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Recentralizando a federação?

Re-centralizing the federation?

Recentralisation de la federation?

Resumos

Este trabalho discute os movimentos contraditórios no sentido da descentralização e da centralização examinando dois conjuntos de políticas: as que trataram de regular as relações fiscais entre os governos nacional e subnacionais e aquelas que redefiniram as responsabilidades no tocante à provisão de alguns serviços sociais. Sustenta-se aqui que, do ponto de vista das relações intergovernamentais, a federação brasileira é um arranjo complexo em que convivem tendências centralizadoras e descentralizadoras, impulsionadas por diferentes forças, com motivações diversas, produzindo resultados variados.

centralização; descentralização; democratização; relações fiscais; serviços sociais


This paper discusses contradictory movements in centralization and de-centralization by examining two groups of policies: those that are meant to regulate fiscal relations between national and subnational governments and those that have redefined responsibilities relating to the provision of certain social services. It is maintained here that, from the point of view of inter-governmental relations, the Brazilian federation is a complex arrangement within which centralizing and de-centralizing tendencies co-exist, impelled by different forces, responding to different motivations and producing a variety of results.

centralization; de-centralization; democratization; fiscal relations; social services


Ce travail discute des mouvements contradictoires concernant la décentralisation et la centralisation et examine deux ensembles de politiques: celles qui ont tâché de réglementer les relations fiscales entre les gouvernements national et sousnationaux et celles qui ont redéfini les responsabilités en ce qui concerne la provision de certains services sociaux. On prône ici que, du point de vue des relations entre les gouvernements, la fédération brésilienne est un arrangement complexe où cohabitent des tendances centralisatrices et décentralisatrices, poussées par différents forces, aux motivations diverses et qui produisent des résultats variés.

centralisation; décentralisation; démocratisation; relations fiscales; services sociaux


DOSSIÊ "FEDERALISMO"

Recentralizando a federação?1 1 Este artigo apresenta resultados parciais da pesquisa Democracia, política e governo local, Projeto Temático Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulão (Fapesp) n. 2001/13773-0. Em sua primeira versão, que levou o título de Decentralization and Centralization in a Federal System: The Case of Democratic Brazil, foi apresentado na Reunião Anual da American Political Science Association de 2003, realizada em agosto desse ano na Filadélfia.

Re-centralizing the federation?

Recentralisation de la federation?

Maria Hermínia Tavares de Almeida

RESUMO

Este trabalho discute os movimentos contraditórios no sentido da descentralização e da centralização examinando dois conjuntos de políticas: as que trataram de regular as relações fiscais entre os governos nacional e subnacionais e aquelas que redefiniram as responsabilidades no tocante à provisão de alguns serviços sociais. Sustenta-se aqui que, do ponto de vista das relações intergovernamentais, a federação brasileira é um arranjo complexo em que convivem tendências centralizadoras e descentralizadoras, impulsionadas por diferentes forças, com motivações diversas, produzindo resultados variados.

Palavras-chave: centralização; descentralização; democratização; relações fiscais; serviços sociais.

ABSTRACT

This paper discusses contradictory movements in centralization and de-centralization by examining two groups of policies: those that are meant to regulate fiscal relations between national and subnational governments and those that have redefined responsibilities relating to the provision of certain social services. It is maintained here that, from the point of view of inter-governmental relations, the Brazilian federation is a complex arrangement within which centralizing and de-centralizing tendencies co-exist, impelled by different forces, responding to different motivations and producing a variety of results.

Keywords: centralization; de-centralization; democratization; fiscal relations; social services.

RÉSUMÉ

Ce travail discute des mouvements contradictoires concernant la décentralisation et la centralisation et examine deux ensembles de politiques: celles qui ont tâché de réglementer les relations fiscales entre les gouvernements national et sousnationaux et celles qui ont redéfini les responsabilités en ce qui concerne la provision de certains services sociaux. On prône ici que, du point de vue des relations entre les gouvernements, la fédération brésilienne est un arrangement complexe où cohabitent des tendances centralisatrices et décentralisatrices, poussées par différents forces, aux motivations diverses et qui produisent des résultats variés.

Mots-cles: centralisation; décentralisation; démocratisation; relations fiscales; services sociaux.

I. INTRODUÇÃO

Estaria a federação brasileira passando por um processo de recentralização, depois de uma década e meia de experiência descentralizadora? Não são poucos os estudiosos que têm respondido afirmativamente a essa pergunta.

A descentralização foi um tema central da agenda da democratização, nos anos 1980, como reação à concentração de decisões, recursos financeiros e capacidade de gestão no plano federal, durante aos 20 anos de autoritarismo burocrático. Nessas circunstâncias, a descentralização foi defendida tanto em nome da ampliação da democracia quanto do aumento da eficiência do governo e da eficácia de suas políticas. Supunha-se que o fortalecimento das instâncias subnacionais, em especial dos municípios, permitiria aos cidadãos influenciar as decisões e exercer controle sobre os governos locais, reduzindo a burocracia excessiva, o clientelismo e a corrupção.

No crepúsculo do autoritarismo, estabeleceu-se um consenso entre os formadores de opinião e os movimentos sociais, bem como entre políticos estaduais e locais acerca das virtudes da descentralização de recursos fiscais e de responsabilidades governamentais.

Entretanto, o andamento da descentralização não foi nem simples nem linear. Tendências centralizadoras poderosas também estiveram presentes, aumentando a complexidade do processo de redefinição das relações intergovernamentais.

