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Invisibilidade, preconceito e violência racial em Curitiba

Resumo

O artigo propõe-se analisar o processo de construção de Curitiba enquanto "capital européia" o que, por sua vez, implicou tornar invisível a população negra. Demonstra-se como esta imagem, que pode ser vislumbrada através do projeto arquitetônico da cidade, tem suas origens em um falsa idéia de que o Paraná constituiu-se como um "Brasil diferente", que não teria tido a mesma configuração racial que o restante do país. Principalmente porque, segundo o argumento de intelectuais e pesquisadores locais, não houve escravidão nem população negra significativa. Argumentamos que estas conclusões são incorretas e que tanto no passado quanto hoje há um contigente populacional de negros que são tornados invisíveis, com consequências negativas para este grupo, na assim chamada "capital das etnias".

negros; racismo; invisibilidade; violência


DOSSIÊ CIDADANIA E VIOLÊNCIA

Invisibilidade, preconceito e violência racial em Curitiba11 Versões preliminares deste artigo foram apresentadas como comunicação no Congresso Afro-Brasileiro e no GT Relações Raciais da Anpocs coordenado pelos Profs. Lívio Sansone e Marcia Lima . Agradecemos as sugestões e comentários do Prof. Adriano Nervo Codato.

Pedro Rodolfo Bodê de Moraes; Marcilene Garcia de Souza

Universidade Federal do Paraná

RESUMO

O artigo propõe-se analisar o processo de construção de Curitiba enquanto "capital européia" o que, por sua vez, implicou tornar invisível a população negra. Demonstra-se como esta imagem, que pode ser vislumbrada através do projeto arquitetônico da cidade, tem suas origens em um falsa idéia de que o Paraná constituiu-se como um "Brasil diferente", que não teria tido a mesma configuração racial que o restante do país. Principalmente porque, segundo o argumento de intelectuais e pesquisadores locais, não houve escravidão nem população negra significativa. Argumentamos que estas conclusões são incorretas e que tanto no passado quanto hoje há um contigente populacional de negros que são tornados invisíveis, com consequências negativas para este grupo, na assim chamada "capital das etnias".

Palavras-chave: negros; racismo; invisibilidade; violência.

I. INTRODUÇÃO

Resultado de uma competente propaganda, Curitiba, capital do estado Paraná, tem aparecido na mídia local e nacional de diversas maneiras entre as quais destacamos: capital de Primeiro Mundo, capital ecológica, e, por fim, capital das etnias22 Chamamos atenção que no plano das ações governamentais e, talvez dele derivado, utiliza-se no senso comum, para nós de forma imprecisa, o termo "etnia" (cf. BOURDIEU, 1996 e POUTIGNAT & STREIFF-FENART, 1998). (RIBEIRO & GARCIA, 1996). Não obstante a qualidade de vida nesta capital seja, segundo os índices, uma das melhores do país33 Segundo o Índice das Condições de Vida (ICV) que segue osprocedimentos metodológicos do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas – que por sua vez é composto por três outros índices, a saber, longevidade, conhecimento (média entre a taxa de alfabetização de adultos [peso 2] e a taxa combinada de matrícula nos ensinos funda-mental, médio e superior [peso 1] e padrão de vida (poder de compra baseado no PIB per capita ajustado ao custo de vida local) – coloca Curitiba em 2o lugar no cenário nacional (antecedido apenas por Porto Alegre/RS). , Curitiba vem enfrentando alguns problemas que, por um lado, fazem parte do processo de crescimento pelo qual a cidade vem passando – ostentando uma das maiores taxas do país – e dos problemas mais gerais que atingem o país, e que por outro, são reflexos de uma opção político-governamental regional e cujos efeitos são mais claramente observáveis na periferia da cidade, região que vem sendo rapidamente ocupada sem uma política de investimentos públicos adequados, locais onde a ocupação urbana tem sido desordenada e a criminalidade violenta e narcotráfico crescentes (cf. MAPA DE RISCO DA VIOLÊNCIA, 1997 e MAPA DA POBREZA, 1996).

O nosso principal objetivo neste artigo será questionarmos uma daquelas imagens construídas sobre a capital paranaense, a saber, de que em Curitiba haveria uma grande harmonia inter"étnica", uma espécie de grande "democracia racial", expressa na idéia da capital das etnias.

É nossa intenção argumentar que, diferentemente do que se propagandeia, o que tem acontecido em Curitiba é um processo de "invenção de tradições", nos termos postos por Hobsbawn (1994), ou seja, ainda que se faça "referência a um passado histórico, as tradições 'inventadas' caracterizam-se por estabelecer com ele uma continuidade bastante artifícial" (p. 10) e "estabelecem ou legitimam instituições, status ou relação de autoridade" (p. 17). Ainda que seja diferente, podemos observar uma certa continuidade entre as tradições ora "inventadas" com o que foi produzido anteriormente pela inteligentzia local, fundamentada nos postulados das teorias eugenistas e branqueadoras muito em voga desde o último quartel do século passado44 Cientificamente falando, tais teorias não possuem atualmente o menor valor, mas são muito populares, constitutivas do senso-comum e utilizadas das mais diversas maneiras. A principal e talvez a mais perversa é aquela que coloca negros e mestiços como racialmente inferiores. (cf. MAIO & SANTOS, 1996; MORAES, 1997; SCHWARCZ, 1993; SKID-MORE, 1983). Mesmo hoje tais interpretações tem reforçado uma visão preconceituosa, práticas excludentes e outras violências, entre as quais destacamos a invisibilização, contra a população afro-descendente.

