Acessibilidade / Reportar erro

Doença pulmonar obstrutiva crônica em mulheres expostas à fumaça de fogão à lenha

Resumos

OBJETIVO: Identificar sintomas respiratórios e DPOC (relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada < 0,70 e abaixo do limite inferior da normalidade) em mulheres não fumantes, com história de exposição à fumaça da combustão de lenha de ao menos 80 horas-ano. MÉTODOS: foram incluídas 160 mulheres não tabagistas. coletaram-se dados demográficos, sintomas e informações sobre outras exposições ambientais. todas as mulheres realizaram espirometria e aquelas com DPOC também medidas de volumes pulmonares RESULTADOS: o grupo com DPOC apresentava maior duração de exposição, em anos, à fumaça de lenha (p = 0,043), maior tempo de domicílio rural (p = 0,042), duração similar de tabagismo passivo (p = 0,297) e de trabalho na lavoura (p = 0,985). tosse (69,8%), expectoração (55,8%) e chiado (67,4%) predominaram no grupo com DPOC (p < 0,001) quando comparado ao grupo sem DPOC (40,2%, 27,4%, 33,3%, respectivamente). As pacientes com DPOC apresentavam distúrbio obstrutivo leve a moderado e volumes pulmonares normais, exceto a relação entre o volume residual e a capacidade pulmonar total (VR/CPT) > 0,40 em 45%, que apresentou correlação negativa com o VEF1 e VEF1/CVF. CONCLUSÃO: Mulheres comexposição prolongada à fumaça de lenha apresentaram DPOC predominantemente leve a moderado. Aquelas sem DPOC tiveram alta prevalência de sintomas respiratórios crônicos, justificando monitoramento clínico e espirométrico.

Doença pulmonar obstrutiva crônica; Biomassa; Fumaça


OBJECTIVE: To identify respiratory symptoms and COPD (forced vital capacity and forced expi-Pulmonary disease chronic ratory volume in one second ratio < 0.70 and below the lower limit of normal) in non-smoking obstructive women with history of exposure to wood smoke of at least 80 hours-years. METHODS: One hundred sixty nonsmoking women were included. Demographic data and information about symptoms and other environmental exposures were collected. All women underwent spirometry and those with COPD also had their lung volumes measured. RESULTS: The COPD group had greater exposure in years to wood smoke (p = 0.043), greater length of rural residence (p = 0.042) and the same length of passive smoking (p = 0.297) and farm work (p = 0.985). Cough (69.8%), sputum (55.8%) and wheezing (67.4%) predominated in the COPD group (p < 0.001) compared to those without copd (40.2%, 27.4%, 33, 3%, respectively). the copd patients had mild to moderate obstructive disturbance and normal lung volumes, except that the residual volume and total lung capacity ratio (rv/tlc) > 0.40 in 45%, which correlated negatively with forced expiratory volume in one second (FEV1) and FEV1/vital forced capacity ratio (FEV1/FVC). CONCLUSION: Women with prolonged exposure to wood smoke had predominantly mild to moderate COPD. Those without COPD had a high prevalence of chronic respiratory symptoms, justifying clinical and spirometric monitoring.

Pulmonary disease chronic obstructive; Biomass; Smoke


ARTIGO ORIGINAL

Doença pulmonar obstrutiva crônica em mulheres expostas à fumaça de fogão à lenha* * Trabalho realizado no Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

Maria Auxiliadora Carmo MoreiraI,** ** Autor para correspondência. E-mail: helpuol@uol.com.br (M.A.C. Moreira) ; Maria Alves BarbosaII; José R JardimIII; Maria Conceição Cam QueirozIV; Lorine Uchôa InácioIV

IServiço de Pneumologia, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil

IIFaculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil

IIIDisciplina de Pneumologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IVPrograma de Residência em Pneumologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Identificar sintomas respiratórios e DPOC (relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada < 0,70 e abaixo do limite inferior da normalidade) em mulheres não fumantes, com história de exposição à fumaça da combustão de lenha de ao menos 80 horas-ano.

