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Sintomas depressivos entre internos de medicina em uma universidade pública brasileira

Depressive symptoms among medical intern students in a Brazilian public university

Resumos

OBJETIVO: Estimar entre internos de medicina a prevalência de sintomas depressivos e sua intensidade, além dos fatores associados. MÉTODOS: Estudo transversal, em maio de 2008, com amostra representativa dos internos de medicina (n = 84) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Foram utilizados o Inventário de Depressão de Beck (IDB) e um questionário estruturado contendo informações sobre variáveis sociodemográficas, processo ensino-aprendizagem e aspectos pessoais. A análise exploratória dos dados foi realizada através de Estatística Descritiva e Inferencial. Finalmente foi realizada a análise de múltiplas variáveis através de regressão logística e cálculo das OR simples e ajustadas com seus respectivos intervalos de 95% de confiança. RESULTADOS: A prevalência geral foi de 40,5%, dos quais: 1,2% (IC 95% 0,0-6,5) foram de sintomas depressivos graves; 4,8% (IC 95% 1,3-11,7) de moderados; e 34,5% de leves (IC 95% 24,5-45,7). A regressão logística revelou as variáveis de maior impacto associadas ao aparecimento de sintomas depressivos: pensamento de abandonar o curso (OR 6,24; p = 0,002); tensão emocional (OR 7,43; p = 0,0004); e desempenho acadêmico regular (OR 4,74; p = 0,0001). CONCLUSÃO: A elevada prevalência de sintomas depressivos na população estudada esteve associada com variáveis relacionadas ao processo ensino-aprendizagem e aspectos pessoais, sugerindo a necessidade de medidas preventivas imediatas referentes à formação médica e à assistência ao estudante.

Depressão; transtornos mentais; estudantes de medicina; saúde mental; educação médica


OBJECTIVE: To estimate, among Medical School intern students, the prevalence of depressive symptoms and their severity, as well as associated factors. METHODS: Cross-sectional study in May 2008, with a representative sample of medical intern students (n = 84) from Universidade Federal de Sergipe (UFS). Beck Depression Inventory (BDI) and a structured questionnaire containing informationon sociodemographic variables, teaching-learning process, and personal aspects were used. The exploratory data analysis was performed by descriptive and inferential statistics. Finally, the analysis of multiple variables by logistic regression and the calculation of simple and adjusted OR swith their respective 95% confidence intervals were performed. RESULTS: The general prevalence was 40.5%, with 1.2% (95% CI: 0.0-6.5) of severe depressive symptoms; 4.8% (95% CI: 1.3-11.7) of moderate depressive symptoms; and 34.5% (95% CI: 24.5-45.7) of mild depressive symptoms. The logistic regression revealed the variables with a major impact associated with the emergence of depressive symptoms: thoughts of dropping out (OR 6.24; p = 0.002); emotional stress (OR 7.43;p = 0.0004); and average academic performance (OR 4.74; p = 0.0001). CONCLUSION: The high prevalence of depressive symptoms in the study population was associated with variables related to the teaching-learning process and personal aspects, suggesting immediate preemptive measures regarding Medical School graduation and student care are required.

Depression; mental disorders; medical students; mental health; medical education


ARTIGO ORIGINAL

Sintomas depressivos entre internos de medicina em uma universidade pública brasileira

Depressive symptoms among medical intern students in a Brazilian public university

Edméa Fontes de Oliva CostaI; Ygo Santos SantanaII; Ana Teresa Rodrigues de Abreu SantosIII; Luiz Antonio Nogueira MartinsIV; Enaldo Vieira de MeloV; Tarcísio Matos de AndradeVI

IAluna do Curso de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde, Universidade Federal da Bahia (UFBA); Professora Adjunta de Psiquiatria, Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aracaju, SE, Brasil

IIGraduado em Medicina, UFS, Aracaju, SE, Brasil

IIIAluna do Curso de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde, UFBA; Médica Preceptora do Internato de Pediatria, UFBA, Salvador, BA, Brasil

IVDoutor; Professor Associado, Departamento de Psiquiatria e de Psicologia Médica, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Consultor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

VMestre em Medicina; Professor-assistente, Departamento de Medicina, UFS, Aracaju, SE, Brasil

VIDoutor em Medicina e Saúde; Professor Associado, Faculdade de Medicina, UFBA; Professor de Psicologia Médica, Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde, UFBA, Salvador, BA, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Edméa Fontes de Oliva Costa Av. Pedro Calazans, 986, Getúlio Vargas CEP: 49055-520, Aracaju, SE, Brasil Tel/Fax: +55 (79) 3211-2307 edmeaolivacosta@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Estimar entre internos de medicina a prevalência de sintomas depressivos e sua intensidade, além dos fatores associados.

