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Violência e segurança: um olhar sobre a França e o Brasil

Violence et sécurité: un regard sur la France et le Brésil

Violence and safety: a look at France and Brazil

Resumos

Este artigo propõe uma reflexão sobre a questão da segurança/insegurança na França e no Brasil. Se por um lado o paralelo entre realidades sociais bastante distintas parece improvável, por outro a comparação permite identificar algumas convergências e aponta para temas comuns à abordagem desse problema social complexo nos dois países. Tanto na França como no Brasil a questão da segurança está presente no debate público e transformou-se em preocupação política dos diferentes níveis de governo. A partir de uma breve delimitação do significado do fenômeno da violência nos dois países e da recuperação dos debates sobre a experiência francesa no campo da prevenção e segurança e sobre a experiência brasileira no campo da segurança pública e direitos humanos, é possível construir uma reflexão sobre questões comuns a realidades sociais distintas.

violência; insegurança; políticas de segurança; prevenção; repressão; democracia; direitos humanos


Cet article propose une réflexion sur le thème de la sécurité/insécurité en France et au Brésil. Même s'il est difficile d'établir une comparaison entre deux réalités sociales très différentes, les comparer nous permet d'identifier quelques convergences et de présenter des thèmes communs lors de l'approche de ce problème social complexe. Aussi bien en France qu'au Brésil le problème de la sécurité est présent dans le débat national et est devenu une préoccupation politique à plusieurs niveaux du gouvernement. A partir d'une rapide délimitation du sens du phénomène de la violence dans les deux pays et de la relance des débats sur l'expérience française dans le domaine de la prévention et de la sécurité et sur l'expérience brésilienne dans celle de la sécurité publique et des droits humains, il est possible de réfléchir sur des questions communes concernant des réalités distinctes.

violence; insécurité; politiques de sécuritité; prévention; répression; démocratie; droits humains


This article proposes a reflection on the issue of safety/unsafety in France and Brazil. If on the one hand it may seem hard to draw parallels between social realities that are so different, on the other, it seems true that attempts at comparison may help to identify some convergences and point toward some common topics for an approach to this very complex social problem in both countries. In France as in Brazil, the question of safety has a visible presence in public debate and has become a political concern at different levels of government. Through a brief outline of the meaning of the phenomenon of violence in both countries, the discussion of debates on the French experience in the area of prevention and security and the Brazilian experience in the area of public safety and human rights, it becomes possible to construct some reflections on issues that are common to these very different social realities.

Violence; unsafety; safety policies; prevention; repression; democracy; human rights


DOSSIÊ DEMOCRACIAS E AUTORITARISMOS

AUTORITARISMOS

Violência e segurança: um olhar sobre a França e o Brasil1 1 Este artigo é um resultado do intercâmbio entre o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) e o Centre d'Analyse et d'Intervention Sociologiques, da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em razão do Convênio USP-Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (COFECUB), no Programme de Coopération UC 74/00.

Violence and safety: a look at France and Brazil

Violence et sécurité: un regard sur la France et le Brésil

Cristina Neme

RESUMO

Este artigo propõe uma reflexão sobre a questão da segurança/insegurança na França e no Brasil. Se por um lado o paralelo entre realidades sociais bastante distintas parece improvável, por outro a comparação permite identificar algumas convergências e aponta para temas comuns à abordagem desse problema social complexo nos dois países. Tanto na França como no Brasil a questão da segurança está presente no debate público e transformou-se em preocupação política dos diferentes níveis de governo. A partir de uma breve delimitação do significado do fenômeno da violência nos dois países e da recuperação dos debates sobre a experiência francesa no campo da prevenção e segurança e sobre a experiência brasileira no campo da segurança pública e direitos humanos, é possível construir uma reflexão sobre questões comuns a realidades sociais distintas.

Palavras-chave: violência; insegurança; políticas de segurança; prevenção; repressão; democracia; direitos humanos.

ABSTRACT

This article proposes a reflection on the issue of safety/unsafety in France and Brazil. If on the one hand it may seem hard to draw parallels between social realities that are so different, on the other, it seems true that attempts at comparison may help to identify some convergences and point toward some common topics for an approach to this very complex social problem in both countries. In France as in Brazil, the question of safety has a visible presence in public debate and has become a political concern at different levels of government. Through a brief outline of the meaning of the phenomenon of violence in both countries, the discussion of debates on the French experience in the area of prevention and security and the Brazilian experience in the area of public safety and human rights, it becomes possible to construct some reflections on issues that are common to these very different social realities.

Keywords: Violence; unsafety; safety policies; prevention; repression; democracy; human rights.

RÉSUMÉ

Cet article propose une réflexion sur le thème de la sécurité/insécurité en France et au Brésil. Même s'il est difficile d'établir une comparaison entre deux réalités sociales très différentes, les comparer nous permet d'identifier quelques convergences et de présenter des thèmes communs lors de l'approche de ce problème social complexe. Aussi bien en France qu'au Brésil le problème de la sécurité est présent dans le débat national et est devenu une préoccupation politique à plusieurs niveaux du gouvernement. A partir d'une rapide délimitation du sens du phénomène de la violence dans les deux pays et de la relance des débats sur l'expérience française dans le domaine de la prévention et de la sécurité et sur l'expérience brésilienne dans celle de la sécurité publique et des droits humains, il est possible de réfléchir sur des questions communes concernant des réalités distinctes.

Mots-clés: violence; insécurité; politiques de sécuritité; prévention; répression; démocratie; droits humains.

I. INTRODUÇÃO

Este artigo propõe uma reflexão sobre a questão da segurança/insegurança na França e no Brasil. Se por um lado o paralelo entre realidades sociais bastante distintas parece improvável, por outro a comparação permite identificar algumas convergências e aponta para temas comuns à abordagem desse problema social complexo nos dois países.

