testes t pareado, Wilcoxon e Kruskal-Wallis foram utilizados para a análise estatística.

RESULTADOS: Observam-se diferenças entre os coeficientes de mortalidade materna para os municípios de Diadema, São Bernardo do Campo, Santo André e DIR II, sendo os coeficientes calculados pelo CEMM maiores do que os fornecidos pelo SEADE (p < 0,001). Para os municípios de Mauá, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires e São Caetano do Sul não foram observadas diferenças significativas entre esses dois coeficientes (p ≥ 0,05), apesar de os coeficientes fornecidos pelo CEMM serem maiores do que os coeficientes fornecidos pelo SEADE.

CONCLUSãO: Os resultados deste estudo demonstram que os dados oficiais de mortalidade materna no Brasil ainda são subestimados e sinalizam a falta de qualidade dos serviços de assistência a gestação, parto e puerpério.

Unitermos: Coeficiente de mortalidade; mortalidade; mortalidade materna; registros de mortalidade; estudos transversais.

Introdução

A mortalidade materna é um bom indicador da realidade socioeconômica de um país e da qualidade de vida de sua população. No mundo, a cada minuto, uma mulher morre durante o trabalho de parto ou por complicações na gravidez, e, no Brasil, esse problema atinge as várias regiões de forma desigual1,2,3. Uma mulher grávida de um país em desenvolvimento tem um risco de morrer por causas ligadas à gestação de 100 a 200 vezes maior do que a mulher grávida em um país desenvolvido4.

Em 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) reuniu líderes mundiais de 192 países e definiu as metas de desenvolvimento do milênio visando à redução da desigualdade socioeconômica mundial em 68 países em desenvolvimento, dentre os quais se situa o Brasil. Dentre os objetivos principais desse programa estão as reduções da mortalidade infantil em dois terços e da mortalidade materna em três quartos em um período de 15 anos5.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 585 mil mulheres no mundo todo morrem anualmente por complicações ligadas ao ciclo gravídico puerperal, e 95% destas mortes ocorrem nos países em desenvolvimento4.

Para a OMS, o cálculo da taxa de mortalidade materna deve incluir apenas as mortes que ocorrem no período de até 42 dias após o término da gravidez. No Brasil, o cálculo da taxa de mortalidade materna se estende até 11 meses e 29 dias após o término da gestação1,4.

A partir da segunda metade da década de 1980 é que se passa a dar a devida atenção à mortalidade materna como um problema de saúde pública nos países em desenvolvimento6. Apenas em março de 1994, por meio da Portaria n. 663 do Ministério da Saúde (MS), o Brasil declarou a mortalidade materna um problema prioritário em saúde pública1.

No Brasil, não se sabe a real magnitude da mortalidade materna e estima-se que ocorram anualmente 5 mil mortes de mulheres no ciclo gravídico-puerperal, variando largamente as taxas de mortalidade entre as diversas cidades e estados3,7,8.

Acredita-se que o acesso ao sistema de saúde, a frequência ao pré-natal, a assistência ao parto e ao puerpério, hospitais bem equipados e um serviço de saúde estruturado levariam a menor índice de mortalidade materna1,3. O pré-natal deficiente, devido a poucas consultas e/ou pelo abandono (baixa aderência ao acompanhamento), contribui para a falta de diagnóstico de doenças que podem surgir no final da gestação ou que se expressam tardiamente, aumentando os riscos de morte materna1,4,9,10.

Sobre a mortalidade materna no município de São Paulo, verificou-se que a maioria dos óbitos maternos ocorre dentro do ambiente hospitalar e que o maior número de partos na capital paulista ocorre na rede privada/conveniada11,12.

A razão de mortalidade materna (RMM) é a relação entre o número de óbitos maternos (diretos e indiretos) em um determinado período de tempo e o número de nascidos vivos no mesmo período multiplicado geralmente por 100 mil nascidos vivos. Dada a importância desse indicador (RMM), foi criado o Comitê de Estudos de Mortalidade Materna da região do ABC (CEMM-ABC), incluindo os sete municípios que compõem a região (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), que tinha por objetivo a identificação de todos os óbitos maternos, a construção do RMM regional e a indicação de medidas de intervenção para sua redução1.

O CEMM-ABC desenvolveu suas atividades entre 1997 e 2006 e, durante esse período, produziu informações sobre mortalidade materna na região paralelamente às produzidas rotineiramente pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE)13.

O objetivo deste estudo é analisar a situação da mortalidade materna na Região do ABC por meio dos dados produzidos pelo CEMM-ABC e pela Fundação SEADE para o período de 1997 a 2005.

