Acessibilidade / Reportar erro

Quem taxa e quem gasta: a barganha federativa na federação brasileira

Who taxes and who spends: the federative bargain in the Brazilian federation

Qui taxe et qui depense: le troc federatif dans la federation bresilienne

Resumos

Este artigo analisa as relações de autonomia e coordenação da federação brasileira, pelo exame da trajetória das decisões em matéria fiscal e tributária. Desagrega distintas dimensões da questão e conclui que, na história brasileira, as disputas federativas deslocaram-se das áreas de tributação exclusiva para o sistema de transferências fiscais. Além disso, o modelo brasileiro tendeu a combinar a descentralização de receitas com a centralização da autoridade sobre as decisões de arrecadação e de gasto, isto é, a limitação da autonomia dos governos subnacionais para a regulamentação da cobrança de impostos e do destino do gasto. Mudanças de regime político não são suficientes para explicar as mudanças no sistema tributário e fiscal; a centralização decisória e o padrão de alianças em cada arena particular permitem melhor explicar essas variações.

federalismo tributário; transferências fiscais; barganhas políticas


This article analyzes the relations of autonomy and coordination of the Brazilian federation, through examination of the trajectory of fiscal and taxation decisions. It disaggregates different dimensions of the phenomenon and concludes that, in Brazilian history, federative disputes have been dislocated from the areas of exclusive taxation to a system of fiscal transfer. Furthermore, the Brazilian model has tended to combine de-centralization formulas with centralized authority on decisions regarding collecting and spending, that is, the limitation of sub-national government's autonomy for regulation of tax collection and spending. Changes in political regime are not a sufficient explanation for changes in the fiscal and tax systems; the centralization of decision-making and the pattern of alliances in each particular arena provide better explanations for the variation that occurs.

tax federalism; fiscal transfer; political bargains


Cet article analyse les relations d'autonomie et de coordination de la fédération brésilienne, en examinant la trajectoire des décisions en matière fiscale et tributaire. Il observe plusieurs dimensions de la question et conclut que, dans l'histoire brésilienne, les disputes fédératives se sont déplacées des aires de tributation exclusive vers le système de transferts fiscaux. En outre, le modèle brésilien réunit la décentralisation de recettes avec la centralisation de l'autorité sur les décisions de perception et de dépense, c'est-à-dire la réduction de l'autonomie des gouvernements sousnationaux quant à la régulation de la collecte d'impôts et la destination des dépenses. Les changements du régime politique ne suffisent pas à expliquer les changements dans le système tributaire et fiscal ; la centralisation décisoire et le standard des alliances dans chaque arène spécifique permettent de mieux expliquer les variations.

fédéralisme tributaire; transferts fiscaux; trocs politiques


DOSSIÊ "FEDERALISMO"

Quem taxa e quem gasta: a barganha federativa na federação brasileira1 1 Este artigo beneficiou-se de pesquisa realizada para o projeto Taxation Perspectives. A Democratic Approach to Public Finance in Developing Countries, em parceria com Aaron Schneider, financiado pelo Institute of Development Studies. Beneficiou-se ainda de apoio fornecido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob a forma de Bolsa de Produtividade em Pesquisa, bem como auxílio a projeto de pesquisa, do Edital Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas de 2003. Uma primeira versão foi apresentada no Grupo de Trabalho de Políticas Públicas do XXVII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciências Sociais (Anpocs). Agradeço a Aaron Schneider, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Eduardo Marques pelos comentários e sugestões que muito contribuíram para esta revisão.

Who taxes and who spends: the federative bargain in the Brazilian federation

Qui taxe et qui depense: le troc federatif dans la federation bresilienne

Marta Arretche

RESUMO

Este artigo analisa as relações de autonomia e coordenação da federação brasileira, pelo exame da trajetória das decisões em matéria fiscal e tributária. Desagrega distintas dimensões da questão e conclui que, na história brasileira, as disputas federativas deslocaram-se das áreas de tributação exclusiva para o sistema de transferências fiscais. Além disso, o modelo brasileiro tendeu a combinar a descentralização de receitas com a centralização da autoridade sobre as decisões de arrecadação e de gasto, isto é, a limitação da autonomia dos governos subnacionais para a regulamentação da cobrança de impostos e do destino do gasto. Mudanças de regime político não são suficientes para explicar as mudanças no sistema tributário e fiscal; a centralização decisória e o padrão de alianças em cada arena particular permitem melhor explicar essas variações.

Palavras-chave: federalismo tributário; transferências fiscais; barganhas políticas.

ABSTRACT

This article analyzes the relations of autonomy and coordination of the Brazilian federation, through examination of the trajectory of fiscal and taxation decisions. It disaggregates different dimensions of the phenomenon and concludes that, in Brazilian history, federative disputes have been dislocated from the areas of exclusive taxation to a system of fiscal transfer. Furthermore, the Brazilian model has tended to combine de-centralization formulas with centralized authority on decisions regarding collecting and spending, that is, the limitation of sub-national government's autonomy for regulation of tax collection and spending. Changes in political regime are not a sufficient explanation for changes in the fiscal and tax systems; the centralization of decision-making and the pattern of alliances in each particular arena provide better explanations for the variation that occurs.

Keywords: tax federalism; fiscal transfer; political bargains.

RÉSUMÉ

Cet article analyse les relations d'autonomie et de coordination de la fédération brésilienne, en examinant la trajectoire des décisions en matière fiscale et tributaire. Il observe plusieurs dimensions de la question et conclut que, dans l'histoire brésilienne, les disputes fédératives se sont déplacées des aires de tributation exclusive vers le système de transferts fiscaux. En outre, le modèle brésilien réunit la décentralisation de recettes avec la centralisation de l'autorité sur les décisions de perception et de dépense, c'est-à-dire la réduction de l'autonomie des gouvernements sousnationaux quant à la régulation de la collecte d'impôts et la destination des dépenses. Les changements du régime politique ne suffisent pas à expliquer les changements dans le système tributaire et fiscal ; la centralisation décisoire et le standard des alliances dans chaque arène spécifique permettent de mieux expliquer les variations.

Mots-clés: fédéralisme tributaire; transferts fiscaux; trocs politiques.

"A profusão de termos mais ou menos coincidentes é a ruína da Sociologia"

(BENDIX, 1996, p. 49).

I. INTRODUÇÃO

Afinal, a federação brasileira é centralizada ou descentralizada? Embora inspirada no modelo norte-americano, teria a centralização imperial afetado definitivamente a forma do Estado no Brasil? Ou a República Velha teria tido efeitos de longo prazo, consolidando o poder das elites estaduais nas decisões nacionais? O arranjo institucional que emergiu da Constituição de 1988 concentrou autoridade no governo central ou criou um sistema altamente consociativo que dispersa a autoridade e gera problemas de governabilidade?

Parte importante da imaginação e do esforço de pesquisa dos cientistas políticos que se dedicaram à análise do federalismo brasileiro está dedicada a responder a essas perguntas (cf. CAMARGO, 1993; ALMEIDA, 1995; 2001; SOUZA, 1997; ABRUCIO, 1998; STEPAN, 1999; PALERMO, 2000; ARRETCHE, 2002; 2004). Este artigo pretende ser mais uma pequena contribuição a esse debate.

Como afirmou Stepan (1999), todas as federações restringem o poder central, devido à dupla soberania - do governo federal e dos governos locais2 2 No caso brasileiro posterior a 1988, seria mais preciso falar em tripla soberania, dado que governos estaduais e municipais são constitucionalmente entes federativos autônomos. Neste ponto, entretanto, estou me concentrando no conceito de federalismo, tal como tratado pela literatura sobre formas de Estado. - que é a característica básica dessa forma de Estado (WHEARE, 1964; RIKER, 1975; LIPJHART, 1984; 1999). A dupla soberania, por sua vez, está garantida tanto pelas regras constitucionais quanto pelo desenho das instituições políticas3 3 As instituições mais clássicas de garantia do arranjo federativo são as câmaras de representação dos estados e a autoridade do poder Judiciário para dirimir conflitos entre os distintos níveis de governos. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe a instituição dos senados estaduais, para representar os governos locais. (RIKER, 1975; DAHL, 1986; LIPJHART, 1984; 1999; STEPAN, 1999). Todavia, os estudos empíricos têm revelado grande variação entre as federações no que diz respeito à extensão da autoridade do governo central (STEPAN, 1999).

Contudo, os estudos empíricos sobre centralização-descentralização nas federações são, regra geral, pouco conclusivos e convincentes devido, em grande parte, à dificuldade em estabelecer critérios precisos de classificação. A primeira grande dificuldade diz respeito à superposição de dimensões de autoridade em análise. A distribuição de competências, a distribuição de recursos tributários e fiscais, assim como os mecanismos institucionais de representação da vontade política das elites locais, estaduais ou centrais, constituem dimensões distintas e independentes de distribuição de autoridade. Entretanto, muitos estudos supõem uma relação de estreita dependência entre elas.

Com freqüência, considera-se que a descentralização fiscal pode ser interpretada como uma evidência suficiente do poder das elites regionais. Se isso é verdade, como explicar que, por exemplo, no Japão e na Suécia - estados unitários - a participação dos governos locais no total do gasto seja superior a de federações como a Austrália e a Bélgica (LIPJHART, 1999, p. 220)? Rodden (2005) examinou uma amostra de 29 países - federais e unitários - e concluiu em ambos há uma tendência geral em direção à descentralização fiscal. Mais que isso, as federações não se distinguem dos estados unitários no que diz respeito à dependência de transferências, isto é, nos casos em que um nível de governo opera como arrecadador substituto dos demais. Portanto, não há nada de específico nos sistemas tributário e fiscal das federações que as distinga dos estados unitários.

Adicionalmente, se a distribuição de competências e a distribuição vertical de poder estão linearmente relacionadas, como explicar a descentralização de competências na Inglaterra, clássico modelo de democracia majoritária, e na Itália dos anos 1970 (PUTNAM, 1996)4 4 Lipjhart (1984; 1999) define como consociativas as democracias cujas instituições políticas são desenhadas de modo a compartilhar, dispersar e limitar o poder do governo central. ? Tratar essas dimensões de autoridade - quanto a competências, tributos e política - como independentes permitiria tornar mais precisas as análises sobre federalismo e descentralização, tornando obviamente mais confiáveis as conclusões obtidas de tais estudos.

