Acessibilidade / Reportar erro

Direitos sexuais e reprodutivos na adolescência

Sexual and reproductive rights in adolescence

Resumos

OBJETIVO: Apresentar marcos legais brasileiros que garantam ao adolescente autonomia no trato com sua saúde sexual e reprodutiva. MÉTODOS: Levantamento bibliográfico das legislações nacionais publicadas em site dos órgãos oficiais (Ministério da Saúde e Educação) e Associações de Classe (Conselho Federal de Medicina - CFM - e Conselho Federal de Enfermagem - COFEN). RESULTADOS: Encontraram-se oito legislações sendo três de Associação de Classe (CFM e COFEN), uma Portaria Interministerial (Ministério da Saúde e Educação), uma Nota Técnica do Programa Nacional de DST/AIDS e três Leis Federais. Muitas das garantias legais afetam diretamente a população adolescente (garantia de escolarização durante a gestação e período puerperal ou licença maternidade, distribuição de preservativos, não discriminação por sorologia em ambiente escolar). São instrumentos importantes de preservação dos direitos sexuais e reprodutivos, da privacidade no atendimento médico, na busca por informações seguras de saúde e no acesso a insumos como preservativos e métodos contraceptivos. CONCLUSÃO: As análises das legislações levantadas demonstraram que estes marcos legais são imprescindíveis na garantia da vivência da sexualidade de forma mais segura e saudável, e todo profissional de saúde envolvido no acompanhamento de adolescentes deve conhecê-los profundamente.

Adolescente; sexualidade; legislação como assunto; defesa da criança e do adolescente; assistência integral à saúde; comportamento do adolescente


OBJECTIVE: To present legal milestones to ensure the Brazilian adolescent autonomy indealing with their sexual and reproductive health. METHODS: Literature review of national legislation published on the official sites of governmental organs (Ministry of Health and Ministry of Education) and Class Associations (Federal Council of Medicine [Conselho Federal de Medicina - CFM] and the Federal Council of Nursing - COFEN). RESULTS: We found 8 legislations, of which 3 were from Class Associations (COFEN and CFM), one Interministerial Ordinance (Ministries of Health and Education), one Technical Note of the National STD/AIDS Program, and 3 Federal Laws. Many of the legal guarantees directly affect the adolescent population (guarantee of schooling during pregnancy and puerperal period or maternity leave, condom distribution, no discrimination in the school environment on the basis of serology). They are important tools for the preservation of sexual and reproductive rights, privacy of medical care, search for reliable health information, and access to inputs such as condoms and contraceptive methods. CONCLUSION: The analysis of the legislation listed in the present study demonstrated that these legal milestones are essential to ensure the safe and healthy experience of sexuality, and all health and education professionals involved in adolescent counseling should know them comprehensively.

Adolescent; sexuality; legislation as topic; children and adolescents' rights; integrated health care; adolescent behavior


ARTIGO ORIGINAL

Direitos sexuais e reprodutivos na adolescência

Sexual and reproductive rights in adolescence

Silvia Piedade de MoraesI; Maria Sylvia de Souza VitalleII

IAluna do Programa de Pós-graduação da Educação e Saúde na Infância e Adolescência, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil

IIDoutora em Medicina; Professora Permanente, Programa de Pós-graduação Educação e Saúde na Infância e Adolescência, UNIFESP; Chefe do Setor de Medicina do Adolescente, Departamento de Pediatria, Escola Paulista de Medicina, UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Maria Sylvia de Souza Vitalle Programa de Pós-graduação Educação e Saúde na Infância e Adolescência Universidade Federal de São Paulo Estrada do Caminho Velho, 333, Bairro dos Pimentas CEP: 07252-312, Guarulhos, SP, Brasil Telefone: +55 (11) 3381-2118 vitalle.dped@epm.br

RESUMO

OBJETIVO: Apresentar marcos legais brasileiros que garantam ao adolescente autonomia no trato com sua saúde sexual e reprodutiva.

MÉTODOS: Levantamento bibliográfico das legislações nacionais publicadas em site dos órgãos oficiais (Ministério da Saúde e Educação) e Associações de Classe (Conselho Federal de Medicina - CFM - e Conselho Federal de Enfermagem - COFEN).

