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Adequação calórico-proteica da terapia nutricional enteral em pacientes cirúrgicos

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a adequação calórico-proteica da terapia nutricional enteral (TNE) empregada em pacientes cirúrgicos. MÉTODOS: Estudo prospectivo, realizado em pacientes cirúrgicos que receberam TNE de março a outubro de 2011. Os pacientes foram avaliados antropometricamente e pela avaliação subjetiva global (ASG). Os valores de calorias e proteínas prescritos e administrados e as causas de interrupção da dieta foram registrados diariamente. O valor de 90% foi utilizado como referencial de adequação. A diferença entre o prescrito e o administrado foi verificada pelo teste t de Student. RESULTADOS: Uma amostra de 32 pacientes, com idade de 55,8 ± 14,9 anos, apresentou 40,6 a 71,9% de desnutrição dependendo da ferramenta utilizada. A neoplasia gástrica e as gastrectomias foram o diagnóstico e as cirurgias mais frequentes. Dos pacientes, 50% conseguiram atingir suas necessidades calórico-proteicas. A adequação da dieta recebida em relação à prescrita foi de 88,9 ± 12,1% e de 87,9 ± 12,2% para calorias e proteínas, respectivamente, com um déficit significativo (p < 0,0001) de 105,9 Kcal/dia e de 5,5 g de proteína/dia. Dos pacientes, 59,4% estavam adequados quanto a calorias e 56,2% quanto a proteínas. As causas de suspensão da dieta ocorreram em 81,3%, sendo o jejum para procedimentos (84,6%) e náuseas/vômitos (38,5%) as causas mais observadas no pré e no pós-operatório, respectivamente. CONCLUSÃO: A inadequação calórico-proteica foi frequente, podendo ser atribuída às intercorrências e suspensões da dieta durante a TNE, o que pode ter dificultado que a amostra atingisse suas necessidades nutricionais. Isto pode contribuir para o declínio do estado nutricional do paciente cirúrgico, que frequentemente já está comprometido, conforme observado neste estudo.

Terapia nutricional enteral; pacientes cirúrgicos; dieta enteral; adequação; desnutrição


OBJECTIVE: To evaluate the protein-calorie adequacy of enteral nutrition therapy (ENT) in surgical patients. METHODS: A prospective study was performed in surgical patients who received ENT from March to October 2011. Patients were evaluated anthropometrically and by subjective global assessment (SGA). The amount of calories and protein prescribed and administered were recorded daily, as well as the causes of discontinuation of the diet. A 90% value was used as the adequacy reference. The difference between the prescribed and administered amount was verified by Student's t-test. RESULTS: A sample of 32 patients, aged 55.8 ± 14.9 years, showed a malnutrition rate of 40.6% to 71.9%, depending on the assessment tool used. Gastric cancer and gastrectomy were the most common diagnosis and surgery, respectively. Of the patients, 50% were able to meet their caloric and protein needs. The adequacy of the received diet in relation to the prescribed one was 88.9 ± 12.1% and 87.9 ± 12.2% for calories and proteins, respectively, with a significant difference (p < 0.0001) of 105.9 kcal/day and 5.5 g protein/day. 59.4% of the patients had adequate caloric intake and 56.2% had adequate protein intake. Causes of diet suspension occurred in 81.3%, with fasting for procedures (84.6%) and nausea/vomiting (38.5%) being the most frequently observed causes in pre- and postoperative periods, respectively. CONCLUSION: Inadequate caloric and protein intake was common, which can be attributed to complications and diet suspensions during ENT, which may have hampered the sample reached their nutritional needs. This may contribute to the decline in the nutritional status of surgical patients, who often have impaired nutrition, as observed in this study.

Enteral nutritional therapy; surgical patients; enteral nutrition; adequacy; malnutrition


ARTIGO ORIGINAL

Adequação calórico-proteica da terapia nutricional enteral em pacientes cirúrgicos

Marília Freire IsidroI; Denise Sandrelly Cavalcanti de LimaII

IMestranda em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Especialista em Nutrição Clínica pelo Programa de Residência em Nutrição do Hospital das Clínicas, UFPE, Recife, PE, Brasil

IINutricionista da Clínica de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas, UFPE; Doutoranda em Nutrição pela UFPE; Mestre em Nutrição pela UFPE; Especialista em Nutrição Clínica pelo HC-UFPE, Recife, PE, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Marília Freire Isidro Rua Mamanguape, 303/602 Boa Viagem Recife, PE, Brasil CEP: 51020-250 isidro.marilia@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a adequação calórico-proteica da terapia nutricional enteral (TNE) empregada em pacientes cirúrgicos.