Uma segunda grande dificuldade refere-se à análise da distribuição de competências e recursos. Diferentemente de uma nítida e clara distribuição vertical de autoridade, as federações em sua existência real assemelham-se a um "bolo marmorizado" (ELAZAR, 1991), em que a complementariedade e a interdependência são as características mais freqüentes. Adicionalmente, as competências cuja autoridade pode ser atribuída aos diversos níveis de governo são diversas, tais como saúde, educação, assistência etc. O mesmo pode ser dito em relação à questão tributária e fiscal, que envolve a autoridade para arrecadar tributos, para gastá-los, para obter empréstimos etc. Uma estratégia para superar essas dificuldades consiste em utilizar os conceitos de autonomia e de mecanismos de coordenação para identificar as relações entre os níveis de governo com relação às distintas dimensões de autoridade acima mencionadas. Teriam os governos regionais na Itália autonomia para atender as demandas de seus cidadãos ou a descentralização estudada por Putnam consistiu apenas em uma transferência de atribuições, sem autonomia decisória?

Este artigo pretende ser uma contribuição à análise do federalismo brasileiro, concentrando-se na análise das decisões de natureza fiscal e tributária. Essa é uma dimensão muito importante das disputas entre níveis de governo nos estados nacionais, sejam eles federais ou unitários. Se a distribuição vertical de autoridade é uma questão central nos pactos nacionais, a autoridade sobre recursos tributários está entre as mais importantes dessas decisões. Migdal (1988) argumentou que a capacidade de extrair recursos da sociedade e gastá-los de maneira autônoma constitui uma dimensão central da capacidade de os estados nacionais fazerem-se obedecer, na medida em que define sua possibilidade de formular e implementar políticas de modo autônomo, independentemente dos interesses privados. O argumento pode ser estendido às relações intergovernamentais, quer em estados federativos, quer em unitários. A autonomia dos governos para tomar decisões deriva em boa medida da extensão em que detêm autoridade efetiva sobre recursos tributários e/ou fiscais. Governos desprovidos de autonomia para obter - por meio da taxação - recursos, em montante suficiente para atender minimamente às demandas de seus cidadãos, tendem a incorporar à sua agenda as orientações políticas do nível de governo - ou agente privado, ou ainda organismo internacional - que de fato tem controle sobre tais recursos. Simetricamente, governos dotados de autoridade sobre recursos tributários têm mais condições de definir com autonomia sua própria agenda de governo5 5 Em A Era do Saneamento, Gilberto Hochmann (1998) mostra que a assimetria de recursos e capacidades estatais entre o estado de São Paulo e os demais estados da federação foi um elemento central na definição do desenho da política nacional de saúde publica no final da Primeira República. . Além disso, os governos locais podem contar com recursos para atender às demandas de seus cidadãos, mas dispor de limitada autonomia para definir sua própria agenda, porque suas políticas são financiadas basicamente com transferências vinculadas. Não há dúvida de que essas motivações estão no centro das disputas nacionais pelos recursos tributários e fiscais. Assim, a análise do resultado dessas disputas pode ser um objeto relevante para o exame do grau de centralização em uma federação.

A visão mais comum sobre a federação brasileira toma as variações na distribuição de recursos tributários como evidências de suas "sístoles e diástoles" - expressão empregada por Golbery do Couto e Silva para descrever nossa federação. Esses sucessivos ciclos de centralização e descentralização fiscal seriam explicados pelas variações de regime político. Assim, a República Velha caracterizou-se pela descentralização fiscal, seguida pela centralização do Estado Novo, que foi, por sua vez, sucedido por nova descentralização fiscal no período democrático de 1946-1964. Finalmente, a radical descentralização fiscal da Constituição de 1988 seria uma reação à centralização fiscal do regime militar (OLIVEIRA,1995; SOUZA, 1997; SERRA & AFONSO, 1999). Essa descrição da evolução dos sistemas tributário e fiscal sugerem rupturas, baseadas fundamentalmente nas mudanças de regime político. Como mecanismo explicativo, nos períodos de autoritarismo, as elites centrais suprimiriam a capacidade de vocalização de interesses das elites estaduais e locais. Na democracia, as últimas teriam recuperados os espaços políticos que permitiriam impulsionar seus interesses, impondo perdas fiscais ao governo central (CAMARGO, 1993; ABRUCIO, 1998).

Uma primeira contribuição deste artigo consiste em demonstrar que um exame mais detalhado da evolução dos sistemas tributário e fiscal brasileiros, levando em conta suas múltiplas dimensões, indica antes uma "lenta evolução" (VARSANO, 1996, p. 19), em que o conteúdo das disputas alterou-se à medida que o sistema tributário consolidou-se. Nas primeiras assembléias nacionais constituintes (ANCs), já sob o sistema federativo - em 1890 e 1934 -, os grandes debates concentraram-se nas áreas de atividade que cada nível de governo teria autoridade exclusiva para tributar. A partir da ANC de 1934, os grandes embates disseram respeito ao sistema de transferências fiscais. Na verdade, um exame mais detido da evolução do sistema tributário brasileiro revela que apenas a Constituição de 1988 operou de fato mudanças expressivas em relação ao status quo.

Este artigo pretende ainda apresentar uma interpretação alternativa à dos regimes políticos para a evolução dos sistemas tributário e fiscal brasileiro. Argumento que as assembléias nacionais constituintes ou os períodos de intensa produção legislativa nas áreas tributária e fiscal podem ser entendidos como arenas decisórias específicas. Elas constituíram-se em momentos críticos, em que o leque de alternativas permitiria produzir alterações significativas ao status quo. Entretanto, à medida que o sistema tributário e fiscal brasileiro amadureceu, elevaram-se os custos de uma eventual mudança de sua estrutura básica, dados tanto os investimentos envolvidos na instalação das máquinas arrecadadoras quanto os custos políticos envolvidos na supressão de fontes de receita6 6 Sobre o impacto das decisões passadas nas decisões dos atores, ver Pierson (2000). . Tais fatores afetaram os cálculos e as estratégias dos legisladores. Assim, não é a redemocratização que explica a descentralização fiscal da Constituição Federal de 1988, mas as deliberações da Assembléia Nacional Constituinte. Se a dinâmica de sucessão dos ciclos acima apresentada fosse suficiente para explicar as decisões em matéria tributária, como explicar que o governo central foi bem-sucedido em diversas estratégias de recentralização fiscal nos anos 1990? Não é a democracia que explica a reação centralizadora do governo central posterior a 1988, mas as deliberações do Congresso Nacional brasileiro.

Examinar as deliberações das assembléias constituintes nessa política setorial não é uma novidade na literatura brasileira. Este artigo pretende dar continuidade aos trabalhos que exploraram os efeitos dessas arenas decisórias sobre a evolução dos sistemas tributário e fiscal (LEME, 1992; COSTA,1994; SILVA, 1994; SOUZA, 1997; MELO ,2002).

II. EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS TRIBUTÁRIO E FISCAL

Há pelo menos seis dimensões distintas da distribuição intergovernamental da autoridade tributária e fiscal que têm sido estudadas pelos analistas, a saber:

a) definição das áreas de tributação exclusiva (VARSANO, 1996; SOUZA, 1997; WILLIS, GARMAN & HAGGARD, 1999; REZENDE, 2001; LOPREATO, 2002);

b) autonomia dos níveis de governo para legislar sobre seus próprios tributos (AZEVEDO & MELO, 1997; SERRA & AFONSO, 1999; MELO, 2002).;

c) autoridade tributária sobre o campo residual (STEPAN, 1999; SCHNEIDER, 2001);

d) sistema de transferências fiscais (GOMES & MACDOWELL, 1997; PRADO, 2001; REZENDE & CUNHA, 2002);

e) vinculação de gasto das receitas (MEDEIROS, 1986; PRADO, 2001) e

f) autonomia para obtenção de empréstimos7 7 Essa dimensão não será examinada neste artigo devido à dificuldade de coleta de dados e informações. (VARSANO, 1996).

Com freqüência, as análises sobre a evolução de nosso sistema tributário concentram-se em apenas uma dessas dimensões; quando as tratam em conjunto, desconsideram suas especificidades. Esse tratamento tem duas conseqüências analíticas. A primeira é a conclusão já mencionada de que a evolução do sistema seria caracterizada por ciclos sucessivos de centralização e descentralização, ignorando as dimensões específicas de ruptura e/ou continuidade. Assim fazendo, torna-se difícil identificar quais questões específicas foram objeto de disputa federativa. A segunda conseqüência deriva dessa primeira: como explicar os fatores que explicam os pactos federativos nas áreas tributária e fiscal se o próprio objeto da disputa não está claramente identificado? As alternativas apresentadas em cada período de produção legislativa são afetadas pelas decisões anteriores, seja pela avaliação de seus resultados (SKOCPOL, 1992), seja pelos custos para reverter os investimentos já realizados para a implementação de decisões anteriores (PIERSON, 2000). Como investigar esses mecanismos sem identificar claramente que dimensões da autoridade tributária e fiscal foram objeto de disputa?

Argumento que, para melhor entender a evolução das disputas federativas em torno da autoridade tributária e fiscal, é útil examinar separadamente a evolução das decisões tomadas com relação a estas distintas dimensões. Adicionalmente, é também frutífero examinar sua interdependência, isto é, o fato de que a decisão tomada com relação a uma afeta as alternativas em relação às demais.