RESULTADOS: Encontraram-se oito legislações sendo três de Associação de Classe (CFM e COFEN), uma Portaria Interministerial (Ministério da Saúde e Educação), uma Nota Técnica do Programa Nacional de DST/AIDS e três Leis Federais. Muitas das garantias legais afetam diretamente a população adolescente (garantia de escolarização durante a gestação e período puerperal ou licença maternidade, distribuição de preservativos, não discriminação por sorologia em ambiente escolar). São instrumentos importantes de preservação dos direitos sexuais e reprodutivos, da privacidade no atendimento médico, na busca por informações seguras de saúde e no acesso a insumos como preservativos e métodos contraceptivos.

CONCLUSÃO: As análises das legislações levantadas demonstraram que estes marcos legais são imprescindíveis na garantia da vivência da sexualidade de forma mais segura e saudável, e todo profissional de saúde envolvido no acompanhamento de adolescentes deve conhecê-los profundamente.

Unitermos: Adolescente; sexualidade; legislação como assunto; defesa da criança e do adolescente; assistência integral à saúde; comportamento do adolescente.

SUMMARY

OBJECTIVE: To present legal milestones to ensure the Brazilian adolescent autonomy indealing with their sexual and reproductive health.

METHODS: Literature review of national legislation published on the official sites of governmental organs (Ministry of Health and Ministry of Education) and Class Associations (Federal Council of Medicine [Conselho Federal de Medicina - CFM] and the Federal Council of Nursing - COFEN).

RESULTS: We found 8 legislations, of which 3 were from Class Associations (COFEN and CFM), one Interministerial Ordinance (Ministries of Health and Education), one Technical Note of the National STD/AIDS Program, and 3 Federal Laws. Many of the legal guarantees directly affect the adolescent population (guarantee of schooling during pregnancy and puerperal period or maternity leave, condom distribution, no discrimination in the school environment on the basis of serology). They are important tools for the preservation of sexual and reproductive rights, privacy of medical care, search for reliable health information, and access to inputs such as condoms and contraceptive methods.

CONCLUSION: The analysis of the legislation listed in the present study demonstrated that these legal milestones are essential to ensure the safe and healthy experience of sexuality, and all health and education professionals involved in adolescent counseling should know them comprehensively.

Keywords: Adolescent; sexuality; legislation as topic; children and adolescents' rights; integrated health care; adolescent behavior.

INTRODUÇÃO

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2010, a população adolescente de 10 a 19 anos alcançou 17,9% da população total do país, representando cerca de 34 milhões de jovens nessa faixa etária1.

A adolescência é fase de transição entre a infância e a idade adulta, e como fase própria possui características singulares nos campos biológicos, psicológicos e sociais. A primeira tem vários percursos desenvolvimentais no sujeito, das quais é importante destacar a ocorrência da puberdade e a separação das figuras parentais. A segunda é o caminho essencial do desenvolvimento social e a busca por suas identidades. O termo adolescência vem do latim adolescere e significa crescer. A palavra adolescence foi usada na língua inglesa pela primeira vez em 1430, e referia-se à faixa etária dos 14 aos 21 anos para homens e dos 12 aos 21 anos para as mulheres2.

A adolescência descrita em uma etapa etária tem gerado polêmicas de cunho jurídico em diferentes áreas. Assim sendo, há visões jurídicas diferenciadas sobre a capacidade do adolescente com relação a sua responsabilidade e autonomia no que diz respeito a votar3, casar-se, contratar ou firmar obrigações4, relações de trabalho5, 6 e inimputabilidade perante a lei7, o que têm gerado inúmeras interpretações quando se trata do exercício da sua sexualidade8. Todavia, como a definição legal sobre o exercício da sexualidade segura não é expressa claramente, os profissionais da área da saúde e educação acreditam que devam condicionar a assistência a saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes à autorização dos responsáveis legais, porque há insegurança quanto a riscos de processos judiciais ou acusação de desrespeito9.