MÉTODOS: Estudo prospectivo, realizado em pacientes cirúrgicos que receberam TNE de março a outubro de 2011. Os pacientes foram avaliados antropometricamente e pela avaliação subjetiva global (ASG). Os valores de calorias e proteínas prescritos e administrados e as causas de interrupção da dieta foram registrados diariamente. O valor de 90% foi utilizado como referencial de adequação. A diferença entre o prescrito e o administrado foi verificada pelo teste t de Student.

RESULTADOS: Uma amostra de 32 pacientes, com idade de 55,8 ± 14,9 anos, apresentou 40,6 a 71,9% de desnutrição dependendo da ferramenta utilizada. A neoplasia gástrica e as gastrectomias foram o diagnóstico e as cirurgias mais frequentes. Dos pacientes, 50% conseguiram atingir suas necessidades calórico-proteicas. A adequação da dieta recebida em relação à prescrita foi de 88,9 ± 12,1% e de 87,9 ± 12,2% para calorias e proteínas, respectivamente, com um déficit significativo (p < 0,0001) de 105,9 Kcal/dia e de 5,5 g de proteína/dia. Dos pacientes, 59,4% estavam adequados quanto a calorias e 56,2% quanto a proteínas. As causas de suspensão da dieta ocorreram em 81,3%, sendo o jejum para procedimentos (84,6%) e náuseas/vômitos (38,5%) as causas mais observadas no pré e no pós-operatório, respectivamente.

CONCLUSÃO: A inadequação calórico-proteica foi frequente, podendo ser atribuída às intercorrências e suspensões da dieta durante a TNE, o que pode ter dificultado que a amostra atingisse suas necessidades nutricionais. Isto pode contribuir para o declínio do estado nutricional do paciente cirúrgico, que frequentemente já está comprometido, conforme observado neste estudo.

Unitermos: Terapia nutricional enteral; pacientes cirúrgicos; dieta enteral; adequação; desnutrição.

INTRODUÇÃO

A desnutrição é um problema estatisticamente apreciável em pacientes cirúrgicos, acometendo de 22 a 58% dos casos1-3, estando relacionada a maiores custos hospitalares, maior tempo de internação, predispondo a uma variedade de complicações, maior incidência de infecções e de mortalidade4,5.

O estado nutricional influi diretamente na evolução perioperatória do paciente, podendo afetar significativamente o resultado da cirurgia6. Ainda no pré-operatório, o cuidado nutricional deve ser iniciado, com o objetivo de prevenir a desnutrição ou de minimizar seus efeitos7. A resposta ao trauma cirúrgico pode desencadear o aparecimento ou o agravamento da desnutrição, com consequente queda na qualidade da resposta imunológica, cicatrização ineficiente e aparecimento de infecções8.

A terapia nutricional enteral (TNE) é a estratégia mais comumente utilizada para prevenir ou tratar a desnutrição por ingestão oral insuficiente e/ou aumento das necessidades calórico-proteicas9. Tem sido empregada em pacientes com impossibilidade parcial ou total de manter a via oral como rota de alimentação, devendo ser adotada sempre que o trato gastrointestinal (TGI) estiver funcionante10.

Durante a TNE podem ocorrer condições que interferem na oferta nutricional planejada, causando suspensão temporária e/ou permanente11,12, o que pode contribuir para o declínio do estado nutricional13. Essas condições incluem o jejum para procedimentos e exames e as intolerâncias da dieta, como vômitos, diarreia e distensão abdominal14-16. Nos últimos anos, estudos têm verificado a adequação calórico-proteica da TNE, porém, quase todas as evidências sobre este tema limitam-se a pacientes críticos17-19, em que poucos9,13,20,21 investigaram outras clínicas, onde se incluíam as cirúrgicas.

A TNE pode ser um fator na promoção da saúde, na diminuição do estresse fisiológico e na manutenção da imunidade16. Por isso, tão importante quanto a prescrição adequada às necessidades do paciente é a certeza de que efetivamente receberá o que lhe foi prescrito22. Neste contexto, os objetivos deste estudo foram avaliar a adequação calórico-proteica da TNE empregada em pacientes cirúrgicos, comparando o aporte efetivamente administrado com o prescrito, e identificar as diferentes causas de interrupção e/ou suspensão da dieta no pré e pós-operatório.