Analisaremos basicamente três processos que são interdependentes e fundamentais à produção da invisibilidade: a concepção e configuração arquitetônica da cidade – exemplo cabal deste processo –, o discurso da inteligentzia e suas atualizações e, finalmente, o projeto político-governamental que, ao reforçar e construir identidade curitibana vinculada a uma "maneira européia de ser", construiu e consolidou a sua identidade e projeto políticos.

II. PASSEANDO PELA CIDADE

O turista que chega a Curitiba e não dispõe de alguém que o conduza na visitar à cidade pode contar com a Linha Turismo, onde um ônibus percorre certos trajetos e pretende "proporcionar ao turista e ao próprio curitibano um transporte regular, entre os principais pontos de interesse da cidade". No roteiro aparecem prédios históricos e parques, entre os quais o Bosque do Papa ou "João Paulo II", um memorial à imigração polonesa. Em outro material publicitário um tourist map55 Editado pela Prefeitura Municipal e pelo Sindicato de hotéis, restaurantes, bares e similares de Curitiba. onde estão elencados um número maior de locais turísticos, 43 highlith points, aparecem outras praças e monumentos que seriam também memoriais, além da já citada, associados a outros grupos migratórios, "etnias", a saber: Praça do Japão, Portal Italiano de Santa Felicidade, Parque Tingüi (memorial da imigração ucraniana), e o Bosque de Portugal. Mas além destes há também um enorme memorial à imigração "árabe". Neste roteiro aparece também as Arcadas do Pelourinho, umas coberturas feitas em estrutura tubular e vidro, que acompanha o projeto arquitetônico da cidade, embaixo das quais encontra-se um comércio de flores e plantas ornamentais. As arcadas, estão localizadas no centro da cidade, mais precisamente na Praça Generoso Marques, atrás do Museu Paranaense. De frente para o prédio há uma estátua em bronze de aproximadamente 1,5 m de uma negra, Maria Lata D'agua, que, poderíamos supor, seria um dos tributos aos negros. No entanto, a placa no pedestal da estatua explica tratar-se de uma homenagem a um escultor66 A inscrição informa que o monumento, inaugurado em maio de 1996 pelo Prefeito Rafael Greca, pretende "celebrar a memória do escultor Erbo Stenzel (1911/1980)". .

No decorrer da pesquisa, "descobrimos" ainda um bloco de granito localizado na Praça Santos Andrade (no centro da cidade), na qual há uma placa em bronze com uma dedicatória "à colonia afro-brasileira". A "homenagem" da Câmara de Vereadores de Curitiba à "etnia negra" vem reforçar nossa tese. A obra que lembraria a população negra passa despercebida em meio à paisagem77 Este "monumento" está localizado em um canto da Praça Santos Andrade, de frente para o Teatro Guaíra. A inscrição,de difícil leitura, na placa informa: "À colônia afro-brasileira – As homenagens dos vereadores de Curitiba que unindo-se às comemorações do Centenário da Abolição destacam a participação dinâmica, una e altamente relevante do negro na comunidade. Com os nomes aqui gravados, que representam os vários segmentos a etnia negra, perpetuamos nosso carinho à colônia afro-brasileira". Segue uma lista de homenageados e de homenagens póstumas, data e responsável, "Curitiba, maio de 1988 – Horácio Rodrigues – Presidente da nona legislatura". .

Quando comparamos cada um dos monumentos/memorais, a visibilidade dos primeiros e a invisibilidade destes últimos é flagrante.

Haveria outro "monumento" à população negra, como nos contou um jovem negro integrante de um grupo de valorização da cultura afro-brasileira: "foi criado um monte de praças, assim [...] com o nome das raças, aí criaram a Praça do Zumbi". E completando: "me diga, aonde que é?". Ela esta localizada "bem no Pinheirinho, tem um bairro, tem a favela e depois da favela a valeta depois da valeta é a Praça". Além de periférica, a praça encontra-se abandonada, não fazendo parte, é claro, de qualquer circuito ou roteiro cultural ou comemorativo. Assim como o grupo racial que representa a praça é invisivel.

Tal configuração arquitetônica nos remete às questões postas por Foucault (1977) e Panofsky (1991) entre outros, que estabelece relações entre a arquitetura, "escolas" de pensamento e aparelhos de poder.

De outra forma, diz Bauman: "O racismo destaca-se por um costume de que é a parte integrante e que racionaliza: costume que combina estratégias de arquitetura e jardinagem com a medicina a serviço da construção de uma ordem social artificial, pelo corte de elementos da realidade presente que nem se adequam à realidade perfeita visada nem podem ser mudados para que se adequem" (BAUMAN, 1998, p. 87).

Para uma cidade e sociedade que se pretendem de "primeiro mundo" por sua identidade branca e européia, o elemento que não pode aparecer ou ser mudado é a presença negra que, como no restante do país, na forma de escravos, foi um fator fundamental à economia local (IANNI, 1962), bem como a sua existência no presente, uma vez que "a invisibilidade do negro é um dos suportes da ideologia do branqueamento" (LEITE, 1996, p. 41).

Tal processo, que como argumentaremos intensificou-se a partir de 1992, deu-se no interior de um longo curso, ou seja, o racismo estava bem fundamentado em teses supostamente científicas que defendiam, com base no darwinismo social, a inferioridade de uns e superioridade de outros. Hoje, no entanto, tais teses são peças de ficção, não obstante continuem existindo tanto no senso comum, quanto, na expressão de Bourdieu, no "senso comum douto", informando estratégias de organização urbana e social.

