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Avaliação do comportamento fetal por meio da ultrassonografia de quarta dimensão: conhecimento atual e perspectivas futuras

Resumos

Durante as últimas décadas, o desenvolvimento da ultrassonografia em tempo real tem possibilitado a visibilização direta do feto no útero, bem como a avaliação de sua atividade. Com o advento da ultrassonografia tridimensional (3D) no final dos anos 1980, iniciou-se uma nova era no diagnóstico por imagem em Obstetrícia, ampliando-se sobremaneira a possibilidade do estudo fetal. Recentemente, uma técnica que permitiu que a imagem 3D fosse transformada em um modo em tempo real foi introduzida e tem sido chamada de ultrassonografia em quarta dimensão (4D), a qual permite o monitoramento contínuo da face fetal e de outras áreas da superfície do feto, como, por exemplo, suas extremidades. Alguns estudos já se ocuparam em avaliar esta nova metodologia na observação do comportamento fetal durante diferentes estágios da gestação, na tentativa de melhor entender as relações entre a maturação do sistema nervoso central do feto e suas implicações em seu padrão de comportamento. No presente artigo, os autores realizam uma revisão sobre o uso atual da ultrassonografia 4D na avaliação do comportamento fetal, discorrendo sobre as perspectivas da técnica em espelhar, por meio da observação de padrões de movimentos e expressões faciais, o desenvolvimento neurológico do feto, destacando as potenciais aplicabilidades dessa tecnologia como nova área de pesquisa em medicina fetal.

Comportamento fetal; Consciência fetal; Ultrassonografia de quarta dimensão


In the last decades, the development of real-time ultrasonography has allowed the direct view of the fetus in the uterus, as well as assessing its activity. The advent of threedimensional ultrasonography (3D) at the end of the 80s initiated a new era in diagnostic imaging for Obstetrics, dramatically increasing the possibility of studying the fetus. Recently, a new technique allowing the 3D image to be transformed into real-time was introduced: the four-dimensional (4D) ultrasonography. It allows the continuous monitoring of fetal face and other surface areas, such as the extremities. Some studies have already assessed this new methodology for fetal behavior observation during different stages of pregnancy, trying to understand better the relationship between fetal central nervous system maturation and the implications for its behavior. In this article, the authors review the current use of 4D ultrasonography in the assessment of fetal behavior, and discuss the possibilities of the technique to show the neurological development of the fetus, by means of watching movement and facial expressions. They also highlight the potential applicability of this new method in this new research area of fetal medicine.

Fetal behavior; Fetal awareness; Four-dimensional ultrasonography


ARTIGO DE REVISÃO

Avaliação do comportamento fetal por meio da ultrassonografia de quarta dimensão: conhecimento atual e perspectivas futuras* * Trabalho realizado no Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Autor para correspondência.

Hélio Antonio Guimarães FilhoI; Edward Araujo JúniorI,** ** E-mail: araujojred@terra.com.br (E. Araujo Júnior). ; Carlos Fernando de Mello JúniorII; Luciano Marcondes Machado NardozzaI; Antonio Fernandes MoronI

IDepartamento de Obstetrícia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIDisciplina de Radiologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

RESUMO

Durante as últimas décadas, o desenvolvimento da ultrassonografia em tempo real tem possibilitado a visibilização direta do feto no útero, bem como a avaliação de sua atividade. Com o advento da ultrassonografia tridimensional (3D) no final dos anos 1980, iniciou-se uma nova era no diagnóstico por imagem em Obstetrícia, ampliando-se sobremaneira a possibilidade do estudo fetal. Recentemente, uma técnica que permitiu que a imagem 3D fosse transformada em um modo em tempo real foi introduzida e tem sido chamada de ultrassonografia em quarta dimensão (4D), a qual permite o monitoramento contínuo da face fetal e de outras áreas da superfície do feto, como, por exemplo, suas extremidades. Alguns estudos já se ocuparam em avaliar esta nova metodologia na observação do comportamento fetal durante diferentes estágios da gestação, na tentativa de melhor entender as relações entre a maturação do sistema nervoso central do feto e suas implicações em seu padrão de comportamento. No presente artigo, os autores realizam uma revisão sobre o uso atual da ultrassonografia 4D na avaliação do comportamento fetal, discorrendo sobre as perspectivas da técnica em espelhar, por meio da observação de padrões de movimentos e expressões faciais, o desenvolvimento neurológico do feto, destacando as potenciais aplicabilidades dessa tecnologia como nova área de pesquisa em medicina fetal.