MÉTODOS: foram incluídas 160 mulheres não tabagistas. coletaram-se dados demográficos, sintomas e informações sobre outras exposições ambientais. todas as mulheres realizaram espirometria e aquelas com DPOC também medidas de volumes pulmonares

RESULTADOS: o grupo com DPOC apresentava maior duração de exposição, em anos, à fumaça de lenha (p = 0,043), maior tempo de domicílio rural (p = 0,042), duração similar de tabagismo passivo (p = 0,297) e de trabalho na lavoura (p = 0,985). tosse (69,8%), expectoração (55,8%) e chiado (67,4%) predominaram no grupo com DPOC (p < 0,001) quando comparado ao grupo sem DPOC (40,2%, 27,4%, 33,3%, respectivamente). As pacientes com DPOC apresentavam distúrbio obstrutivo leve a moderado e volumes pulmonares normais, exceto a relação entre o volume residual e a capacidade pulmonar total (VR/CPT) > 0,40 em 45%, que apresentou correlação negativa com o VEF1 e VEF1/CVF.

CONCLUSÃO: Mulheres comexposição prolongada à fumaça de lenha apresentaram DPOC predominantemente leve a moderado. Aquelas sem DPOC tiveram alta prevalência de sintomas respiratórios crônicos, justificando monitoramento clínico e espirométrico.

Palavras-chave: Doença pulmonar obstrutiva crônica; Biomassa; Fumaça

Introdução

Nos países em desenvolvimento, combustíveis de biomassa (lenha, carvão vegetal, esterco de animais e restos de lavoura) são utilizados para aquecimento de ambientes e para cocção de alimentos em fogões rústicos. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1 estimou em 40,9% a proporção de moradores rurais e em 2,6% a proporção de moradores da zona urbana que utilizavam fogão à lenha.

Cerca de 1,5-2 milhões de mortes por ano, mundialmente, são atribuídas a doenças relacionadas à poluição pela combustão de biomassa.2 Revisões e metanálises demonstram que a exposição à fumaça de biomassa é importante fator de risco para doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).2-4 Aproximadamente 3 bilhões de pessoas no mundo estão expostas à fumaça de biomassa, enquanto o número de fumantes é bem menor, 1,1 bilhão, colocando a exposição à fumaça de biomassa como o maior fator de risco para DPOC globalmente.5 Entretanto, os achados de estudos de outros países podem não ser totalmente aplicáveis ao Brasil, uma vez que aqui a vegetação utilizada como lenha é diferente, o emprego da biomassa é praticamente restrito à cocção de alimentos e há limitada utilização de outros tipos de biomassa.

O presente estudo tem como objetivo identificar sintomas respiratórios e DPOC em mulheres não fumantes com história de exposição à fumaça da combustão de lenha de ao menos 80 horas-ano.

Métodos

As participantes foram recrutadas em ambulatórios de um Hospital Universitário e em duas Unidades Básicas de Saúde.

Os critérios de inclusão foram: idade > 40 anos; nunca ter sido fumante; exposição à fumaça de lenha ao cozinhar igual ou maior a 80 horas-ano e no mínimo por 10 anos;6 assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram critérios de exclusão apresentar: avaliação clínica por pneumologistas, realizada no estudo ou contida no prontuário, que sugerisse asma brônquica e/ou rinite alérgica; enfermidades extrapulmonares capazes de interferir na função pulmonar; variação do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) após broncodilatador (bd) > 10%, em relação ao valor previsto.7

Utilizou-se, em versão adaptada, o questionário empregado no Estudo PLATINO no Brasil.8 Obtiveram-se dados relacionados a: aspectos demográficos; sintomas respiratórios (tosse, catarro, chiado e dispneia); diagnóstico médico prévio de DPOC; exposição à fumaça da combustão de lenha (intensidade, presença de chaminé no fogão, localização na casa) e outras exposições (tabagismo passivo, atividade agrícola).