II.1. Áreas de tributação exclusiva

Desde sua origem, na Constituição de 1891, a federação brasileira adotou o regime de separação das fontes tributárias. A primeira Constituição Federal previu áreas de tributação exclusiva apenas para a União e os estados. Por sua vez, a segunda Constituição Federal, em 1934, estabeleceu impostos exclusivos dos municípios. A partir de então, a distribuição das áreas de tributação exclusiva alterou-se pouco na evolução do sistema tributário brasileiro. Nessa dimensão particular, mudanças lentas e graduais caracterizam os pactos federativos nas diversas constituições federais (VARSANO, 1996, p. 19). Em outras palavras, no caso brasileiro, a expansão da capacidade de arrecadação da União não foi derivada da supressão de áreas de tributação exclusiva dos estados e municípios.

Na verdade, o papel da União como principal arrecadador foi historicamente o resultado de mudanças no perfil da arrecadação operadas a partir dos anos 1940. Os impostos com base no mercado interno - particularmente o Imposto de Renda (IR), que era um imposto federal desde 1923 - passaram a responder por parcela maior no total da receita tributária do que os impostos baseados no setor externo - sobre o qual incidiam os impostos estaduais (LOPREATO, 2002, p. 25). Na mesma direção, a expansão da capacidade de arrecadação tributária da União a partir de meados da década de 1960 decorreu basicamente da racionalização dos impostos federais, acompanhada de ganhos em eficiência na máquina arrecadadora federal (VARSANO, 1996, p. 9).

Ainda que intensas disputas tenham sido travadas em torno dessa dimensão da autoridade tributária até meados dos anos 1940, o exame das decisões constitucionais revela que raríssimas foram as situações em que a expansão da capacidade de arrecadação de um nível de governo fez-se às custas da supressão de fontes de autoridade tributária de um outro nível de governo (ver Quadro 1).

A primeira grande disputa ocorreu, como não poderia deixar de ser, na Constituição de 1891. Na verdade, "a questão da discriminação das rendas entre a União e os estados será a mais longamente discutida na Assembléia, e foi ela que provocou as clivagens mais profundas" (COSTA, 1994, p. 57). As bancadas da região Nordeste haviam-se articulado em torno de um projeto radical de descentralização tributária, segundo o qual os estados passariam a ter autoridade exclusiva sobre os impostos de exportação e de importação, com base no argumento de que o imposto de exportação não lhes forneceria as receitas necessárias à sua autonomia fiscal. Júlio de Castilhos, representante do Rio Grande do Sul, propunha um arranjo ultrafederalista, que reservava aos estados exclusividade da competência residual em matéria tributária, assim como estabelecia uma quota-parte para os estados das receitas arrecadadas pela União8 8 Observe-se que a proposta de constitucionalizar transferências federais, adotada pela Constituição de 1946, já estava presente nessa Assembléia Constituinte. . Por outro lado, Rui Barbosa liderou uma aliança da União com os estados exportadores (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Pará e Amazonas) para manter o imposto de importação sob autoridade exclusiva do governo central.

Na decisão final da Constituição de 1891, o imposto de importação permaneceu sob autoridade tributária exclusiva da União. Quando comparada à estrutura do Império, a União perdeu itens de receita, pois os impostos sobre exportações, de indústria e profissões e de transmissão de propriedade eram privativos da União no Império e passaram a ser privativos dos estados na Constituição de 1891 (COSTA, 1994, p. 67-69) (ver Quadro 1).

Entretanto, embora tenha perdido áreas de tributação exclusiva, a proposta da União não foi derrotada na Constituinte de 1890. O resultado da decisão em matéria de tributação exclusiva foi muito próximo do projeto apresentado pelo Governo Provisório. Como explicar essa decisão em vista do "poder dos estados na República Velha" e do contexto de forte reação federalista à centralização fiscal do Império?

As regras decisórias e a composição da assembléia explicam esse resultado. O projeto original foi elaborado por uma comissão liderada por Rui Barbosa. Abertos os trabalhos da Assembléia Constituinte, o projeto foi apreciado e emendado pela "Comissão dos 21", composta por um representante de cada estado da União. Nessa arena, "muitas propostas foram apresentadas, modificando o projeto original, quase sempre no sentido de reduzir a competência da União e de ampliar a dos estados" (idem, p. 61). Entretanto, no plenário, composto com base na regra de representação proporcional à população, foram "decisivos os votos das bancadas dos estados exportadores, São Paulo em particular, que colocava na Constituinte uma bancada coesa e articulada, [assim como] pesava contra as posições que queriam reduzir os poderes fiscais da União o fato de que tinham suas forças divididas" (idem, p. 63).

A nova rodada da disputa federativa pelas áreas de autoridade tributária exclusiva ocorreu nos anos 1930. Em um contexto de generalizado endividamento dos estados brasileiros, abusiva cobrança do imposto de exportação nas operações interestaduais e acentuada crise externa de crédito, o Governo Provisório federalizou as dívidas dos estados em troca da federalização do Imposto de Exportação. O comando político dos estados entregue a interventores nomeados pelo governo revolucionário garantiram a obediência à medida.

Se as condições particulares de centralização da autoridade da Revolução de 1930 permitiram essa medida, a autoridade exclusiva para taxar as exportações voltou a ser um issue na ANC de 1934. O anteprojeto do governo era francamente centralizador: estabelecia a competência exclusiva da União sobre os quatro tributos mais rentáveis (consumo, importação, exportação e de renda); proibia os impostos interestaduais e intermunicipais; retirava dos estados a competência para tributar a licença predial e urbana, deixando-lhes a competência exclusiva apenas sobre os impostos menos rentáveis: de transmissão de propriedade, intervivos e causa mortis, de indústrias e profissões, cedular de renda e territorial. Como na ANC de 1891, foi instituída uma comissão constitucional de representantes dos estados, com 26 membros, cujo relator era da bancada paulista. O substitutivo apresentado expressava o esforço de uma aliança do relator - da bancada paulista - com as bancadas do Nordeste. Propunha a supressão gradual do Imposto de Exportação, embora boa parte da bancada paulista preferisse sua pura e simples extinção (dado seu caráter anti-econômico na conjuntura recessiva dos anos 1930) e as bancadas do Nordeste não admitiam abrir mão dessa fonte de receita. Propunha ainda que, como compensação fiscal, os impostos sobre Vendas e Consignações (IVC), sobre o consumo de gasolina e combustíveis de motores à explosão passassem para a competência exclusiva dos estados, deixando para a União os impostos de importação, consumo, renda e circulação. No plenário, entretanto, a proposta da supressão gradual do imposto de exportação foi duramente criticada, tanto pelas bancadas do Nordeste quanto por representantes da bancada paulista. Elas argumentavam que qualquer das propostas privaria os estados de 40% de suas receitas (SILVA, 1994, p. 28-35).

A parcela da bancada paulista favorável à extinção do Imposto de Exportação cedeu para obter a adesão das bancadas do Nordeste, pois o projeto do Governo Provisório contava com o apoio dos representantes classistas. Na decisão final, o Imposto de Exportação permaneceu sob autoridade exclusiva dos estados, mas seu valor não podia exceder 10% ad valorem e sem direito a adicionais (idem, p. 34) (ver Quadro 1). Esse resultado é menos explicado pelo ambiente de reação oligárquica às medidas centralizadoras da Revolução de 1930 e mais explicado pela aliança das bancadas paulista e dos estados do Nordeste em 1934 (GOMES, 1980, p. 50; SILVA, 1994, p. 28-35). A proposta aprovada não coincidia com as propostas originais de nenhuma das duas bancadas. Na verdade, ambas as bancadas agiram estrategicamente ao alterar suas propostas originais. A razão para essa decisão está na composição do plenário da ANC de 1934. O Código Eleitoral de 1932, que adotou pela primeira vez no Brasil o princípio de desproporcionalidade da representação, juntamente com a eleição da bancada classista, explica porque São Paulo e os estados do Nordeste aliaram-se para derrotar a União nesse item específico.

A derrota em 1934 sinalizou para o governo federal os custos políticos de suprimir fontes de tributação dos estados, razão pela qual a centralização política do Estado Novo teve nulo efeito sobre o regime de separação de fontes tributárias (idem, p. 37-45). Entretanto, é plausível supor que, naquele contexto, não havia fortes razões para subtrair capacidade de arrecadação dos estados, de vez que o governo central controlava o comando político nos estados, via nomeação dos interventores, bem como tinha grande controle sobre a gestão das políticas via Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Contudo, derrotado na ANC de 1934, Getúlio Vargas instituiu em 37 um Conselho Supremo que garantia à União a coordenação da política econômica e tributária nacional. Juntamente com as decisões da Constituição de 1934, essa decisão implicou a federalização da autoridade para legislar sobre os impostos dos governos subnacionais, dimensão a ser examinada com mais detalhe no item II.2, a seguir.

As constituições posteriores indicam que, a partir da Constituição de 1934, assim como dessa decisão de Getúlio Vargas em 1937, a disputa federativa por fontes de receita tendeu a deslocar-se das áreas de tributação exclusiva para a das transferências fiscais. Os constituintes de 1946 não concentraram seus debates em torno de uma nova modalidade de repartição de receitas, preferindo debater intensamente a fragilidade das receitas municipais como uma evidência da fragilidade de nosso federalismo (ibidem). Consolidado o regime de separação de fontes tributárias, uma das principais inovações da Constituição de 1946 foi a adoção de um sistema de transferências fiscais, pelo qual um nível de governo está constitucionalmente obrigado a transferir parte de suas receitas a outro, dimensão a ser examinada com mais detalhe no item II.3.

Argumenta-se que a reforma tributária de 1965-1967 suprimiu autoridade tributária dos governos estaduais, porque transferiu o Imposto de Exportação dos estados para a União (ver Quadro 1). Na verdade, essa transferência teve bem menos impacto do que se lhe atribui. Nos anos 1960, o Imposto de Exportação perdera importância nas receitas estaduais para o Imposto sobre Vendas e Consignações. Já em 1942, esse imposto representava menos de 6% do total da receita tributária dos estados, ao passo que o IVC representava 43,5% (LOPREATO, 2002, p. 26). Na reforma do regime militar, o IVC foi transformado em ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), permanecendo sob autoridade exclusiva dos estados. Logo, a reforma não significou uma imposição significativa de perda de áreas de tributação exclusiva para os estados.