Palavras-chave: Comportamento fetal; Consciência fetal; Ultrassonografia; de quarta dimensão

Introdução

A ultrassonografia tridimensional (US3D) é um dos mais recentes avanços tecnológicos da medicina diagnóstica. Foi inicialmente introduzida em 1989, ainda com muitas limitações, permitindo apenas a observação estática da superfície fetal.1 Com a digitalização dos equipamentos, as imagens passaram a ser obtidas muito mais rapidamente e, com a melhoria de seus recursos, a partir de 1998, o método se popularizou, particularmente na área da Obstetrícia e Ginecologia.2,3

Uma técnica que permitiu que a imagem tridimensional (3D) fosse transformada em um modo em tempo real foi recentemente introduzida e tem sido chamada de ultrassonografia em quarta dimensão (US4D). Essa nova ferramenta diagnóstica permite o monitoramento contínuo da face fetal e de outras áreas da superfície do feto, como das suas extremidades, a partir da obtenção de imagens tridimensionais sequenciais.4,5 Tal avanco tecnológico tem possibilitado o surgimento de novas possibilidades para o estudo do comportamento fetal como, por exemplo, a percepção de movimentos faciais complexos, que podem ser avaliados quanto a sua expressão e duração.1-5

Estudos ultrassonográficos têm revelado uma diversidade fascinante das atividades fetais intrauterinas Análises da dinâmica do comportamento fetal em comparação com a avaliação de sua morfologia têm levado às conjecturas de que o padrão do comportamento fetal reflete diretamente os processos de maturação e desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) do feto.4,6-9

Formação do sistema nervoso central e desenvolvimento do comportamento fetal

A complexidade do desenvolvimento estrutural do SNC é refletida na complexidade de seus desenvolvimentos sensorial-motor, cognitivo, afetivo e comportamental. A ocorrência dos primeiros movimentos fetais espontâneos entre a 7ª-8ª semana pós-concepcional coincide com a formação das primeiras sinapses e atividade elétrica cerebral.6 Os primeiros movimentos reflexos são fortes e indicam um número de sinapses ainda muito limitado nessa fase. As mãos iniciam sua atividade reflexa por volta da 10ª semana, enquanto que os membros inferiores iniciam sua participação nesses reflexos por volta da 14ª semana. O número de sinapses aumenta então significativamente entre 13 e 15 semanas,7 na 15semana, cerca de 15ª diferentes movimentos fetais podem ser observados. Apenas no final desse período, um número considerável de sinapses aparece precedendo ao córtex cerebral, provavelmente formando um substrato para o início da atividade elétrica cortical, observada na 19ª semana. A influência das estruturas supraespinhais no comportamento motor fetal, no período entre 17 e 20 semanas, foi confirmada por estudos em fetos anencéfalos.10 O trato espinotalâmico é estabelecido na 20ª e mielinizado por volta da 29 semana de gestação; as conexões tálamo-corticais penetram na placa cortical entre 24-26 semanas. Na 29ª semana, é estabelecida a conexão funcional entre periferia e córtex em funcionamento.6,7 Entretanto, algumas investigações indicam que os reflexos faciais em resposta à estimulação somática, que poderiam indicar reação emocional à dor, desenvolvem-se precocemente na gestação.9 Esses reflexos parecem ser coordenados pelos sistemas subcorticais e, provavelmente, refletem o desenvolvimento destes circuitos cerebrais inferiores.11-13 Segundo Kurjak et al.,9 os reflexos faciais se iniciariam na 7ª semana, pela presenca da curvatura lateral do corpo, e estariam totalmente presentes na 11 semana, de modo que, nesta fase, além dele, teríamos também movimento geral, sobressalto, movimento isolado dos bracos e pernas, sucção, deglutição, mão na face, ante e retroflexão da cabeca, rotaçãodacabeca, movimento de respiração e alongamento, abertura da boca e bocejo.