Este trabalho discute os movimentos contraditórios no sentido da descentralização e da centralização examinando dois conjuntos de políticas: as que trataram de regular as relações fiscais entre os governos nacional e subnacionais e aquelas que redefiniram as responsabilidades no tocante à provisão de alguns serviços sociais.

Sustenta-se aqui que do, ponto de vista das relações intergovernamentais, a federação brasileira é um arranjo complexo em que convivem tendências centralizadoras e descentralizadoras, impulsionadas por diferentes forças, com motivações diversas, produzindo resultados variados.

Os dois conjuntos de políticas propiciam um ângulo privilegiado de observação das relações entre esferas de governo e das tendências que as movimentaram nas últimas duas décadas. Com efeito, a concentração de recursos fiscais na esfera federal foi a marca do autoritarismo burocrático no Brasil. De outra parte, desde os anos 1930, o crescimento da ação do governo no domínio social correu paralelo à centralização política e à concentração de poderes no poder Executivo federal. Mais do que isso, o sistema de proteção social brasileiro foi criado, expandiu-se e adquiriu seus traços centrais durante os dois ciclos de autoritarismo, sob Vargas (1930-1945) e sob os militares (1964-1984). Em conseqüência, as políticas sociais estiveram associadas ao crescimento da atividade da administração federal. Elas foram marcadas por concepções autoritárias materializadas na predominância das agências do Executivo federal, dos procedimentos fechados de tomada de decisões e da gestão feita por burocracias centrais.

Dessa forma, no Brasil pós-autoritário, a redefinição de competências e atribuições entre esferas de governo disse respeito sobretudo - ainda que não exclusivamente - às políticas e programas sociais. É aqui, portanto, que os dilemas envolvidos no processo podem ser observados com mais clareza.

De outra parte, o federalismo fiscal constitui a espinha dorsal das relações intergovernamentais. A forma como os recursos fiscais e parafiscais são gerados e distribuídos entre os diferentes níveis de governo definem, em boa medida, as feições da federação.

Na primeira parte do trabalho, procederemos à revisão de algumas questões analíticas relacionadas à centralização/descentralização em sistemas federais. Na segunda, analisamos as tendências à descentralização e recentralização nas relações fiscais entre o governo nacional e as unidades subnacionais. Na terceira, examinamos as características do processo de redefinição das responsabilidades governamentais nas áreas de educação, saúde e assistência social. Finalmente, apresentamos algumas conclusões.

II. FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO

Entenderemos por descentralização a "transferência de autoridade e responsabilidade, no que diz respeito a funções públicas, do governo central para governos locais ou intermediários, para organizações governamentais semi-independentes e/ou para o setor privado" (WORLD BANK, 2002)2 2 Tradução da autora. .

Descentralização é um termo ambíguo, que vem sendo usado indistintamente para descrever vários graus e formas de mudança no papel do governo nacional por meio de: a) transferência de capacidades fiscais e de decisão sobre políticas para autoridades subnacionais; b) transferência para outras esferas de governo de responsabilidades pela implementação e gestão de políticas e programas definidos no nível federal e c) deslocamento de atribuições do governo nacional para os setores privado e não-governamental3 3 Beer (1988, p. XV) denomina essas diversas modalidades de descentralização, respectivamente, de realocação, consolidação e devolução. .

Contudo, cada uma dessas formas tem conseqüências diferentes para as relações intergovernamentais. A segunda modalidade é perfeitamente compatível com elevada concentração de decisões no nível federal4 4 Esse foi o modelo do setor de habitação durante o regime militar. . De fato, no que diz respeito às políticas sociais, ela ocorre mesmo em federações bastante centralizadas. Já a primeira e a terceira modalidades supõem uma redefinição mais ampla do raio de ação do governo nacional, no primeiro caso, e uma redução da atividade de todas as esferas de governo, no terceiro.

De outra parte, não há porque imaginar que a descentralização suponha inexoravelmente redução da importância do governo nacional, que pode expandir-se para novos campos de ação ou assumir novos papéis normativos, reguladores ou redistributivos coetâneos com o aumento das responsabilidades dos governos subnacionais, das organizações privados ou não-governamentais5 5 A evidência empírica parece indicar que o crescimento dos governos, em diferentes níveis, não tem sido um jogo de soma-zero ((GOLDSMITH & NEWTON, 1988, p. 359-360). .

Centralização e descentralização têm diferentes significados e diferentes conseqüências em estados unitários ou em sistemas federativos. A relação entre federalismo e descentralização, em termos conceituais e empíricos, está longe de ser simples e incontroversa.

William Riker (1975) descreve a formação de sistemas federativos como um processo de centralização política. Atores racionais - indíviduos e/ou unidades políticas - aliam-se e entram em acordo para formar um governo central, que absorverá algumas das prerrogativas políticas previamente pertencentes às unidades constitutivas da federação6 6 Stepan (1999) criticou essa definição argumentando que pode haver duas lógicas diferentes na organização das federações: juntar e manter junto. A centralização política ocorre apenas no primeiro caso, considerado paradigmático por Riker. . Riker acrescenta que a única classificação possível das federações é aquela que toma em consideração o grau em que "o locus real de tomada de decisão muda dos governos constituintes para o governo nacional" (idem, p. 132).