A decisão de manter o ICM sob arrecadação exclusiva dos estados não foi derivada de restrições de ordem institucional. A reforma foi elaborada por uma equipe técnica em gabinetes (VARSANO, 1996, p. 50-53) e sua aprovação foi possível devido ao fato de "encontrar menos obstáculos institucionais e políticos, bem assim menos resistência por parte de interesses criados [...]" (FGV, 1967, p. 172). Na verdade, há razões para crer que o cálculo foi político. Desde o golpe militar - em abril de 1964 - até o Ato Institucional n. 2, em outubro de 1966 - quando foram suspensas as eleições diretas para a Presidência da República, governadores e prefeitos das cidades de médio e grande porte -, o governo revolucionário buscou manter o apoio das lideranças conservadoras civis que governavam os estados. Para tanto, a reforma tributária implantada até 19679 9 O novo sistema foi implantado paulatinamente entre 1964 e 1966: uma Emenda Constitucional - n. 18/65 -, que, com algumas alterações, incorporou-se ao texto da Constituição de 1967, e o Código Tributário, aprovado por meio de Lei ordinária em 1966, foram os principais documentos da reforma. limitou-se a suprimir apenas o Imposto de Exportação dos estados, deixando a seu cargo a arrecadação do ICM, mas restringindo sua autonomia para legislar sobre o último.

A única alteração efetivamente significativa nessa dimensão ocorreu na Constituição de 1988, em que a taxação sobre combustíveis, energia elétrica, transportes, minerais e comunicação foi transferida da União para os estados.

Portanto, a expansão na arrecadação da União na história do sistema tributário brasileiro não ocorreu às custas da supressão de áreas de tributação exclusiva dos governos estaduais e municipais. Até 1988, as sucessivas modificações na natureza do regime político não implicaram mudanças significativas na distribuição intergovernamental das fontes exclusivas de tributação. A decisão dos constituintes em 1988 de transferir os impostos únicos federais sobre eletricidade, produtos minerais, combustíveis e lubrificantes, serviços de comunicações e transportes, incorporando-os à base de tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), foi antes a exceção do que a regra na história do sistema tributário brasileiro.

No período posterior a 1988, nenhuma alteração significativa ocorreu nessa dimensão do sistema tributário. Nesse sentido, é pouco preciso afirmar - como é feito correntemente - que teria ocorrido uma centralização da autoridade tributária ao longo dos anos 1990. Nesse período - de acordo com a tendência histórica -, as reformas na área tributária não ocorreram às custas da supressão de áreas de tributação exclusiva de estados e/ou municípios. Os custos políticos de impor perdas dessa magnitude aos estados e municípios são muito elevados. Mas - reitero - isso não é novidade na história do sistema tributário brasileiro. Nem durante o Estado Novo e nem mesmo no regime militar - períodos de maior centralização federativa - reformas dessa magnitude foram adotadas. Além disso, à medida que essa estrutura de separação de fontes tributárias consolidava-se, os custos organizacionais e políticos de alterações dessa ordem também se tornaram crescentemente elevados.

II.2. Autoridade tributária dos governos subnacionais sobre os próprios impostos

À distribuição intergovernamental das fontes tributárias deve-se agregar a autonomia de que dispõe cada nível de governo para legislar sobre seus próprios tributos. Vimos acima que a autoridade tributária permaneceu descentralizada e relativamente inalterada ao longo da história do sistema tributário brasileiro. Entretanto, a autoridade dos estados e municípios para legislar sobre seus próprios impostos foi limitada durante todo o período do Estado desenvolvimentista.

As Constituições de 1934 e 1946, assim como a do Estado Novo (1937), tenderam a reduzir a autonomia tributária dos estados sobre o Imposto de Exportação para evitar que seu uso abusivo afetasse a competitividade dos produtos brasileiros no exterior e a integração do mercado interno. Essa decisão foi fortemente afetada pelo contexto recessivo do mercado internacional nos anos 1930. Na Constituinte de 1934 foi resultado do compromisso da bancada paulista, que pretendia, na verdade, a supressão desse imposto. De qualquer modo - fosse na ANC de 1934, fosse no Estado Novo, fosse, ainda, na ANC de 1946 -, a competência exclusiva dos estados sobre o Imposto de Exportação foi acompanhada da limitação constitucional para regulamentar os termos de sua cobrança. Mais do que isso, um tema fortemente debatido na ANC de 1946 foi a diversidade de modalidades de regulamentação dos impostos cobrados pelos estados e municípios (SILVA, 1994, p. 55). É interessante observar que os mesmos constituintes que demandavam, em nome dos princípios federativos, a elevação das receitas tributárias municipais, denunciavam, em nome do mesmo princípio, a autonomia dos entes federativos para regular seus próprios impostos.

Contudo, ambas as assembléias constituintes autorizaram as constituições estaduais a estabelecer as alíquotas do Imposto sobre Vendas e Consignações, transferido para os estados desde a Constituição de 1934. Assim, com relação àquele que veio a tornar-se o principal imposto dos estados, a autonomia regulatória dos estados foi preservada. Observe-se que as variações no regime político não explicam as variações na autoridade tributária, uma vez que elas dizem respeito ao tipo de imposto controlado pela legislação federal e não ao regime político.

Na verdade, a decisão de "atar as mãos" das assembléias legislativas estaduais com relação ao Imposto de Exportação e "liberá-las" com relação ao IVC é explicada pelas prioridades de política econômica naquele contexto. Antes da Constituição Federal de 1988, apenas a Constituição de 1891 conferiu aos estados inteira liberdade para estabelecer as alíquotas sobre seus próprios tributos. Como conseqüência, em uma economia essencialmente exportadora, os estados menos desenvolvidos - vale dizer, não-exportadores - tributavam as operações interestaduais como operações de exportação, sendo infrutíferos os esforços da União para impedir essa prática (COSTA, 1994, p. 66; LOPREATO, 2002, p. 29). A Constituição Federal de 1934 já restringia tanto a alíquota do Imposto Estadual de Exportação - a um máximo de 10% - quanto sua cobrança nas operações entre os estados. O Estado Novo manteve a Constituição de 1934 nesse aspecto. A Constituição Federal de 1946 restringiu ainda mais essa alíquota, a um máximo de 5%. Preponderaram, portanto, nas assembléias constituintes as preocupações quanto ao impacto negativo sobre a colocação de produtos brasileiros no exterior derivados da autonomia dos governos estaduais sobre essa fonte tributária, assim como as dificuldades para a expansão do mercado interno, derivadas da generalizada e abusiva cobrança de impostos de exportação nas operações interestaduais. Essa decisão foi, como vimos, resultado da aliança da bancada paulista com a bancada dos estados do Nordeste na Constituição de 1934, não tendo sido objeto de alteração nas constituições posteriores.

A reforma tributária do regime militar foi a mais centralizadora nesse aspecto (Quadro 1). Ao transferir para a União a tributação exclusiva do Imposto de Exportação estava resolvido o problema de sua regulamentação. Como o IVC foi convertido em ICM e mantido na órbita estadual, a reforma transferiu para a União a autoridade tanto para definir suas alíquotas quanto para legislar sobre sua isenção. Mas, observe-se, nesse aspecto a inovação do regime militar foi apenas de grau, no sentido de que aumentou o controle federal sobre o principal imposto estadual. Todavia, a natureza desse tipo de autoridade, isto é, o fato de que a autoridade sobre o principal imposto dos estados está limitada pela legislação federal, não constituiu nenhuma inovação do regime militar, pois já vinha sendo autorizada pelos constituintes desde a Constituição de 1934.

A reação a essa centralização, na Assembléia Constituinte de 1987-1988, teve como resultado ampla autonomia para estados e municípios definirem a legislação tributária de seus próprios impostos. Observe-se, portanto, que, no que diz respeito à ampla autoridade para legislar sobre seus próprios impostos, apenas a Constituição de 1988 representou uma ruptura em relação ao status quo, pois desde a Constituição de 1934 os estados tinham sua autoridade limitada pelas sucessivas constituições federais. As reformas ocorridas no campo tributário posteriormente a 1988 não afetaram essa dimensão da autoridade de estados e municípios, mas integram a agenda de reformas do governo Lula, via projeto de unificação do ICMS, devido a seus impactos sobre a política econômica.

Nessa dimensão da autoridade tributária, portanto, forjou-se ao longo do Estado desenvolvimentista um padrão de interferência da legislação federal nas decisões dos estados, em relação aos impostos que - embora arrecadados exclusivamente pelos estados - eram estratégicos para a estratégia nacional de desenvolvimento. Essa interferência ocorreu paralelamente à consolidação do regime de separação de fontes tributários. Se algum pacto federativo houve, ele consistiu em conferir aos estados a autoridade exclusiva sobre áreas rentáveis de tributação, limitando entretanto sua autoridade para legislar sobre os impostos cuja arrecadação afetasse a política econômica do governo federal. Portanto, não é o tipo de regime político que explica as variações, mas a dimensão de autoridade tributária e o tipo de imposto em questão.

II.3. Autoridade tributária sobre o campo residual

Parte da evolução de um sistema tributário consiste em expandir as áreas e setores constrangidos à taxação. Uma vez definidas as áreas de tributação exclusiva, resta saber quais níveis de governo estão constitucionalmente autorizados a explorar o campo residual de taxação, isto é, as áreas de atividade potencialmente taxáveis. Evidentemente, o campo residual efetivo tende a restringir-se à medida que amadurece o sistema, pelo efeito da expansão das áreas de tributação.

Desde a Constituição de 1891 até a Constituição de 1946, tanto os estados brasileiros quanto a União sempre tiveram autonomia para explorar o campo residual de tributação, criando novos tributos. Em outras palavras, a autoridade tributária sobre o campo residual foi historicamente descentralizada, deixando de sê-lo apenas na reforma do regime militar (Quadro 1). Paradoxalmente, apenas o Estado Novo conferiu aos estados a autoridade tributária exclusiva sobre o campo residual, sem obrigação de repartição com os demais entes federativos (VARSANO, 1996, p. 4). Observe-se mais uma vez, portanto, que a variação dessa dimensão da autoridade não acompanhou as variações de regime político. Não apenas essa dimensão permaneceu relativamente invariável ao longo do tempo - embora tenha sido objeto de barganha em todas as ANCs -, como o período em que os estados tiveram autoridade tributária exclusiva sobre o campo residual foi o período de maior centralização política, se considerarmos apenas o período entre 1891 e 1964.