MÉTODOS: Estudo transversal, em maio de 2008, com amostra representativa dos internos de medicina (n = 84) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Foram utilizados o Inventário de Depressão de Beck (IDB) e um questionário estruturado contendo informações sobre variáveis sociodemográficas, processo ensino-aprendizagem e aspectos pessoais. A análise exploratória dos dados foi realizada através de Estatística Descritiva e Inferencial. Finalmente foi realizada a análise de múltiplas variáveis através de regressão logística e cálculo das OR simples e ajustadas com seus respectivos intervalos de 95% de confiança.

RESULTADOS: A prevalência geral foi de 40,5%, dos quais: 1,2% (IC 95% 0,0-6,5) foram de sintomas depressivos graves; 4,8% (IC 95% 1,3-11,7) de moderados; e 34,5% de leves (IC 95% 24,5-45,7). A regressão logística revelou as variáveis de maior impacto associadas ao aparecimento de sintomas depressivos: pensamento de abandonar o curso (OR 6,24; p = 0,002); tensão emocional (OR 7,43; p = 0,0004); e desempenho acadêmico regular (OR 4,74; p = 0,0001).

CONCLUSÃO: A elevada prevalência de sintomas depressivos na população estudada esteve associada com variáveis relacionadas ao processo ensino-aprendizagem e aspectos pessoais, sugerindo a necessidade de medidas preventivas imediatas referentes à formação médica e à assistência ao estudante.

Unitermos: Depressão; transtornos mentais; estudantes de medicina; saúde mental; educação médica.

SUMMARY

OBJECTIVE: To estimate, among Medical School intern students, the prevalence of depressive symptoms and their severity, as well as associated factors.

METHODS: Cross-sectional study in May 2008, with a representative sample of medical intern students (n = 84) from Universidade Federal de Sergipe (UFS). Beck Depression Inventory (BDI) and a structured questionnaire containing informationon sociodemographic variables, teaching-learning process, and personal aspects were used. The exploratory data analysis was performed by descriptive and inferential statistics. Finally, the analysis of multiple variables by logistic regression and the calculation of simple and adjusted OR swith their respective 95% confidence intervals were performed.

RESULTS: The general prevalence was 40.5%, with 1.2% (95% CI: 0.0-6.5) of severe depressive symptoms; 4.8% (95% CI: 1.3-11.7) of moderate depressive symptoms; and 34.5% (95% CI: 24.5-45.7) of mild depressive symptoms. The logistic regression revealed the variables with a major impact associated with the emergence of depressive symptoms: thoughts of dropping out (OR 6.24; p = 0.002); emotional stress (OR 7.43;p = 0.0004); and average academic performance (OR 4.74; p = 0.0001).

CONCLUSION: The high prevalence of depressive symptoms in the study population was associated with variables related to the teaching-learning process and personal aspects, suggesting immediate preemptive measures regarding Medical School graduation and student care are required.

Keywords: Depression; mental disorders; medical students; mental health; medical education.

INTRODUÇÃO

Nos cursos médicos com currículo tradicional de modelo flexneriano, o internato de medicina é o período no qual o estudante tem a oportunidade de vivenciar de forma mais realista e intensa as experiências da prática médica e assumir uma nova postura diante dos pacientes. Ele deixa de ser apenas um mero observador, sustentado em um conhecimento principalmente teórico, para ser ativo, intervir, opinar em condutas e exercitar em sua plenitude o contato médico-paciente, mesmo que sob orientação e tutoria de seus preceptores1. Assim, os futuros profissionais da saúde estão suscetíveis desde cedo a fontes de estresse e pressões inerentes ao processo de formação médica que podem levar ao adoecimento psíquico2.