Tanto na França como no Brasil a questão da segurança está presente no debate público e transformou-se em preocupação política dos diferentes níveis de governo. A partir de uma breve delimitação do significado do fenômeno da violência nos dois países e da recuperação dos debates sobre a experiência francesa no campo da prevenção e segurança e sobre a experiência brasileira no campo da segurança pública e direitos humanos, é possível construir uma reflexão sobre questões comuns a realidades sociais distintas.

II. A QUESTÃO DA SEGURANÇA NA FRANÇA

II.1. Violência na França

No que se refere ao tema da violência na França, têm sido encontrados basicamente os eventos de revoltas ou desordens urbanas, o crescimento da pequena e média delinqüências e das incivilidades e um forte sentimento de insegurança.

Tem-se, por um lado, o crescimento da delinqüência constatada nos registros oficiais e praticada geralmente por um público jovem. Ao observarem-se os quatro grandes grupos de crimes e delitos que compõem as estatísticas policiais (roubo e receptação; delinqüências econômica e financeira; atentado à pessoa; outros crimes e delitos), verifica-se que o conjunto de roubos contribuiu em grande medida para a tendência de crescimento da delinqüência, iniciada na virada dos anos 1960 para os anos 1970 (SINNA, 2002, p. 241-242). Por outro lado, ocorreu o aumento das chamadas incivilidades, fatos que não constituem problemas propriamente criminal-policiais e não constam dos registros oficiais, mas contribuem para o sentimento de insegurança. São pequenos delitos, que permanecem impunes, ou atos desrespeitosos, como insultos, ameaças, rixas, brigas ou vandalismos, cuja repetição dificulta a vida social. "Expressões de agressividade pouco graves em si mesmas, mas insuportáveis no cotidiano", as incivilidades tornaram-se mais numerosas e menos suportáveis (WIEVIORKA, 1999, p. 35). Paralelamente, eventos de revoltas ou tumultos praticados por jovens (geralmente de origem estrangeira), também chamados de desordens urbanas, como os rachas a bordo de carros roubados, o incêndio de carros e a degradação de bens públicos, vêm completar o quadro das violências na França.

Frente à situação de aumento da pequena e média delinqüência, do sentimento de insegurança e da emergência das revoltas ou desordens em grandes cidades, que ganharam grande repercussão nos meios de comunicação, a questão da insegurança ganhou relevância política e provocou o desenvolvimento de políticas locais de prevenção e segurança (SINNA, 2002, p. 61). Interessa aqui discutir os aspectos centrais das políticas de prevenção e segurança que se seguiram à Comissão Bonnemaison2 2 Instaurada pelo Primeiro-Ministro em 1982, a comissão reuniu e engajou ativamente prefeitos de grandes cidades, colocando no centro de sua reflexão a cidade e seus representantes, com o objetivo de definir orientações e propor iniciativas no campo da prevenção da delinqüência nas cidades francesas (SINNA, 2002, p. 68-69). A comissão é uma referência no debate francês sobre a insegurança. ao longo dos anos 1980 e dos anos 1990.

II.2. Políticas de prevenção e segurança

Cabe observar que quando se trata de políticas de prevenção e segurança na França tem-se um espectro que vai da abordagem social à abordagem securitária (repressiva) do problema da insegurança: são as políticas de prevenção social geral, que visam às causas da delinqüência; as de prevenção social focalizada, que são orientadas para um público-alvo em risco em relação à delinqüência, e as de prevenção situacional, no cenário menos repressivo, que visam a dissuadir a delinqüência e a proteger as vítimas por meio da vigilância do espaço.

Nos anos 1980, as políticas conformadas no campo da segurança caracterizaram-se predominantemente pela abordagem local e sócio-preventiva dos problemas de delinqüência, em conformidade com a concepção da Comissão Bonnemaison3 3 Basicamente, essas políticas orientaram-se a partir dos seguintes princípios: abordagem local dos problemas de insegurança, co-produção da segurança por meio de método contratual (promoção de parcerias entre diferentes atores e níveis de governo) e proposta de equilíbrio entre prevenção e repressão (SINNA, 2002, p. 61-99). . Os conselhos comunais de prevenção da delinqüência (CCPD)4 4 O CCPD é considerado a pedra angular do modelo francês de política pública de prevenção da delinqüência a partir dos anos 1980. Com missão de coordenar e animar ações de prevenção da delinqüência, contribuindo para a "segurança civil", os CCPDs fundam-se nos princípios da mobilização coletiva e da ampliação dos atores envolvidos, principalmente os políticos locais responsáveis. É uma instância estabelecida sob autoridade do préfet (representante do Estado) e do prefeito (BERLIOZ & DUBOUCHET, 1998, p. 89-90). tornaram-se a base da política de prevenção e as políticas desenvolvidas a partir desses conselhos afastaram-se da abordagem repressiva da delinqüência, embora mudanças relativas às instituições da polícia e da justiça também constassem das orientações da Comissão (idem, p. 88-97).

Ao final dessa década, observou-se que as ações de prevenção da delinqüência diluíram-se nas políticas sociais globais da cidade ("politique de la ville"5 5 A "política da cidade" ( politique de la ville) corresponde a um conjunto de políticas voltadas à promoção de ações sociais e culturais (animação cultural e social) e ao desenvolvimento social dos bairros. ) e perderam sua especificidade (ou seja, seu foco na questão da delinqüência). Tem-se uma política de prevenção da delinqüência marcada pela indefinição ou generalidade, pois as suas ações diluem-se em ações sócio-culturais conduzidas pelas estruturas municipais de animação e inserção social (os programas e recursos da prevenção da delinqüência passam a englobar qualquer ação cultural ou social e ações que se situam no campo da prevenção social justificam-se como prevenção da delinqüência) (BERLIOZ & DUBOUCHET, 1998, p. 90; SINNA, 2002, p. 84-86).

