PANORAMA INTERNACIONAL
Cirurgia metabólica e câncer
Elias Jirjoss Ilias* * Autor para correspondência. E-mail: eliasilias@hotmail.com (E.J. Ilias)
Departamento de Cirurgia, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Ashrafian H et al. publicaram na conceituada revista CANCER, em maio de 2011, uma extensa revisão sobre os efeitos benéficos da cirurgia bariátrica na diminuição dos casos de câncer em indivíduos obesos submetidos a essa cirurgia.1
A cirurgia bariátrica causa diversas alterações anatomofisiológicas, como alterações no fluxo da bile, redução do tamanho do estômago, alteração do fluxo de nutrientes no intestino e modulação dos hormônios intestinais.
O tratamento clínico da obesidade tem se mostrado desanimador por não conseguir a manutenção da perda de peso a longo prazo. A adoção da cirurgia metabólica foi responsável por 350.000 pacientes operados no mundo até aquela data. Nesses pacientes houve uma diminuição do peso de forma duradoura e grande efeito benéfico sobre a chamada síndrome metabólica. Um resultado inesperado nesses pacientes operados foi o declínio dos índices de câncer comparativamente aos obesos não operados.
A cirurgia leva a uma diminuição da ingesta calórica, que por si só já diminui a carcinogênese, como demonstraram diversos estudos. Outros fatores que também influenciam essa queda na taxa de câncer é a atividade física aumentada proporcionada pela diminuição de peso, além da alteração nos níveis de insulina, nos fatores hormonais emediadores inflamatórios.
A obesidade está associada com inflamação crônica causada por aumento de interleucinas e pelo fator de necrose tumoral. Esses mediadores inflamatórios acabam se tornando carcinogênicos. Com o emagrecimento, há uma mudança nesses fatores que acaba levando a uma diminuição da inflamação e da carcinogênese. Seis meses após a cirurgia metabólica já há diminuição de interleucinas, o que acaba causando uma maior atividade das células natural killer (NK), acarretando assim um aumento na resposta imune antitumoral.
Outro fator importante na diminuição das taxas de câncer é a diminuição da esteatose hepática nos pacientes submetidos à cirurgia metabólica. A diminuição da esteatose leva à diminuição da inflamação hepática e consequente diminuição da cirrose e do câncer do fígado. A diminuição da produção de leptina pelas células adiposas nos doentes operados também leva a uma diminuição das taxas tumorais, uma vez que a leptina é um estimulante da carcinogênese. As alterações nas concentrações de hormônios sexuais também leva à diminuição do câncer de mama, por exemplo, nas mulheres submetidas à cirurgia metabólica.
Hormônios intestinais como a grelina (que diminui muito após a cirurgia metabólica) também é carcinogênica, principalmente quanto a tumores neuroendócrinos, tumores gastrointestinais e câncer de próstata.
Operações metabólicas são cada vez mais realizadas em todo o mundo devido ao avanço da epidemia de obesidade. Em vista de seus efeitos metabólicos profundos, esses procedimentos não são mais considerados como puramente intervenções de perda de peso, e são cada vez mais aplicados em pacientes de menores índices de massa corporal. Esses procedimentos demonstram uma redução significativa da mortalidade e da incidência de câncer. O papel protetor da cirurgia metabólica é mais forte para os tumores relacionados com a obesidade feminina, embora a atividade anticancerígena da cirurgia possa compreender tanto os efeitos dependentes do peso ou não. Estes incluem a melhora da resistência à insulina com a atenuação da síndrome metabólica, bem como diminuição do estresse oxidativo e da inflamação, além da modulação benéfica dos esteroides sexuais, hormônios do intestino, diminuição de interleucinas e modulação do sistema imunológico. Elucidar o mecanismo preciso da cirurgia metabólica na prevenção do câncer pode aumentar nossa compreensão de como a obesidade, o diabetes e a síndrome metabólica estão associados à oncogênese.
Isso vai exigir estudos controlados e randomizados in vitro e in vivo (modelos animais) de carcinogênese e cirurgia metabólica, o que pode vir a resultar no refinamento das operações metabólicas para maximizar seus efeitos anticancerígenos. Pode também oferecer novas estratégias de tratamento de tumores.
A cirurgia bariátrica, que começou apenas com a intenção de diminuir o peso de pacientes obesos mórbidos, abriu acidentalmente um leque imenso de benefícios não esperados ou planejados inicialmente pela cirurgia. Além das já consagradas mudanças na qualidade de vida e diminuição das comorbidades como diabetes e hipertensão arterial, vemos agora a queda dos índices de câncer nos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e metabólica quando comparados a pacientes obesos não operados.
Isso abre um grande campo de pesquisa médica, e certamente os benefícios desse tratamento nos trarão outras novas e boas surpresas no futuro!
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Recebido em 14 de outubro de 2013
Aceito em 14 de outubro de 2013
- 1. Ashrafian H, Ahmed K, Rowland SP, Patel VM, Gooderham NJ, Holmes E, et al. Metabolic Surgery and Cancer. Cancer. 2011:1788-99.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Dez 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2013