Alguns autores assinalam que estudantes de medicina estariam mais predispostos, em comparação a outros universitários, a transtornos mentais, entre eles o transtorno depressivo, principalmente na etapa final do curso, devido a vários fatores, tais como: características individuais de personalidade que favorecem a escolha profissional, exposição crônica a estressores referentes ao ofício de lidar com dor e morte, e dificuldades no processo ensino-aprendizagem3-5.

A prevalência anual de depressão na população geral varia de 3% a 11%, sendo duas a três vezes mais frequente entre mulheres. A depressão foi identificada como a quarta causa específica de incapacitação nos anos 1990, através de uma escala global para comparação de várias doenças6,7. No entanto, em recente pesquisa publicada em periódico de renome internacional, os transtornos mentais foram considerados no Brasil a principal causa de incapacidade, sendo responsáveis por grande perda de qualidade de vida no país, com 18,8% dos brasileiros referindo diagnóstico de depressão, o que demonstra ser um relevante problema de saúde pública8.

A detecção precoce de sintomas de sofrimento psíquico ou transtornos mentais é extremamente importante para evitar a cronificação dos transtornos1. Dessa forma, objetivando estimar a prevalência e a intensidade de sintomas depressivos entre estudantes do internato de medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS), além de identificar fatores associados, desenvolvemos o presente estudo, que poderá contribuir na reflexão e planejamento de medidas preventivas adequadas.

MÉTODOS

LOCAL DO ESTUDO

A Universidade Federal de Sergipe (UFS) tem atualmente 100 vagas/ano no vestibular para medicina. Os alunos aprovados ingressam por ordem de classificação, entrando no primeiro semestre os 50 primeiros aprovados, ficando os demais para o segundo semestre. O curso baseia-se no modelo tradicional de ensino médico, contando com 12 semestres, sendo do 1 ao 4, o ciclo de ciências básicas, do 5 ao 9, o ciclo pré-clínico, e o internato do 10 ao 12 semestre.

AMOSTRA

Entre os 117 estudantes do internato de medicina da Universidade Federal de Sergipe, após cálculo para amostra finita com uma margem de erro de 5%, chegamos ao tamanho amostral de 87 alunos, que foram selecionados através de sorteio simples.

DESENHO DO ESTUDO

Estudo transversal exploratório, descritivo, analítico e inferencial, em maio de 2008.

COLETA DE DADOS

Os estudantes sorteados responderam, durante o horário das reuniões científicas, a dois questionários fechados: o Inventário de Depressão de Beck (IDB)6; e um questionário elaborado pela autora principal e já testado num estudo piloto anterior e utilizado em outros estudos sobre a saúde mental do estudante de medicina da UFS9.

INSTRUMENTOS

INVENTARIO DE DEPRESSÃO DE BEOK (IDB)

O Inventário de Depressão de Beck (IDB) é um questionário autoaplicável padronizado, descrito por pesquisadores do Center for Cognitive Therapy (CCT) como medida de autoavaliação de depressão amplamente utilizada, tanto em pesquisa como na área clínica6. A escala consiste em 21 itens referentes à tristeza, pessimismo, sensação de fracasso, falta de satisfação e sensação de culpa, entre outros.

Há várias propostas de diferentes pontos de corte para distinguir os níveis de sintomas de depressão utilizando o IDB. O presente estudo se utilizou dos pontos de corte recomendados pelo CCT: 9/10, 18/19 e 29/306. Estes consideram que pontuações abaixo de 10 correspondem à pessoa sem sintomas de depressão ou sintomas mínimos; entre 10 e 18 pontos, à pessoa com sintomas de depressão leve a moderada; entre 19 e 29 pontos com sintomas de depressão moderada a grave; e a partir de 30 pontos, podendo chegar a 63 pontos, pessoas com sintomas de depressão grave.

O IDB não tem pretensão diagnostica. Por ser um instrumento padronizado, pode falhar em detectar "a depressão e a ansiedade mascaradas", em pacientes que negam seu sofrimento emocional. Por outro lado, muitos pacientes têm causas físicas para o cansaço e, como outros sintomas somáticos constituem itens importantes em qualquer instrumento utilizado para detectar transtornos emocionais, o que já foi alertado por alguns pesquisadores, o IDB pode superestimar o transtorno10.