III. UM BRASIL DIFERENTE (?)

O título do livro de Wilson Martins, Um Brasil diferente, indica de saída a tese que o autor pretende demonstrar, a saber: "o mais fielmente possível o grau e a extensão da influência de elementos culturais estrangeiros na sociologia meridional do Brasil" (1989, p. 01), característica que daria ao Sul e, em particular, ao Paraná, o caso por ele estudando, a sua singularidade88 Os autores adeptos da tese da europeização falam do Paraná e não somente de Curitiba. No entanto, esta capital aparecerá como a região que mais claramente representa esta realidade. .

Este tema e recorte é recorrentemente tratado nos outros estados que compõem a região sul do Brasil, e que vivem a disputar qual é o mais branco e o mais europeizado. No caso de Santa Catarina, muitos argumentos relativos à influência européia e à presença negra são semelhantes ao que encontramos no Paraná (LEITE, 1996). No Rio Grande do Sul, o elogio à "civilização branca", ainda que por outros caminhos, acabam por ter o mesmo propósito (cf. CARDOSO, 1977 e OLIVEN, 1996). Um sintoma da maneira como estes estados percebem-se em relação ao restante do país é observavel no, sempre incipiente, movimento separatista que tem por lema "o Sul é o meu país".

Antes de continuarmos a argumentação de Wilson Martins, voltemos um pouco aos intelectuais que antes dele foram de grande importância, no Paraná, para a consolidação dessa tradição explicativa. Certamente um dos nomes de maior destaque foi Romário Martins99 Em um trabalho de maior folêgo seria importante comparar um número maior de intelectuais, pois assim teríamos uma visão mais completa do campo intelectual (BOURDIEU, 1982) e as posições relativas destes atores no referido campo. , considerado um dos grandes historiadores e pensador paranaense. Jornalista por profissão e socialista, Romário Martins publicou, em 1899, sua História do Paraná, concebido para ser adotado como livro didático em escolas públicas. Neste livro, o autor considera o "africano escravizado" como "agentes da riqueza colonial, individual e política, e elemento formador da nossa nacionalidade" (MARTINS, 1995, p. 152), chamando atenção também para o fato de que a influência dos negros "no caráter brasileiro não pode ser obscurecida" (MARTINS, 1995, p. 154).

Tais concepções eram certamente, naquela época, avançadas, considerando-se as demais que somente tinham uma visão negativa e depreciativa em relação ao negro. Mas também Romário Martins não deixou de apontar características negativas da população negra: "fetichistas ao extremo", "bruxos", "artistas detestáveis" e "passivos" (MARTINS, 1995, p. 153). Além disso, este autor acreditava que o negros tinham "pouca capacidade de assimilação da cultura ariana" (MARTINS, 1995, p. 154). O que nos leva a perguntar sobre qual a influência que Romário Martins atribui ao africanos na formação do "caráter nacional". Considerando o cenário nacional, ele percebia como positivo o processo de branqueamento e via o Paraná como um lugar de destaque porque "diferente" do resto do país. Segundo ele, e aqui temos o argumento o liga aos intelectuais contemporâneos – no caso por nós analisado, Wilson Martins e Ruy Wachowicz –, a "diferença" dar-se-ia em função da pequena população negra e ao aumento de "arianos [na] população paranaense pelo movimento natural e social de sua dinâmica [...] e pela ininterrupta corrente imigratória" de europeus (MARTINS, 1985, p. 155). A argumentação básica de Romário Martins não diferia da forma como se tratava, no período, a questão: um tema obrigatório, nos termos de Bourdieu (1982).

Wilson Martins segue esta trilha, e não somente ele, mas outros intelectuais de destaque como, por exemplo, Ruy Wachowicz. Estes autores tributam ao Paraná uma caracterísitca singular e positiva, parece-nos que menos pela forte presença de imigrantes europeus na sua formação, mas em função da não presença, principalmente, do elemento negro.

Sustenta Wilson Martins, em capítulo de seu livro intitulado "Não houve escravatura no Paraná", que "[...] esse belo tipo físico, corado e de cabelos castanhos se distinguia, ainda, dos demais brasileiros, por traço de fundamental importância: não se misturava com o negro, existente em reduzidíssimo número em toda a província no decorrer de sua história, e que por isso não chegou a invadir sexualmente os hábitos desses rústicos senhores primitivos. Ao lado da imigração, é a inexistência da grande escravatura o aspecto mais característico da história social do Paraná, ambos o distinguindo inconfudivelmente de outras regiões brasileiras [...]" (MARTINS, 1989, p. 128; sem grifo no original). E completa: "Assim é o Paraná. Território que, do ponto de vista sociológico, acrescentou ao Brasil uma nova dimensão, a de uma civilização original construída com pedaços de todas as outras. Sem escravidão, sem negro, sem português e sem índio, dir-se-ia que a sua definição humana não é brasileira"(MARTINS, 1989, p. 446; sem grifo no original).

Como podemos observar no trecho acima destacam-se pelos menos dois elementos que, para este e outros autores, são fundamentais: a "inexistência da grande escravatura" e, em decorrência disso o "reduzidissímo número" de negros e o fato – acompanhando a argumentação de Romario Martins, que falava do baixo coeficiente "das três raças fundamentais brasileiras" (1985, p. 154) – de não misturarem-se com a população branca.

"Um Brasil mais Europeu" será a denominação empregada por Wachowicz (1988) ao considerar o Paraná como o maior "laboratório étnico" do Brasil, o que deu a este estado uma característica toda especial. A sua argumentação ainda que difira da de Wilson Martins em alguns aspectos, mantém a problemática básica.