MÉTODOS

Estudo prospectivo, do tipo série de casos, de acompanhamento longitudinal, realizado no período de março a outubro de 2011 no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE). Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade superior a 20 anos, que receberam TNE exclusiva ou associada à outra via de alimentação (oral ou parenteral) de oferta calórico-proteica não significativa, por no mínimo 72 horas, no pré ou pós-operatório de cirurgias. Gestantes, pacientes críticos e/ou terminais e pacientes com alterações que impossibilitassem a avaliação antropométrica foram excluídos do estudo.

Todos os dados foram registrados em formulário com informações sobre: dados demográficos, diagnóstico, cirurgia, indicações da TNE, posição da sonda, início e término do uso da TNE, fórmula utilizada, medidas antropométricas, índice de massa corporal (IMC), percentual de perda de peso (%PP), classificação da avaliação subjetiva global (ASG), necessidades nutricionais, calorias e proteína da TNE prescrita e recebida, além das causas de interrupção da dieta.

Nas primeiras 72 horas da admissão hospitalar, as medidas antropométricas foram tomadas por um único avaliador treinado. Dados de peso, altura, peso habitual, %PP nos últimos seis meses, circunferência do braço (CB), prega cutânea tricipital (PCT) e circunferência muscular do braço (CMB) foram coletados.

O estado nutricional, segundo o IMC, foi avaliado por intermédio da recomendação da OMS23 para adultos (< 60 anos) e de Lipschitz24 para idosos. Para a avaliação nutricional, segundo a CB, CMB e PCT, utilizaram-se as classificações de Blackburn e Thornton25. O %PP nos últimos seis meses foi classificado de acordo com Blackburn et al.26.

Nas primeiras 72 horas de início da TNE, a ASG foi aplicada pelo pesquisador, utilizando o modelo proposto por Detsky et al.27 e, posteriormente, os pacientes foram divididos em desnutridos (ASG-B e ASG-C) e não desnutridos (ASG-A).

O volume, calorias e proteínas prescritos foram registrados a partir da prescrição dietética feita pelo Serviço de Nutrição, e os dados do que foi efetivamente administrado e os fatores que levaram à suspensão da dieta no pré e pós-operatório foram obtidos por meio dos registros em prontuários ou dos funcionários, acompanhantes, pacientes ou por observação da própria pesquisadora. Todos esses dados foram coletados a partir do primeiro dia de introdução da TNE até o momento de sua descontinuação, óbito ou alta.

Os valores calórico (Kcal) e proteico (g de proteínas) prescritos e administrados foram registrados diariamente para cada paciente. A adequação da oferta foi calculada pela relação percentual entre as médias dos valores prescritos e dos administrados. Neste trabalho, utilizou-se como referencial a ser atingido o valor de 90% de adequação, onde uma discrepância de mais de 10% pode ser considerada clinicamente importante9,14.

Todos os pacientes receberam o sistema aberto de TNE, do tipo gravitacional ou infusão por bomba, de maneira intermitente. As dietas enterais oferecidas foram fórmulas poliméricas e especializadas. A escolha da fórmula era baseada no valor mais próximo das necessidades diárias ou conforme necessidade específica do paciente.

Foram considerados pacientes que conseguiram atingir suas necessidades aqueles que, em algum momento de uso da TNE, receberam o mínimo de 30 Kcal/Kg de peso corporal/dia e de 1,2 g de proteína/Kg de peso corporal/dia, recomendações mínimas propostas pelo projeto Acelerando a Recuperação Total Pós-Operatória (ACERTO) para pacientes cirúrgicos, tanto no pré quanto no pós-operatório28.

Na avaliação dietética dos pacientes que receberam a TNE tanto no pré quanto no pós-operatório (n = 8), foram considerados apenas os dados do pré, de modo a evitar grandes variações decorrentes da reintrodução da dieta no pós-operatório.

A coleta de dados teve início após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da UFPE, resolução nº 196/96, sob o nº 398032, e após assinatura do termo de consentimento pelo paciente ou responsável.