QUESTIONÁRIO ESPECÍFICO

Questionário autoaplicável, contendo 54 questões fechadas, pré-codificadas, abordando as características sociodemográficas, o processo ensino-aprendizagem e aspectos pessoais.

Neste estudo a associação da variável dependente (sintoma depressivo pelo IDB) com as variáveis explicativas (período, sexo, idade, parceiro fixo, religião, procedência, renda, mora com quem, outra ocupação, satisfação com a escolha, sentimento em relação ao curso, pensar em abandonar o curso, desempenho acadêmico, aquisição de habilidades, satisfação com as estratégias de ensino, sentimento em relação às atividades da faculdade, presença de doença física, presença de doença mental prévia, automedicação, autoavaliação de tensão emocional, curso como fonte de prazer, horas de lazer, apoio emocional, expectativas para o futuro, sentimento de felicidade) foi investigada por meio do cálculo das "odds ratio" (OR) simples e ajustadas com seus respectivos intervalos de confiança de 95%.

ANÁLISE DOS DADOS

Partindo-se dos questionários preenchidos, elaborados de forma que as respostas já se apresentem codificadas, foi construído um banco de dados na versão 16 do programa "Statistical Package for the Social Science" (SPSS).

Inicialmente, foi feita a análise exploratória dos dados, consistindo em descrição da população através de estatística descritiva e, em seguida, análise bivariada com cálculo de OR bruta.

Finalmente, foi feita análise de múltiplas variáveis, por meio da regressão logística. Foram incluídas no modelo as variáveis que mostraram associação com desfecho com p < 0,25. Permaneceram no modelo final as variáveis independentes que mantiveram associação com o desfecho após ajuste (p < 0,05), por eliminação indireta.

CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe e aprovado com parecer número 0018.0.107.000-06. Todos os procedimentos éticos propostos e aprovados foram estritamente seguidos pelos pesquisadores.

RESULTADOS

Do total de 117 internos de medicina da UFS, 87 sorteados participaram do estudo, sendo que três deles não responderam integralmente ao IDB e foram excluídos.

Foram obtidos quatro grupos distintos no que tange à intensidade dos sintomas depressivos. Porém, para a regressão logística, foram utilizados apenas dois: sintomas depressivos mínimos ou ausentes (grupo I) e sintomas leves a moderados (grupo II), uma vez que a quantidade de indivíduos pertencentes às demais categorias - sintomas depressivos moderados a graves (grupo III) e sintomas depressivos graves (grupo IV) - não foram estatisticamente significantes para se fazerem comparações. No entanto, consideramos de grande importância clínico-epidemiológica estes dois pequenos grupos (grupo III e grupo IV), os quais serão objeto de discussão adiante.

A prevalência de sintomas depressivos na amostra estudada (n = 84) foi de 40,5%. Apresentaram sintomas depressivos leves a moderados 34,5% (IC 95% 24,5-45,7); sintomas depressivos moderados a graves, 4,8% (IC 95% 1,3-11,7); e sintomas depressivos graves, 1,2% (IC 95% 0,0-6,5%). Não apresentaram sintomas depressivos 59,5% dos estudantes (IC 95% 48,3-70,1) (Tabela 1).

Os participantes eram jovens com média de idade (anos) de 24 ± 3,9 no grupo I e 25,2 ± 3,6 no grupo II, e não houve diferença significante entre gêneros.

A maioria declarou possuir algum tipo de religião, sendo 61,2% de estudantes do grupo I e 60,7% no grupo II. Em relação à procedência, ambos os grupos eram oriundos, em sua maioria, da capital, com 76,0% e 75,9% indivíduos dos grupos I e II, respectivamente. Entre os procedentes do interior, 14,0% eram do grupo I e 17,2% do grupo II; entre os indivíduos que vinham de outros estados, 10,0% eram do grupo I e 6,9% do grupo II (Tabela 2).

Sobre satisfação com a escolha do curso, 98,0% dos estudantes do grupo I e 86,2% do grupo II afirmaram estar satisfeitos com a sua escolha. Em relação às expectativas ao longo do curso, 62,0% dos estudantes do grupo I e 31,0% do grupo II afirmaram que o curso de medicina correspondeu às suas expectativas.