Conhecer as questões postas por estes autores é de fundamental importância porque, não obstante sua relevância no contexto intelectual paranaense, eles têm dado legitimidade aos discursos contemporâneos sobre a configuração racial de Curitiba1010 Um caso exemplar foi o do calendário do Banco do Esta-do do Paraná (Banestado), "Etnias 1997", que tinha como proposta homenagear as "etnias". No calendário figuram as seguintes "etnias": japonesa, italiana, grega, holandesa, israeli-ta, portuguesa, espanhola, suíça, ucraniana, alemã, polonesa, árabes. Grupos de consciência negra questionaram a ausência de negros no calendário e obtiveram da Assessoria Especial da Presidência do banco uma resposta que ilustra, entre ou-tras coisas, a importância destes intelectuais. Em meio a um texto confuso, invoca-se a argumentação de Ruy Wachowicz sobre a pequena presença negra e intensa migração européia. .

A toda esta argumentação contrapomos o clássico trabalho de Octavio Ianni, As metamorfoses do escravo1111 Este trabalho fez parte de uma pesquisa maior coordenada por Florestan Fernandes que buscava responder a questão sobre como teria se dado a integração do negro na sociedade de classes. Desta pesquisa também participou, estudando o Rio Grande do Sul, Fernando Henrique Cardoso ( cf. CARDOSO, 1977). Devemos salientar que o trabalho de Octavio Ianni é datado e por isso portador de alguns limites inclusive no que diz respeito à caracterização da sociedade escravista. De qualquer forma, é um trabalho importante e, ainda que publicado em 1962, é hoje um dos únicos a tratar com profundidade o tema. . O livro, publicado em 1962, apresenta-nos outra visão do fenômeno. É claro que devemos ressaltar que Ianni trabalhou, diferentemente dos outros autores citados, com referênciais teóricos e métodos propriamente sociologicos que permitiram-no ir além em suas análises1212 Ainda que Wilson Martins diga que seu trabalho tinha "cunho sociológico", chama atenção, na segunda edição de seu livro em 1985, para os limites de sua abordagem e tenta uma atualização, mas confirmando que de qualquer maneira, "o novo Paraná não desmente nem repudia o anterior [...]" (MARTINS, 1985, p. 02). . Neste livro, o autor descreve o ciclo de desenvolvimento de Curitiba e do Paraná, passando pela mineração, gado e mate. Destaca a escravidão inicial de indígenas e o processo de substituição por escravos negros. Diz Ianni que, "Em linhas gerais, [...] o que ocorreu foi, inicialmente, uma predominância de índios ou seus descendentes; depois os negros e mestiços seus começaram a aumentar relativamente aos outros, chegando a dominar numericamente" (1962, p. 45). A tal ponto que no segundo quartel do século XVIII haveria "evidências de que em 1767 os escravos perfaziam uma porcentagem da população total que se aproximava de 50% dos habitantes" (IANNI, 1962, p. 84)1313 Esta informação de Ianni baseada nos relatórios do Mor-gado de Mateus ao Conde Oeiras não é precisa. Informa Ianni que "não se pode atribuir grande margem de segurança à contagem da população que não sabemos como foram realizadas, se se referem apenas a estimativas, nem, ainda, em que condições teriam sido efetuadas". De qualquer forma "há outros indícios que sugerem ser elevada a utilização do escravo nas atividades produtivas e nos serviços" (IANNI, 1962, p. 85). 14 Não é nossa intenção estabelecer uma discussão sobre as categorias classificatórias do IBGE, ou a metodologia utilizada na pesquisa, mas ela tem sido duramente criticada por, entre outras coisas, não possuir um procedimento eficaz para a contagem da população de afro-descendentes. .

Posteriormente, com a chegada dos colonos, que coincide com o processo de desagregação da escravatura regional e nacional, é que se observa um declínio deste grupo e um processo de branqueamento da população (cf. Tabela 1). Aqui temos como motivos a entrada de imigrantes brancos, mas também uma "taxa de mortalidade maior [entre os negros], dadas as suas condições gerais de vida" (IANNI, 1962, p. 84). Além do fato de que parcela da população mestiça, o "agregado mulato, considera-se ou procura ser socialmente branco" (IANNI, 1962, p. 157) e "a medida que vai participando das ocupações ligadas ao mundo urbano ele toma consciência da necessidade de branquear-se ainda mais" (IANNI, 1962, p. 197).

Como em outras regiões do país, o comércio de escravos está presente na imprensa local (IANNI, 1962, p. 138 e segs.), bem como uma pesada legislação onde "para o mesmo crime, aos escravos cabiam penas mais duras" (IANNI, 1962, p. 145). Esta mesma legislação estabeleceu formas de vigilância e punições severas para "certas atividades lúdicas dos escravos", vistas "como manifestações de uma civilização inferior " (IANNI, 1962, p. 147)1515 O que está em consonância com a forma como, por exemplo, Romário Martins via as manifestações dos negros e por nós já referida neste trabalho. .

Ianni sustenta que, comparado a outras regiões, a escravidão em Curitiba foi menor; no entanto, "[...] não deve ser compreendida como se nelas o regime escravo não tivesse assumido a mesma importância básica que em outras áreas [...] [pois] Em determinados casos, quando a economia não possibilita um amplo desenvolvimento da escravatura, como ocorre em Curitiba, verifica-se a despeito disso, uma acentuada elaboração do regime escravista" (IANNI, 1962, p. 09).