A exposição à fumaça de fogão à lenha foi expressa em horas, anos e horas-ano (produto do tempo em anos cozinhando com fogão à lenha, multiplicado pelo número médio de horas que permanecia nessa atividade).6 A exposição passiva ao tabaco foi expressa em anos de convivência domiciliar com fumantes.

Todas as mulheres entrevistadas realizaram espirometria pré-bd e pós-bd. Foram medidas a capacidade vital forçada (CVF),VEF1;relação entre VEF1 e CVF. Nas mulheres em que se diagnosticou DPOC, foram acrescentadas medidas do volume residual (VR) e da capacidade pulmonar total (CPT). Realizouse oximetria de pulso (SpO2), de repouso, das mulheres com VEF1 < 50% do valor previsto.9

Os critérios de diagnóstico de DPOC foram: história de dispneia e/ou tosse crônica; VEF1/CVF em valor absoluto pós-broncodilatador < 0,70,7,10 e abaixo do limite inferior da normalidade (LIN)11 e exclusão de outras doenças, com sintomas e alterações espirométricas similares à DPOC, como: tuberculose, pneumoconioses, fibrose cística, bronquiolites e deficiência de alfa-1 anti-tripsina.

A classificação de gravidade da DPOC foi baseada no VEF1 em percentual do valor previsto: doença leve -VEF1> 80%; doença moderada -VEF1 < 80% e > 50%; doença grave -VEF1 < 50% e > 30%; doença muito grave -VEF1 < 30% ou < 50% com sinais de insuficiência respiratória crônica (definida pela presença de pressão arterial de oxigênio (PaO2) < 60mmhg).9 No presente estudo definiu-se pela saturação de oxigênio por oximetria de pulso < 92%.

Os testes de função pulmonar, pré-bd e pós-bd foram realizados e interpretados segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e da American Thoracic Society (ATS).7,12,13 Os valores previstos usados foram os de Knudson (1983).7 Consideraram-se limites de normalidade para a CPT: 60-120% do previsto; para VR: 60-140% do previsto; e para relação entre volume residual e capacidade pulmonar total VR/CPT < 0,40.7

Foi utilizado o espirômetro Masterscreen -Jaeger®, calibrado diariamente e recalibrado quando necessário e, para espirometrias realizadas nas Unidades de Saúde, o espirômetro EasyOne ndd Medizintechneik®, cuja calibração era verificada diariamente. As medidas dos volumes pulmonares foram feitas pela técnica de diluição do gás hélio, em circuito fechado e respirações múltiplas.7,13 A oximetria de pulso foi realizada utilizando-se o oxímetro portátil DX 2405 Dixtal®.

O índice de massa corporal (IMC) foi calculado pela fórmula: IMC = P/A2, (P = peso em kg e A2 = quadrado da altura em metros). Foram considerados normais valores entre 18,524,9 m2 /kg.14

Na análise estatística foi utilizado o software SPSS®, versão 15.0 para Windows®. Utilizou-se o teste t de Student para comparação dos grupos quanto às variáveis quantitativas, com distribuição normalou teste Ude Mann-Whitney, quanto às sem distribuição normal. Os testes Qui-Quadrado e Exato de Fisher foram utilizados para comparar frequências de variáveis qualitativas e calcular o risco que a variável independente representou. O coeficiente de correlação de Pearson ou de Spearman foi calculado para pesquisar correlação entre testes de função pulmonar, e entre estes e a duração da exposição a fatores de risco, respectivamente, para dos dados de distribuição normal e não normal. O valor significativo p<0,05 e o odds ratio (OR) para 95% de intervalo de confiança (95% IC).

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local, em 04/04/2008, registro nº 018/08.

Resultados

Das 160 mulheres avaliadas, 43 (26%) apresentaram critérios para o diagnóstico de DPOC, e 117 não apresentaram. O grupo com DPOC apresentou média de idade mais elevada, predominando mulheres acima dos 70 anos (p < 0,001); IMC significantemente menor, em média, mas discretamente acima do limite superior de normalidade. os dois grupos eram similares quanto à cor autorreferida e escolaridade. o grupo com DPOC morou por mais tempo na zona rural (tabela 1).