Por seu turno, Elazar (1987, p. 35-36) considera que as federações são estruturas não-centralizadas, característica que as diferencia de estruturas estatais descentralizadas7 7 "Não-centralização não é o mesmo que descentralização, apesar de este último ter sido erroneamente usado no lugar do primeiro para descrever os sistemas federais. Descentralização implica a existência de uma autoridade central, um governo central que pode descentralizar ou recentralizar de acordo com sua vontade [...]. Em um sistema político não-centralizado, o poder é difuso e não pode ser legitimamente centralizado ou concentrado sem romper a estrutura e o espírito da Constituição. Os sistemas federais clássicos [...] são sistemas não-centralizados. Todos têm um governo geral, ou nacional, um governo que tem poder em muitas áreas e com muitos propósitos, mas não um governo central que controla todas as linhas de comunicação e de decisão política. Em todos os sistemas não-centralizados, estados, cantões ou províncias não são criaturas do governo federal. Com este último, derivam sua autoridade diretamente do povo. Estruturalmente, eles são substancialmente imunes à interferência federal. Funcionalmente, eles compartilham muitas atividades com o governo federal, sem perder seu papel de formulação política e seus poderes de decisão. Para usar um outro tipo de imagem, a descentralização implica hierarquia - uma pirâmide de governos em que o poder flui do topo para a base - ou do centro para a periferia [...]. A não-centralização é melhor conceituada como uma matriz de governos com poder distribuído de tal forma que a ordem dos governos não é fixa" (ELAZAR, 1987, p. 35-36). . Na mesma direção, Vincent Ostrom (1994, p. 225) sugere que o policentrismo é - e deve ser - a forma de organização adequada a uma federação democrática8 8 "[...] Um sistema político policêntrico seria composto por: (1) muitas unidades autônomas formalmente independentes umas das outras, (2) que escolhem atuar de maneira a tomar em consideração umas às outras, (3) por meio de processos de cooperação, competição, conflito e resolução de conflito. A resolução de conflito não precisa depender de mecanismos centrais [...]. Mecanismos não-centralizados de resolução de conflito também existem". .

Elazar e Ostrom buscaram captar o traço específico da organização política federativa em contraste com o estado unitário. Nesse sentido, sua definição de federação é mais precisa do que aquela proposta por Riker. Entretanto, ela parece mais adequada para nomear o tipo de arranjo federativo conhecido como federalismo dual. Esse federalismo dual correspem que ao modelo norte-americano original - simultaneamente descritivo e prescritivo - em que "os poderes dos governos geral e estadual, mesmo quando existem no interior dos mesmos limites territoriais, constituem soberanias distintas e separadas, que agem em separado e com independência, nas esferas que lhes são próprias" (ACIR, 1981, p. 3)9 9 É um modelo adequado para descrever o arranjo federativo característico da I República (1891-1930), no Brasil. .

As federações contemporâneas, em boa medida, não cabem mais no modelo de federalismo dual. Elas são melhor descritas por um dos dois modelos da tipologia baseada na natureza das relações intergovernamentais: o federalismo centralizado e o federalismo cooperativo. Ambos tratam de capturar as transformações do arranjo dual, em decorrência da expansão do escopo dos governos, em geral, e do governo federal, em particular. O primeiro é o federalismo centralizado, quando estados e governos locais quase se transformam em agentes administrativos de um governo nacional com grande envolvimento nos assuntos subnacionais, predomínio nos processos de decisão e no controle dos recursos financeiros10 10 Nesse caso, é difícil definir os limites empíricos e conceituais que distinguem o federalismo de estados unitários descentralizados. Como observou Carl Friederich (1968, p. 223), "a expansão da cooperação efetiva entre agências federais e estaduais obscurece as diferenças entre um arranjo federativo com fortes controles centrais e um governo descentralizado, como o da Inglaterra, de tal forma que há poucos anos era possível prever o dia em que o caráter do estado mudaria ou transformar-se-ia em uma espécie de unidade administrativa responsável pela implementação de planos e políticas federais". . O segundo é o federalismo cooperativo, caracterizado por formas de ação conjunta entre esferas de governo, em que as unidades subnacionais mantêm significativa autonomia decisória e capacidade de autofinanciamento11 11 Riker (1975, p. 104) observa que "[...] função após função, não, há de fato, divisão de autoridades entre os governos constituintes e o centro, mas, antes, mistura". . Esse é um arranjo complexo que pode combinar as duas primeiras acepções de descentralização discutidas anteriormente, ou seja, pode ser mais ou menos centralizado.

Finalmente, é importante levar em consideração que, apesar de um certo grau de centralização caracterizar as formas existentes de federação, todas possuem mecanismos que impedem sua transformação em estado unitário. Em outras palavras, sob regime democrático, as federações possuem um desenho institucional que multiplica pontos de veto e assegura algum grau de não-centralização (TSEBELIS, 1995; TSEBELIS & MONEY, 1997; GIBSON, 2004).

Em resumo, nem a definição de Elazar nem a de Riker parecem completamente satisfatórias para pensar o federalismo contemporâneo. Há mais do que não-centralização nas federações existentes na atualidade. Por outro lado, o critério de graus de centralização para classificá-las parece simplificar demais as possibilidades institucionais que resultam da cooperação entre esferas de governo.

No caso da federação brasileira remodelada pela Constituição de 1988, o modelo cooperativo adotado combinou a manutenção de áreas próprias de decisão autônoma das instâncias subnacionais; descentralização no sentido forte de transferência de autonomia decisória e de recursos para os governos subnacionais e a transferência para outras esferas de governo de responsabilidades pela implementação e gestão de políticas e programas definidos no nível federal. Em conseqüência, a avaliação dos rumos do federalismo brasileiro, em termos da polaridade descentralização-recentralização, deve levar em conta a complexidade desse arranjo cooperativo e as formas distintas que assumem as relações governamentais em diferentes áreas de políticas públicas.