Os conceitos de direitos sexuais e reprodutivos são relativamente novos no mundo. Na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento realizada no Cairo (1994), debateu-se, pela primeira vez, a sexualidade em um sentido positivo em detrimento das discussões (não menos importantes) sobre mutilações genitais, violência sexual e DSTs (doenças sexualmente transmissíveis). Esse documento representa marco fundamental na igualdade dos sexos e em uma dimensão ampla de direitos humanos em que saúde sexual e reprodutiva estão presentes10. Além disso, inaugura dentro do capítulo VII (diretos sexuais e reprodutivos) orientação destinada aos adolescentes, com especial ênfase ao sexo feminino. Neste item, expressa a maternidade precoce, a responsabilização de ambos os sexos sobre a sexualidade e a reprodução, os riscos da esterilização precoce e ainda orienta os países signatários a assegurar o pleno desenvolvimento do adolescente e a envolvê-los na disseminação de informações, na identificação de suas necessidades10.

A sexualidade na adolescência tem impulso fortemente marcado pelas transformações biopsicossociais, ou seja, há, nessa fase da vida, inúmeras descobertas e conflitos que podem denotar risco e vulnerabilidade na vida do adolescente11. Os riscos são as possibilidades de ocorrência de danos ou agravamentos, como, por exemplo, os casos de infecção pelo HIV/AIDS e outras DST, o início precoce de atividade sexual, a gravidez não planejada, sem qualquer orientação médica ou familiar, os abortos inseguros, a morbidade materna e os casos de violência sexual11-14. Somem-se, ainda, as dificuldades que os próprios serviços de saúde e educação demonstram em tratar do tema e assegurar universalmente os direitos sexuais e reprodutivos dessa população.

As vulnerabilidades15 podem ser entendidas como um conjunto de fatores (individuais ou coletivos) que acometem os adolescentes, expondo-os de maneira mais frágil e/ou decorrendo de maiores dificuldades de acesso aos meios de prevenção e proteção. As situações de vulnerabilidades devem ser vistas pelos componentes individuais, sociais e institucionais e que remetem a perceber três itens em uma mesma situação: quem está vulnerável, a que está vulnerável e em quais circunstâncias16.

Dessa forma, é importante destacar a conceituação de sexualidade como forma de compreensão dos direitos contidos nela. A sexualidade faz parte da identidade humana, se desenvolve no decorrer de toda a vida e é entendida como um fator intrínseco do ser humano que o motiva às diferentes formas de busca e vivência do prazer. É uma construção social e histórica, por isso ganha contornos diferenciados em diferentes espaços e tempos17,18. Como elemento fundamental da condição humana, seu exercício deve ser assegurado na dimensão dos Direitos Humanos, constituindo-se de uma gama de direitos sexuais e reprodutivos capazes de assegurá-la.

Portanto, este artigo tem o objetivo de apresentar marcos legais brasileiros que garantem ao adolescente autonomia no trato com sua saúde sexual e reprodutiva, e no direito de receber orientações e informações corretas nos serviços de saúde e nas escolas.

MÉTODOS

Em nosso meio, em que pese a importância do tema, não encontramos artigos publicados, na área de saúde, pertinentes ao assunto no âmbito da legislação brasileira; dessa forma, foi realizado este estudo descritivo, analítico, sem fatores de comparação, que seguiu as seguintes etapas de levantamento, seleção e análise:

1. A pesquisa baseou-se no levantamento bibliográfico das legislações nacionais publicadas em site dos órgãos oficiais (Ministério da Saúde e Educação) e Associações de Classe (Conselho Federal de Medicina - CFM -e Conselho Federal de Enfermagem - COFEN).

2. A escolha das legislações procurou responder aos seguintes critérios: a) Ser lei de âmbito federal; b) Generalizar o trato da lei com todos os adolescentes; c) Conter (mesmo que indiretamente) uma abordagem sobre direitos sexuais e reprodutivos e d) Efetuar-se nos âmbitos da educação e saúde. Foram excluídas todas as leis que não estivessem interrelacionadas aos quatro critérios mencionados.

3. Na coleta de dados, duas importantes referências foram consideradas como norteadoras das análises: os documentos Marco Legal -Saúde um direito do adolescente8 e Marco teórico e referencial - saúde sexual e reprodutiva de jovens19 ambos do Ministério da Saúde.

RESULTADOS

A busca resultou em oito legislações, sendo três de Associação de Classe (CFM20,21 e COFEN22), uma Portaria Interministerial (Ministério da Saúde e Educação23), uma Nota Técnica do Programa Nacional de DST/AIDS24 e três Leis Federais5,25,26.