A duração,em anos,da exposição na lavoura no grupo com DPOC foi similar ao grupo sem DPOC (média 17,7 ± 15,0 e 17,7 ± 14,5, respectivamente; p = 0,985). O trabalho era periódico, alternado com os serviços domésticos, principalmente o de cocção de alimentos. As exposições eram principalmente à poeira de grãos (arroz, feijão, milho e algodão) e a pesticidas.

O grupo com DPOC apresentou maior duração, em anos, de exposição à fumaça da combustão de lenha. A maioria das mulheres apresentava exposições acima de 20 anos. Não houve diferença entre os dois grupos em relação à localização do fogão fora de casa e a presença de chaminé nos fogões, fatores que diminuem a intensidade da exposição. As mulheres frequentemente referiam que as paredes da cozinha eram enegrecidas devido à fumaça. O fogão, quando localizado fora de casa, ficava habitualmente em uma varanda anexa à cozinha. Não houve diferença significante quanto ao tipo de cigarro associado à exposição passiva e a duração do tabagismo passivo (tabela 2).

Os sintomas tosse crônica, expectoração e chiado, prevalentes em ambos os grupos, foram significantemente mais frequentes no grupo com DPOC. O risco para esses sintomas é de três a quatro vezes maior em relação ao grupo sem DPOC (tabela 3). A queixa de dispneia ocorreu em proporção similar em ambos os grupos; as médias dos escores do Medical Research Council (MRC) entre os grupos foram semelhantes. Apenas três pacientes que eram do grupo com DPOC apresentaram escore igual a 4.

As mulheres com DPOC apresentavam valores de CVF, VEF1 e VEF1/CVF compatíveis com distúrbio ventilatório obstrutivo, predominando distúrbio leve e moderado (tabela 3). Nenhuma das mulheres apresentava DPOC muito grave, tampouco complicações da DPOC, como o cor pulmonale. Todas as mulheres com VEF1 < 50% apresentavam, na oximetria em repouso, saturação de oxigênio > 92%.

Não se constatou correlação entre a magnitude da obstrução, avaliada por meio dos valores do VEF1, VEF1/CVF e VR/CPT contra idade, intensidade da exposição (em horas, anos e horas-anos) e tabagismo passivo. Não houve associação entre parâmetros espirométricos e presença de tosse, expectoração e dispneia. O grupo de pacientes que apresentava queixa de chiado apresentou VEF1 significantemente menor que aquele que não apresentavam o sintoma (p < 0,04).

Todas as mulheres com DPOC apresentavam CPT e VR dentro dos limites da normalidade. A VR/CPT encontrava-se acima do limite superior da normalidade em 45% das pacientes. Os valores da relação VR/CPT foram tanto maiores quanto menores os valores VEF1 e VEF1/CVF (p = 0,001, r = -0,721ep= 0,006, r= -0,435, respectivamente).

Discussão

Este estudo teve por finalidade avaliar a possibilidade do diagnóstico de DPOC em mulheres não fumantes expostas à fumaça de lenha por, no mínimo, 10 anos e 80 horas-ano. Para minimizar o efeito da diminuição do VEF1/CVF pela influência da idade, utilizou-se como critérios para diagnóstico da DPOC, relação VEF1/CVF ser < 0,70, e menor que o limite inferior da normalidade.8,10,11 Das 160 mulheres avaliadas, 43 delas apresentavam sintomas e função pulmonar compatível com DPOC. Em média, elas eram mais idosas, tinham maior tempo de exposição à fumação de lenha, em anos, apresentavam sintomas respiratórios com maior frequência e haviam morado por mais tempo na zona rural.