No quesito aquisição de habilidades para vir a ser um bom médico, 82,0% dos indivíduos do grupo I e 64,3% do grupo II afirmaram estar conseguindo tais habilidades; já quanto à satisfação com as estratégias de ensino, 79,2% dos participantes do grupo I e 86,2% do grupo II revelaram estar insatisfeitos. E ainda sobre a sensação de conforto com as atividades da faculdade, no grupo I foram obtidos 71,4% de respostas positivas comparadas a apenas 37,9% no grupo II (Tabela 2).

Em uma das questões referentes aos aspectos pessoais, perguntou-se sobre a presença de alguma doença física preocupante, ao que 88% dos indivíduos do grupo I e 86,2% do grupo II responderam negativamente. Os estudantes do grupo I (42,0%) e os do grupo II (82,8%) afirmaram estar se sentindo tensos; entretanto, a maioria em ambos os grupos (84% do grupo I e 82,8% do grupo II) responderam afirmativamente quando interrogados se o curso era fonte de prazer para eles (Tabela 2).

A análise de múltiplas variáveis, após o ajuste do modelo final da regressão logística, revelou que as variáveis independentes de maior impacto para o aparecimento de sintomas depressivos nos estudantes avaliados foram: pensamento de abandono do curso, estado emocional e desempenho acadêmico (Tabela 3).

Em nosso estudo, aqueles estudantes que relataram ter tido ideia de abandonar o curso (49,3%) apresentaram probabilidade 6,24 vezes maior de desenvolver sintomatologia depressiva do que aqueles que admitiram nunca ter tido tal ideia. Quanto ao estado emocional, aqueles que admitiram se sentir tensos (58,5%) apresentaram probabilidade 7,43 vezes maior de desenvolver sintomas depressivos em oposição àqueles que admitiram se sentir calmos. Em relação ao desempenho acadêmico, aqueles que referiram ter performance regular (41,3%) apresentaram probabilidade 4,74 vezes maior de manifestar sintomatologia depressiva comparado àqueles que admitiram possuir bom desempenho acadêmico (Tabela 3).

Não mostraram associação com o nível de sintomatologia depressiva as seguintes variáveis: sexo, religião, procedência, curso como fonte de prazer, prática de atividade física, satisfação com o processo ensino-aprendizagem, parceiro fixo, ter familiares médicos e satisfação com o curso.

DISCUSSÃO

No presente estudo, a prevalência encontrada de sintomas depressivos entre estudantes de medicina da UFS foi elevada, embora discretamente menor que a encontrada na Universidade da Região de Joinville (Univille - SC), utilizando os mesmos pontos de corte. Ela foi superior à encontrada na Universidade Federal de Goiás e à encontrada por alguns pesquisadores na população geral, entre 3% a 11%7,11,12.

Em um estudo realizado na China, o pesquisador, ao utilizar o IDB em estudantes de medicina de Hong Kong, com os pontos de corte 9/10 e 29/30, encontrou 50% destes alunos com depressão (IDB > 10) e 2% deles severamente deprimidos (IDB > 30)13. Em nosso estudo, utilizando os mesmos pontos de corte, encontramos resultados semelhantes, embora com prevalência menor, demonstrando que o problema é relevante.

Vários estudos apontam para uma maior prevalência de sintomas depressivos nos estudantes de medicina em relação à população geral, o que também foi verificado com os resultados do presente estudo, concordando com outros nacionais e internacionais anteriormente citados1-3,11,14.

Não foi encontrada diferença significante entre os sexos associada aos sintomas depressivos, como também foi demonstrado num estudo longitudinal finlandês, envolvendo estudantes de medicina acompanhados durante os seis anos de curso15. No entanto, outras pesquisas apontam uma maior prevalência de sintomas depressivos entre estudantes de medicina do sexo feminino16,17.

Quando avaliada a variável renda familiar, houve a constatação de sintomas depressivos leves a moderados, entre aqueles estudantes de renda familiar mais baixa, com aumento da prevalência de sintomas depressivos à medida que diminuía a renda familiar. Tal achado está de acordo com outro estudo sobre o mesmo tema18. Diante disso, podemos inferir que dificuldades financeiras podem estar por trás desse achado, interferindo no humor do estudante.