A inflexão centralizadora da autoritária tributária sobre o campo residual ocorreu apenas no regime militar. Essa inflexão consistiu em proibir a criação de novos impostos aos governos subnacionais, reservando essa autoridade apenas para a União. Além disso, ficou reservada à esfera federal autoridade tributária exclusiva sobre a criação de contribuições sociais10 10 O sistema tributário brasileiro faz distinção entre impostos e contribuições. A principal diferença é que os primeiros somente podem entrar em vigor no ano seguinte à sua aprovação por meio de emenda constitucional, ao passo que as segundas podem ser criadas por meio de lei ordinária e entrar em vigor 90 dias após sua aprovação. Os governos estaduais e municipais somente podem cobrar contribuições para os sistemas previdenciários de seus próprios servidores. , não sujeitas à repartição com os demais entes federativos. Como já apresentado, isso foi possível graças às condições centralizadas de aprovação parlamentar então imperantes.

A autoridade exclusiva da União na criação de contribuições sociais e sobre o campo residual foi mantida pela Constituição de 1988 (LEME, 1992, p. 75). Parece paradoxal mais uma vez que a descentralização fiscal da Constituição de 1988 não se tenha estendido ao campo residual de tributação. Não seria plausível supor, de acordo com a noção de que haveria um paralelo entre democracia e poder dos governos locais no Brasil, que os governos subnacionais reservassem para si a autoridade sobre o campo ainda não tributado da atividade econômica?

A decisão da ANC de 1987-1988 pode ser explicada pela interação estratégica dos atores, dadas as regras de operação dessa Assembléia e a composição das arenas decisórias, em um contexto de amadurecimento do sistema tributário nacional.

Diferentemente das constituições anteriores, a redação da nova Constituição não foi realizada por uma única comissão nem apoiada em um projeto técnico previamente preparado (GOMES, 2002, p. 10ss.). Sua redação iniciou-se pelo trabalho de 24 subcomissões, fundidas posteriormente em 8 comissões temáticas, cujas propostas foram, finalmente, integradas por uma comissão de sistematização. As propostas da comissão de sistematização, por sua vez, foram votadas em dois turnos em sessões plenárias. Na ANC, os principais acordos com relação ao novo desenho tributário foram selados no âmbito da Subcomissão de Tributos, Orçamento e Finanças e da Comissão de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas, em que governadores e prefeitos pressionaram intensamente os constituintes e a União foi omissa. O texto sofreu poucas modificações nas instâncias decisórias posteriores, fase em que a União, ao perceber as perdas decorrentes dos acordos selados, pressionou intensa e inutilmentemente para reverter as decisões (LEME, 1992, p. 148).

Na Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas, os representantes dos estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste - majoritários por um voto - acordaram com as bancadas de São Paulo e do Sul o fortalecimento da autonomia tributária estadual em troca do aumento nas alíquotas das transferências federais. O acordo incluía que a autoridade tributária sobre o campo residual voltasse a ser exclusiva dos estados. A proposta, entretanto, não agregava a totalidade das bancadas do Sudeste e do Sul, ao contrário da proposta de constitucionalização das transferências federais, que agregava a totalidade das bancadas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Quando, já na Comissão de Sistematização, a União tentou reverter os acordos selados ao longo do processo constituinte que lhe imporiam perdas fiscais, apenas aquelas que afetariam interesses de minorias dentro da ANC foram acatadas. Assim, o poder residual dos estados, cuja sustentação vinha basicamente da bancada paulista, foi suprimido da versão final submetida à plenária. As emendas propostas na plenária com a finalidade de recuperar a autoridade de estados e municípios sobre o campo tributário residual não conseguiram obter aprovação. O reduzido número de estados e municípios cuja base econômica torná-los-ia potencialmente beneficiários dessa prerrogativa tornou minoritário o número de constituintes interessados nesta questão (idem, p. 83ss.). Como indicado mais acima, a autoridade tributária sobre o campo residual perde importância relativa à medida que amadurece um sistema tributário, assim como interessa mais diretamente apenas a regiões com atividade econômica mais complexa e diversificada. Os benefícios concentrados dessa prerrogativa levaram o plenário da ANS de 1987-1988 a abdicar da prerrogativa da autonomia federativa, apenando essencialmente a bancada paulista. Pela mesma razão, esse não é um tema da agenda federativa de reformas no campo tributário.

A partir dos anos 1990, a exclusividade da União na cobrança de contribuições foi um dos principais instrumentos do governo federal para compensar as perdas fiscais decorrentes da descentralização fiscal de 1988, de vez que estes não estão sujeitos à obrigação constitucional de partilha com estados e municípios (SOUZA, 1997, p. 50; REZENDE & CUNHA, 2002; REZENDE & OLIVEIRA, 2003). A ampliação das alíquotas de contribuições federais - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) - permitiu expressiva elevação da arrecadação do governo federal11 11 A CSLL aumentou sua participação na receita do setor público de 0,9% em 1989 para 3% em 1992. O IOF, que representava 0,7% da receita do setor público, passou a representar 2,5% em 1992 (Pessoa e Malheiros apud SOUZA, 1997, p. 50-51). Os impostos sujeitos à contribuição representavam 51% da receita do setor público em 1988 e caíram para 42% em 1992 (Afonso apud SOUZA, 1997, p. 51). . Um segundo componente da estratégia foi a criação de novas contribuições, que têm a vantagem de poderem ser cobradas 90 dias após sua aprovação por meio de lei ordinária.

A mais notável delas é a contribuição sobre as operações em contas bancárias. O Imposto Temporário sobre Movimentações Financeiras (IPMF) foi aprovado em 1993, mas um mês após sua criação foi considerado inconstitucional pelo poder Judiciário. Em 1996, essa fonte federal de receita foi recriada, agora como Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), com base em uma coalizão suprapartidária para contornar uma crise no financiamento da política de saúde (PIOLA & BIASOTO JÚNIOR, 2002, p. 220). Em 1998, a CPMF foi novamente prorrogada, sua alíquota foi aumentada e suas receitas deixaram de ser destinadas exclusivamente à política de saúde. Na reforma do governo Lula, a CPMF tornou-se permanente.

II.4. Sistema de transferências fiscais

Desde a Constituição de 1934, o Brasil desenvolveu um complexo sistema de transferências fiscais. A característica desse primeiro arranjo foi inteiramente distinta do modelo que veio a estabelecer-se. Em 1934, o fluxo das transferências constitucionais deveria operar dos estados para a União e seus respectivos municípios. Desde a Constituição de 1946, contudo, tanto o governo federal deve transferir parte de sua receita tributária para estados e municípios quanto os governos estaduais devem fazê-lo para seus respectivos municípios (Quadro 2).

A Constituição de 1946, portanto, inaugurou o tipo de arranjo que vigora até hoje, pelo qual regras relativas a transferências constitucionais implicam que a União opere como arrecadadora substituta para estados e municípios, bem como os estados para seus respectivos municípios (VARSANO, 1996, p. 5-6). Na verdade, a maior parte da literatura que trata de ciclos da centralização (de 1965-1967) e da descentralização (constituições federais de 1946 e 1988) do sistema fiscal brasileiro refere-se basicamente a essa dimensão da repartição do bolo tributário. A partir da Constituição de 1946, a parte mais expressiva do embate federativo em torno da questão tributária disse respeito fundamentalmente à extensão em que a União operaria como arrecadadora substituta dos estados e municípios. Na prática, a sofisticada metáfora das sístoles e diástoles do sistema fiscal diz respeito basicamente às alíquotas aplicadas para a repartição obrigatória dos impostos arrecadados pelo governo federal.

Os constituintes de 1946 destinaram 60% da arrecadação dos impostos federais sobre combustíveis, minerais e energia elétrica para serem distribuídos para os estados e municípios, assim como 10% da arrecadação federal do IR para os municípios e 40% do total da arrecadação dos estados para seus respectivos municípios12 12 As intenções dos constituintes de 1946, contudo, não se transformaram em realidade. A maioria dos estados jamais transferiu os 30% do excesso de arrecadação aos municípios. As cotas federais do Imposto de Renda somente começaram a ser distribuídas em 1948 e eram calculadas em um ano, com base na arrecadação do ano anterior, para distribuição no ano seguinte; assim, seu valor real era largamente consumido pela inflação. A despeito disso, a municipalização das transferências criou forte incentivos à criação de novos municípios: eles passaram de 1 669 em 1945 para 3 924 em 1966 (VARSANO, 1996, p. 6). . A centralização fiscal do regime militar consistiu em restringir progressivamente as alíquotas dos impostos federais de repartição obrigatória, sendo que seu ápice ocorreu em 1968, quando o total das transferências constitucionais da União a estados e municípios somava 10% da arrecadação do IR e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Por sua vez, a progressiva distensão do regime político a partir de meados dos anos 1970 foi diretamente acompanhada de progressiva ampliação das alíquotas de transferência obrigatória da União para estados e municípios. Elas passaram de 5% em 1975 para 14% e 17%, respectivamente, até 1988. Finalmente, a Constituição de 1988 estabeleceu as maiores alíquotas de transferência constitucional da história brasileira: o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) têm como fonte de receita a soma de 44% da receita de dois impostos federais13 13 A reforma tributária de 1965-1967 criou o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios, compostos por um percentual sobre a arrecadação federal do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Esses percentuais eram de 5% para cada Fundo em 1968 e passaram a 21,5% e 22,5%, respectivamente, com a Constituição de 1988. Os Fundos de Participação movimentavam em 1997 cerca de 20% do total da receita administrada pela União (PRADO, 2001, p. 54). (Quadro 2)14 14 As transferências constitucionais dos governos estaduais para seus municípios, por sua vez, pouco variaram entre a centralização fiscal do regime militar e a Constituição de 1988. Segundo esta, os governos estaduais devem transferir aos municípios 25% da arrecadação de seu principal imposto. Na Reforma Tributária do regime militar, os estados deviam transferir 20% de sua receita de impostos aos seus municípios. .