O grupo com DPOC neste estudo tinha média de idade maior que o grupo sem DPOC e, embora, a doença tenha predominado em mulheres acima de 70 anos, foi diagnosticada também nas faixas etárias mais baixas. Distribuição etária similar foi relatada anteriormente em portadora de DPOC por exposição à fumaça de lenha.15,16 Estudo de prevalência de DPOC desenvolvido no Brasil8 demonstrou aumento de DPOC com o envelhecimento, com maior prevalência já a partir dos 60 anos.

Neste estudo, o grupo com DPOC apresentou maior duração, em anos, de exposição à fumaça de lenha e maior duração de moradia na zona rural. Mulheres idosas foram menos sujeitas ao êxodo rural brasileiro ocorrido intensa e progressivamente nas últimas quatro décadas.17 Tendo permanecido por mais tempo na zona rural, tiveram maior tempo de uso de fogão à lenha. Observou-se, neste estudo, que a exposição foi, em média, de 200 horas-ano no grupo com DPOC. Em estudo mexicano, mulheres com nível de exposição semelhante apresentaram risco para bronquite crônica cerca de 10 vezes maior.18 As maiores taxas de risco para DPOC, reportado sem uma metanálise,4 foram exposições maiores que 200 horas-ano, por mais de 30 anos e mais que 4 horas/dia, valores semelhantes aos descritos no presente estudo.

A queima de biomassa pode gerar, durante a utilização dos fogões, concentrações de até 30.000 µg/m3 de material particulado respirável, com diametro menor que fm (PM10), valor acima do padrão de segurança estipulado pela OMS (150 µg/m3 ).2 Estudo realizado no Nordeste brasileiro, quantificou o nível de fuligem ("black carbon") e de material particulado (PM2.5) em residências que utilizavam fogão à lenha. Obteve-se correlação entre a intensidade de poluição e a ocorrência de indivíduos com sintomas respiratórios crônicos e alterações na função pulmonar. A prevalência de DPOC no grupo estudado foi de 20%, semelhante à encontrada no presente estudo.19 Esse dado mostra, novamente, que o uso de biomassa para cozinhar é a maior fonte de poluição doméstica, sendo que a lenha gera maior concentração média de PM10 do que o carvão vegetal.2

O relato de paredes da cozinha enegrecidas sugere funcionamento inadequado das chaminés e alto nível de poluição. O percentual de relatos de localização do fogão fora da casa não diferiu nos dois grupos, sugerindo que este não foi um fator de impacto no grau de poluição e de risco para DPOC. Fogões herméticos produzem poluição em menor intensidade, mas ainda acima do tolerável.2 Demonstrou-se que melhoria na qualidade dos fogões à lenha diminui a morbidade relacionada ao uso de biomassa.20

Estudo sobre os efeitos do tabagismo passivo sugere a possibilidade de o indivíduo exposto vir a apresentar remodelamento brônquico após exposições repetidas.21 Outro estudo observou associação entre DPOC e tabagismo passivo em exposições intradomiciliares > 42 anos (OR = 1,68; 95% CI 1,192,38).22 A duração média da exposição passiva ao tabaco, no presente estudo, ficou abaixo do nível considerado de maior impacto no estudo acima citado, e não houve diferença significante entre os grupos. Essa exposição provavelmente não foi um fator relevante para aparecimento de DPOC, mesmo com o predomínio da exposição à fumaça de cigarro de palha, que levaria a um risco adicional.23 Na região Sul do Brasil, estudo com 1479 agricultores revelou OR para sintomas respiratórios, ajustado para tabagismo, de 1,30 (IC 95% 0,67-1,33) devido à exposição a altos níveis de poeira de grãos.24 Essa taxa de risco é menor que a propiciada pela exposição à queima de biomassa (OR 2,4-2,8).3,4 No presente estudo, a exposição a produtos agrícolas, por seu caráter periódico, baixa duração da exposição e adiversidade dos produtos, não parece ter tido importância no desenvolvimento da DPOC; a duração da exposição foi semelhante nos dois grupos.