III. FEDERALISMO FISCAL NO BRASIL DEMOCRÁTICO12 12 Esta seção utiliza em larga medida informações e análises de Afonso e Melo (2000) e Rezende e Afonso (2002).

A Constituição de 1988 traduziu o anseio por descentralização compartilhado pelas forças democráticas predominantes. A federação foi redesenhada em benefício dos estados e, sobretudo, dos municípios, transformados em entes federativos (SELCHER, 1989; LEME, 1994; SOUZA, 1997; MELLO, 2005).

Embora a força de governadores e prefeitos tenha crescido de modo significativo, durante a transição do autoritarismo para a democracia, a existência de normas constitucionais favorecendo a descentralização não pode ser explicada apenas por sua influência direta. Os governadores foram ativos durante os trabalhos da Constituinte, assim como o foram os prefeitos, suas associações e seus assessores. De outra parte, cerca de metade dos constituintes ocuparam previamente postos nos governos e/ou assembléias subnacionais13 13 De acordo com Rodrigues (1987, p. 49-62), 21% dos constituintes haviam sido vereadores e 37%, deputados estaduais, enquanto 15% tinham experiência prévia em administrações municipais e 36%, em administrações estaduais. . Mas o apoio à descentralização era mais amplo e incluía as forças políticas mais importantes, tivessem ou não relação com interesses subnacionais. Democracia com descentralização era uma idéia-força e como tal tinha gravitação própria.

Em conseqüência das novas normas constitucionais, o poder de taxação dos estados foi ampliado para incluir petróleo, produtos minerais, transportes e telecomunicações. Os recursos fiscais foram redistribuídos em prejuízo do governo federal, dado o crescimento das receitas compartilhadas com estados e municípios. As receitas transferidas dos estados para os municípios também se expandiram. Em 1985, o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) chegavam respectivamente a 14% e 16% das receitas federais provenientes de impostos. Em 1993, eles atingiram 21,5% e 22,5%. Ademais, 10% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foi destinado a um fundo de compensação para os estados que deixaram de taxar suas exportações de manufaturados e 3% do Imposto de Renda e do IPI foram alocados em um fundo de desenvolvimento regional, que deveria apoiar projetos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.

Assim, depois de 1988, a descentralização de recursos fiscais beneficiou estados e sobretudo municípios. A Tabela 1 e os gráficos 1 e 2 mostram essa mudança de distintas maneiras. Ademais, como mostraram Afonso e Lobo (1996), a descentralização implicou também redistribuição entre regiões, em benefício dos estados e municípios mais pobres.



Contudo, a Constituição de 1988, que ampliou a porção das receitas fiscais da União compartilhadas com os governos subnacionais, também permitiu a expansão dos recursos do governo federal por meio da contribuições sociais, cujo objetivo deveria ser o financiamento das políticas sociais. Nos anos 1990, os recursos não partilhados, à disposição da União, foram aumentados com a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), posteriormente tornada permanente. Estabeleceu-se, assim, um regime fiscal dual (REZENDE & AFONSO,2002, p. 11), que compatibilizou a descentralização fiscal com a manutenção do gasto público federal em níveis elevados. Na verdade, ao longo dos anos 1990, as contribuições sociais foram o mecanismo de compensação do governo federal pela perda de receitas resultante da descentralização, como se observa no Gráfico 3. As contribuições sociais, que em 1980 significavam 4,9% das receitas do governo federal, atingiram 20% em 2000.


O crescimento das contribuições sociais não é evidência de recentralização, como afirmam alguns analistas. Ele é antes expressão da dificuldade em alterar o padrão da descentralização fiscal estabelecido pela Constituição de 1988. O governo federal expandiu as contribuições sociais porque tinha dificuldades em reduzir significativamente, em seu benefício, a parcela de receitas tributárias compartilhadas com estados e municípios.

Entretanto, na segunda metade da década de 1990, a capacidade real de os governos subnacionais exercerem plenamente a autonomia fiscal, assegurada pela Constituição, sofreu restrições14 14 Para uma discussão interessante sobre o tema, ver Souza (2002). . Ela resultou de dois movimentos do governo federal. O primeiro foi motivado pela forma como se tratou de enfrentar as restrições macro-econômicas associadas à estabilização da moeda, depois do Plano Real. O segundo foi conseqüência dos esforços para garantir recursos aos programas sociais.

A negociação das dívidas estaduais constituiu um componente central da estratégia bem-sucedida de combate à inflação. No período de inflação alta, os governos estaduais praticaram políticas fiscais frouxas; o endividamento dos estados cresceu de modo continuado. Apesar de três rodadas de negociações com o governo federal, entre 1989 e 199315 15 Para uma boa descrição dessas negociações, ver Rezende e Afonso (2002, p. 18). , à época do Plano Real, a situação dos estados, inclusive dos bancos estaduais, era dramática16 16 O próprio Plano Real contribuiu para agravá-la, em virtude da política de juros altos que incidia sobre as dívidas dos estados. .

A convicção de que estados e municípios tendiam a pegar carona nos esforços federais de estabilização da moeda alimentou a sabedoria convencional sobre a suposta incompatibilidade entre federalismo descentralizado e austeridade fiscal. Começou a ganhar força, entre analistas e os decisores federais, a idéia de que a autonomia dos governos subnacionais - especialmente a autonomia para definir despesas e alocar recursos - deveria ser restringida ou controlada17 17 Ver, por exemplo, a discussão de Abrucio sobre "federalismo predatório" (ABRUCIO, 1998; 2001) e, também, Mora e Varsano (2001). . O consenso anterior sobre as virtudes da descentralização, de alguma forma, perdeu força sob a pressão da urgência de ajustar a economia e estabilizar a moeda.