Entretanto, nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, o poder Executivo federal foi capaz de aprovar legislação que parcialmente reverte essas decisões da Constituição de 1988. O Fundo de Estabilização Fiscal e a Desvinculação de Receitas da União têm permitido que o governo central retenha sistematicamente cerca de 1/5 das transferências constitucionais obrigatórias. Ainda que sejam intensas as pressões para o aumento das alíquotas de FPM e FPE, essas pressões não têm conseguido traduzir-se em legislação até o momento.

Duas questões merecem ser observadas. Em primeiro lugar, como já mencionado mais atrás, a barganha federativa por recursos tributários concentrou-se nas transferências fiscais à medida que se consolidou o regime de repartição de receitas. Em segundo lugar, observe-se que, com relação a essa dimensão, a legislação aprovada na década de 1990 não autoriza mais uma vez que se estabeleça uma relação direta entre variações no regime político e variações nas alíquotas de repartição obrigatória.

O projeto de "distensão lenta, gradual e segura" do regime militar foi acompanhado de progressiva descentralização do sistema fiscal. Essa descentralização aumentou o poder de barganha das bases estaduais da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), dada sua importância para a estratégia de legitimação do regime pela via eleitoral (ABRUCIO, 1998, p. 82ss.). Já em 1975 foi aprovada uma emenda constitucional que elevava progressivamente as alíquotas do FPE e FPM. A partir de então, novas emendas constitucionais aumentaram progressivamente essas alíquotas, em um processo crescente de descentralização fiscal que se completou com a Constituição de 1988. Ainda não disponho de dados sobre essas votações. Entretanto, até 1982 - quando os partidos de oposição conquistaram o governo de alguns estados -, a constitucionalização das transferências fiscais automáticas somente interessava às elites estaduais da ARENA, que governavam os estados. Essa constitucionalização não interessava ao partido da oposição, que não governava nenhum estado da federação. Além disso, seria praticamente impossível a aprovação de uma emenda constitucional sem o apoio do partido da maioria, dado o controle majoritário da ARENA nas câmaras federais e a regra de disciplina partidária. Assim, é muito plausível a hipótese de que a descentralização fiscal resultou da barganha das elites estaduais da ARENA, o partido de sustentação dos militares do governo central, que preferiram constitucionalizar o sistema de transferências fiscais para reduzir seu grau de subordinação em relação aos líderes militares que controlavam o governo federal.

Como já destacado anteriormente, na ANC de 1987-1988, a descentralização fiscal pode ser explicada pelas regras dos trabalhos legislativos e pela composição das arenas em que as decisões foram tomadas. A primeira etapa de formulação ocorreu na Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição de Receitas; nela, os principais postos, de Presidente e Relator, foram ocupados por dois representantes de estados da região Nordeste15 15 O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) tinha maioria nessa subcomissão e sua liderança indicaria um Deputado do Rio Grande do Sul para a Presidência da Subcomissão. Todavia, a escolha de Benito Gama (Partido da Frente Liberal (PFL)-BA) deu-se por uma votação de 11 a 10, em que as bancadas nordestina e nortista do PMDB não obedeceram à orientação da liderança (LEME, 1992, p. 144ss.). . Na Subcomissão havia um grande consenso em torno da proposta de aumentar as receitas de estados e municípios, mantendo o governo federal na função de principal arrecadador de tributos. A concepção favorável à maior autonomia tributária e maior esforço de arrecadação própria por parte dos governos subnacionais era minoritária. Além disso, enquanto as bancadas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste tendiam a alinhar-se com a proposta de aumento das transferências constitucionais e dos fundos especiais, as bancadas do Sul e do Sudeste dividiam-se em relação às reivindicações de autonomia tributária. A mais importante decisão dessa Subcomissão disse respeito ao aumento das transferências constitucionais para estados e municípios, bem como da constitucionalização e ampliação do Fundo Especial (FE) - que no regime militar destinava 2% da arrecadação do IR e IPI para o Norte e Nordeste - para 3% desses impostos, incluindo a região Centro-Oeste como beneficiária. A inclusão da região Centro-Oeste no grupo dos estados menos desenvolvidos a serem beneficiados pelo FE garantia a maioria na subcomissão16 16 A composição dessa Subcomissão era a seguinte: Norte: 2 PMDB; Nordeste: 3 PMDB, 4 PFL, 2 PDS Partido Democrático-Social (PDS), 1 Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Centro-Oeste: 1 PMDB; Sudeste: 3 PMDB, 1 PFL, 1 Partido Democrático Trabalhista (PDT), 1 Partido dos Trabalhadores (PT), 1 Partido Liberal (PL), 1 Partido Democrata-Cristão (PDC); Sul: 3 PMDB (LEME, 1992, p. 145). . Por outro lado, a autonomia na fixação dos próprios impostos foi uma concessão da bancada dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste à bancada paulista. O resultado desse acordo foi ter a União como perdedora (LEME, 1992, p. 97ss.).

Uma proposta para criação de uma fonte de receita federal de recursos para viabilizar a descentralização de responsabilidades foi apresentada já na Subcomissão de Impostos e Distribuição de Receitas17 17 A proposta foi apresentada pelo Deputado paulista José Serra. Previa um fundo federal que, acompanhando a ampliação das transferências constitucionais, permitiria a transferência de competências federais para estados e municípios, em um prazo de cinco anos (ver SOUZA, 1997, p. 72ss.). , mas foi sistematicamente derrotada nas diversas etapas do processo constituinte (SOUZA, 1997, p. 65ss.). O relator da Comissão sobre Sistema Tributário, Orçamento e Finanças alertou explicitamente sobre o risco envolvido na descentralização fiscal desacom-panhada de descentralização de competências. Portanto, essa decisão dos constituintes foi tomada deliberadamente18 18 O Relator da Comissão, Deputado José Serra, teria alertado o Presidente Sarney sobre o risco que estava em curso, mas o Presidente tê-lo-ia orientado a aprofundar o processo de descentralização (SOUZA, 1997, p. 80). .

A Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças, por sua vez, teve como Presidente e Relator dois representantes da região Sudeste - respectivamente, Francisco Dornelles (Partido da Frente Liberal (PFL)-RJ) e José Serra (Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)-SP) -, com experiência na área de finanças públicas, mas as bancadas dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste tinham maioria em relação às bancadas do Sudeste e do Sul19 19 A composição desta comissão era a seguinte: Norte: 5 PMDB; Nordeste: 9 PMDB, 12 PFL, 2 PDS, 1 PTB; Centro-Oeste: 3 PMDB: Sudeste: 9 PMDB, 2 PFL, 2 PDT, 2 PT, 1 PTB, 1 PL, 1 PDC; Sul: 8 PMDB, 1 PFL, 1 PDS, 1 PDT (LEME, 1992, p. 157). . Nessa Comissão a maioria dos constituintes preferiu um arranjo em que a União operaria como arrecadador substituto, ampliando as alíquotas das transferências constitucionais e reduzindo a quase zero a vinculação de gasto dessas receitas. Os acordos realizados com o Presidente e o Relator reiteraram o acordo já firmado na Subcomissão: autonomia tributária sobre os próprios impostos e ampliação das transferências dos fundos de participação. No que diz respeito à distribuição horizontal desses recursos, não foi possível obter um acordo, transferindo-o para legislação complementar, de molde a acomodar os conflitos. Esse acordo, contudo, ocorreu às custas de aumentadas perdas para a União, isto é, elevação dos percentuais de transferência constitucional dos fundos de participação (LEME, 1992, p. 83ss.)20 20 Na proposta da Comissão, os municípios perderiam o imposto sobre serviços e, em compensação, teriam aumentado de 20% para 25% a alíquota de repartição do ICMS estadual. Durante o processo constituinte, o aumento de alíquota foi mantido e a abolição do ISS foi reinstituída (SOUZA, 1997, p. 65ss). .

Nas fases posteriores do processo constituinte, a União tentou inutilmente reverter os acordos selados nas fases anteriores. Teve suas propostas aprovadas apenas com referência a aspectos marginais do desenho já esboçado, naqueles tópicos cujos benefícios eram tão concentrados que não mobilizavam maiorias (idem, p. 182). A aprovação nas sessões plenárias foi por esmagadora maioria - 326 de um total de 376 constituintes (idem, p. 175).

II.5. Vinculação de gastos

A Constituição Federal de 1946 inaugurou também um sistema de vinculações constitucionais de gasto das receitas dos governos subnacionais. Entretanto, nessa constituição, a vinculação de gasto das transferências destinava-se aos estados, estabelecendo que 48% dos impostos únicos transferidos deveriam ser empregados em despesas de capital, setorial e funcional.

No regime militar, a quase totalidade das transferências constitucionais estava vinculada a itens pré-definidos de gasto. Dado que a União era a principal arrecadadora e as transferências constitucionais eram reduzidas, as transferências negociadas eram o principal mecanismo de acesso dos governos subnacionais a fontes adicionais de receita, de tal sorte que eles transformaram-se em executores locais de políticas formuladas pelo governo federal (MEDEIROS, 1986, p. 418).

Em processo paralelo ao da ampliação das alíquotas das transferências constitucionais, a abertura política a partir de meados dos anos 1970 fez-se acompanhar de progressiva desvinculação das receitas fiscais de estados e municípios. Assim, em 1982, a vinculação constitucional de gasto dos municípios estava reduzida a apenas 20% das receitas a serem obrigatoriamente aplicadas em ensino. Finalmente, na Constituição Federal de 1988, as transferências constitucionais da União passaram a funcionar como block grants, isto é, poderiam ser gastas de modo praticamente livre pelos governos subnacionais. A decisão da ANC de 1988 proibia expressamente a vinculação de gasto de receita derivada de impostos, com a única exceção feita à educação: a União deve gastar 18% de sua receita disponível21 21 Receita disponível = receita tributária própria +/- transferências constitucionais. nessa rubrica de gasto, assim como governos estaduais e municipais devem gastar 25% dessas receitas em ensino.