Foram elencados os seguintes documentos legais: Lei Federal 8069/905 - Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 1º ao 14); Lei Federal 9263/9625 "Dispõe sobre o planejamento familiar"; Lei Federal 6202/7526 "Atribui à estudante em estado de gestação exercícios domiciliares"; Código de Ética Médica - Resolução CFM 1.93120 (arts.74 e 78); Código de Ética da Enfermagem - Resolução do COFEN 311/200722 (arts. 15 ao 21 e arts.81 ao 85); Resolução CFM 1811/200621 - "Estabelece normas éticas para utilização pelos médicos de anticoncepção de emergência", Portaria Interministerial nº 79623 de 29/05/1992 dos Ministérios da Saúde e da Educação - "Estabelece normas e procedimentos educativos referentes à transmissão e prevenção da infecção pelo HIV"; Nota Técnica nº. 13/200924 do Programa Nacional de DST/AIDS - MS.

DISCUSSÃO

A realidade da adolescência brasileira é fortemente marcada pelas deficiências na implementação de políticas públicas que promovam o desenvolvimento pleno do sujeito. No que tange aos direitos sexuais e reprodutivos, torna-se imprescindível a tríade saúde-educação-família para constituir garantias legais para o desenvolvimento saudável e seguro da adolescência.

Dessa forma, a primeira instância de análise deve ser a de uma legislação própria (ECA5 - Estatuto da Criança e do Adolescente), onde o sujeito total é o próprio adolescente. Em seguida, o estudo abordará cada marco legal como uma referência de atuação.

O ECA5 E OS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS

O artigo de abertura da Lei dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente. Não há integralidade do sujeito sem considerar os componentes da sexualidade. Como direitos fundamentais à pessoa humana, o ECA5 deve assegurar todas as oportunidades para o desenvolvimento do sujeito, afirmando com prioridade os direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura e ao lazer. A proteção também diz respeito à exposição do adolescente a formas degradantes de constrangimento e exploração, à omissão, à negligência e de qualquer forma de violência.

Há uma carência no ECA5 de artigos que tratem da sexualidade ou dos direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes além da maternidade e da proteção contra o abuso e a exploração sexual9. Ao tratar do direito à vida, a Lei destaca a prioridade no atendimento, e assegura à gestante adolescente por meio do SUS (Sistema Único de Saúde) o pré- e perinatal e as demais condições básicas para a mãe e para a criança. No entanto, a sexualidade como componente da personalidade deve ter seu desenvolvimento pleno assegurado como condição fundamental do ser humano.

PRIVACIDADE, CONFIABILIDADE E SIGILO PROFISSIONAL NO ATENDIMENTO: OS CÓDIGOS DE ÉTICA DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

A abordagem adequada do adolescente deve conter os princípios da privacidade, confiabilidade e sigilo profissional como forma ética de garantir a preservação de qualquer situação vexatória.

Portanto, o adolescente tem o direito de ser atendido sozinho, independente de sua idade, se assim for o seu desejo (exceto em casos de deficiências intelectuais e algumas formas de distúrbios psiquiátricos). No entanto, o direito à privacidade não significa retirar da família suas responsabilidades; pelo contrário, as famílias devem ser estimuladas constantemente a participar da vida dos seus filhos. A diferença necessária entre uma e outra está na postura profissional daquele que atende (médicos, enfermeiros ou auxiliares), devendo estes saber distinguir entre as informações que devem ser mantidas em sigilo e aquelas em que a necessidade de comunicação é contundente, como os casos em que haja risco à sua própria vida ou à vida de terceiros, ou que se perceba que não há capacidade do adolescente no autocuidado; porém, nessas condições, o adolescente deve ser informado dessa tomada de decisão. De maneira muito direta, o Código de Ética Médica20, em seu artigo 74, estabelece que é proibido "revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, salvo quando a não revelação ocasionar danos ao paciente". Mas o Código de Ética20 também responsabiliza os médicos se o segredo for violado por seus auxiliares conforme artigo 78, "deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido".

Da mesma forma, o Código de Ética da Enfermagem22 estabelece o sigilo profissional e da equipe; no entanto, é incisivo em destacar no art. 82, §4º. "o segredo profissional referente ao menor de idade deverá ser mantido, mesmo quando a revelação for solicitada por pais ou responsáveis [...]".