Chama a atenção, no presente estudo, a queixa de tosse crônica em 40% das mulheres sem DPOC. Naquelas com função pulmonar próxima ao limite inferior da normalidade, há a possibilidade de já haver inflamação brônquica, sem que a função pulmonar seja compatível com DPOC. Em tabagistas, seguidos por cinco anos, houve aumento de 7,5% para 24,8% na porcentagem de indivíduos que apresentaram obstrução brônquica.25 Artigo de revisão recente sobre doenças pulmonares obstrutivas relacionadas a exposição a biomassa sugerem esses estudos longitudinais.26 A dispneia foi, no presente estudo, o sintoma mais prevalente em ambos os grupos e não houve diferença significante entre eles, provavelmente pela alta subjetividade desse sintoma. Em um estudo de 2010, o risco de usuárias de fogão à lenha apresentarem sintomas respiratórios foi quase quatro vezes maior para tosse associada à expectoração em relação às não expostas.27 No presente trabalho, caso o diagnóstico de DPOC tivesse como critério somente os sintomas respiratórios, provavelmente haveria subdiagnóstico e sobrediagnóstico. Um estudo de 2004 descreveu aumento de 43% no diagnóstico de DPOC quando se utilizou a espirometria ao invés de somente questionário de sintomas.28

A ausência, no presente estudo, de associaçãodoVEF1 e VEF1/CVF com sintomas de tosse e expectoração possivelmente se relaciona à baixa prevalência de DPOC grave, já que a frequência de sintomas aumenta com a gravidade da doença.29

O predomínio de padrão de obstrução leve a moderada, relatado nesse estudo, já foi descrito2,16 inclusive em um trabalho brasileiro.30 Comparadas com alterações relacionadas a DPOC por tabaco, aquelas devidas à exposição à fumaça de biomassas são menos acentuadas.30 Há relatos de DPOC grave associada ao uso de biomassa em países que, diferente do Brasil, usam esterco de animais e restos de lavoura, como combustível não só para cozinhar, mas também para aquecimento do ambiente.31 Em nosso estudo, os níveis aumentados da relação VR/CPT se associaram aos menores valores de VEF1 e VEF1/CVF, o que sugere aprisionamento aéreo por obstrução ao fluxo de ar. Estudos endoscópicos e histopatológicos em mulheres expostas à fumaça da combustão de lenha mostraram que predominam as alterações brônquicas, havendo frequentemente achados de endobronquite antracótica, fibrose de pequenas vias aéreas31 e mínimas áreas de enfisema.16

Não encontramos associação entre alterações espirométricas e intensidade e duração da exposição. Os motivos possivelmente foram o tamanho da amostra e/ou a não utilização de método objetivo de medida da exposição. Todavia, o grupo com DPOC teve exposição significativamente mais duradoura em anos que o grupo sem DPOC, sugerindo, indiretamente, essa associação, já relatada anteriormente.15

Deve-se chamar atenção que um número substancial de mulheres expostas à fumaça de lenha não expressaram a doença. Esse é um fato conhecido também entre fumantes; somente 25-40% deles não desenvolvem DPOC.9 Fatores individuais, possivelmente geneticamente mediados, poderiam explicar esse fato.9

Uma possívellimitação desse estudo seriao fatodos dados terem sido coletados por questionário. Todavia, esse questionário foi utilizado no Brasil, no Estudo PLATINO, além de que os entrevistadores foram treinados. Para avaliar a duração e intensidade de exposição, e diminuir a possibilidade de erros de memorização, procurou-se utilizar como referência fatos da vida das participantes que são recordados com facilidade: idade em que começou cozinhar, ano em que se mudou para zona urbana e ano em que se casou. Outras possíveis limitações seriam a falta de medição objetiva do grau de poluição ambiental em uma amostra de moradias e o uso do método de diluição de gás hélio para medir os volumes pulmonares, já que esse método pode subestimar os volumes na presença de enfisema. Por outro lado, tem sido descrito que os pacientes com DPOC associada à fumaça de biomassa não apresentam enfisema, ou apresentam áreas mínimas; assim, o impacto da técnica de medição provavelmente não foi expressivo.16