Os dados obtidos foram tabulados no Excel e processados pelo programa Epi Info 6.04. A análise descritiva e inferencial foi realizada com subsídio do software estatístico SPSS 18.0. Todas as variáveis contínuas foram testadas quanto à normalidade pelo teste de Shapiro Wilk e Levene. Para verificar diferença entre a energia e proteína prescrita e administrada foi utilizado o teste de t de Student para dados pareados. Para testar a associação entre as variáveis, utilizamos o teste do Qui-quadrado; para a descrição das proporções, foi usado o intervalo de confiança de 95%. Todas as diferenças foram consideradas estatisticamente significativas quando p < 0,05.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 32 pacientes cirúrgicos, com idade média de 55,8 ± 14,9 anos (26 a 79 anos), sendo 18 idosos (56,2%; IC95% = 37,66-73,64) e 20 (62,5%; IC95% = 43,69-78,9) do sexo masculino. O período de uso da TNE foi de 6,9 ± 4,9 dias (3 a 24 dias), onde 14 (43,8%; IC95% = 26,36-62,34) utilizaram a terapia no pré-operatório e 18 (56,2%; IC95% = 37,66-73,64) no pós-operatório.

As neoplasias foram observadas em 20 (62,5%; IC95% = 43,69-78,9) pacientes, sendo mais frequentes as gástricas (n = 13, 40,6%, IC95% = 23,70-59,36), seguida pelas periampulares (n = 5, 15,6%; IC95% = 5,28-32,79). Os demais diagnósticos foram o megaesôfago (n = 4, 12,5%; IC95% = 3,51-28,99), a síndrome pilórica e aneurisma com dois casos cada (6,3%; IC 95% = 0,77-20,81) e outros como fístulas, colelitíase, neoplasia de reto, neoplasia retroperitoneal com um caso cada (3,1%; IC95% = 0,08-16,22).

As cirurgias mais frequentes foram as gastrectomias (n = 12, 37,5%; IC95% = 21,10-56,31), seguidas pela laparotomia exploratória (n = 4, 12,5%; IC95% = 3,51-28,99), gastrojejunoanastomose (n = 4, 12,5%; IC95% = 3,51-28,99), cardiomiotomia de Heller (n = 3, 9,4%; IC95% = 1,98-25,02), esofagectomia (n = 3, 6,3%; IC95% = 0,77-20,81). As demais, com apenas um caso cada (3,1%; IC95% = 0,08-16,22) foram: cirurgia vascular, gastroduodenopancreatectomia, fistulectomia, colecistectomia e enterectomia.

Quanto ao estado nutricional, 13 pacientes (40,6%; IC95% = 23,70-59,36) estavam desnutridos segundo o IMC, 23 segundo a CB (71,9%; IC95% = 53,25-86,25), 22 pela CMB (68,8%; IC95% = 49,99-83,88) e 17 pela PCT (53,1%; IC95% = 34,74-70,91). A perda de peso da amostra nos últimos seis meses foi de 16.9 ± 7.5%, onde a maioria apresentou uma perda grave (n = 25, 78,1%; IC95% = 60,72-90,72 vs n= 7, 21,9%; IC 95% = 9,28-39,97). Quanto à classificação da ASG, 20 (62,5%; IC95% = 43,69-78,9) encontravam-se desnutridos.

Na Tabela 1 encontram-se as características da TNE empregada, segundo a sua indicação, o período em que foi utilizada, a posição da sonda, a fórmula utilizada e o uso de outra via de nutrição associada.

O tempo médio para que as necessidades calórico proteicas fossem atingidas foi de 4.5 ± 1.4 dias. Do total da amostra, 16 (50%) atingiram suas necessidades calórico-proteicas, dos quais 11 receberam a TNE no pré operatório e cinco no pós-operatório. Esses dados referem-se apenas ao ofertado pela sonda, ainda que alguns pacientes tenham recebido nutrição oral ou parenteral concomitantemente.

Na Tabela 2 encontram-se as médias de calorias e proteínas prescritas e efetivamente administradas e o percentual de adequação. A diferença entre o administrado e o prescrito foi significativa, com um déficit de 105,9 Kcal/dia e de 5,5 g de proteína/dia (p < 0,0001). Do total, 19 (59,4%; IC95% =40,64-76,30) estavam adequados (> 90%) quanto a calorias e 18 (56,2%; IC95% = 37,66-73,64) quanto a proteínas. Comparando os pacientes no pré e pós-operatório, não houve diferença estatística entre as adequações calórica (p = 0,610) e proteica (p = 0,257).