Portanto, os marcos legais de atendimento aos adolescentes garantem que eles possam receber tratamento, orientação e informações corretas sobre a vivência de sua sexualidade em todos os serviços de saúde, estabelecidas em uma relação de confiança entre profissional e paciente.

PLANEJAMENTO FAMILIAR

Embora a Lei 9.263/9625, que regula o §7º. do art. 226 da Constituição Federal6, trate do Planejamento Familiar, ela não faz menção à faixa etária a que se dispõe. O artigo 1º reza que "o planejamento familiar é direito de todo cidadão" e somente restringe a participação de menores de 25 anos nas esterilizações. Nesse sentido, o direito aos princípios básicos do planejamento familiar expressos no art. 3º incisos I ao V, compreende que a assistência à concepção, o atendimento ao pré-natal, a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato, o controle das doenças sexualmente transmissíveis e o controle e prevenção do câncer cervicouterino, câncer de mama e do câncer de pênis são de alcance também da pessoa adolescente.

GARANTIA LEGAL À GESTANTE ESTUDANTE

A Lei Federal 6.202/7526 atribui à gestante estudante a possibilidade de continuar os estudos em regime domiciliar após o oitavo mês e no período da licença-maternidade, sendo prorrogável mediante atestado médico. Essa garantia legal é fundamental para milhares de adolescentes que engravidam antes dos 20 anos, período em que grande parte está em processo de escolarização. Sabe-se que a gestação precoce tem forte impacto na vida das adolescentes, que tendem a abandonar os estudos a partir da gravidez.

A garantia de término do ano letivo pode gerar um importante fator de retorno às aulas como forma de incentivo para conclusão da Educação Básica.

ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA EM QUALQUER ETAPA DA VIDA REPRODUTIVA

A Resolução do CFM nº 1811/200621 estabelece normas éticas de utilização da Anticoncepção de Emergência. Nas considerações sobre seu uso por adolescentes, a resolução, em seu artigo 4º, afirma que a anticoncepção de emergência pode ser utilizada em qualquer etapa da vida reprodutiva e fase do ciclo menstrual, como forma de prevenção da gravidez. A resolução enfatiza ainda que a anticoncepção não se trata de interrupção da gestação, por isso não fere os preceitos legais do Código Penal vigente no país. A anticoncepção de emergência constitui uma das formas de planejamento familiar pela qual as adolescentes podem prevenir a gravidez precoce, possibilitando a oportunidade de replanejar sua vida reprodutiva.

GARANTIA DE ACESSO IRRESTRITO AOS PRESERVATIVOS MASCULINOS

A nota técnica nº 13/200924 do Programa Nacional - DST/AIDS recomenda que as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde facilitem o acesso das populações mais vulneráveis aos preservativos masculinos. Dessa forma, desburocratizar a distribuição é o primeiro passo para garantir o acesso irrestrito. O Ministério da Saúde recomenda que não haja necessidade de prescrição médica, solicitação de documentos de identificação, participação obrigatória dos usuários em palestras e outras reuniões.

Esse direcionamento é fundamental para o adolescente, pois, como visto anteriormente, na maioria das vezes, muitos têm vida sexual ativa sem que adultos da família saibam; por isso identificar-se na retirada de preservativos é uma das formas de vulnerabilizar o acesso do jovem à prevenção.

PROTEÇÃO ÀS PESSOAS INFECTADAS PELO VÍRUS HI V - NORMAS E PROCEDIMENTOS EDUCATIVOS

A Portaria Interministerial nº 79623 de 29/05/1992, dos Ministérios da Educação e Saúde, estabelecem normas de procedimentos educativos sobre a transmissão e a prevenção do vírus HIV. A portaria interministerial surge a partir de condutas discriminatórias nos ambientes escolares baseadas em exigências de quebra de sigilo e na circulação de informações deturpadas sobre formas de transmissão do vírus.

Entre as normas e os procedimentos encontram-se: a proibição de exigências de teste sorológico para admissão de matrículas de alunos ou para a contratação de qualquer funcionário; a garantia de sigilo a qualquer membro da comunidade escolar sobre sua sorologia e a proibição da distinção de classes especiais ou escolas específicas pelo critério sorológico.