Isso se deve à dificuldade de delimitar a concepção de prevenção da delinqüência e de articular os diferentes níveis de prevenção, de modo que a prevenção da delinqüência esvai-se em políticas globais que preconizam a intervenção em todos os riscos de inadaptação social, visando a favorecer a socialização. A busca de articulação entre prevenção e luta contra a violência e a tensão entre fazer prevenção da delinqüência sobre públicos-alvos (prevenção focalizada) ou fazer prevenção da inadaptação social (prevenção social) marcou o funcionamento dos CCPDs, mas de modo geral as políticas de prevenção orientaram-se mais para a luta contra a exclusão do que para as ações voltadas diretamente para evitar delitos, não ocorrendo articulação entre os dois pontos (BERLIOZ & DUBOUCHET, 1998, p. 91-93).

Seguindo a concepção que opunha prevenção e repressão, os CCPDs afastaram-se das questões repressivas ou relativas à segurança em sentido estrito; conseqüentemente, esses conselhos não geraram transformações nas instituições diretamente relacionadas à questão da segurança (polícia e justiça), de modo a engajá-las efetivamente em um trabalho conjunto para promover ações direcionadas à prevenção da delinqüência imediata.

A presença dessas instituições nos CCPDs é avaliada como apenas informativa (comentar estatísticas sobre a delinqüência), formal e marginal, de modo que os conselhos não foram capazes de articular e integrar as diferentes lógicas – do prefeito (representante da cidade), do préfet (representante do Estado) e das instituições repressivas (polícia e justiça) – em relação à segurança pública. Apesar do propósito de ser o lugar da articulação, os CCPDs não foram capazes de abordar com profundidade a questão da polícia e da justiça nas comunas (comunidades), não reduziram a distância entre os campos da prevenção e da repressão, não promoveram a cooperação entre os agentes de segurança (polícia e justiça) e os agentes da prevenção social (assistentes sociais, educadores) e não romperam o fechamento ou a concorrência entre as instituições (idem, p. 102; BODY-GENDROT, 2001, p. 921; SINNA, 2002, p. 85).

Enfim, conforme sintetizam Body-Gendrot e Duprez, o modelo de prevenção dos anos 1980 pode ser entendido como uma política de discriminação positiva em favor dos bairros desfavorecidos, com o objetivo de melhorar globalmente as condições de vida em um bairro e agir indiretamente sobre a delinqüência – diferentemente do modelo de prevenção situacional anglo-americano, que busca dissuadir os delinqüentes de seus intuitos multiplicando-lhes os obstáculos (BODY-GENDROT & DUPREZ, 2001, p. 381). É um modelo de prevenção em que polícia e justiça estão ausentes ou do qual raramente participam.

Após novas revoltas no início dos anos 19906 6 Revolta de Vaulx-en-Velin (1990), desencadeada após a morte de um jovem em uma blitz policial, dez anos depois dos rachas de Minguettes (1981). e a não-interrupção do crescimento da delinqüência, essas políticas foram consideradas fracassadas ou insuficientes para reduzir a insegurança. Embora os autores indiquem a falta de avaliação das políticas de prevenção no âmbito da política da cidade, a dificuldade de medir os resultados da prevenção e de avaliar o quanto teriam contribuído para conter a segregação social, o fato é que politicamente a questão da insegurança agravou-se e ganhou maior expressão.

Como resultado do modelo dos anos 1980, configurou-se uma situação em que o sistema em funcionamento (a partir dos CCPDs) não se mostrou capaz de atender as demandas imediatas das vítimas, reais ou potenciais, da delinqüência, visto estar voltado para ações de prevenção social que visam a melhorar o ambiente social local e indiretamente a reduzir a delinqüência. Embora tivesse como objetivo original fazer a prevenção da delinqüência, o que supõe ações direcionadas a impedir comportamentos delituosos e, em conseqüência, exige a articulação com o campo da segurança (instituições repressivas), os CCPDs não lograram promover a integração das políticas penal, policial, esportiva, cultural e urbana, que freqüentemente foram concebidas e implantadas de maneira autônoma (idem, p. 100-102). Ofereciam-se respostas de longo prazo para demandas que exigiam ações de curto prazo e o problema da insegurança elevou-se ainda mais como prioridade política tanto do governo central como dos prefeitos – estes pressionados pelas demandas da população em um contexto em que as vítimas tornaram-se o centro das atenções.

A partir daí, ocorreu um deslocamento da prevenção para a segurança: embora as políticas de prevenção continuem, uma nova ênfase foi colocada sobre a segurança, de modo que o Estado e suas instituições repressivas (política e justiça) são implicados mais fortemente na questão (BODY-GENDROT & DUPREZ, 2001, p. 386-389). Percebe-se um movimento de focalização das políticas de prevenção e segurança, de abordagem mais específica dos problemas de insegurança, de direcionamento para os públicos problemáticos e de separação da questão da prevenção da delinqüência e da segurança do conjunto da politique de la ville. Seguiram-se políticas que se distinguiram das anteriores na medida em que se afastaram em maior ou menor grau da prevenção social, tendendo a focalizar os problemas de insegurança de maneira mais direta, seja no âmbito da prevenção da delinqüência, seja no âmbito da repressão7 7 Emergência dos planos locais de segurança (1992), dos planos departamentais de segurança (1993-1995), dos planos departamentais de prevenção (1995) e dos contratos locais de segurança (1997) (SINNA, 2002, p. 91-114). .