Concluíndo: "[...] a escravatura em Curitiba pode ser tomada como uma expressão local, com alguns caracteres singulares, da ordem escravo-crata geral. [...] A escravatura em Curitiba é uma expressão completa do regime no Brasil" (IANNI, 1962, p. 273)1616 Pereira, em recente e importante trabalho (1996), considera que para o planalto curitibano é "difícil aplicar [....] conceitos como 'sociedade escravista' ou 'escravocrata' "(p. 59). Ainda que trate do Paraná em geral e o tema escravidão seja secundário, a obra de Pereira demonstra, através de farta documentação, como o escravo e o negro ocuparam um importante lugar na sociedade paranaense e curitibana. .

É deveras curioso que boa parte das fontes que Ianni utilizou serão as mesmas que os defensores do "Brasil diferente" usarão, além de citar diretamente estes próprios autores. Não podemos, de qualquer forma, achar se que trata simplesmente de diferentes interpretações de uma mesma realidade, mas de um autor que procurou ser objetivo, no caso Ianni, e de outros que acabaram imersos na ideologia do branqueamento – sendo menos o caso de Romário Martins e seus contemporâneos, para os quais as teses eugenistas possuiam uma justificativa segundo a ciência de então. Trata-se também do projeto de construção de uma "região" que pudesse servir de modelo e matriz para o restante da nação, mais evoluída porque livre dos dramas da escravidão, leia-se africanização, e da mestiçagem1717 Como diziamos anteriormente, esta argumentação é muito próxima daquelas existentes nos outros estados que compõem a região sul e que disputam com o Paraná o título de mais branco do país. Segundo Leite, para os casos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul "duas especifidades são apontadas": "o negro teve e tem presença rara, inexpressiva ou insignificante" em função da "ausência de um grande sistema escravista", pois "existiriam relações mais democráticas e igualitárias" (LEITE, 1996, p. 40). Pelo menos estes dois argumentos são exatamente os encontrados em Curitiba e no Paraná. .

Pereira (1996) corrobora esta análise ao informar que desde a segunda metade do século XIX, "na busca da modernidade para cidade [...], percebe-se [...] o acirramento de uma série de objeções em relação ao escravo e ao negro em geral, entre as quais uma rejeição de tipo 'estético', com fundo racial [...] [pois] ele era símbolo do atraso de uma época a ser esquecida. Em nome da rejeição do escravismo, rejeitava-se a pessoa do escravo, isto é, do negro que trazia na pele o estigma daquilo que devia ser superado" (PEREIRA, 1996, p. 85 e 86).

IV. POLÍTICA, ELEIÇÕES E INVISIBILIDADE

Analisando o processo eleitoral de 1992 que elegeu Rafael Greca de Macedo prefeito de Curitiba, Meucci (1994), partindo da idéia de Bourdieu segundo o qual "o porta voz manifesta sua legitimidade tornando manifestos aqueles que lhe conferem a delegação" (1990, p. 192), demonstra como a identificação, produzida por um eficente marketing político, entre "alguns elementos presentes no imaginário da população curitibana" (MEUCCI, 1994, p. 48) e o seu projeto eleitoral foi fundamental para sua vitória, relativamente tranqüila, no pleito. A autora argumenta que Rafael Greca de Macedo1818 Informa Meucci que "Greca foi engenheiro, vereador e deputado estadual. Era conhecido na cidade pela promoção da tradicional festa de São Francisco ocorrida todos os anos no mês de outubro e pela realização de outros eventos [patrocinados] pela Fundação Cultural de Curitiba. Perten-ce a uma família tradicional cujo pai, imigrante italiano, era também engenheiro proprietário de uma empresa responsá-vel pelo calçamento da cidade.Uma figura simpática, um ar 'bonachão', lançou-se a candidatura por uma coligação en-tre o PDT, PTB e PTR. Coligação esta que foi denominada de União Trabalhista em Defesa de Curitiba" (1994, p. 34). herdou capital político de seu antecessor, o atual governador reeleito do Paraná, Jaime Lerner, e que este desde o início de sua carreira política – que começou durante o regime militar, em 1971, como prefeito "biônico" de Curitiba –, preocupou-se em lembrar intensamente a contribuição da imigração e colonização européia na formação de Curitiba. Não que Lerner não tivesse intervido fortemente na cidade (seleção de lixo, recuperação de parques, transportes, por exemplo), mas nesse sentido ele deu continuidade a processos anteriores. O que fez a diferença foi o intenso "reforço e a evocação dos grupos imigrantes. [...] que atribuiam à própria constituição da população, que herdava o bom gosto, o refinamento dos europeus, verdadeiros 'cidadãos de primeiro mundo' " (MEUCCI, 1994, p. 49). Processo em que não houve referência aos negros.

Rafael Greca dá continuidade a esta lógica, tanto antes de eleito prefeito, com as atividades na Fundação Cultural de Curitiba, e presença ostensiva na inaugaração de obras e monumentos relacionados às "etnias", quanto depois de eleito. Diz Meucci que "já prefeito, por ocasião das festividades em comemoração aos trezentos anos da cidade, houve uma série de eventos cujo objetivo era exatamente pôr em evidência a questão das etnias: o desfile da etnias, as feiras gastronômicas, as apresetações de grupos folclóricos" (1994, p. 56).

A gestão de Rafael Greca foi marcada por outras iniciativas que fortalecem ainda mais este processo. Gostaríamos de destacar a produção da série de livros Lições Curitibanas. A Coleção Lições Curitibanas tem como público alvo estudantes de primeira à quarta série do 1º grau e é muito conhecida entre os estudantes e professores da cidade; conseguir os livros é muito fácil, mesmo não sendo aluno de escolas da prefeitura. Nela destacam-se ilustrações dos grupos, com trajes típicos de cada país, algumas vêm acompanhadas de sua história antes e após a chegada ao Paraná, bem como de poesias e culinária relativas a cada um destes grupos.