A portaria recomenda ainda que as escolas possam desenvolver projetos educativos que possibilitem aos indivíduos conhecer adequadamente as formas preventivas de transmissão do HIV e que, portanto, colaborem com a não discriminação dos portadores.

Segundo dados do Ministério da Saúde13, diariamente, mais de sete mil jovens são infectados pelo HIV. Isso representa quase metade de todos os casos notificados. Cerca de 10 milhões de adolescentes vivem com HIV. Assim, a maior parte dos adolescentes encontra-se em processo de escolarização e sua completude deve ser estabelecida em quaisquer condições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adolescência precisa indistintamente do adulto. O aporte oferecido ao adolescente é fundamental nessa passagem da vida. Auxiliá-lo nos diferentes conflitos sociais, cognitivos e psíquicos representa ouvir, ponderar, negociar e oferecer condições para que suas primeiras escolhas e decisões sejam responsáveis e saudáveis para serem vivenciadas com autonomia. A sexualidade como componente da identidade também se desenvolve nessa fase. Juntamente com a "explosão puberal", as relações afetivas vão se consolidando e as descobertas (enfaticamente as sexuais) estão presentes.

O adolescente, portanto, como ser em desenvolvimento, necessita da proteção integral oferecida pela tríade família-Estado-sociedade como acordado no Estatuto da Criança e do Adolescente5. Dessa forma, o indivíduo pode transicionar, de modo seguro, da fase de dependência total, representada pela infância, para a fase de independência relativa (adolescência) até a independência total, expressão da vida adulta.

Os direitos sexuais e reprodutivos dos adolescentes muitas vezes não são garantidos. A maioria dos marcos legais analisados não cita diretamente o termo "adolescente", mas eles devem ser considerados como integrantes das expressões "cidadãos", "direito de todos", "homem e mulher". Muitas das garantias legais afetam diretamente a população adolescente (garantia de escolarização na maternidade, distribuição de preservativos, não discriminação por sorologia em ambiente escolar) e são instrumentos importantes de preservação dos direitos sexuais e reprodutivos.

Outros, mais especificamente, asseguram a privacidade e a confiabilidade nas interações de atendimento na saúde. A confiança permeada entre o profissional e o adolescente é fundamental para que ele possa usufruir das informações pertinentes a seu caso e dar continuidade no atendimento e na busca de informações corretas.

CONCLUSÃO

As análises das legislações elencadas puderam demonstrar que esses marcos legais são imprescindíveis na garantia da vivência da sexualidade de forma mais segura e saudável, e todo profissional de saúde e educação envolvido no acompanhamento de adolescentes deve conhecêlos profundamente, sendo, portanto, necessária a plena disseminação desses mecanismos legais. Ainda assim, os marcos analisados não elucidam o protagonismo juvenil como importante ação em políticas públicas de prevenção e ênfase na educação para a sexualidade, abordando a busca pelo prazer, sobretudo o feminino, que é marcado por inúmeras crenças e tabus.