No final dos anos 1990 foram lançados pelo governo os Contratos Locais de Segurança (CLSs) (1997), uma política de prevenção e de segurança baseada nas noções de cidadania e de proximidade, proposta como resposta política à continuidade do crescimento das pequena e média delinqüências, particularmente a delinqüência juvenil, e do sentimento de insegurança. O CLS é também uma política local de prevenção e segurança baseada no trabalho de parceria, na linha dos CCPD, mas apresenta-se como uma política mais sistematizada (baseada na elaboração de diagnósticos, definição e encaminhamento de ações e avaliação do trabalho empreendido) que procura responder às insuficiências de sua antecessora em atender a demanda por segurança8 8 O Contrato Local de Segurança – quadro contratual para elaboração local da política de prevenção e segurança – e a polícia de proximidade (1999) são os instrumentos de intervenção da política de contratos locais de segurança ( Guide pratique pour les contrats locaux de sécurite, 1998; SINNA, 2002, p. 121-122). . Vem somar-se a outras políticas da cidade (que visam às áreas da educação, emprego e reestruturação urbana) em um contexto em que as políticas sociais globais que caracterizaram os anos 1980 não são mais consideradas suficientes para reduzir a insegurança e em que a questão da delinqüência ganha nova ênfase e políticas mais direcionadas. Com os CLSs, propõe-se associar prevenção e repressão em um trabalho de parceria, de modo que a polícia emerge como ator relevante. Daí a proposta de reforma da polícia e o lançamento da polícia de proximidade em contraposição ao trabalho policial tradicional, incapaz de responder às demandas por segurança da população, ou seja, de conter a delinqüência e reduzir o sentimento de insegurança.

A análise dos resultados dessa política permite recuperar as principais questões relativas à prevenção e à segurança na França. Ao analisar uma amostra de contratos locais, Sinna chegou a uma classificação das ações estabelecidas nos CLSs, explicitando o que se faz como política de prevenção e segurança por meio desses contratos (ou seja, o seu conteúdo político)9 9 Amostra de 51 contratos locais de segurança, sendo 34 deles em áreas problemáticas ou muito problemáticas (" départements sensibles ou très sensibles") (SINNA, 2002, p. 139). . Três tipos de ações foram identificadas: a) ações de prevenção social de longo prazo, não orientadas para um público específico em relação à delinqüência; b) ações centradas na ocupação do espaço público visando a evitar os atos delinqüentes ("passagens ao ato") com a presença de forças policiais e agentes de mediação e c) ações de prevenção social focalizadas em indivíduos ou grupos em risco de ou relacionados à delinqüência (vítimas, autores e profissionais).

Os CLS analisados apresentam os três tipos de ação, em diferentes proporções, mas, de modo geral, a análise do conjunto dos contratos indicou que a maioria das ações é de prevenção social focalizada, seguidas das ações de prevenção situacional e de prevenção social. Assim, as políticas locais de prevenção e de segurança repartem-se entre ações de prevenção social voltadas para um público definido, em risco de delinqüência, ações orientadas para a ocupação do espaço público, com objetivo de vigiá-lo e protegê-lo, e ações de prevenção social globais.

A análise indica a afirmação da prevenção focalizada sobre a prevenção social e a emergência do paradigma situacional no campo das políticas de prevenção e segurança, embora os contratos exclusivamente voltados para a prevenção situacional não constituam maioria. Segundo Sinna, isso representa o "aparecimento de uma preocupação de gestão do espaço público em uma perspectiva situacional que não estava presente na França até 1995" (SINNA, 2002, p. 206).

Na avaliação do autor, a política dos CLSs representou uma mudança em relação às políticas anteriores ao abrir caminho para a prevenção situacional em uma tendência antes concorrencial do que complementar em relação ao modelo até então dominante de prevenção social. Se for essa a evolução, corre-se o risco de substituição de uma lógica pela outra em vez de promover-se a articulação das diferentes ações de curto e de longo prazo em uma ampla perspectiva social. Embora as políticas sejam locais, não se alcançou a articulação e a integração entre as diferentes áreas, de modo que permanece como grande desafio a abordagem complementar entre prevenção social e prevenção situacional, entre prevenção e repressão – em contraposição à separação entre dimensão securitária e dimensão social do problema da insegurança. À falta dessa articulação e frente à urgência das demandas em relação à segurança, restará aos políticos a abordagem securitária, restritiva e defensiva do problema. Ficam abertas então as hipóteses de enfrentamento do problema por meio da articulação das políticas de prevenção e segurança em uma perspectiva social ou de segregação social por meio da "securização" do espaço público (idem, p. 351-362).

Como comentaram Berlioz e Dubouchet na ocasião do surgimento dos CLSs, essa política poderia ser uma oportunidade de focar os CCPD em seu objetivo original de fazer a prevenção da delinqüência (o que requer articulação entre os campos da prevenção e da segurança) ou, ao contrário, poderia ser um movimento de especificação de funções, contribuindo para separar iniciativas relativas ao campo da prevenção daquelas relativas ao campo da segurança (BERLIOZ & DUBOUCHET, 1998, p. 91). Nesse sentido, pode-se dizer que, em razão da confusão entre prevenção social e prevenção da delinqüência, os CCPDs pecaram pela generalidade de suas ações e pelo afastamento da abordagem repressiva e de suas respectivas instituições (polícia e justiça). Posteriormente, com os CLSs, parece haver o risco inverso de que as políticas de segurança imponham-se, passando ao largo das questões sociais, caso não se promova a articulação entre prevenção situacional e prevenção social – de modo que as ações securitárias sobre o espaço público sejam seguidas por ações de inserção social.

II.3. A polícia

Nessa discussão, merecem destaque o papel da instituição policial no campo das políticas de prevenção e segurança e particularmente a questão do difícil relacionamento entre polícia e população nos bairros periféricos.

Quanto ao primeiro ponto, a avaliação dos CCPDs indicou uma fraca participação da polícia nesses conselhos, como já indicado, e a necessidade de fortalecer as colaborações entre o seu coordenador, o policial e o magistrado para que se avançasse no tratamento da insegurança. No mesmo sentido, o surgimento do CLS foi considerado uma ocasião de colocar a demanda da população por segurança no centro dos programas, de modo a produzir impacto sobre os agentes de segurança e sobre os agentes de educação, para além da gestão de agentes locais de mediação social, e romper com a segregação entre a abordagem social e a abordagem repressiva da prevenção da delinqüência (idem, p. 103). Ao orientar-se para a análise das especificidades locais e para a mobilização de parcerias, o CLS poderia impulsionar o trabalho da polícia no nível local, de modo que suas ações fossem determinadas pelas necessidades da área (MONJARDET, 1999, p. 520), e ainda promover a articulação dos profissionais da prevenção e da segurança (assistentes sociais, educadores, policiais, magistrados etc.).