O número de movimentos espontâneos tende a aumentar até a 32ª semana de gestação quando, então, comecam a diminuir. Esta redução é considerada resultado do processo de maturação cerebral, bem como uma consequência da redução fisiológica do volume de líquido amniótico. Simultaneamente à redução do número de movimentos generalizados, pode ser observado um aumento no número de movimentos faciais, incluindo abertura/fechamento da mandíbula e atitudes de engolir e mastigar. Esse padrão é considerado um reflexo do desenvolvimento neurológico normal do feto. O sono REM e o não REM em fetos humanos comecam a se manifestar na 33ª e 35ª semanas de gestação, indicando que a conexão dos neurônios da área córtico-talâmica e do tronco cerebral começa a funcionar neste período10. Portanto, o padrão de comportamento fetal se modifica à medida que seu sistema nervoso amadurece.6,7,11-13

Descrição da técnica da ultrassonografia de quarta dimensão

A avaliação do comportamento fetal por meio da US4D pode ser realizada desde estágios precoces da gravidez até o último trimestre. Para tanto, utiliza-se um transdutor convexo volumétrico de varredura automática, iniciando-se pela avaliação fetal padrão pelo modo bidimensional. Estabelecendo-se a região de interesse (ROI) a ser avaliada, o modo 4D é ativado e imagens 3D live são reconstruídas a partir das imagens 2D selecionadas por meio de um plano de aquisição. Em equipamentos de US4D de última geração, dados volumétricos em rápido processamento já permitem, atualmente, calcular acima de 40 volumes por segundo, o que dá o efeito real-time ao exame. Para visualizar os movimentos fetais, o transdutor deve ser posicionado de forma que se tenha uma aquisição em visão sagital do tronco fetal, incluindo cabeca, tórax e abdome. Dessa forma, o volume tridimensional é automaticamente obtido. Ao se selecionar o modo de superfície (renderização), as imagens 4D são exibidas na tela, podendo ser gravadas em videotape durante um período de observação variável. Para observação da expressão facial, o transdutor deve ser posicionado de forma que a imagem seja obtida numa visão sagital da face fetal, incluindo fronte, nariz e mento. Este procedimento possibilita a observação dos movimentos e expressões da face fetal. Como base para a avaliação, os seguintes pontos de referência serão analisados: região da fronte e sobrancelhas; tecido nasal flexível e sulco nasolabial; cavidade oral e língua; lábio inferior e mento; pálpebras e olhos; boca e seus ângulos;eaexpressão facial.1-5

Padrões de comportamento fetal avaliados por meio da ultrassonografia de quarta dimensão

O aumento no número de sinapses axossomáticas e axodendríticas ocorre em duas fases distintas no desenvolvimento fetal: a primeira ocorre entre oito e 10 semanas,easegunda, entre 12 e 15 semanas. Isto se correlaciona diretamente com os períodos de diferenciação dos movimentos fetais e com o início dos padrões complexos de sua atividade. Após 10 semanas, movimentos da cabeca de vários tipos podem ser observados; nessa fase normalmente ocorrem contatos acidentais da mão com o rosto e a boca. Entre 10,5 e 12 semanas, o feto comeca a fazer movimentos de respiração; com 11 semanas, três novos padrões-aabertura da mandíbula, flexão da cabeca e alongamento, além de movimentos complexos - são adicionados ao repertório. Posteriormente aos movimentos mandibulares irregulares ocorrem os bocejos; estes têm o mesmo padrão em criancas e adultos e, portanto, são facilmente reconhecíveis. No primeiro trimestre, pode-se observar uma tendência para um aumento da frequência de movimentos fetais padrões com o aumento da idade gestacional.14

No início do segundo trimestre (13-16 semanas), a US4D permite a visibilização de todas as quatro extremidades do feto, além de reconhecer movimentos isolados das mãos, que podem ser de cinco tipos: mão à cabeca; mão ao queixo; mão próxima ao queixo; mão à face; mão próxima à face; mão ao olho; e mão à orelha (fig. 1). Durante o curso da gestação, todavia, os movimentos fetais espontâneos são influenciados por muitos fatores externos, como, por exemplo, injeção de corticosteroide para maturação pulmonar, estresse emocional materno e tabagismo.15 Além disso, eles podem também se alterar em condições patológicas como o diabetes materno e a restrição de crescimento intrauterino.16,17 Por outro lado, a atividade e expressão facial fetal podem ser analisadas pela observação dos seguintes aspectos: abertura e fechamento dos olhos, percebido pelo movimento das pálpebras; movimentos da boca, que consistem em uma série de movimentos rítmicos que envolvem a mandíbula e a língua; movimento das pálpebras e boca (movimento de pestanejar das pálpebras e mandíbula, simultaneamente); bocejo (lenta, prolongada e ampla abertura da mandíbula, seguida por fechamento rápido, com simultânea retroflexão da cabeca e algumas vezes elevação das mãos); expulsão da língua; projeção dos lábios para frente (fazer "bico"); sorriso (elevação bilateral do ângulo da boca); e raiva (contração bilateral das sobrancelhas e da musculatura mímica entre elas).