Por outro lado, destacam-se como fatores relevantes no presente estudo: o diagnóstico de DPOC utilizando-se dois parâmetros de função pulmonar; a avaliação de dados sobre outras exposições ambientais (tabagismo passivo e tipo de cigarro, trabalho agrícola, localização e características do fogão), permitindo avaliar melhor o papel da fumaça de lenha, como fator etiológico da DPOC; a não inclusão de mulheres tabagistas; critério de inclusão no estudo que exigiu um valor mínimo de duração da exposição à fumaça de lenha.

Conclusão

O presente estudo sugere que mulheres idosas, moradoras da zona rural por longo tempo e expostas à fumaça de lenha por período prolongado, apresentam risco para DPOC. Nessas mulheres a espirometria aumenta a chance de diagnóstico da doença, mesmo quando os sintomas respiratórios são pouco expressivos. Por outro lado, sintomas respiratórios crônicos em mulheres expostas por tempo relevante à fumaça de lenha, ainda com espirometria normal, pressupõe a necessidade de acompanhamento clínico e espirométrico.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Suporte financeiro

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) processo nº 201000216390484.

Recebido em 12 de julho de 2012

Aceito em 17 de setembro de 2013

  • 1. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio. Rio de Janeiro; 2004.
  • 2. Torres-Duque C, Maldonado D, Pérez-Padilla R, Ezzati M, Viegi G. Biomass fuel and respiratory disease. A review of the evidence. Proc Am Thorac Soc. 2008;5:577-90.
  • 3. Kurmi OP, Semple S, Simkhada P, Smith WCS, Ayres JG. COPD and chronic bronquitis risk of indoor air pollution from solid fuel, a systematic review and meta-analysys. Thorax. 2010;65:221-8.
  • 4. Guoping Hu, Yumin Zhou, Jia Tian, Weiman Yao, Weimin Yao, Jinguo Li, et al. Risk of COPD from exposure to biomass smoke. Chest. 2010;138:20-31.
  • 5. Salvi S, Barnes P. Chonic obstructive pulmonary disease in non-smokeres. Lancet. 2009;374:733-43.
  • 6. Ramírez-Venegas A, Sansores RH, Pérez-Padilla R, Regalado J, Velázquez A, Sánchez C, et al. Survival of patients with chronic obstructive pulmonary disease due to biomass smoke and tabacco. Am J Respir Crit Care Med. 2006;173:393-7.
  • 7. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Bras Pneumol. 2002;28:S2-S81.
  • 8. Menezes AMB, Jardim JR, Pérez-Padilha R, Camalier A, Rosa F, Nascimento O, et al. Prevalence of chronic obstructive pulmonary disease and associated factors: the PLATINO study in São Paulo. Brazil Cad Saúde Pública. 2005;21:1565-73.
  • 9. GOLD. Global Initiative for Chronic Obstructive Disease, 2010. Global Strategy for the Diagnosis, Management, and Prevention of COPD [citado 10 mar 2011]. Disponível em: http://www.goldcopd.org
  • 10. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. II Consenso Brasileiro sobre Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. J Bras Pneumol. 2004;30(Suppl 5):S1-S42.
  • 11. Vollmer WM, Gíslason B, Burney P, Enright PL, Gulsvik A, Kocabas A, et al. Comparison of spirometry criteria for the diagnosis of COPD: results from the BOLD study. Eur Respir. 2009;34:588-97.
  • 12. American Thoracic Society/European Thoracic Society Standardisation of lung function testing. Eur Respir J. 2005;26:319-38.
  • 13. American Thoracic Society/European Thoracic Society. Standardisation of lung function testing. Standardization of the measurement of lung volumes. Eur Respir J. 2005;26:511-22.
  • 14. World Health Organization. BMI Classification [citado 2 jan 2011]. Disponível em: //apps.who.int/bmi/index.jsp?introPage=intro 3.html