De forma clara, sempre acompanhada de imagens, estes livros vão construindo a "imagem" da cidade de Curitiba, sempre enfatizada a presença dos imigrantes europeus. Quando encontramos citações sobre a escravidão, o assunto sugere a escravidão no âmbito nacional e não na cidade. Além de fotos de época, a arquitetura da cidade recebe um destaque especial mostrando a influência dos imigrantes. O trecho abaixo é um bom exemplo do tipo de texto apresentado pela coleção:

Quadro 1


Esta coleção certamente funciona, porque atuando junto a crianças e jovens e através da escola, como um dos mecanismos mais eficazes da reprodução do ideário de que Curitiba seja uma "Cidade Européia", "Capital de todos os povos".

Merece também menção outra iniciativa do Prefeito Rafael Greca, a Coleção Farol do Saber, que editou antigos e novos autores que tratavam do Paraná, entre os quais importantes "clássicos" paranistas. O livro de Romário Martins por nós utilizado pertence a esta coleção.

Acreditamos que o processo descrito continua redendo-lhe dividendos políticos. Eleito deputado federal mais votado na história do Paraná e proporcionalmente um dos mais votados do Brasil, e com este cacife guindado ao Ministério do Turismo e Esporte. Talvez fosse desnecessário dizer que este processo não revela uma atitude maniqueísta por parte destes agentes. Ao contrário, ainda que possa ter havido, e houve certamente, ações conscientes no sentido de capitalizar ganhos com a construção desta imagem, em nossa interpretação ela foi efetivamente vitoriosa, porque partiu da crença destes de que a imagem e cidade que construíam era real. Sendo hoje uma peça de realidade cada vez mais inquestionável, como não acreditar em monumentos que impõem-se com toda sua concretude, que constituem cartões postais e embelezam a cidade? Como duvidar de histórias contadas e recontadas em populares coleções de livros?

V. À GUISA DE CONCLUSÃO OU SOBRE A NECESSIDADE DE LEMBRAR E FAZER VER

Em 1955, talvez olhando para o censo de 1872 quando a população preta e parda compunha 35% da população, e para o censo de 1950, onde a mesma população havia sido reduzida a aproximadamente 5% do total (cf. Tabela 2), Wilson Martins profetizou que "o negro [...] sempre sofreu, e continua sofrendo, no Paraná, da tendência a desaparecer" (1989, p. 133). Ainda que na base da argumentação de Wilson Martins haja um equívoco – que pensamos demonstrar ao introduzir as questões postas por Ianni – que compromete o restante de sua análise, a saber, de que no Paraná e a escravidão a população negra não foram importantes ou expressivos, poderíamos ser levados a crer, olhando para aqueles dados, que o desejo expresso pelas teses eugenistas, enfim, cumpria-se.

Mas o que podemos observar é que não obstante todo o discurso branqueador, a população negra cresceu e hoje, como outrora, é parte importante da população curitibana. E é esta população e toda a sua contribuição histórica que é invisibilizada, ou como coloca LEITE "não é que o negro não seja visto, mas sim que ele é visto como não existente" (1996, p. 41; grifos no original).

Mais impressionante ainda é quando observamos que este processo de construção mítico e ideológico da "capital das etnias" positivou grupos que eram antes duramente estigmatizados, como os poloneses, representados como "rústicos" e "ignorantes" (COSTA & DIGIOVANNI, 1991), com status próximo do negro (IANNI, 1987)1919 Ianni revela que "ficamos pasmados" ao ouvir de um informante: "Aqui não há negros. O negro do Paraná é o polaco" (1987, p. 181). Outro dito que segundo levantamos era comum em Curitiba era que "o polaco é o negro pelo avesso". . O que, diga-se de passagem, é bastante meritório2020 Isto não significa que não exista na cidade uma hierarquia que dispõem as "etnias" como melhores ou piores. Como indica Ianni, é observavel, em Curitiba, uma "discriminação múltipla e entrecruzada", onde "cada grupo sofre, cada um a seu turno, alguma discriminação da parte dos outros, em bloco ou individualmente" (IANNI, 1987, p. 187). .

O mesmo se dá com os japoneses, que foram percebidos quando no início do processo imigratório como predestinados ao crime, "à insanidade mental", frios e calculistas (LENHARO, 1986). Hoje ocupam, ainda que estatísticamente tenha sido e sejam uma população muito menor que os negros (cf. Tabela 1), um lugar de destaque2121 Wilson Martins já via positivamente este grupo (1989, p. 157-159). , com praças e outros monumentos, além de contar com atual prefeito Cássio Taniguchi2222 Segundo informações, Cássio Taniguchi, teria sido o pre-ferido de Jaime Lerner, por ser muito mais próximo politica e ideologicamente deste, quando da eleição ganha por Greca. .

No entanto a cidade continua sem espaço para a população negra, esquecida sua memória e sua presença negada. Assim sendo, e essa é só uma das conseqüências, fica o poder público impossibilitado de pensar políticas de inserção desta população que, como em outras regiões do país, amarga as piores condições de vida. Mesmo que a população negra fosse uma "minoria", e esperamos ter demonstrado que não é assim, não seria motivo para ser esquecida. Ao contrário, dever-se-ia atentar para a criação de condições que alçassem esta população ao seu lugar de direito. Esta é a principal violência cometida contra este grupo e certamente a produtora e legitimadora de muitas outras.