Perspectivas da ultrassonografia de quarta dimensão na avaliação do comportamento fetal

A avaliação da integridade do SNC fetal e neonatal é um grande desafio para a moderna medicina perinatal. Embora tenha havido muitos esforços para se alcancar este objetivo, a avaliação direta da condição funcional do SNC do feto não tem sido possível até o momento. Entretanto, com o advento da US4D, a possibilidade de avaliação do padrão de comportamento intrauterino do feto humano parece ter dado o seu passo inicial. A US4D oferece meios práticos de avaliação do desenvolvimento neurológico, bem como a detecção de patologias anatômicas. Os primeiros estudos do comportamento fetal pela US4D têm comprovado que este método pode ajudar num melhor entendimento tanto do desenvolvimento motor quanto somático do feto, além de avaliar a atividade e expressões faciais complexas, dando início a uma nova era na compreensão do estado neurológico fetal.18-22

Kurjak et al.2 tentaram correlacionar o padrão de comportamento pré-natal (expressões faciais e movimentos das mãos) observado pela US4D com o padrão pós-natal, a fim de avaliarem possíveis diferencas na frequência de movimentos durante os períodos fetal e neonatal precoces. Eles observaram uma continuidade no padrão de comportamento do período fetal para o neonatal, especialmente no que se refere aos movimentos isolados dos olhos, abertura da boca e pálpebras, bocejo, expulsão da língua, sorriso e movimentos das mãos direcionados à face. Os autores sugerem que a observação não apenas da quantidade, como também da qualidade desses movimentos fetais pode viabilizar a predição de condições neurológicas desfavoráveis intrauterinamente.

Outro trabalho teve como objetivo observar diferentes expressões e movimentos da face fetal durante estudo do comportamento fetal por meio da US4D, no segundo e terceiro trimestres da gestação, como provável manifestação da consciência fetal. Foi notada uma tendência para o aumento na frequência da observação de expressões faciais com o aumento da idade gestacional. A natureza de cada movimento facial incluiu a medida da velocidade, amplitude e força do movimento, combinadas a uma percepção complexa do mesmo, sugerindo que a observação da qualidade comportamental pode ser um bom preditor de comprometimento neurológico. Segundo esses autores, diferentes movimentos e expressões faciais observados por meio da US4D podem representar sinais de manifestações da consciência fetal.9

Vários autores têm estudado os efeitos da US4D sobre a relação materna e paterna com o seu feto. Muitos pais interpretam as imagens 2D como abstratas. Com as imagens 3D/4D eles reconhecem o feto e suas características, podendo se sentir mais ligados a ele. As mães chegama relatar maior apego emocional ao feto, mais motivação para suportar certas dificuldades relacionadas à gravidez e redução na ansiedade, tendo o exame um efeito positivo sobre a gestação. Quando aplicados questionários, descobriu-se que a maioria das pacientes encontraram aspectos positivos na US4D, quando comparada à US2D, como, por exemplo, um sentimento mais forte de emoção, facilitando a interpretação das imagens e reforçando os vínculos afetivos com seu futuro filho.9,13,18,19

Em 2008, um estudo multicêntrico desenvolveu um sistema de pontuação (teste KANET) para avaliar o estado neurológico fetal por meio da US4D. Tal sistema consiste na avaliação de 10 parâmetros do comportamento fetal, que recebem notas 1, 2 ou 3, de acordo com o resultado da análise (fig. 2). Esse novo sistema foi aplicado retrospectivamente em um grupo de 100 gestantes de baixo risco. Após o parto, foi realizada avaliação neurológica e todos os neonatos avaliados como normais atingiram uma pontuação pré-natal entre 14 e 20, que foi assumida como uma pontuação de desenvolvimento neurológico ideal. Em seguida, o mesmo sistema de pontuação foi aplicado em um grupo de 120 gestações de alto risco, no qual, com base nos sintomas neurológicos neonatais, três subgrupos de recém-nascidos foram encontrados: normal, leve ou moderadamente anormal e anormal. Neonatos normais tiveram uma pontuação pré-natal entre 14 e 20; neonatos leve ou moderadamente anormais tiveram uma pontuação entre 5 e 13; enquanto as crianças que foramdesignadas como neurologicamente anormais tiveram uma pontuação pré-natal entre 0 e 5. O tempo de avaliação fetal, em todos os grupos, foi de 30 minutos. O estudo concluiu que esse novo sistema de pontuação proposto para a avaliação do estado neurológico pré-natal pode ajudar na detecção de alterações do neurodesenvolvimento fetal, em casos de comprometimento cerebral intrauterino (tabela 1).23