  • 15. Junemann A, Legarreta CG. Chronic Obstructive Pulmonary Disease produced by biomass fuels. Clin Pulm Med. 2008;15:305-12.
  • 16. Pérez-Padilla R, Schilmann A, Riojas-Rodriguez H. Respiratory health effects of indoor air pollution. Int J Tuberc Lung Dis. 2010;14:1079-86.
  • 17. Camarano AA, Abramovay R. Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil: panorama nos últimos 50 anos [citado 20 jan 2011]. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/td0621.pdf
  • 18. Pérez-Padilla R, Regalado J, Vedal S, Paré P, Chapela R, Sansores R, et al. Exposure to biomass smoke and chronic airways disease in Mexican women. Am J Respir Crit Care Med. 1996;154:701-6.
  • 19. Silva LFF, Saldiva PHN, Mauad T, Saldiva SM, Dolhnikoff M. Effects of exposition to biomasss combustion on respiratory symptoms and pulmonary functions. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179:A4743.
  • 20. Chapman RS, He X, Blair AE, Lan Q. Improvement in household stoves and risk of chronic obstructive pulmonary disease in Xuanwei. China: retrospective cohort study BMJ. 2005;33:1050-5.
  • 21. Flouris AD, Metsios GS, Carrillo AE, Athanasios Z, Jamurtas AZ, Gourgoulianis K, et al. Acute and short-term effects of secondhand smoke on lung function and cytokine production. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179:1029-33.
  • 22. Eisner MD, Balmes J, Katz PP, Trupin L, Yelin EH, Blanc PD. Lifetime environmental tobacco smoke exposure and the risk ofchronic obstructive pulmonary disease. Environ Health. 2005;4:1-8.
  • 23. Menezes AM, Victora CG, Rigatto M. Chronic bronchitis and the type of cigarette smoked. Int J Epidemiol. 1995;24:95-9.
  • 24. Faria NMX, Augusto Facchini LA, Fassa AG, Elaine Tomasi E. Farm work, dust exposure and respiratory symptoms among farmers. Rev Saúde Pública. 2006;40:1-9.
  • 25. Albers M, Schermer T, Heijdra Y, Molema, Akkermans R, van Weel C. Predictive value of lung function below the normal range and respiratory symptoms for progression of chronic obstructive pulmonary disease. Thorax. 2008;63:201-7.
  • 26. Diette GB, Accinelli AR, Balmes JR, Buist AS, Checkley W, Garbe P, et al. Obstructive lung disease and exposure to burning biomass fuel in the indoor environment. Global Heart. 2012;7:265-70.
  • 27. Desalu OO, Adekoya AO, Ampitan BA. Increased risk of respiratory symptoms and chronic bronchitis in women using biomass fuels in Nigeria. J Bras Pneumol. 2010;36:441-6.
  • 28. Buffels J, Degryse J, Heyrman J. Decramer M Office spirometry significantly improves early detection of COPD in general practice: the DIDASCO Study Chest. 2004;125:1394-9.
  • 29. Bednarek M, Maciejewski J, Wozniak M, Kuca P, Zielinski J. Prevalence, severity and underdiagnosis of COPD in the primary care setting. Thorax. 2008;63:402-7.
  • 30. Moreira MAC, Moraes MR, Silva DGST, Pinheiro TF, Vasconcelos HMJ, Maia LFL, et al. Estudo comparativo de sintomas respiratórios e função pulmonar com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica relacionada à exposição à fumaça de lenha e ao tabaco. J Bras Pneumol. 2008;34:667-74.
  • 31. González M, Páez S, Jaramillo C, Barrero M, Maldonado D. Enfermedad pulmonar obstructiva crónica (EPOC) por humo de le ña en mujeres. Acta Med Colomb. 2004;29:17-25.
  • *
    Trabalho realizado no Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.
  • **
    Autor para correspondência. E-mail:
    helpuol@uol.com.br (M.A.C. Moreira)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      12 Jul 2012
    • Aceito
      17 Set 2013
    Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ramb@amb.org.br