Durante o governo Cardoso, os termos da negociação da dívida dos estados mudaram radicalmente. Em novas rodadas de negociação, o governo federal terminou impondo condições restritivas. Com o objetivo de ajustar as contas estaduais, foram estabelecidas "metas de endividamento total, superávit primário, gasto com salários, arrecadação de impostos e privatização de empresas estaduais" (REZENDE & AFONSO, 2002, p.15)18 18 Para uma boa discussão do tema, ver Rigolon e Giambiagi (1999). . A perda de controle de muitos estados sobre seus bancos foi uma das conseqüências desse processo.

À negociação das dívidas estaduais seguiu-se a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), proposta pelo Executivo federal e votada pelo Congresso em 2000. A LRF foi uma resposta específica - e centralizadora - ao desafio de coordenar o comportamento fiscal dos governos em um sistema federativo, evitando o free-riding19 19 "Caronismo" (nota do revisor). nos níveis subnacionais. Seu objetivo foi garantir disciplina fiscal em todos os níveis de governo, mas as restrições que impôs aos estados e municípios foram significativas20 20 Rezende e Afonso resumiram suas principais disposições: "a) limites para despesa com pessoal - a remuneração dos servidores públicos não poderá exceder 60% das receitas líquidas correntes; b) limites de endividamento - o Senado Federal deve aprovar a revisão dos limites presentes por proposta do Presidente da República; c) metas fiscais anuais - o planejamento orçamentário deve olhar para frente,estabelecendo metas fiscais por três anos consecutivos; "d) provisão para despesas recorrentes - as autoridades públicas não podem tomar iniciativas que criem despesas futuras para mais de dois anos, sem indicar a fonte de financiamento ou cortes compensatórios de outras despesas; e) disposição especial para anos eleitorias - a lei proibe governadores e prefeitos, que estão em seu último ano de mandato, antecipar receitas tributárias por meio de empréstimos de curto prazo, dar reajustes salariais ou contratar novos servidores públicos". . Apesar de restringir também o governo federal, a nova lei inegavelmente significou limitação, por meio de lei federal, da autonomia de estados e municípios na alocação de suas receitas. Cabe lembrar que a LRF foi uma escolha entre modelos possíveis de legislação visando a coordenar a ação fiscal dos governos em um sistema federativo. A experiência internacional mostra que há alternativas, como, por exemplo, dar incentivos federais para que os estados definam suas próprias normas de responsabilidade fiscal (WEBB, 2003).

A segunda forma de limitação da autonomia de gasto dos governos subnacionais resultou de regras voltadas a garantir a regularidade, a estabilidade ou o uso adequado dos recursos destinados a programas sociais.

No período de inflação alta e grande instabilidade econômica, a preocupação com a eficiência das políticas sociais favoreceu a opção pela vinculação de receitas e de transferências intergovernamentais para gastos sociais específicos. Mesmo antes da Constituição de 1988, o Congresso Nacional aprovou a vinculação para gastos com educação na razão de 18% e 25%, respectivamente, das receitas tributárias líquidas do governo federal e de estados e municípios. Em 2000, o Congresso Nacional aprovou a vinculação para a saúde de 12% da receita tributária líquida do governo federal.

De outra parte, o governo federal transfere a estados e, especialmente, municípios recursos vinculados a programas sociais específicos, com freqüência sob a forma de fundos regidos por normas rigorosas de utilização e dispêndio. Essas transferências sustentam a trama complexa de relações intergovernamentais, por meio das quais se dá a provisão de serviços sociais básicos como saúde, educação, assistência social21 21 Sobre o tema, ver Arretche (2003). . É o que veremos a seguir.

IV. AS POLÍTICAS SOCIAIS NA NOVA FEDERAÇÃO

A redefinição de competências e atribuições na esfera social, tratadas neste trabalho, foi parte de um processo de transformação de um modelo de federação centralizada para um tipo de federalismo cooperativo. Nesse sentido, implicou um processo de descentralização diverso daqueles que podem ocorrer em estados unitários. Ele significou a transformação das funções exercidas pelo governo federal e implicou, conforme o caso, processos de realocação de competências e atribuições dos três tipos discutidos anteriormente. Em alguns casos, transferiu-se a governos subnacionais a prerrogativa de decidir o conteúdo e o formato das políticas. Em outros, estados e municípios tornaram-se responsáveis pela execução e gestão de políticas e programas definidos em nível federal. Finalmente, governos transferiram a organismos não-estatais a provisão de serviços sociais.

Para as forças que empurraram a democratização a descentralização significava essencialmente o fortalecimento dos governos municipais. Estes, na medida do possível, deveriam arcar com a responsabilidade da provisão dos serviços sociais. Nesse sentido, a descentralização significou quase sempre municipalização. No que respeita à atuação social, a reforma da federação deixou os estados sem atribuições claras.

No terreno das políticas sociais, a Constituição apontava para uma modalidade de federalismo cooperativo, caracterizado pela existência de funções compartilhadas entre as diferentes esferas de governo e pelo "fim de padrões de autoridade e responsabilidade claramente delimitados" (ACIR, 1981, p. 4).