Em estudo recente, o grupo croata avaliou o comportamento fetal de gestantes de baixo e alto risco pela US4D, utilizando o teste KANET para comparação entre os grupos. Foram estudadas 116 gestações de alto e 110 de baixo risco. Os recém-nascidos foram avaliados pelo teste neurológico de Amiel-Tison (teste ATNAT), que é aplicado para avaliação neurológica de recém-nascidos a termo. Após o parto, os resultados do teste KANET foram comparados em ambos os grupos com os resultados do teste ATNAT. Houve uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos de baixo e alto risco em 8 dos 10 parâmetros do teste KANET: anteflexão da cabeça, piscar de olhos, expressões faciais, movimentos da boca, movimento da mão, movimento mão à face, movimentos do punho e dedos e movimentos gerais. Não houve diferenças para a avaliação das suturas cranianas e movimento das pernas. A comparação entre os testes KANET e ATNAT demonstrou significância estatística, com moderada correlação entre ambos, o que significa que o exame de neuropediatria (ATNAT) confirmou em grande parte os achados da US4D pré-natal (KANET). Esse estudo concluiu que a diferença de comportamento fetal entre o grupo de baixo e o de alto risco foi evidente, sendo esses resultados preliminares bastante promissores. Merece destaque, todavia, o fato de que mais estudos são necessários antes de o teste KANET ser recomendado para uso na prática clínica.24

Novos resultados sobre o potencial da US4D na avaliação do comportamento fetal em gestações de alto risco foram recentemente publicados. O teste KANET foi aplicado a um grande número de fetos durante o período de um ano. O objetivo do estudo foi avaliar o comportamento de uma grande amostra de fetos normais e de gestações de alto risco para estudo comparativo entre os dois grupos. Neste estudo de coorte prospectivo, o KANET foi aplicado em 620 gestações únicas entre a 26ª e a 38 ª semanas. O grupo de alto risco incluiu: ameaca de parto pré-termo com ou sem ruptura prematura de membranas, filho anterior com diagnóstico de paralisia cerebral, hipertensão na gravidez com ou sem pré-eclâmpsia, diabetes antes da gravidez ou diabetes gestacional, crescimento intrauterino restrito, polidrâmnio, aloimunização Rh, hemorragia e febre materna > 39 ºC. Foi encontrada diferenca estatisticamente significativa entre os escores KANET dos fetos do grupo de baixo risco comparados a alguns subgrupos de alto risco. Entre os fetos com pontuação KANET anormal, uma das apresentações mais frequentes foi o grupo de fetos com ameaca de parto pré-termo. Até o momento, este foi o estudo com maior número de fetos nos quais o teste foi aplicado.25 Este e outros estudos já demonstraram o potencial do teste para detectar e discriminar o comportamento anormal do feto em condições normais e em gestações de alto risco.26-29

Conclusão

O melhor entendimento da relação entre o desenvolvimento estrutural e funcional do cérebro fetal pode tornar possível a distinção entre os padrões de comportamento fetal normal e anormal, além de permitir a detecção precoce de disfunções cerebrais durante o pré-natal. A possibilidade de avaliação da atividade motora e da mímica facial pela US4D poderá expandir o nosso conhecimento sobre o desenvolvimento funcional do SNC do feto, permitindo futuramente a avaliaçãodesua integridade. De fato, este novo método de estudo do comportamento fetal iniciou uma importante contribuição para o entendimento de funções ainda obscuras do desenvolvimento do SNC fetal, possuindo grande potencial para a investigação de deficiências neurológicas intrauterinas, o que deverá, com certeza, estimular a realização de pesquisas futuras visando uma melhor compreensão do desenvolvimento neurológico do concepto.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 19 de septembro de 2012

Aceito em 2 de maio de 2013

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    Trabalho realizado no Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Autor para correspondência.
  • **
    E-mail:
    araujojred@terra.com.br (E. Araujo Júnior).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Set 2012
    • Aceito
      02 Maio 2013
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