As avaliações de que não se restabeleceu um equilíbrio da presença policial em relação aos agentes do serviço social, mas o afastamento destes últimos nos dispositivos de prevenção e de segurança ou de que o poder Judiciário praticamente não se envolveu na política de contratos indica que o desafio de articular os campos da prevenção e da segurança permanece.

No caso da instituição policial, essas dificuldades refletem um descompasso anterior entre a demanda social por segurança e a oferta institucional, descompasso que se traduz em desfio para as políticas de prevenção e segurança. Conforme apontado por Monjardet, o trabalho policial tem como prioridade a manutenção da ordem e a grande polícia judiciária e, em conseqüência, não está adaptado para responder ao crescimento das pequena e média delinqüências e ao sentimento de insegurança que afetam a população em seu cotidiano. Apesar do empenho do governo em implantar a polícia de proximidade nas áreas problemáticas (1998), prevalece a ideologia da ordem pública e a conseqüente desvalorização do trabalho de rua, havendo resistências da organização policial para que se estabeleça a noção de polícia de proximidade como "um serviço público local, adaptado às formas locais da demanda social por segurança e capaz de respondê-las de maneira eficaz", não apenas como um destacamento da polícia de Estado (idem, p. 520; cf. também MONJARDET, 1996).

Quanto ao segundo ponto – relacionamento entre a instituição policial e a população –, observa-se que a relação problemática entre a polícia e os jovens nos bairros periféricos não pode ser reduzida a uma rejeição à instituição policial, que resultaria em hostilidade aos policiais e recurso à violência por parte dos jovens. Como bem esclarece Monjardet, o problema é que a polícia nunca esteve presente no cotidiano desses bairros, de modo a integrar-se no espaço social e ganhar autoridade junto a seus habitantes; ao contrário, a presença reduzida a intervenções pontuais torna a polícia um corpo estranho à comunidade, o que por sua vez dificulta o trabalho policial, desmotiva os profissionais e favorece antagonismos. "Desenvolve-se assim um círculo vicioso de fortalecimento recíproco da exterioridade e da animosidade, no qual toda intrusão policial é percebida como hostil e suscetível de degenerar em enfrentamento" (MONJARDET, 1999, p. 524). Daí a necessidade de a polícia de proximidade impor-se como política pública policial universalmente, orientando a ação de toda a instituição policial, e não como uma polícia das áreas centrais em contraposição à polícia dos bairros problemáticos.

Os policiais, por sua vez, sentem-se vítimas em um contexto de mudança no papel da polícia face à dificuldade de enfrentar as violências cotidianas, de maior controle externo de sua atividade e de deterioração de suas condições de vida e de trabalho, na medida em que as instituições não têm como cumprir a promessa republicana de igualdade em um contexto de exclusão social. "A partir disso, eles entram facilmente em uma espiral de não-reconhecimento mútuo: eles sentem-se desprezados por aqueles que desprezam ou têm medo daqueles a quem provocam medo; eles alimentam, por meio de seus comportamentos cotidianos, mais do que pelas eventuais violências [bavures], as convicções, entre os jovens dos meios populares, sobretudo os saídos da imigração, de que atuam de maneira injusta, racista e maléfica" (WIEVIORKA, 1999, p. 60-61).

Observa-se ainda que em muitas áreas periféricas as revoltas de jovens ocorrem após intervenções policiais (Peralva apud WIEVIORKA, 1999, p. 31). As freqüentes abordagens de jovens ou as intervenções policiais ou de vigilantes que resultam na morte de um jovem desencadeiam atos de protesto ou de rebeldia, que podem resultar em outros delitos. São as abordagens repetidas, em um contexto de repressão aos freqüentes pequenos conflitos causados por grupos de adolescentes ("inflação repressiva"), que provocam os atos de rebeldia que por sua vez resultam em um delito que não existia anteriormente (BONELLI, 2003, p. 3-4).

Tudo leva à conformação de uma relação tensa, que pode chegar aos extremos da violência policial ilegítima e das rebeliões dos jovens, frutos de um cotidiano de agressividade, racismo, provocações e rejeições.

Ainda sobre as revoltas, Tissot chama a atenção para o freqüente deslocamento do foco do problema – a relação difícil entre polícia e jovens – para a questão social da periferia, dos bairros problemáticos. "Tudo passa-se finalmente como se a emergência do problema dos bairros [problemáticos] se operasse sobre a base de um esquecimento, ou melhor, de um recalcamento: aquele do acontecimento desencadeador das revoltas, a morte de um jovem" (TISSOT, 2004). No debate público, trata-se das revoltas de jovens – revoltas consecutivas à morte de um jovem por policiais ou vigias – como o estopim de um problema social maior, deixando-se em segundo plano ou no esquecimento o fator que as desencadeou, de modo que as mortes e o problema de fundo – racismo, discriminação, conflito entre jovens e polícia – diluem-se em uma retórica generalista e não são objeto da ação política.

Enfim, tem-se como pano de fundo dos fenômenos de revoltas, incivilidades ou pequenos conflitos não só a maior precariedade social e a falta de perspectiva de oportunidades equânimes para os jovens habitantes das áreas periféricas, como também o sentimento de injustiça face às experiências negativas com a polícia, de modo que as instituições também geram problemas de insegurança ao reproduzirem ações discriminatórias. Sentimentos de exclusão e de injustiça, necessidade de expressar demandas sociais e cívicas em um contexto de desigualdade de condições e de tratamento institucional discriminatório parecem estar na origem das revoltas dos jovens, às quais podem ser atribuídos ao menos dois significados: violência que pode esgotar-se em atos de vandalismo, em violência voltada para as próprias populações periféricas, ou ato político de jovens excluídos, mobilizados por um sentimento de injustiça e em busca de canais de expressão de suas demandas (WIEVIORKA, 1999, p. 32; BODY-GENDROT & DUPREZ, 2001, p. 384).