Dos pacientes analisados, 26 deles (81,3%; IC 95% = 60,72-90,72) apresentaram alguma intercorrência que levou à suspensão da TNE. Destes, 13 pacientes (50%) recebiam a dieta no pré-operatório, período no qual apenas um (7,1%) não apresentou fatores que interferissem na dieta planejada. No pós-operatório, apenas cinco (27,8%) não apresentaram nenhuma intercorrência, demonstrando não haver diferença estatística (p = 0,153) quanto à ocorrência de causas de suspensão da dieta quando comparamos o período em foi utilizada a TNE. As principais causas de interrupção da dieta encontradas neste trabalho, no pré e pós-operatório, estão expressas na Tabela 3.

DISCUSSÃO

Em pacientes cirúrgicos a TNE é bastante recomendada, tanto pelo seu papel positivo no pré-operatório, quanto por possibilitar a oferta nutricional na impossibilidade em se manter a via oral ou na ingestão insuficiente no perioperatório29.

Conhecido o risco aumentado dos idosos quanto ao desenvolvimento de doenças e desnutrição, pesquisas envolvendo pacientes em TNE encontraram, de modo semelhante, idade média de 54,7 a 67,2 anos17,30,31.

Com relação ao gênero e ao diagnóstico mais frequente, o maior percentual do sexo masculino e de neoplasias corroboram a pesquisa de Cook et al.32 que relacionou os homens a uma maior propensão ao câncer, provavelmente pela sua maior exposição aos fatores de risco32.

No Brasil, há um predomínio de câncer com pior sobrevida nos homens, em que se podem citar as neoplasias de fígado, esôfago e estômago33. Em nossa casuística, o câncer gástrico foi o mais frequente, demonstrando essa associação entre o sexo e o diagnóstico. As gastrectomias subtotal ou total foram as cirurgias mais realizadas, sendo o principal tratamento curativo e/ou paliativo para o câncer gástrico.

Neste trabalho, verifica-se uma alta taxa de desnutrição, variando de 40,6 a 71,9%, dependendo da ferramenta de avaliação utilizada. O Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI) diagnosticou, em pacientes cirúrgicos, 39% de desnutrição segundo a ASG5. Bragagnolo et al.34, por sua vez, evidenciaram 88,5% pelo mesmo método em pacientes submetidos a cirurgias de grande porte do TGI. A alta prevalência de desnutrição no grupo estudado é esperada, uma vez que se trata de um dos critérios para a indicação da TNE7.

Não só os pacientes cirúrgicos, mas também aqueles em TNE frequentemente encontram-se com o estado nutricional comprometido, com índices de 34,3% a 55,9%21,35 corroborando as altas taxas encontradas nesse trabalho.

A perda ponderal grave encontrada se assemelha aos achados de Stratton et al.36, que observaram cerca de 70% nos pacientes internados. Quanto ao IMC, Dias e Burgos37 encontraram 38% e Dock-Nascimento, Aguilar-Nascimento e Balster1, 41% de desnutrição em pacientes cirúrgicos. Este último trabalho refere que o IMC pode subestimar a desnutrição nessa população, sendo este, portanto, um método pouco sensível.

Os percentuais de pacientes desnutridos foram maiores quando avaliados pela CB, seguido pela CMB e pela PCT, indicando uma maior depleção de massa magra em relação à massa gorda, comum na desnutrição energético-proteica.

Dentre as indicações da TNE, a impossibilidade de usar a via oral obteve resultado similar aos de Van der Broek et al.9, que observaram 80%, onde, destas, 36% foram em casos de cirurgia. Quanto ao tempo de TNE, o estudo de Luft et al.20, em que se incluíam pacientes cirúrgicos, apresenta resultado similar com mediana de seis dias.

A sonda em posição pós-pilórica foi a mais utilizada pelos pacientes em estudo, uma vez que se trata de pacientes submetidos a cirurgias gastrointestinais, onde a indicação da TNE foi mais frequente no pós-operatório. Já em pacientes de UTI e de enfermaria, Martins et al.13 demonstraram outra realidade, onde a sonda em posição gástrica foi utilizada em 83% dos pacientes.

A fórmula imunomoduladora foi a mais utilizada pelos pacientes nesta pesquisa. Alguns autores demonstram o impacto positivo desta fórmula diminuindo a morbidade e tempo de internação no pós-operatório38,39, sendo usada como protocolo no perioperatório, com exceção das contraindicações ou intolerâncias.

Dos pacientes estudados, 50% conseguiram atingir suas necessidades calórico-proteicas, enquanto O'leary-Kelley et al.14 e Campanella et al.25 observaram apenas 32 e 31% de meta calórico-proteica atingida em pacientes de UTI, respectivamente. Diferenças entre o volume prescrito e o administrado têm sido demonstradas17,25,30, o que contribui para que muitos pacientes não alcancem suas necessidades nutricionais durante o uso da TNE40.