Métodos

Este é um estudo transversal e suas informações foram obtidas diretamente do CEMM-ABC. Foram analisados todos os óbitos de mulheres (população feminina) em idade fértil (de 10 a 49 anos) ocorridos no período de 1997 a 2005 na região do Grande ABC.

O CEMM-ABC coletou as informações de mortalidade materna para o período de estudo e utilizou para isso duas metodologias distintas. Entre os anos de 1996 a 2000, as Declarações de óbitos (DO's) de mulheres em idade fértil eram obtidas diretamente dos Cartórios de Registros Civis da Região do Grande ABC, e, entre 2001 e 2005, as DO's foram extraídas do Banco de Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).

Foram utilizadas outras fontes de informações, como os bancos de dados do SEADE e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para comparação entre as fontes oficiais e a pesquisa do CEMM-ABC e com isso, identificação das subnotificações da mortalidade materna. O CEMM-ABC obtinha as informações de nascidos vivos diretamente do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC) para que fosse efetuado o cálculo anual da RMM seguindo a padronização do MS. Os dados obtidos pelo CEMM-ABC contemplaram todas as mortes de mulheres que constavam nos atestados de óbitos que eram checadas individualmente pela equipe do órgão. Isso trouxe mais qualidade para esses registros.

O CEMM-ABC utilizou instrumentos de pesquisa (Questionários) preconizados pelo Ministério da Saúde para as visitas domiciliares e hospitalares (Manual dos Comitês de Mortalidade Materna do Ministério da Saúde)1.

Foi realizada a análise descritiva de todas as variáveis do estudo. As variáveis quantitativas foram apresentadas em termos de seus valores de tendência central e de dispersão14. A normalidade dos dados e a homogeneidade das variâncias foram verificadas pelos testes de Kolmogorov-Smirnov e Levene, respectivamente14. Para a comparação das variáveis que preencheram esses dois princípios foi utilizado o teste t pareado, caso contrário, foram utilizados os testes de Wilcoxon e o teste de Kruskal-Wallis, seguidos do teste de comparações múltiplas de Dunn14,15.

O nível de significância foi de 5%. O pacote estatístico utilizado foi o SPSS 17.0 para Windows.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC, sob número 390/2007.

Resultados

Foram observadas diferenças significativas entre os coeficientes de mortalidade materna obtidos pelo CEMM e SEADE em alguns municípios da região do Grande ABC para o período de 1997 a 2005. A seguir serão apresentados os valores médios ± desvio-padrão e a variação (valores mínimo e máximo) por coeficiente obtido (CEMM e SEADE) para cada um dos município da região do ABC. Para Diadema observou-se, pelo teste t pareado, que o coeficiente de mortalidade materna obtido pelo CEMM (53,8 ± 24,5; variando de 22,1 a 93,1) foi estatisticamente maior do que o coeficiente obtido pelo SEADE (26,6 ± 11,6; variando de 11,1 e 43,6) (p < 0,001). Em Mauá não foram observadas diferenças, pelo teste de Wilcoxon, entre o coeficiente de mortalidade materna obtido pelo CEMM (45,4 ± 26,2; variando de 14,3 a 88,13) e pelo SEADE (36,8 ± 16,7; variando de 0 a 50,4) (p = 0,08). Também não foram observadas diferenças significativas, pelo teste de Wilcoxon, entre o coeficiente de mortalidade materna obtido pelo CEMM (108,1 ± 106,5; variando de 0 a 279,7) e pelo SEADE (72,3 ± 108,1; variando de 0 a 265,3) para o município de Rio Grande da Serra (p = 0,15). O mesmo padrão se repete para o município de Ribeirão Pires, onde não foram observadas diferenças significativas (teste de Wilcoxon) entre o coeficiente de mortalidade materna obtido pelo CEMM (69,2 ± 59,4; variando de 0 a 172,9) pelo SEADE (55,3 ± 37,9; variando de 0 a 119,9) (p = 0,11).

Já para o município de São Bernardo do Campo, pelo teste t pareado, foram observadas diferenças significativas entre esses dois coeficientes (p < 0,001), em que o coeficiente de mortalidade materna obtido pelo CEMM (41,5 ± 17,8; variando de 14,4 a 64,6) é estatisticamente maior do que o coeficiente obtido pelo SEADE (19,8 ± 13,8; variando de 0 a 43,1) (p < 0,001). Essa diferença significativa também é observada para o município de Santo André, onde observamos, pelo teste t pareado, que o coeficiente de mortalidade materna obtido pelo CEMM (54,9 ± 11,7; variando de 30,6 a 71,7) é estatisticamente maior do que o obtido pelo SEADE (38,3 ± 18,1; variando de 20,9 e 72,5) (p < 0,001).