A nova Carta estabeleceu competências comuns para União, estados e municípios nas áreas de saúde, assistência social, educação, cultura, habitação e saneamento, meio ambiente, proteção do patrimônio histórico, combate à pobreza e in-tegração social dos setores desfavorecidos e educação para o trânsito. Legislação complementar deveria definir as formas de cooperação entre os três níveis de governo (BRASIL, 1988, art. 23).

Atribuíram-se competências legislativas concorrentes22 22 A União tem competência para estabelecer normas gerais que podem ser complementadas por legislação estadual. Na ausência de legislação federal, os Estados exercem competência legislativa plena. aos governos federal e estaduais em uma ampla gama de áreas: proteção ao meio ambiente e aos recursos naturais; conservação do patrimônio cultural, artístico e histórico; educação, cultural e esportes; juizado de pequenas causas; saúde e previdência social; assistência judiciária e defensoria pública; proteção à infância, à adolescência e aos portadores de deficiências e organização da polícia civil (idem, art. 24).

Além de criar competências concorrentes e comuns, e de estabelecer um extenso rol de direitos sociais, a Constituição de 1988 contém um capítulo sobre a ordem social em que se define o perfil da seguridade social, educação, cultura, esportes e ciência e tecnologia23 23 Foi estabelecida uma concepção ampla de seguridade social incluindo a previdência social, a atenção a saúde e a assistência social e contando com um orçamento próprio financiado por recursos orçamentários do governo federal, estados e municípios; pela contribuição previdenciária paga por empresas e empregados; e recursos provenientes de loterias. . A atenção à saúde recebeu tratamento minucioso, com o definição das linhas gerais de um sistema único24 24 Anteriormente, os serviços de saúde eram prestados pelos governos federal, estaduais e municipais, por meio de redes próprias que constituíam três sistemas independentes. O SUS instaurou um sistema único, com responsabilidades definidas para cada nível de governo. A atenção básica e formas mais complexas de atendimento deveriam progressivamente tornar-se atribuições municipais; enquan to caberia aos estados supervisionar os sistemas municipais, apoiar a descentralização e prover serviços, de forma supletiva, nos municípios que ainda não possuíssem capacidade de fazê-lo. Ao governo federal caberiam funções de regulação e financiamento do sistema. e descentralizado - o Sistema Único de Saúde (SUS) - assentado em uma clara concepção de cooperação entre as três esferas de governo.

Durante os anos 1990, extensa produção legislativa - além de normas no âmbito ministerial - foi dando conteúdo aos princípios constitucionais. Longe de ser uma política coerente, a descentralização foi um processo longo e espasmódico. Seu êxito dependeu da disposição de ministérios e agências federais de abrir mão de capacidade decisória e recursos; de sua capacidade de negociação e de inovação institucional criando incentivos adequados para convencer os municípios a assumir novas responsabilidades e da existência de experiência administrativa prévia nos governos locais.

Ainda que a tendência geral fosse na direção do aumento das responsabilidades dos governos locais, nos marcos do federalismo cooperativo a descentralização significou coisas diferentes e ocorreu em ritmos diferentes, de acordo com o desenho específico de cada política, com a distribuição prévia de competências e de recursos entre as três esferas de governo25 25 As principais inovações institucionais, que propiciaram incentivos adequados à transferência de responsabilidades, foram estabelecidas pela Lei Orgânica da Saúde (1990), e especialmente a Norma Operacional Básica n.1 (NOB 01/1996) e a Norma Operacional de Assistência à Saúde n.1 (NOAS 01/2001); o Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), estabelecido por emenda constitucional e lei federal em 1997, e a Lei Orgânica da Previdência Social (1993). Ver Arretche (2000) e Almeida (2002). .

O Quadro 1 sintetiza as informações sobre a descentralização da educação fundamental, atenção básica à saúde e assistência social. Ele revela padrões muito diferentes de relacionamento entre as esferas de governo em cada caso.


Na área da saúde, o governo federal está no centro do arranjo cooperativo: detém o controle do processo decisório, definindo o formato da cooperação e a destinação dos recursos transferidos. Os municípios são executores e gestores de uma política definida no plano federal.

Na educação básica, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) é um instrumento poderoso de influência do governo federal sobre a municipalização do ensino fundamental, mas estados e municípios, ao longo do tempo, tiveram políticas próprias, alicerçados no controle sobre recursos de seus próprios orçamentos.

Na assistência social, os governos federal e estaduais são quase exclusivamente repassadores de recursos, fundo a fundo, para os municípios que possuem significativa autonomia decisória e uma teia de relações com organismos não-governamentais prestadores de serviços26 26 O governo Lula tem ensaiado mudanças na área, anunciando sua disposição de fazer um "SUS para a Assistência Social", o que poderia implicar maior ativismo do governo federal e menor autonomia para os municípios. .

Por outro lado, desde os anos 1990, uma nova geração de políticas sociais - programas focalizados de transferência direta de renda - ganharam importância. De início, eles surgiram como iniciativa de governos locais, em algumas cidades médias e capitais de estados27 27 O primeiro programa de renda mínima foi estabelecido em Campinas, sob administração do PSDB. Entretanto, a experiência foi disseminada por administrações petistas e transformou-se em uma das principais bandeiras do PT. . Todavia, depois de 1998, o governo Cardoso criou seis diferentes programas focalizados de transferência de renda, todos centralizados no governo federal, ainda que sob responsabilidade de diferentes ministérios. A criação desses programas significou uma ruptura com o modelo prévio de federalismo cooperativo, predominante na área social, e uma volta clara à formas centralizadas de prestação de benefícios sociais. A justificativa da centralização, de acordo com autoridades federais, era a busca de formas eficientes de enfrentar a pobreza extrema, evitando a instrumentalização clientelista dos programas pelas elites locais.