Foi identificada também uma maior porcentagem de sintomas depressivos leves a moderados, entre aqueles estudantes que pensaram em abandonar o curso e o consideraram aquém de suas expectativas; naqueles que disseram ter desempenho acadêmico regular; nos que acreditavam não ter conseguido desenvolver, até aquele momento, as habilidades necessárias para se tornarem bons médicos; nos alunos que responderam estar desconfortáveis com as atividades do curso; que se sentiam emocionalmente tensos; que não recebiam o apoio emocional necessário; que tinham expectativas regulares para o futuro, e nos que não se sentiam felizes.

Tais achados sugerem que, além das dificuldades referentes ao curso de medicina, aquelas decorrentes de características individuais podem propiciar o aparecimento dos sintomas depressivos. Millan relatou que os estudantes de medicina que apresentam melhor desempenho escolar são os mais exigentes e, consequentemente, estão mais propensos a sofrer as pressões impostas ante qualquer falha. Isso resulta em sentimentos de desvalia, ideias de abandono do curso, suicídio e depressão19,20. Sentimentos estes identificados por outros autores em estudantes que costumavam ser os primeiros da classe e, de repente, passaram a se deparar com frustrações diante de notas baixas, da falta de domínio da matéria estudada e da perda de pacientes3,5,12.

Pesquisadores relatam que o período de maior sofrimento psíquico vivenciado pelos estudantes corresponde àquele em que entram em contato com pacientes gravemente enfermos. Na nossa realidade, este corresponde ao período do internato, etapa final do treinamento médico da graduação, no qual o contato é estrito e exaustivamente intensificado11,14. Momento em que os estudantes se deparam com a incapacidade de dominar o conhecimento médico como outrora o faziam nos ensinos médio e fundamental, além de constatarem que as notas, muitas vezes, não traduzem aquisição real de conhecimentos, sentindose frustrados.

A respeito do progressivo comprometimento da saúde mental dos estudantes de medicina ao longo do curso, alguns pesquisadores mostraram que os iniciantes apresentavam prevalência de sintomatologia depressiva e de ansiedade semelhante à da população geral. Porém, à medida que iam progredindo no curso, aumentavam as queixas relacionadas ao mesmo e, por conseguinte, a prevalência de transtornos mentais comuns (depressivos, ansiosos e somatoformes), com incremento consistente dos relatos de estresse e sofrimento psíquico4,9,15,21.

Um estudo com toda população de estudantes de medicina da mesma instituição agora pesquisada revelou prevalência de 42,5% de transtornos mentais comuns (TMC). Após o ajuste do modelo final da regressão logística, ficou evidenciado que os principais fatores associados estavam relacionados ao processo ensino-aprendizagem e aos aspectos pessoais, os quais também foram implicados neste presente estudo9.

Outros estudos, desenvolvidos na Universidade de Iowa, demonstraram uma intensificação das queixas quanto à carga horária excessiva, à falta de tempo para estudar e à privação de suas vidas sociais21. Isto sugere que o currículo médico pode desempenhar um papel importante no aumento da prevalência de sintomatologia depressiva e de ansiedade nos estudantes de medicina, principalmente no final da graduação.

Outro dado importante evidenciado foi que a religião não constituiu um fator de proteção para a sintomatologia depressiva, ao contrário do que revelam diversos estudos na literatura22. Talvez a resposta positiva dos nossos pesquisados sobre ter religião não caracterize uma crença verdadeira, mas apenas uma vinculação sem maiores compromissos.

O sofrimento emocional do estudante de medicina não se limita apenas a ele próprio, mas tem impacto emocional sobre sua relação com os pacientes. Vários estudos demonstram a influência negativa do sofrimento emocional sobre a empatia do estudante de medicina com os pacientes23-26. Um estudo transversal multicêntrico nos Estados Unidos, envolvendo 1.098 estudantes de várias faculdades de medicina, mostrou a relação negativa e positiva, respectivamente, entre sofrimento emocional e bem-estar com a empatia do estudante de medicina e seus pacientes27.