Para finalizar, gostaríamos de lembrar como coloca, muito apropriadamente, Bauman que "Num mundo que proclama a formidável capacidade de treinamento e conversão cultural, o racismo isola certa categoria de pessoas que não pode ser alcançada (e portanto não pode ser efetivamente cultivada) [...], devendo pois continuar perpetuamente estranha" (1999, p. 88). E, poderíamos completar, esquecida.

OUTRAS FONTES

Documentos oficiais

CURITIBA, Secretaria da Educação. Lições Curitibanas 4ª Série. Prefeitura Municipal de Curitiba. Secretaria Municipal da Educação-Curitiba: PMC/SMC, 1994 2v: il. Color.

MAPA DA POBREZA. 1996. Departamento de Ciências Sociais/Universidade Federal do Paraná.

MAPA DE RISCO DA VIOLÊNCIA. 1997. Curitiba, CEDEC/IPPUC.

Recebido para publicação em setembro de 1999.

Pedro Rodolfo Bodê de Moraes (pbmoraes@coruja.humanas.ufpr.br/pedromoraes@uol.com.br) é Mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorando em Sociologia no IUPERJ, Professor de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, atualmente, coordenador do Grupo de Estudos da Violência (GEV-UFPR).

Marcilene Garcia de Souza é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante do Grupo de Estudos da Violência (GEV-UFPR).