Artigo recebido: 19/05/2011

Aceito para publicação: 16/10/2011

Conflito de interesse: Não há

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

  • 1. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: resultados preliminares. Pirâmide etária. [citado 14 abr 2011]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/censo2010/piramide_etaria/index.php
  • 2. Schoen-Ferreira TH, Aznar-Farias M, Silvares EFM. Adolescência através dos séculos. Psicol Teor Pesq. 2010;26(2):227-34.
  • 3
    Brasil. Lei nº 4737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. [citado 24 abr 2010]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L4737compilado.htm
  • 4
    Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 11 jan. 2002.
  • 5
    Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília (DF); 1990.
  • 6
    Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado; 1988.
  • 7. Brasil. Decreto-lei n 2848 de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal. [citado 20 ago 2011]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
  • 8. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à Saúde. Departamento de Ações programáticas estratégicas. Marco Legal: Saúde um direito de adolescentes. Brasília (DF); 2005.
  • 9. Ventura M, Corrêa S. Adolescência, sexualidade e reprodução: construções culturais, controvérsias normativas, alternativas interpretativas. Cad. Saúde Pública. 2006;22(7):1505-9.
  • 10. Relatório da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento. Plataforma de Cairo, 1994. [citado 11 mar 2011]. Disponível em: http://200.130.7.5/spmu/portal_pr/eventos_internacionais/onu/Relat%C3%B3rio%20Cairo.pdf
  • 11. Vitalle MSS. Alguns pontos conceituais sobre sexualidade na adolescência. Rev Paul Pediatr. 2003;21(2):89-94.
  • 12. Brêtas, JRS.Vulnerabilidade e adolescência. Rev Soc Bras Enferm Pediatr. 2010;10(2):89-96.
  • 13. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Saúde e Desenvolvimento da juventude brasileira: construindo uma agenda nacional. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 1999.
  • 14. Romero KT, Medeiros EHGR, Vitalle MSS, Wehba J. O conhecimento das adolescentes sobre questões relacionadas ao sexo. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(1):14-9.
  • 15. BVS Biblioteca Virtual em Saúde. Descritores em Ciências da Saúde. [citado 20 abr 2011]. Disponível em: http://decs.bvs.br
  • 16. Meyer DEE, Mello DF, Valadão MM, Ayres JRCM. "Você aprende. A gente ensina?": interrogando relações entre educação e saúde desde a perspectiva da vulnerabilidade. Cad Saúde Pública. 2006;22(6):1335-42.
  • 17. Organização Mundial de Saúde. Saúde reprodutiva de adolescentes: uma estratégia para ação. Genebra: Organização Mundial de Saúde/FNUAP/UNICEF; 1989. [citado 11 fev 2010]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd03_11.pdf
  • 18. Albino GC, Vitalle MSS, Schussel EY, Batista NA. A sexualidade pelo olhar das jovens: contribuições para a prática do médico de adolescentes. Rev Paul Pediatr. 2005;23(3):124-9.
  • 19. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à Saúde. Departamento de Ações programáticas estratégicas. Marco teórico e referencial: saúde sexual e reprodutiva de adolescentes e jovens. Brasília (DF); 2006.
  • 20
    Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução nº 1931, de 24 de setembro de 2009. Aprova o código de ética médica. Diário Oficial União. 24 set 2009;(183, seção I):90-2. Retificações em: Diário Oficial da União. 13 out 2009;(195, seção I):173. [citado 24 abr 2011]. Disponível em: http://www.in.gov.br
  • 21
    Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM 1811/2006. Estabelece normas éticas para utilização, pelos médicos, da Anticoncepção de emergência, devido a mesma não ferir os dispositivos legais vigentes no país. [citado 30 ago 2010]. Disponível em: www.cfm.org.br
  • 22
    Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN 311/2007. Código de Ética da Enfermagem. [citado 30 ago 2010]. Disponível em: http://inter.coren-sp.gov.br/sites/default/files/Principais_Legislacoes.pdf
  • 23
    Portaria Interministerial n 796 de 29/05/1992 dos Ministérios da Saúde e Educação. Normas e procedimentos educativos referente à transmissão e prevenção da infecção pelo HIV. Brasília (DF); 1992. [citado 30 ago 2010]. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/saude/dst-aids/pi796.92_MSeMEC_aidsnasescolas.pdf
  • 24
    Nota técnica n. 13/2009/GAB/PN-DST-AIDS/SVS/MS. Recomendação para a ampliação de acesso aos preservativos masculinos na rede de serviços do Sistema único de Saúde (SUS). Brasília (DF); 2009. Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/nota_tecnica_13_2009.pdf
  • 25
    Brasil. Lei 9263, de 12 de janeiro de 1996. Regula o § 7º Do art. 226 da Constituição Federal, que trata do Planejamento Familiar. Brasília (DF), 1996. [citado 30 ago 2010]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9263.htm
  • 26
    Brasil. Lei 6.202 de 17 de abril de 1975. Atribui à estudante em estado de gestação o regime de exercícios domiciliares. Brasília (DF); 2010. [citado 30 ago 2010]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1970-1979/L6202.htm
  • Correspondência para:

    Maria Sylvia de Souza Vitalle
    Programa de Pós-graduação Educação e Saúde na Infância e Adolescência Universidade Federal de São Paulo
    Estrada do Caminho Velho, 333, Bairro dos Pimentas
    CEP: 07252-312, Guarulhos, SP, Brasil
    Telefone: +55 (11) 3381-2118
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      19 Maio 2011
    • Aceito
      16 Out 2011
    Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ramb@amb.org.br