III. A QUESTÃO DA SEGURANÇA NO BRASIL

III.1. Violência no Brasil

No Brasil, a criminalidade violenta tornou-se um problema nacional e passou a ocupar o centro do debate no campo da segurança pública. Quando se trata da temática da violência, destacam-se entre outros crimes violentos as altíssimas taxas de homicídios que o país vem apresentando em um crescendo desde os anos 1980 até 200010 10 A partir de 2000, verifica-se uma tendência de queda para a qual ainda não se tem respostas conclusivas; todavia, as taxas ainda são muito elevadas. . Os homicídios constituem a única base nacional de dados sobre violência que possibilita comparações fidedignas entre diferentes regiões do país (LIMA, MISSE & MIRANDA, 2000, p. 58), sinalizam a gravidade da violência no país e parecem representar o ápice de uma variedade de violências que afetam toda a sociedade brasileira, ainda que de maneira desigual. Estudos produzidos desde os anos 1990 revelam o aumento expressivo das taxas de homicídio conforme afasta-se do centro em direção à periferia das grandes cidades e conforme classificam-se as vítimas por faixa etária e por gênero, de modo que são os jovens do sexo masculino moradores de áreas periféricas das capitais ou das grandes cidades as principais vítimas. A título de exemplo, as taxas de homicídio (por 100 000 habitantes) no país elevaram-se de 20,9 em 1991 para 27 em 2000 considerando-se a população total e de 35,2 em 1991 para 52,1 em 2000 considerando-se a população jovem (15-24 anos). No ano de 2000, enquanto a taxa de homicídio para o sexo masculino correspondia a 50,2, a taxa de homicídio para os jovens do sexo masculino (15-24 anos) elevava-se para 97,1 (WAISELFISZ, 2002, p. 33-34, 48). Essas taxas podem variar bruscamente conforme o recorte por áreas (regiões, capitais, cidades e distritos urbanos), gênero e faixa etária.

Embora não se tenha uma resposta precisa sobre o significado dessas mortes, pode-se afirmar que elas decorrem de diferentes tipos de violência, como aquela provocada pela criminalidade comum, pelo crime organizado, pelas graves violações de direitos humanos e pelos conflitos interpessoais (ADORNO, 2002, p. 8).

Diante desse quadro, como o problema do crescimento da violência e da insegurança tem sido tratado? Quais reações ou respostas predominaram no âmbito da segurança pública?

III.2. Políticas de segurança no Brasil

Pensar e implementar políticas de segurança pública é ainda um dos impasses da democratização brasileira, passados mais de 15 anos da Constituição democrática de 1988 e mais de uma década de democracia política consolidada (eleições livres desde 1989).

A considerar o peso do "histórico autoritário" brasileiro sobre as instituições estatais encarregadas de realizar o controle social, pode-se inferir que houve pouco espaço para uma abordagem democrática da questão da segurança pública no país. Se o início da vida republicana brasileira não significou a vigência de uma ordem social democrática estável, as questões relativas ao controle social também não foram tratadas democraticamente. Em relação à polícia, historicamente se sobressai o papel eminentemente repressivo atribuído a essa instituição – seja para controlar movimentos das classes trabalhadoras ou manifestações populares, seja para reprimir a criminalidade cotidiana. Independentemente do regime político vigente (democrático ou autoritário), são as práticas arbitrárias e de maus tratos que caracterizam a relação entre a polícia e certos grupos da população (pobres, trabalhadores, "vagabundos", criminosos ou suspeitos) – embora durante os regimes de exceção tenha havido um agravamento da violência institucional e uma ampliação do público por ela atingido em razão da repressão aos opositores políticos, inclusive os pertencentes à classe média, além dos criminosos comuns (PINHEIRO, 1981, p. 31-33).

Durante a transição do último regime autoritário (1964-1985) para a democracia atual (cujo marco é a Constituição democrática de 1988), o debate em torno da segurança pública ganhou nova ênfase – seja porque a questão da segurança passou a integrar a temática da democratização das instituições após 20 anos de autoritarismo, seja porque o período da transição coincidiu com o acentuado crescimento da criminalidade violenta e do sentimento de insegurança.

Nesse contexto, logo se verificou a grande dificuldade de submeter o campo da segurança ao controle democrático: não somente as próprias corporações policiais, mas também lideranças políticas apresentaram resistências a mudanças nesse sentido. A transição efetivou-se sem que projetos orientados tanto para a adequação da polícia à democracia como para responder eficiente e eficazmente ao problema da crescente insegurança pública surgissem ou fossem bem-sucedidos (SOARES, 2003a, p. 75). Por fim, os governos estaduais não ofereceram respostas eficientes aos novos problemas decorrentes da mudança e do agravamento do perfil da criminalidade urbana violenta (ADORNO, 1998b, p. 240).

Foi a partir da segunda metade da década de 1990 que surgem iniciativas de mudança mais amplas, entre as quais se destacam a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos; o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos (1996)11 11 Atualizado em 2002, no Programa Nacional de Direitos Humanos II. e do Plano Nacional de Segurança Pública (2001) e o estabelecimento do Sistema Único de Segurança Pública (2003), com o objetivo de implementar as diretrizes do plano. Essas iniciativas surgiram como novas políticas de segurança a partir do nível federal e, entre outros objetivos, visaram a tratar dos problemas de segurança com racionalidade maior – a partir de diagnósticos, sistematização de dados e definição de prioridades. Também buscaram associar a eficiência policial ao respeito aos direitos humanos, em uma tentativa de oferecer alternativa ao dilema entre lei e ordem que tão fortemente domina o campo da segurança no Brasil (ADORNO, 1998a, p. 183-184; 1999, p. 141-149; 2003, p. 122-131; SOARES, 2003a, p. 80-81).