Assim como com relação às transferências constitucionais, a trajetória das vinculações constitucionais de gasto do regime militar para a Constituição de 1988 sugere um paralelo entre regime político e centralização-descentralização fiscal. Entretanto, esse paralelo não se estende ao período democrático, posterior a 1988. A União não apenas passou a reter parte das transferências constitucionais como também ampliou progressivamente a regulamentação das decisões de gasto dos governos subnacionais. Em 1996, a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) - por meio da Emenda Constitucional n. 14/96 - estabeleceu que, pelo prazo de 10 anos, estados e municípios devem aplicar no mínimo 15% de todas as suas receitas exclusivamente no ensino fundamental. Além disso, 60% destes recursos devem ser aplicados exclusivamente no pagamento de professores em efetivo exercício do magistério. Posteriormente, em 2000, foi aprovada uma nova emenda à Constituição (a EC n. 29/2000), estabelecendo que até 2005 os estados devem gastar no mínimo 12% de suas receitas em saúde. Para os municípios, essa vinculação deverá atingir o patamar de 15% das receitas. Finalmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece limites para o gasto com pessoal ativo e inativo, limites para endividamento, bem como institui o apenamento jurídico e pessoal aos governantes que tiverem comportamento de gasto incompatível com a austeridade fiscal. Portanto, a reação do governo federal à desvinculação do gasto que emergiu da Constituição de 1988 consistiu em regulamentar progressivamente as decisões de gasto dos governos estaduais e municipais. Essa regulamentação foi possível graças à centralização do processo decisório na arena parlamentar (FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999). Na verdade, o exame do processo decisório dessas medidas de centralização da agenda de gasto dos governos subnacionais revela que o governo federal não encontrou resistências significativas para sua aprovação (ARRETCHE, 2002).

III. CONCLUSÕES

Este trabalho pretendeu demonstrar que a desagregação de distintas dimensões da distribuição de autoridade nas áreas tributária e fiscal permite analisar com maior precisão processos de centralização e descentralização. Na história brasileira, a adoção de um sistema descentralizado de separação de fontes tributárias não sofreu rupturas altamente significativas ao longo de sua história, tendo consolidado suas características básicas já nos anos 1940. Ainda que a arrecadação tributária tenha sido historicamente descentralizada, a União consolidou-se como a principal arrecadadora. À consolidação desse sistema correspondeu limitada autonomia dos governos estaduais para legislar sobre os impostos que afetariam as políticas de desenvolvimento econômico durante todo o período do Estado desenvolvimentista. A única ruptura significativa desse padrão de delegação de autoridade à Constituição Federal ocorreu na Constituição de 1988, pelo efeito de um acordo que combinou as preferências tributárias e fiscais das bancadas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, de um lado, e do Sul e Sudeste, particularmente São Paulo, de outro.

No processo de expansão do sistema tributário brasileiro, o poder residual de tributação permaneceu ilimitado para os diversos níveis de governo, à exceção do Estado Novo, em que, paradoxalmente, ele era exclusivo dos estados. Mas a centralização da autoridade sobre o campo residual de tributação, inaugurada pelo regime militar, deixou de ser uma questão capaz de mobilizar coalizões majoritárias na federação. Na ANC de 1988, a proposta de estender o poder residual aos estados foi facilmente derrotada pela União, que perdeu com relação a quase todos os itens de natureza tributária e fiscal.

Uma vez consolidado o regime de separação de fontes tributárias, a disputa federativa por recursos concentrou-se no sistema de transferências fiscais. A União foi capaz de reduzir substancialmente suas obrigações constitucionais de transferir parte de sua receita para estados nos períodos em que as regras de operação das arenas decisórias favoreceram o governo central, no regime militar e no período posterior a 1988. Além disso, a criação de um sistema de transferências fiscais foi, por sua vez, acompanhada pela regulamentação federal sobre as decisões de gasto dos governos subnacionais. Apenas sob condições de elevada descentralização da autoridade política - tais como o Regimento Interno da ANC de 1987-1988 - a regulamentação federal sobre a agenda de gastos dos governos locais foi reduzida. Na história do sistema fiscal brasileiro, à descentralização das transferências fiscais não correspondeu a autonomia dos governos subnacionais sobre suas decisões de gasto. A norma da federação brasileira tem sido a legislação federal definir extensamente a agenda de gasto dos governos subnacionais.

É arriscado afirmar que há um padrão nos sistemas tributário e fiscal brasileiros, devido às rupturas que de fato ocorreram ao longo do tempo. Entretanto, se alguma característica foi mais preponderante, é a da (i) descentralização de receitas - seja da autoridade para arrecadar, seja pela garantia de transferências constitucionais -, com (ii) centralização da arrecadação no governo federal - devido a seu papel de principal arrecadador -, acompanhadas de (iii) centralização da autoridade sobre as decisões de arrecadação e de gasto, isto é, limitação da autonomia dos governos subnacionais para a regulamentação da cobrança de impostos e do destino do gasto.

Recebido em 10 de dezembro de 2004

Aprovado em 18 de maio de 2005

Marta Arretche (arretche@usp.br) é Doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).