A experiência fracassada do Programa Fome Zero e a unificação dos seis maiores programas da era Cardoso no Bolsa-Família, gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social, mostra a opção do governo Lula pela permanência de um modelo centralizado na área das políticas de transferência direta de renda.

Em resumo, enquanto arranjos com diferentes graus de descentralização e a cooperação intergovernamental predominam nas áreas tradicionais de política social, as novas iniciativas dirigidas aos segmentos mergulhados na pobreza extrema re-introduziram a centralização da decisão, recursos e implementação na esfera federal.

V. CONCLUSÕES

O Brasil é hoje uma federação mais descentralizada do que fôra sob o autoritarismo burocrático. A democratização trouxe consigo um movimento de idéias e interesses a favor da descentralização. Partidos e lideranças políticas que se opuseram ao governo dos militares consideravam a descentralização uma dimensão importante do sistema democrático. De outra parte, interesses subnacionais revelaram-se forças poderosas durante a transição do autoritarismo para a democracia. Governadores de partidos oposicionistas foram importantes para minar o poder dos militares depois de 1982. Prefeitos e políticos locais também foram importantes na construção dos alicerces dos partidos que construíram a democracia.

Todavia, a idéia de que é no centro do sistema político que se pode discernir com mais nitidez as soluções mais adequadas dos problemas da agenda pública é uma representação arraigada das elites políticas, burocráticas e profissionais no país. Ela não é típica de um partido em particular, mas pode ser encontrada, em maior ou menor grau, em todos os que ocuparam o governo federal por mais favoráveis à descentralização que fossem seus discursos e suas plataformas políticas.

Assim, tendências descentralizadoras e impulsos centralizadores materializaram-se em instituições que fizeram da federação um arranjo cooperativo complexo, no qual governo federal, estados e municípios articularam-se de maneiras diversas nas diferentes áreas de ação governamental.

O governo federal foi importante na criação dos mecanismos que possibilitaram o redesenho das relações intergovernamentais para o provimen to de serviços sociais. Ele foi também crucial para alcançar e garantir a estabilidade da moeda e algum equilíbrio fiscal, ainda que frágil. As escolhas de políticas fiscais e sociais, em alguns casos, circunscreveram a autonomia de estados e municípios. Mas elas não são suficientes para avalizar o diagnóstico de que está em curso um processo de recentralização. A tensão entre impulsos centralizadores e descentralizantes é constitutiva e sempre presente nas relações intergovernamentais na federação brasileira e produz diferentes resultados de acordo com a questão de política pública em pauta.

OUTRAS FONTES

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http://www.stn.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental /

gestao_orcamentaria.asp

Recebido em 10 de dezembro de 2004

Aprovado em 18 de maio de 2005

Maria Hermínia Tavares de Almeida (mhbtdalm@usp.br) é Pós-doutora em Ciência Política pela University of California e Professora Titular do Departamento de Ciência Política e do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