Essas políticas significaram uma nova abordagem da questão da segurança, uma vez que pela primeira vez o governo federal assumiu a elaboração de um plano nacional de segurança pública, tentando articular estados e municípios com objetivo de tratar com seriedade dos problemas de insegurança. Sem dúvida, trouxeram avanços no âmbito da legislação e da abertura de canais de comunicação e parceria entre sociedade e Estado, mas a sua implementação está para ser verificada, ainda mais quando se considera o sistema federativo brasileiro, as diferenças regionais e de orientação política nos estados (ADORNO, 1999; 2003)12 12 Adorno (1999; 2003) apresenta um balanço dessas mudanças ao analisar os dois mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998, 1999-2002). . Experiências de governos em diferentes estados podem ser citadas como exemplos de transformações positivas (SOARES, 2003b, p. 7-16), mas ainda restam como políticas de alguns governos, que não se consolidaram como políticas de Estado e estão sujeitas a interrupções ou retrocessos.

Não obstante os avanços da última década, permanece um quadro marcado pela dificuldade de responder efetivamente às demandas da população por segurança e, mais urgentemente, reduzir as taxas de homicídio. Quais seriam então os principais problemas que limitam ou mesmo impedem o desenvolvimento de novas políticas no campo da segurança? Ou quais são os principais temas que emergem do debate sobre a insegurança? Sem pretender esgotar o tema, procura-se aqui apontar alguns desses entraves tendo por base a perspectiva de enfrentar o problema da insegurança no Brasil de maneira democrática.

III.3. Segurança e direitos

No Brasil, antes de questionar a eficácia das políticas de segurança e justiça ou do sistema de justiça criminal, é necessário apresentar o problema da eficácia dentro da legalidade. Como funcionam as instituições responsáveis pela segurança e justiça? Pode-se partir da seguinte fórmula: não só não atendem suficientemente as demandas dos cidadãos, mas, muitas vezes, atentam contra os seus direitos.

Como já observado, a questão de enfrentar com eficácia e dentro da legalidade os altos níveis de insegurança não está resolvida no país. Isso significa que, salvo exceções, nas últimas décadas predominaram posições políticas e institucionais truculentas frente ao crescente problema da criminalidade. Os princípios da nova ordem democrática, garantidora das liberdades civis, muitas vezes foram ofuscados ou mesmo abertamente contestados pelos defensores de uma "linha dura" no campo da segurança – leia-se defensores da brutalidade policial como mecanismo aceitável de contenção da criminalidade. No início da redemocratização, ocorreu uma polarização entre os atores voltados para a defesa dos direitos humanos, que priorizavam a submissão das polícias à nova ordem democrática, e as forças conservadoras, que defendiam uma "linha dura" (ou seja, não limitada pela nova ordem legal) em um contexto de crescimento da criminalidade e de recorrência de graves violações de direitos humanos (violência institucional).

Se hoje a oposição entre segurança e direitos humanos não é mais tão radical – as mudanças de meados dos anos 1990 para cá foram significativas, como a abertura no interior das instituições policiais para a questão dos direitos humanos e o recuo do discurso político abertamente autoritário –, não se pode dizer que o problema esteja resolvido. O processo de modernização da segurança pública também não contribuiu para restringir as práticas violentas (ADORNO, 1998a, p. 169-170) e ainda persiste o desafio de enfrentar a insegurança de modo eficaz, sem que isso signifique fragilizar direitos dos cidadãos. No campo político, destaca-se a tensão entre a postura geralmente favorável aos direitos humanos por parte do governo federal e as políticas de omissão, conivência ou apoio dos governos estaduais diante das violações de direitos humanos, muitas vezes provocadas por agentes públicos (PINHEIRO, 1998, p. 177-178).

Para superar esse obstáculo, sustenta-se a necessidade de abrir caminho para uma política de segurança que associe eficiência policial e respeito aos direitos humanos, ou seja, que submeta a ação policial à lei, de modo que o controle, inclusive o repressivo, seja exercido legitimamente (SOARES, 2003a, p. 86-88). Na falta disso, permanece o padrão de repressão ilegítima contra largas parcelas da população periférica, em que a instituição policial destaca-se como principal algoz – mais distantes e menos cobradas ficam as demais instituições do sistema de justiça criminal. Porém, parece faltar consenso no meio social e político a respeito da necessidade de reconhecer claramente que o controle legítimo da ordem é uma premissa para que se possa enfrentar o problema da insegurança em sua complexidade e conseqüentemente avançar na direção de políticas de prevenção e de segurança eficazes e democráticas. Exemplo disso é a manutenção de altos níveis de violência policial e a não rara emergência no cenário político de autoridades que revigoram a linha dura, incentivando a violência policial (o que pode ocorrer de maneira mais ou menos explícita) ou enfraquecendo as medidas de controle sobre as instituições, como as ouvidorias de polícia ou programas de controle da violência policial.

III.4. Problema não superado: violência policial

A permanência de altos níveis de violência policial é um indicador de como o equilíbrio entre segurança e direitos humanos está longe de ser alcançado. Embora monitorada e denunciada nos últimos 15 anos, os níveis de violência policial permanecem elevados no Brasil e indicam o quão longe se está da consolidação de políticas de segurança democráticas, que ultrapassem uma lógica puramente repressiva e que sejam limitadas pelos princípios do Estado de Direito. A título de exemplo, no estado de São Paulo, a mortalidade de civis pela polícia mantém padrões elevados, de modo que o uso descontrolado da força letal, a arbitrariedade, a tortura e as práticas abusivas ou ilegais contra populações pobres são freqüentemente denunciadas. Os níveis de violência policial apresentam variações entre governos, mas em geral permanece um padrão elevado – verificado por meio de indicadores como a morte de civis pela polícia, a razão entre civis mortos e feridos, a proporção de policiais e civis mortos e análise de laudos médico-legais (CANO, 2003, p. 16-17).