No município de São Caetano do Sul não foram observadas diferenças significativas entre os dois coeficientes (CEMM: 39,4 ± 39,6; variando de 0 a 114,0 e SEADE: 55,7 ± 52,6; variando de 0 a 167,6) (teste de Wilcoxon, p = 0,08).

Já quando se considera a região como um todo pelos resultados obtidos pela DIR II (Diretoria Regional da região do ABC), observa-se pelo teste t pareado que há uma diferença significativa entre os dois coeficientes de mortalidade materna (p < 0,001). O coeficiente obtido pelo CEMM (50,0 ± 10,6; variando de 32,1 a 66,8) é estatisticamente maior do que o coeficiente obtido pelo SEADE (32,3 ± 11,4; variando de 14,7 a 48,0).

A Figura 1 apresenta a análise dos coeficientes de mortalidade materna obtidos pelo CEMM e pela Fundação SEADE para os municípios de Diadema, Mauá, Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires no período de 1997 a 2005. Pelo teste de Kruskal-Wallis, tem-se que os anos diferem entre si (p < 0,001) nos municípios de Diadema, Mauá e Ribeirão Pires. O teste de comparações múltiplas de Dunn mostra que para o município de Diadema há uma elevação dos dois coeficientes de mortalidade materna (CEMM e SEADE) em 2002 (p < 0,001) e 2005 (p < 0,001). Já para o município de Mauá, observam-se elevações dos coeficientes em 2000 (p < 0,001) e 2003 (p < 0,001). Para o município de Ribeirão Pires, há elevações dos coeficientes de mortalidade materna em 2002 (p < 0,001). Para o município de Rio Grande da Serra não foram observadas diferenças ao longo do período (p ≥ 0,05).


A Figura 2 apresenta os coeficientes de mortalidade materna obtidos pelo CEMM e pelo SEADE para os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul. Pelo teste de Kruskal-Wallis, observam-se diferenças significativas para cada um dos coeficientes ao longo do período, tanto para o município de São Bernardo do Campo quanto para o município de Santo André (p < 0,001). O teste de Dunn mostra que, para o município de São Bernardo do Campo, há picos em 1998 (p < 0,05) e em 2002 (p < 0,001), quando os coeficientes de mortalidade materna obtidos por CEMM permaneceram sempre maiores do que os obtidos pela fundação SEADE (p < 0,05). Para o município de Santo André, ocorreram elevações nos coeficientes no ano de 2000 (p < 0,05) e a partir de 2003 (p < 0,05). Em São Caetano do Sul, não foram observadas diferenças significativas entre os anos de estudo (teste de Kruskal-Wallis, p ≥ 0,05).


A Figura 3 apresenta os coeficientes de mortalidade materna obtidos pelo CEMM e pela Fundação SEADE para a DIR II, que engloba todos os municípios do Grande ABC para o período de estudo. Pelo teste de Kruskal- Wallis, foram observadas diferenças significativas entre os coeficientes que se acentuam ao longo do período a partir do ano 2000. Na série de dados fornecida pelo CEMM, o ano de 2002 foi o que apresentou o maior coeficiente de mortalidade materna (teste de Dunn, p < 0,05).


Discussão

Este estudo transversal mostrou que há uma diferença significativa para os coeficientes de mortalidade materna entre CEMM e SEADE, em que o indicador obtido pelo CEMM apresentou valores maiores do que os obtidos pelo SEADE, e essa diferença também pode ser observada em cada um dos municípios por ano de estudo. As maiores RMM apresentadas pelo CEMM são atribuídas a uma precisão maior de informações devido a uma busca ativa dos óbitos e da revisão de vários bancos de dados que continham a mesma informação. Desse modo, os dados do CEMM refletiram melhor a realidade da mortalidade materna da região estudada.

O CEMM-ABC desenvolvia um trabalho que trazia maior precisão nas estimativas das RMM para a região, com o acompanhamento ano a ano e a produção de relatórios anuais aos gestores, permitindo um trabalho mais intenso para a prevenção da mortalidade materna.

A morte materna nos países em desenvolvimento é uma epidemia silenciosa e um problema de saúde pública, não só por sua magnitude, mas porque 90% das causas de morte durante o ciclo gravídico-puerperal são evitáveis16.