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  • 1
    Este artigo apresenta resultados parciais da pesquisa
    Democracia, política e governo local, Projeto Temático Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulão (Fapesp) n. 2001/13773-0. Em sua primeira versão, que levou o título de
    Decentralization and Centralization in a Federal System: The Case of Democratic Brazil, foi apresentado na Reunião Anual da American Political Science Association de 2003, realizada em agosto desse ano na Filadélfia.
  • 2
    Tradução da autora.
  • 3
    Beer (1988, p. XV) denomina essas diversas modalidades de descentralização, respectivamente, de realocação, consolidação e devolução.
  • 4
    Esse foi o modelo do setor de habitação durante o regime militar.
  • 5
    A evidência empírica parece indicar que o crescimento dos governos, em diferentes níveis, não tem sido um jogo de soma-zero ((GOLDSMITH & NEWTON, 1988, p. 359-360).
  • 6
    Stepan (1999) criticou essa definição argumentando que pode haver duas lógicas diferentes na organização das federações: juntar e manter junto. A centralização política ocorre apenas no primeiro caso, considerado paradigmático por Riker.
  • 7
    "Não-centralização não é o mesmo que descentralização, apesar de este último ter sido erroneamente usado no lugar do primeiro para descrever os sistemas federais. Descentralização implica a existência de uma autoridade central, um governo central que pode descentralizar ou recentralizar de acordo com sua vontade [...]. Em um sistema político não-centralizado, o poder é difuso e não pode ser legitimamente centralizado ou concentrado sem romper a estrutura e o espírito da Constituição. Os sistemas federais clássicos [...] são sistemas não-centralizados. Todos têm um governo geral, ou nacional, um governo que tem poder em muitas áreas e com muitos propósitos, mas não um governo central que controla todas as linhas de comunicação e de decisão política. Em todos os sistemas não-centralizados, estados, cantões ou províncias não são criaturas do governo federal. Com este último, derivam sua autoridade diretamente do povo. Estruturalmente, eles são substancialmente imunes à interferência federal. Funcionalmente, eles compartilham muitas atividades com o governo federal, sem perder seu papel de formulação política e seus poderes de decisão. Para usar um outro tipo de imagem, a descentralização implica hierarquia - uma pirâmide de governos em que o poder flui do topo para a base - ou do centro para a periferia [...]. A não-centralização é melhor conceituada como uma matriz de governos com poder distribuído de tal forma que a ordem dos governos não é fixa" (ELAZAR, 1987, p. 35-36).
  • 8
    "[...] Um sistema político policêntrico seria composto por: (1) muitas unidades autônomas formalmente independentes umas das outras, (2) que escolhem atuar de maneira a tomar em consideração umas às outras, (3) por meio de processos de cooperação, competição, conflito e resolução de conflito. A resolução de conflito não precisa depender de mecanismos centrais [...]. Mecanismos não-centralizados de resolução de conflito também existem".
  • 9
    É um modelo adequado para descrever o arranjo federativo característico da I República (1891-1930), no Brasil.
  • 10
    Nesse caso, é difícil definir os limites empíricos e conceituais que distinguem o federalismo de estados unitários descentralizados. Como observou Carl Friederich (1968, p. 223), "a expansão da cooperação efetiva entre agências federais e estaduais obscurece as diferenças entre um arranjo federativo com fortes controles centrais e um governo descentralizado, como o da Inglaterra, de tal forma que há poucos anos era possível prever o dia em que o caráter do estado mudaria ou transformar-se-ia em uma espécie de unidade administrativa responsável pela implementação de planos e políticas federais".
  • 11
    Riker (1975, p. 104) observa que "[...] função após função, não, há de fato, divisão de autoridades entre os governos constituintes e o centro, mas, antes, mistura".
  • 12
    Esta seção utiliza em larga medida informações e análises de Afonso e Melo (2000) e Rezende e Afonso (2002).
  • 13
    De acordo com Rodrigues (1987, p. 49-62), 21% dos constituintes haviam sido vereadores e 37%, deputados estaduais, enquanto 15% tinham experiência prévia em administrações municipais e 36%, em administrações estaduais.
  • 14
    Para uma discussão interessante sobre o tema, ver Souza (2002).
  • 15
    Para uma boa descrição dessas negociações, ver Rezende e Afonso (2002, p. 18).
  • 16
    O próprio Plano Real contribuiu para agravá-la, em virtude da política de juros altos que incidia sobre as dívidas dos estados.
  • 17
    Ver, por exemplo, a discussão de Abrucio sobre "federalismo predatório" (ABRUCIO, 1998; 2001) e, também, Mora e Varsano (2001).
  • 18
    Para uma boa discussão do tema, ver Rigolon e Giambiagi (1999).
  • 19
    "Caronismo" (nota do revisor).
  • 20
    Rezende e Afonso resumiram suas principais disposições: "a) limites para despesa com pessoal - a remuneração dos servidores públicos não poderá exceder 60% das receitas líquidas correntes; b) limites de endividamento - o Senado Federal deve aprovar a revisão dos limites presentes por proposta do Presidente da República; c) metas fiscais anuais - o planejamento orçamentário deve olhar para frente,estabelecendo metas fiscais por três anos consecutivos; "d) provisão para despesas recorrentes - as autoridades públicas não podem tomar iniciativas que criem despesas futuras para mais de dois anos, sem indicar a fonte de financiamento ou cortes compensatórios de outras despesas; e) disposição especial para anos eleitorias - a lei proibe governadores e prefeitos, que estão em seu último ano de mandato, antecipar receitas tributárias por meio de empréstimos de curto prazo, dar reajustes salariais ou contratar novos servidores públicos".
  • 21
    Sobre o tema, ver Arretche (2003).
  • 22
    A União tem competência para estabelecer normas gerais que podem ser complementadas por legislação estadual. Na ausência de legislação federal, os Estados exercem competência legislativa plena.
  • 23
    Foi estabelecida uma concepção ampla de seguridade social incluindo a previdência social, a atenção a saúde e a assistência social e contando com um orçamento próprio financiado por recursos orçamentários do governo federal, estados e municípios; pela contribuição previdenciária paga por empresas e empregados; e recursos provenientes de loterias.
  • 24
    Anteriormente, os serviços de saúde eram prestados pelos governos federal, estaduais e municipais, por meio de redes próprias que constituíam três sistemas independentes. O SUS instaurou um sistema único, com responsabilidades definidas para cada nível de governo. A atenção básica e formas mais complexas de atendimento deveriam progressivamente tornar-se atribuições municipais; enquan to caberia aos estados supervisionar os sistemas municipais, apoiar a descentralização e prover serviços, de forma supletiva, nos municípios que ainda não possuíssem capacidade de fazê-lo. Ao governo federal caberiam funções de regulação e financiamento do sistema.
  • 25
    As principais inovações institucionais, que propiciaram incentivos adequados à transferência de responsabilidades, foram estabelecidas pela Lei Orgânica da Saúde (1990), e especialmente a Norma Operacional Básica n.1 (NOB 01/1996) e a Norma Operacional de Assistência à Saúde n.1 (NOAS 01/2001); o Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), estabelecido por emenda constitucional e lei federal em 1997, e a Lei Orgânica da Previdência Social (1993). Ver Arretche (2000) e Almeida (2002).
  • 26
    O governo Lula tem ensaiado mudanças na área, anunciando sua disposição de fazer um "SUS para a Assistência Social", o que poderia implicar maior ativismo do governo federal e menor autonomia para os municípios.
  • 27
    O primeiro programa de renda mínima foi estabelecido em Campinas, sob administração do PSDB. Entretanto, a experiência foi disseminada por administrações petistas e transformou-se em uma das principais bandeiras do PT.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Recebido
      10 Dez 2004
    • Aceito
      18 Maio 2005
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