Oliveira et al.18 analisaram pacientes de UTI em TNE exclusiva e verificaram um balanço energético médio de -190 kcal/dia, e uma adequação energética de 88,2%. Van den Broek et al.9 observaram em pacientes em TNE exclusiva de diversas clínicas um déficit de aproximadamente 260 Kcal/dia e adequação de 87%. Estes resultados corroboram o presente estudo, onde uma redução de mais de 10% da exigência de energia por dia, durante vários dias, pode exercer um efeito prejudicial na condição nutricional dos pacientes, os quais muitas vezes dependem exclusivamente da TNE.

Dados semelhantes nessa linha de pesquisa são mais frequentes em estudos em UTI como os de Reid15, que observou 81% de adequação energética, e Oliveira et al.12, que observaram 89,7% de adequação proteica.

Quanto às intercorrências que levaram à suspensão da TNE, o jejum para procedimentos foi a causa mais frequente, corroborando Assis et al.40, onde o jejum foi responsável por 41,6% de interrupção da dieta enteral em pacientes de UTI.

Outras causas para essa diferença entre o prescrito e o administrado foram descritas, como as intolerâncias digestivas, dentre elas a diarreia, o vômito e a distensão abdominal17. Estas causas também foram observadas no presente trabalho, tanto no pré quanto no pós-operatório, apesar de Montejo et al.31 referirem que as interrupções por intolerâncias digestivas sejam mais frequentes em pacientes críticos.

Martins et al.13, analisando pacientes de UTI e de diversas enfermarias, incluindo cirúrgicas, registraram interrupção frequente da TNE decorrente da falta de consciência da importância da TNE pelos profissionais de saúde ou por falta de comunicação na equipe. Em nosso estudo, as principais razões para a discrepância entre TNE prescrita e administrada também foram operacionais, como o jejum para procedimentos, saída acidental ou não da sonda e demora em sua reinserção, ou simplesmente porque o paciente se recusou a receber a dieta. Estas informações, muitas vezes, não foram observadas nos relatórios médicos e de enfermagem, ou havia discordâncias entre os relatórios e as informações dos profissionais e pacientes.

A comparação dos dados obtidos a partir dos estudos neste campo também é complexa, em razão de diferenças no desenho dos estudos, nos tipos de observação e períodos de acompanhamento17,41,42.

A inadequação calórico-proteica da TNE observada em pacientes cirúrgicos demonstra a necessidade de se estabelecerem medidas que visem reduzir as causas de interrupção da dieta. A abreviação do jejum no período perioperatório, como também o monitoramento das complicações gastrointestinais durante a administração da dieta são medidas que podem diminuir as intercorrências durante o uso da TNE. Portanto, a conscientização dos profissionais de saúde a respeito da importância dessa terapia no tratamento e na recuperação do paciente cirúrgico torna-se fundamental.

CONCLUSÃO

A desnutrição apresentou alta prevalência nos pacientes cirúrgicos estudados, onde a TNE, em muitos casos, foi a única via de alimentação e nutrição. A presença de intercorrências durante a sua administração ocorreu na maioria dos pacientes, sendo o jejum para procedimentos e exames, dor e distensão abdominal e saída acidental ou não da sonda os principais motivos de interrupção da dieta. Estas causas foram responsáveis pela inadequação na oferta calórico-proteica da TNE, o que pode ter dificultado o alcance das necessidades nutricionais pela amostra estudada.

A adoção de mecanismos de vigilância clínica, com uma abordagem de equipe multidisciplinar, criação de protocolos, e formação continuada dos profissionais de saúde podem ser importantes medidas para assegurar a administração adequada da TNE e proporcionar o maior benefício para os pacientes.

ASPECTOS ÉTICOS

Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da UFPE no dia 02 de março de 2011.

Artigo recebido:10/02/2012

Aceito para publicação: 06/05/2012

Conflito de interesse: Não há.

Trabalho realizado pela Unidade de Nutrição e Dietética do Hospital das Clínicas na Clínica de Cirurgia Geral - Universidade Federal de Pernambuco Recife, PE, Brasil

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  • Correspondência para:

    Marília Freire Isidro
    Rua Mamanguape, 303/602 Boa Viagem
    Recife, PE, Brasil CEP: 51020-250
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Fev 2012
    • Aceito
      06 Maio 2012
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