No Brasil, a mortalidade materna tem sido motivo de preocupação das autoridades de saúde em nível federal, estadual e municipal. De acordo com o Ministério da Saúde, a mortalidade materna compõe um quadro de violação dos direitos humanos de mulheres e de crianças, atingindo desigualmente aquelas das classes sociais com menor ingresso e acesso aos bens sociais, nas várias regiões brasileiras3,7,17,18. Portanto, detectar com maior precisão fornece subsídios para uma intervenção nesse importante problema de saúde.

Estimativas do Banco Mundial e da OMS mostram que, em diferentes regiões do mundo, há grandes diferenças no número de mortalidade materna, que podem variar nos países subdesenvolvidos de 1 para 15 mulheres até 1 para 70 mulheres em idade reprodutiva; nos países desenvolvidos, a variação é de 1 para 3 mil mulheres até 1 para 10 mil1.

Segundo os levantamentos do programa de Metas para o Desenvolvimento do Milênio, o Brasil reduziu as taxas de mortalidade infantil e mortalidade materna através da redução das disparidades regionais e socioeconômicas em saúde no Brasil, devido a políticas públicas de saúde implantadas nos últimos 20 anos5,19.

As estatísticas de mortalidade materna são usadas em epidemiologia e saúde pública como indicador do nível de saúde, em avaliações de programas de saúde e em estudos populacionais, com vistas a comparar tendências temporais e diferenças geográficas. A principal variável utilizada nessa estatística é a causa da morte20. Pesquisas sobre a mortalidade materna devem ser estimuladas principalmente em países em desenvolvimento, que apresentam índices de mortalidade altos quando comparados com países desenvolvidos.

A mortalidade infantil tem sido utilizada como indicador de desenvolvimento social e econômico há muitos anos, por diferentes países, e é considerada um indicador clássico de saúde. A mortalidade materna, por outro lado, ainda não foi devidamente reconhecida pelas autoridades públicas e sanitárias, apesar das condições adversas observadas em localidades mais carentes e, até mesmo, em determinados núcleos mais pobres em áreas desenvolvidas, como as regiões metropolitanas do sudeste brasileiro5.

Estudar as taxas e os registros da mortalidade materna é necessário não apenas para se saber sobre os riscos potenciais da gestação, parto e puerpério, mas também para conhecer sobre a saúde da mulher em geral e suas condições sociais e culturais5,19,21.

Segundo Victora (2010), após 10 anos do início do Programa do Milênio, vários são os fatores determinantes da mortalidade materno-infantil em países em desenvolvimento. Em seu editorial, Victora aponta que os países em desenvolvimento obedecem à proposta de Hartman de que o nível socioeconômico está inversamente proporcional à necessidade de saúde da população5.

A morte das mulheres antes, durante e depois do parto, por causas diretas ou indiretas ligadas à gravidez, representa uma enorme parcela de óbitos entre adultos em todo o mundo, especialmente em países subdesenvolvidos entre os quais, o Brasil. As causas diretas estão relacionadas às mortes obstétricas na gravidez, parto e puerpério, causadas por intervenções, omissões, tratamento incorreto ou por sequência de eventos resultantes de qualquer uma dessas situações. As mortes indiretas são as que resultam de doenças existentes antes da gravidez ou que se desenvolvem durante a mesma e que não se devem a causas obstétricas diretas, mas que são agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez 6,11.

Os resultados do presente estudo demonstram que os dados oficiais de mortalidade materna no Brasil ainda são subestimados e sinalizam a falta de qualidade dos serviços de assistência a gestação, parto e puerpério. Essa característica é comum entre os países em desenvolvimento, onde estão as gestantes mais necessitadas e com maior dificuldade de acesso à assistência de qualidade 6,21.

A constatação da real situação da mortalidade materna é necessária para permitir maior sensibilização das autoridades competentes, para a priorização do atendimento integralizado à saúde da mulher e para alertar a população para a exigência de um atendimento efetivo para a promoção da saúde e a diminuição dos índices de mortalidade. Além disso, este estudo contribui para demonstrar a necessidade de maiores critérios e homogeneização na obtenção dos reais índices de saúde de países em desenvolvimento como o Brasil.

Artigo recebido: 28/11/2010

Aceito para publicação: 25/05/2011

Conflito de interesse: Não há.

Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina do ABC (Dissertação de Mestrado)

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  • Correspondência para:

    Lourdes Conceição Martins
    Rua Abraham Bloemaert, 126, Jd. das Vertentes
    São Paulo - SP, CEP: 05541-320
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      28 Nov 2010
    • Aceito
      25 Maio 2011
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