  • ABRUCIO, F. L. 1998. Os barões da federação São Paulo: USP.
  • ALMEIDA, M. H. T. 1995. Federalismo e políticas sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 10, n. 28, p. 88-108.
  • _____ 2001. Federalismo, democracia e governo no Brasil: idéias, hipóteses e evidências. BIB, São Paulo, n. 51, p. 13-34, 1ş semestre.
  • ARRETCHE, M. 2002. Federalismo e relações intergovernamentais no Brasil: a reforma dos programas sociais. Dados, Rio de Janeiro, v. 45, n. 3, p. 431-457.
  • _____ 2004. Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. São Paulo em Perspectiva, v. 18, n. 2, p. 17-26, abr.-jun.
  • AZEVEDO, S. & MELO, M. A. 1997. A política da reforma tributária: federalismo e mudança constitucional. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 25, p. 75-99.
  • BENDIX, R 1996. Construção nacional e cidadania. São Paulo: USP.
  • CAMARGO, A. 1993. La federación sometida. Nacionalismo desarrollista e inestabilidade democrática. In: CARMAGNANI, M. (org.). Federalismos latinoamericanos. México/Brasil/Argentina. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica.
  • COSTA, W. P. 1994. A questão fiscal na crise do Império e na implantação da República Relatório da pesquisa "Balanço e perspectivas do federalismo fiscal no Brasil". São Paulo: Fundação do Desenvolvimento Administrativo.
  • D'ARCY, F. & ALVAZAR, M. B. 1986. Decentralisation en France et Espagne. Pa-ris: Economica.
  • DAHL, R. A. 1986. Democracy, Identity, and Equality. Oslo: Norwegian University.
  • ELAZAR, D. 1991. Federal Systems of the World: A Handbook of Federal, Confederal and Autonomy Arrangements. New York: Cartermill International.
  • FIGUEIREDO, A. & LIMONGI, F. 1999. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
  • FGV 1967. A reforma do Ministério da Fazenda e sua metodologia Relatório final. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
  • GOMES, G. M. & MACDOWELL, C. 1997. Os elos frágeis da descentralização: observação sobre as finanças dos municípios brasileiros. Trabalho apresentado no Seminário Internacional sobre Federalismo e Governos Locais, realizado em La Plata (Argentina). Digit.
  • GOMES, S. 2002. A Assembléia Nacional Constituinte e o Regimento Interno São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Universidade de São Paulo.
  • HOCHMAN, G. 1998. A Era do Saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. São Paulo: Hucitec.
  • IMMERGUTT, E. M. 1996. As regras do jogo: a lógica da política de saúde na França, na Suíça e na Suécia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 11, n. 30, p. 139-163.
  • _____ 1998. The Theoretical Core of the New Institutionaism. Politics & Society, v. 26, n. 1, p. 5-34.
  • LEME, H. J. C. 1992. O federalismo na Constituição de 1988: representação política e a distribuição de recursos tributários. Campinas. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Universidade Estadual de Campinas.
  • LIJPHART, A. 1984. Democracies Patterns of Majoritarian and Consensus Government in Twenty-One Countries. New Haven: Yale University.
  • _____. 1999. Patterns of Democracy: Govern-ment Forms and Performance in Thirty-Six Countries. New Haven: Yale University.
  • LOPREATO, F. L. C. 2002. O colapso das finanças estaduais e a crise da federação São Paulo: UNESP
  • LOWI, T. 1964. American Business, Public Policy Case Studies, and Political Theory. World Politics, Baltimore, v. XVI, p. 677-715.
  • MEDEIROS, A. C. 1986. Politics and Intergovernmental Relations in Brazil: 1964-82. New York: Garland.
  • MELO, M. A. 2002. Reformas constitucionais no Brasil Rio de Janeiro: Revan.
  • MIGDAL, J. 1988. Strong Societies and Weak States State-Society Relations and State Capabilities in the Third World. Princeton: Princeton University.
  • MORA, M. & VARSANO, R. 2001. Fiscal Decentralization and Subnational Fiscal Autonomy in Brazil: Some Facts of the Nineties. Texto para discussão n. 854. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.
  • OLIVEIRA, F. 1995. A crise da federação: da oligarquia à globalização. In: AFFONSO, R. B. A. & SILVA, P. L. B. A federação em perspectiva Ensaios selecionados. São Paulo: Fundação do Desenvolvimento Administrativo.
  • PALERMO, V. 2000. Como se governa o Brasil? O debate sobre instituições políticas e gestão de governo. Dados, Rio de Janeiro, v. 43, n. 3, p. 521-557.
  • PIERSON, P. 2000. Increasing Returns, Path Dependence, and the Study of Politics. American Political Science Review, Washington, D. C., v. 94, n. 2, p. 251-67, May.
  • PIOLA, S. F. & BIASOTO JÚNIOR, 2001. Financiamento do SUS nos anos 90. In: NEGRI, B. & GIOVANNI, G. (orgs.). Radiografia da saúde Brasília: Ministério da Saúde.
  • PRADO, S. 2001. Transferências fiscais e financiamento municipal no Brasil Relatório de pesquisa "Descentralização fiscal e cooperação financeira intergovernamental". Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer.
  • PUTNAM, R. D. 1996. Comunidade e democracia A experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
  • REZENDE, F. 2001. Globalization, Fiscal Federalism, and Taxation Brasília: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
  • REZENDE, F. & CUNHA, A. 2002. Contribuintes e cidadãos Compreendendo o orçamento federal. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
  • REZENDE, F. & OLIVEIRA, F. A. 2003. Descentralização e federalismo fiscal no Brasil Desafios da reforma tributária. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer.
  • RIKER, W. 1975. Federalism. In: GREENSTEIN, F. & POLSBY, N. (eds.). Handbook of Political Science Reading: Addison-Wesley.
  • RODDEN, J. 2005. Federalismo comparado e descentralização: sobre significados e medidas. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 24, p. 9-27, jun.
  • SCHNEIDER, A. M. 2001. Federalism against Markets: Local Struggles for Power and National Fiscal Adjustment in Brazil. Tese (Doutorado). University of California.
  • SERRA, J. & AFONSO, J. R. R. 1999. Federalismo fiscal à brasileira: algumas reflexões. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 3-30, dez.
  • SILVA, L. M. O. 1994. A evolução da organização e sistemática das formas tributárias: União, estados e municípios. Relatório da pesquisa "Balanço e perspectivas do federalismo fiscal no Brasil". São Paulo: Fundação do Desenvolvimento Administrativo
  • SKOCPOL, T. 1992. Protecting Soldiers and Mothers Cambridge: Harvard University.
  • SOUZA, C. 1997. Constitutional Engineering in Brazil New York: Macmillan.
  • STEINMO, S. 1993. Taxation and Democracy: Swedish, British, and American Approaches to Financing the Modern State. New Haven: Yale University.
  • STEPAN, A. 1999. Para uma nova análise comparativa do federalismo e da democracia: federações que restringem ou ampliam o poder do demos Dados, Rio de Janeiro, v. 42, n. 2, p. 197-251.
  • VARSANO, R. 1996. A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões para futuras reformas. Texto para discussão n. 405. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.
  • WEIR, M.; ORLOFF, A. S. & SKOCPOL, T. (eds.). 1988. The Politics of Social Policy in the United States Princeton: Princeton University.
  • WHEARE, K. C. 1964. Federal Government NewYork: Oxford University.
  • WILLIS, E.; GARMAN, C. C. B. & HAGGARD, S. 1999. The Politics of Decentralization in Latin America. Latin American Research Review, Pittsburgh, v. 34, n. 1, p. 7-56.
  • 1
    Este artigo beneficiou-se de pesquisa realizada para o projeto
    Taxation Perspectives. A Democratic Approach to Public Finance in Developing Countries, em parceria com Aaron Schneider, financiado pelo Institute of Development Studies. Beneficiou-se ainda de apoio fornecido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob a forma de Bolsa de Produtividade em Pesquisa, bem como auxílio a projeto de pesquisa, do Edital Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas de 2003. Uma primeira versão foi apresentada no Grupo de Trabalho de Políticas Públicas do XXVII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciências Sociais (Anpocs). Agradeço a Aaron Schneider, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Eduardo Marques pelos comentários e sugestões que muito contribuíram para esta revisão.
  • 2
    No caso brasileiro posterior a 1988, seria mais preciso falar em tripla soberania, dado que governos estaduais e municipais são constitucionalmente entes federativos autônomos. Neste ponto, entretanto, estou me concentrando no conceito de federalismo, tal como tratado pela literatura sobre formas de Estado.
  • 3
    As instituições mais clássicas de garantia do arranjo federativo são as câmaras de representação dos estados e a autoridade do poder Judiciário para dirimir conflitos entre os distintos níveis de governos. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe a instituição dos senados estaduais, para representar os governos locais.
  • 4
    Lipjhart (1984; 1999) define como consociativas as democracias cujas instituições políticas são desenhadas de modo a compartilhar, dispersar e limitar o poder do governo central.
  • 5
    Em
    A Era do Saneamento, Gilberto Hochmann (1998) mostra que a assimetria de recursos e capacidades estatais entre o estado de São Paulo e os demais estados da federação foi um elemento central na definição do desenho da política nacional de saúde publica no final da Primeira República.
  • 6
    Sobre o impacto das decisões passadas nas decisões dos atores, ver Pierson (2000).
  • 7
    Essa dimensão não será examinada neste artigo devido à dificuldade de coleta de dados e informações.
  • 8
    Observe-se que a proposta de constitucionalizar transferências federais, adotada pela Constituição de 1946, já estava presente nessa Assembléia Constituinte.
  • 9
    O novo sistema foi implantado paulatinamente entre 1964 e 1966: uma Emenda Constitucional - n. 18/65 -, que, com algumas alterações, incorporou-se ao texto da Constituição de 1967, e o Código Tributário, aprovado por meio de Lei ordinária em 1966, foram os principais documentos da reforma.
  • 10
    O sistema tributário brasileiro faz distinção entre impostos e contribuições. A principal diferença é que os primeiros somente podem entrar em vigor no ano seguinte à sua aprovação por meio de emenda constitucional, ao passo que as segundas podem ser criadas por meio de lei ordinária e entrar em vigor 90 dias após sua aprovação. Os governos estaduais e municipais somente podem cobrar contribuições para os sistemas previdenciários de seus próprios servidores.
  • 11
    A CSLL aumentou sua participação na receita do setor público de 0,9% em 1989 para 3% em 1992. O IOF, que representava 0,7% da receita do setor público, passou a representar 2,5% em 1992 (Pessoa e Malheiros
    apud SOUZA, 1997, p. 50-51). Os impostos sujeitos à contribuição representavam 51% da receita do setor público em 1988 e caíram para 42% em 1992 (Afonso
    apud SOUZA, 1997, p. 51).
  • 12
    As intenções dos constituintes de 1946, contudo, não se transformaram em realidade. A maioria dos estados jamais transferiu os 30% do excesso de arrecadação aos municípios. As cotas federais do Imposto de Renda somente começaram a ser distribuídas em 1948 e eram calculadas em um ano, com base na arrecadação do ano anterior, para distribuição no ano seguinte; assim, seu valor real era largamente consumido pela inflação. A despeito disso, a municipalização das transferências criou forte incentivos à criação de novos municípios: eles passaram de 1 669 em 1945 para 3 924 em 1966 (VARSANO, 1996, p. 6).
  • 13
    A reforma tributária de 1965-1967 criou o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios, compostos por um percentual sobre a arrecadação federal do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Esses percentuais eram de 5% para cada Fundo em 1968 e passaram a 21,5% e 22,5%, respectivamente, com a Constituição de 1988. Os Fundos de Participação movimentavam em 1997 cerca de 20% do total da receita administrada pela União (PRADO, 2001, p. 54).
  • 14
    As transferências constitucionais dos governos estaduais para seus municípios, por sua vez, pouco variaram entre a centralização fiscal do regime militar e a Constituição de 1988. Segundo esta, os governos estaduais devem transferir aos municípios 25% da arrecadação de seu principal imposto. Na Reforma Tributária do regime militar, os estados deviam transferir 20% de sua receita de impostos aos seus municípios.
  • 15
    O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) tinha maioria nessa subcomissão e sua liderança indicaria um Deputado do Rio Grande do Sul para a Presidência da Subcomissão. Todavia, a escolha de Benito Gama (Partido da Frente Liberal (PFL)-BA) deu-se por uma votação de 11 a 10, em que as bancadas nordestina e nortista do PMDB não obedeceram à orientação da liderança (LEME, 1992, p. 144ss.).
  • 16
    A composição dessa Subcomissão era a seguinte: Norte: 2 PMDB; Nordeste: 3 PMDB, 4 PFL, 2 PDS Partido Democrático-Social (PDS), 1 Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Centro-Oeste: 1 PMDB; Sudeste: 3 PMDB, 1 PFL, 1 Partido Democrático Trabalhista (PDT), 1 Partido dos Trabalhadores (PT), 1 Partido Liberal (PL), 1 Partido Democrata-Cristão (PDC); Sul: 3 PMDB (LEME, 1992, p. 145).
  • 17
    A proposta foi apresentada pelo Deputado paulista José Serra. Previa um fundo federal que, acompanhando a ampliação das transferências constitucionais, permitiria a transferência de competências federais para estados e municípios, em um prazo de cinco anos (ver SOUZA, 1997, p. 72ss.).
  • 18
    O Relator da Comissão, Deputado José Serra, teria alertado o Presidente Sarney sobre o risco que estava em curso, mas o Presidente tê-lo-ia orientado a aprofundar o processo de descentralização (SOUZA, 1997, p. 80).
  • 19
    A composição desta comissão era a seguinte: Norte: 5 PMDB; Nordeste: 9 PMDB, 12 PFL, 2 PDS, 1 PTB; Centro-Oeste: 3 PMDB: Sudeste: 9 PMDB, 2 PFL, 2 PDT, 2 PT, 1 PTB, 1 PL, 1 PDC; Sul: 8 PMDB, 1 PFL, 1 PDS, 1 PDT (LEME, 1992, p. 157).
  • 20
    Na proposta da Comissão, os municípios perderiam o imposto sobre serviços e, em compensação, teriam aumentado de 20% para 25% a alíquota de repartição do ICMS estadual. Durante o processo constituinte, o aumento de alíquota foi mantido e a abolição do ISS foi reinstituída (SOUZA, 1997, p. 65ss).
  • 21
    Receita disponível = receita tributária própria +/- transferências constitucionais.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      18 Maio 2005
    • Recebido
      10 Dez 2004
    Universidade Federal do Paraná Rua General Carneiro, 460 - sala 904, 80060-150 Curitiba PR - Brasil, Tel./Fax: (55 41) 3360-5320 - Curitiba - PR - Brazil
    E-mail: editoriarsp@gmail.com