Acreditamos ser de grande importância refletir também sobre a repercussão dos dados referentes aos estudantes pertencentes à categoria grupo III (sintomas depressivos moderados a graves) e a do grupo IV (sintomas depressivos graves). Embora em pequena proporção, sem significância estatística, eles pertencem às categorias com sintomas mais intensos, e, portanto, com maiores riscos, inclusive de suicídio28,29. Referem-se, portanto, a categorias com grande significado clínico-epidemiológico, o que, por si só, já justificaria uma atenção mais cuidadosa por parte das instituições formadoras de futuros médicos. Assim, evitaríamos que todo o investimento de uma vida humana, com um retorno social importante para a comunidade, pudesse ser abruptamente interrompido no curso de uma formação profissional, pela incapacitação gerada pelos sintomas depressivos ou até mesmo pelo suicídio.

Embora ainda não exista um serviço de apoio psicopedagógico ao estudante de medicina na instituição pesquisada, acreditamos que, o conhecimento dos resultados do presente estudo pela comunidade acadêmica servirá para se repensar o papel da instituição, do currículo médico e de seus professores no desencadeamento, manutenção e prevenção dos sintomas detectados.

O IDB, utilizado no presente estudo, tem por finalidade detectar sintomas depressivos e não a presença ou ausência de um episódio depressivo, podendo apresentar muitos falsos positivos. Dessa forma, um instrumento diagnóstico adicional ao IDB poderia ter sido utilizado, como fizeram alguns pesquisadores num estudo multicêntrico, usando psiquiatras treinados para o diagnóstico do episódio depressivo nos casos positivos28. No entanto, além de muito dispendioso e demorado para o presente estudo, isto implicaria a identificação dos sujeitos da pesquisa, o que optamos por não fazer, pois poderia acarretar dissimulação e recusa em responder a verdade, diante de algumas questões mais constrangedoras.

Outra limitação é não podermos estabelecer causalidade entre as associações encontradas, já que analisamos desfecho e exposição ao mesmo tempo, uma característica dos estudos transversais. Ainda assim, os achados deste estudo são úteis para promover maior reflexão acerca do processo ensino-aprendizagem em medicina e subsidiar estratégias preventivas ao sofrimento psíquico do estudante. Entendemos, no entanto, que são necessários mais estudos sobre o tema, principalmente com desenho longitudinal e qualitativo.

CONCLUSÃO

A alta prevalência de sintomas depressivos entre os estudantes do internato de medicina da UFS, associada a fatores referentes ao processo ensino-aprendizagem e a aspectos pessoais, aponta para a necessidade de mudanças na formação médica, incluindo a implementação de medidas preventivas para o futuro médico.

Respostas mais elucidativas deverão advir com a conclusão de um estudo já iniciado pelos autores, com uma turma de medicina desta mesma instituição, ingressa em 2006/1, que está sendo avaliada a cada semestre, desde o primeiro dia de aula até a finalização do internato. A realização de outras pesquisas em diferentes locais e com outras populações de estudantes também contribuirá na verificação da consistência dos resultados obtidos no presente estudo.

A distinção dos grupos por intensidade dos sintomas, com indivíduos que preencheram critérios para os grupos de sintomas depressivos moderados (grupo III) e de sintomas depressivos graves (grupo IV), é importante. Embora com menor prevalência, sem significância estatística, isto tem expressivo significado clínico-epidemiológico e demonstra que o problema é relevante.

O alto nível de satisfação com a escolha do curso, as boas expectativas quanto ao futuro e o sentimento de felicidade referido pela maioria no final desta etapa de conclusão, apesar das dificuldades, sugerem certa ambivalência própria de jovens que vivenciam o momento de transição. Comparando-os aos adolescentes, prestes a mudar para o próximo ciclo de vida, com todos os medos, tristezas, alegrias e esperança que isso implica, o estudo aponta também para a boa resiliência de muitos destes estudantes.

Assim, acreditamos que a reflexão profunda sobre o modelo de ensino médico adotado e a criação de um serviço de apoio psicopedagógico ao estudante de medicina, a exemplo dos existentes em centros de referência em educação médica do Brasil e de outros países, contribuirá para minorar o sofrimento psíquico dos estudantes, bem como reforçar suas estratégias defensivas adequadas ao enfrentamento dos problemas inerentes à profissão que escolheram.

Artigo recebido: 08/07/2011

Aceito para publicação: 04/10/2011

Conflito de interesse: Não há.

Trabalho realizado na Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil

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  • Correspondência para:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Jul 2011
    • Aceito
      04 Out 2011
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