  • BAUMAN, Z. 1998. Modernidade e holocausto Rio de Janeiro : Jorge Zahar.
  • BOURDIEU, P. 1982. Sistemas de ensino e sistemas de pensamento. In: A economia das trocas simbólicas São Paulo : Perspectiva.
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  • _______. 1996. A força da representação. In: A economia das trocas lingüísticas São Paulo : Edusp.
  • COSTA, M. C. S. & DIGIOVANNI, R. 1991. Antropologia, espaço e cidade: um olhar sobre Curitiba. In: SÁ, C. (org.). Olhar urbano, olhar humano São Paulo : IBRASA.
  • HOBSBAWN, E. & RANGER, T. 1984. A invenção das tradições Rio de Janeiro : Paz e Terra.
  • IANNI, O. 1962. As metamorfoses do escravo São Paulo : Difel.
  • _______. 1987. A situação social do polonês. In: Raças e classe social no Brasil 3Ş ed. São Paulo : Brasiliense.
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  • MAIO, M. & SANTOS R. V. (org.) 1996. Raça, ciência e sociedade Rio de Janeiro : Fiocruz / CCBB.
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  • MARTINS, W. 1995 [1899]. Um Brasil diferente 2Ş ed. São Paulo : T.A.Queiroz.
  • MEUCCI, S. 1994. Jogo eleitoral e identificação: a análise do caso Greca Monografia de graduação. Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal do Paraná, digit.
  • MORAES, P. R. B. de. 1997. O jeca e a cozinheira: raça e racismo em Monteiro Lobato. Re-vista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 8, p. 99-112, jun.
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  • WACHOWICZ, R. 1988. História do Paraná 6Ş ed. Curitiba/PR: Ed.Gráfica Vicentina Ltda.
  • 1
    Versões preliminares deste artigo foram apresentadas como comunicação no Congresso Afro-Brasileiro e no GT Relações Raciais da Anpocs coordenado pelos Profs. Lívio Sansone e Marcia Lima . Agradecemos as sugestões e comentários do Prof. Adriano Nervo Codato.
  • 2
    Chamamos atenção que no plano das ações governamentais e, talvez dele derivado, utiliza-se no senso comum, para nós de forma imprecisa, o termo "etnia" (cf. BOURDIEU, 1996 e POUTIGNAT & STREIFF-FENART, 1998).
  • 3
    Segundo o
    Índice das Condições de Vida (ICV) que segue osprocedimentos metodológicos do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas – que por sua vez é composto por três outros índices, a saber, longevidade, conhecimento (média entre a taxa de alfabetização de adultos [peso 2] e a taxa combinada de matrícula nos ensinos funda-mental, médio e superior [peso 1] e padrão de vida (poder de compra baseado no PIB per capita ajustado ao custo de vida local) – coloca Curitiba em 2o lugar no cenário nacional (antecedido apenas por Porto Alegre/RS).
  • 4
    Cientificamente falando, tais teorias não possuem atualmente o menor valor, mas são muito populares, constitutivas do senso-comum e utilizadas das mais diversas maneiras. A principal e talvez a mais perversa é aquela que coloca negros e mestiços como racialmente inferiores.
  • 5
    Editado pela Prefeitura Municipal e pelo Sindicato de hotéis, restaurantes, bares e similares de Curitiba.
  • 6
    A inscrição informa que o monumento, inaugurado em maio de 1996 pelo Prefeito Rafael Greca, pretende "celebrar a memória do escultor Erbo Stenzel (1911/1980)".
  • 7
    Este "monumento" está localizado em um canto da Praça Santos Andrade, de frente para o Teatro Guaíra. A inscrição,de difícil leitura, na placa informa: "À colônia afro-brasileira – As homenagens dos vereadores de Curitiba que unindo-se às comemorações do Centenário da Abolição destacam a participação dinâmica, una e altamente relevante do negro na comunidade. Com os nomes aqui gravados, que representam os vários segmentos a etnia negra, perpetuamos nosso carinho à colônia afro-brasileira". Segue uma lista de homenageados e de homenagens póstumas, data e responsável, "Curitiba, maio de 1988 – Horácio Rodrigues – Presidente da nona legislatura".
  • 8
    Os autores adeptos da tese da europeização falam do Paraná e não somente de Curitiba. No entanto, esta capital aparecerá como a região que mais claramente representa esta realidade.
  • 9
    Em um trabalho de maior folêgo seria importante comparar um número maior de intelectuais, pois assim teríamos uma visão mais completa do campo intelectual (BOURDIEU, 1982) e as posições relativas destes atores no referido campo.
  • 10
    Um caso exemplar foi o do calendário do Banco do Esta-do do Paraná (Banestado), "Etnias 1997", que tinha como proposta homenagear as "etnias". No calendário figuram as seguintes "etnias": japonesa, italiana, grega, holandesa, israeli-ta, portuguesa, espanhola, suíça, ucraniana, alemã, polonesa, árabes. Grupos de consciência negra questionaram a ausência de negros no calendário e obtiveram da Assessoria Especial da Presidência do banco uma resposta que ilustra, entre ou-tras coisas, a importância destes intelectuais. Em meio a um texto confuso, invoca-se a argumentação de Ruy Wachowicz sobre a pequena presença negra e intensa migração européia.
  • 11
    Este trabalho fez parte de uma pesquisa maior coordenada por Florestan Fernandes que buscava responder a questão sobre como teria se dado a integração do negro na sociedade de classes. Desta pesquisa também participou, estudando o Rio Grande do Sul, Fernando Henrique Cardoso ( cf. CARDOSO, 1977). Devemos salientar que o trabalho de Octavio Ianni é datado e por isso portador de alguns limites inclusive no que diz respeito à caracterização da sociedade escravista. De qualquer forma, é um trabalho importante e, ainda que publicado em 1962, é hoje um dos únicos a tratar com profundidade o tema.
  • 12
    Ainda que Wilson Martins diga que seu trabalho tinha "cunho sociológico", chama atenção, na segunda edição de seu livro em 1985, para os limites de sua abordagem e tenta uma atualização, mas confirmando que de qualquer maneira, "o novo Paraná não desmente nem repudia o anterior [...]" (MARTINS, 1985, p. 02).
  • 13
    Esta informação de Ianni baseada nos relatórios do Mor-gado de Mateus ao Conde Oeiras não é precisa. Informa Ianni que "não se pode atribuir grande margem de segurança à contagem da população que não sabemos como foram realizadas, se se referem apenas a estimativas, nem, ainda, em que condições teriam sido efetuadas". De qualquer forma "há outros indícios que sugerem ser elevada a utilização do escravo nas atividades produtivas e nos serviços" (IANNI, 1962, p. 85).
    14 Não é nossa intenção estabelecer uma discussão sobre as categorias classificatórias do IBGE, ou a metodologia utilizada na pesquisa, mas ela tem sido duramente criticada por, entre outras coisas, não possuir um procedimento eficaz para a contagem da população de afro-descendentes.
  • 15
    O que está em consonância com a forma como, por exemplo, Romário Martins via as manifestações dos negros e por nós já referida neste trabalho.
  • 16
    Pereira, em recente e importante trabalho (1996), considera que para o planalto curitibano é "difícil aplicar [....] conceitos como 'sociedade escravista' ou 'escravocrata' "(p. 59). Ainda que trate do Paraná em geral e o tema escravidão seja secundário, a obra de Pereira demonstra, através de farta documentação, como o escravo e o negro ocuparam um importante lugar na sociedade paranaense e curitibana.
  • 17
    Como diziamos anteriormente, esta argumentação é muito próxima daquelas existentes nos outros estados que compõem a região sul e que disputam com o Paraná o título de mais branco do país. Segundo Leite, para os casos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul "duas especifidades são apontadas": "o negro teve e tem presença rara, inexpressiva ou insignificante" em função da "ausência de um grande sistema escravista", pois "existiriam relações mais democráticas e igualitárias" (LEITE, 1996, p. 40). Pelo menos estes dois argumentos são exatamente os encontrados em Curitiba e no Paraná.
  • 18
    Informa Meucci que "Greca foi engenheiro, vereador e deputado estadual. Era conhecido na cidade pela promoção da tradicional festa de São Francisco ocorrida todos os anos no mês de outubro e pela realização de outros eventos [patrocinados] pela Fundação Cultural de Curitiba. Perten-ce a uma família tradicional cujo pai, imigrante italiano, era também engenheiro proprietário de uma empresa responsá-vel pelo calçamento da cidade.Uma figura simpática, um ar 'bonachão', lançou-se a candidatura por uma coligação en-tre o PDT, PTB e PTR. Coligação esta que foi denominada de
    União Trabalhista em Defesa de Curitiba" (1994, p. 34).
  • 19
    Ianni revela que "ficamos pasmados" ao ouvir de um informante: "Aqui não há negros. O negro do Paraná é o polaco" (1987, p. 181). Outro dito que segundo levantamos era comum em Curitiba era que "o polaco é o negro pelo avesso".
  • 20
    Isto não significa que não exista na cidade uma hierarquia que dispõem as "etnias" como melhores ou piores. Como indica Ianni, é observavel, em Curitiba, uma "discriminação múltipla e entrecruzada", onde "cada grupo sofre, cada um a seu turno, alguma discriminação da parte dos outros, em bloco ou individualmente" (IANNI, 1987, p. 187).
  • 21
    Wilson Martins já via positivamente este grupo (1989, p. 157-159).
  • 22
    Segundo informações, Cássio Taniguchi, teria sido o pre-ferido de Jaime Lerner, por ser muito mais próximo politica e ideologicamente deste, quando da eleição ganha por Greca.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 1999

    Histórico

    • Recebido
      Set 1999
    • Aceito
      Set 1999
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