Quando se verifica a incidência da violência policial e a ausência de respostas efetivas ao problema, tem-se, no limite, um quadro em que as polícias funcionam segundo a lógica do cordão sanitário em torno das áreas pobres, em benefício da segurança das elites (SOARES, 2003a, p. 75-76). Acrescente-se que, além de contribuir para a segregação social, essa lógica permite que dentro da instituição formem-se "bandas podres", em que policiais aproveitam-se do recurso fácil à violência para obter vantagens individuais (por meio de corrupção ou extorsão). Sabe-se que isso não vem de hoje – as práticas arbitrárias apresentam continuidade ao longo da história brasileira, mas o que se deve ressaltar aqui é a indiferença face ao problema no regime democrático: a violência policial quase não é enfrentada como um problema, embora o fenômeno tenha visibilidade13 13 Ou seu enfrentamento é limitado, na medida em que aqueles que se propõem a reduzi-la (sociedade civil e governos ou outras autoridades políticas e institucionais) deparam-se com muitos obstáculos e não logram romper o padrão elevado de violência policial. .

Se certamente não são todos os policiais que abusam do poder, existe um padrão de violência policial que afeta sobretudo as populações periféricas e que não é efetivamente questionado e combatido, seja pela própria instituição, seja pelo poder político e até mesmo pela sociedade. Geralmente esta manifesta-se contra o arbítrio da instituição policial em casos flagrantes de injustiça, que chegam ao conhecimento da opinião pública, têm grande repercussão nos meios de comunicação, provocam protestos e mobilizam autoridades; mas para os casos cotidianos e anônimos, prevalece a versão da ação policial legítima contra o criminoso, de modo que até mesmo no sistema de justiça os casos de violência policial são negligenciados.

Ao questionar por que as democracias da América Latina toleram tais sistemas policiais, Chevigny argumenta que as políticas pró-violência policial são populares, na medida em que prevalece a impressão de que os abusos não são direcionados ao povo ou à maioria pobre, mas sim aos criminosos, aos "anti-sociais". Do ponto de vista político, é proveitosa a retórica do medo, sobretudo em sociedades com grandes desigualdades, visto que se obtém facilmente apoio a políticas criminais duras quando as pessoas vivem temerosas e sem perspectiva de solução em curto prazo dos problemas sócio-econômicos. Nesse contexto, o argumento de que os abusos contrariam o Estado de Direito não se sustentaria porque ideologicamente prevalece a dicotomia entre cidadãos de bem (ricos ou pobres) e criminosos, em que aqueles não se importariam com as violações em princípio voltadas aos últimos (CHEVIGNY, 2000) – embora de fato elas recaiam contra a maioria pobre.

Enfim, observa-se que o aumento da violência e da criminalidade favorece a emergência no cenário político de posições demagógicas e simplistas (PINHEIRO, 1998, p. 177), e o conseqüente apoio político e social à violência policial, embora isso não implique respostas efetivas ao problema. Ao contrário, pode agravá-lo, visto que a violência policial constitui-se em mais um fator de insegurança nas regiões periféricas.

III.5. Outro lado da moeda: ausência de policiamento democrático

Apesar da gravidade do problema, evidentemente não se pode reduzir a atuação policial a práticas de arbitrariedade e violência ilegal. A polícia brasileira desempenha suas missões de policiamento ostensivo-preventivo e de polícia judiciária (investigativa) em um contexto de dificuldades típicas de uma sociedade altamente desigual.

Visto que o espaço urbano reflete a grande desigualdade social, o contexto em que os policiais atuam varia consideravelmente, assim como suas condições de trabalho. Se problemas de insegurança não desprezíveis afetam áreas centrais ou "nobres" das cidades, eles são incomparavelmente menores quando se atenta para a realidade de grave insegurança de suas periferias (imensas no caso das grandes capitais). Se nem todos os distritos periféricos e pobres da cidade de São Paulo possuem igualmente taxas altas de homicídio, verifica-se que os distritos mais violentos apresentam grande precariedade social (CARDIA, ADORNO & POLETTO, 2003; TORRES et alii, 2003). Em reuniões de conselhos comunitários de segurança (Consegs) da zona Sul de São Paulo, por exemplo, as numerosas demandas sociais seguem as prioritárias demandas por policiamento e as carências sociais são relacionadas à insegurança14 14 São queixas e demandas da população referentes às áreas da educação, saúde, transporte, lazer, cultura, saneamento básico, meio ambiente e outros problemas urbanos que retratam o abandono do poder público e a dificuldade de comunicação da população com este poder (NEV, 2002b, p. 44-52). .

É nessa realidade que se acentuam as dificuldades da atividade policial, em que a situação de precariedade social intensifica os riscos de violência, aumentando as chances de que desentendimentos interpessoais resultem em agressões ou homicídios e de que jovens envolvam-se com o tráfico e tenham traçado como "destino" uma vida curta. Sobretudo, o contexto precário cria condições favoráveis para o estabelecimento do tráfico e desfavoráveis para a atuação da polícia, de modo que em comunidades onde a presença do Estado é irrisória, não raro se estabelece uma relação de cooptação, dependência e "colaboração" entre a população, temerosa e desamparada em seus direitos sociais, e os traficantes locais (NEV, 2003).

Nesse contexto, a atuação das forças policiais é ainda marcada por problemas materiais e de gestão organizacional, tais como: insuficiência de recursos humanos e materiais e/ou má-distribuição dos recursos existentes; falta de comunicação entre as polícias15 15 No Brasil, são responsáveis pela segurança pública as polícias estaduais – civil e militar –, cada qual com funções exclusivas: à primeira cabe o policiamento ostensivo-preventivo e à segunda, a investigação. e, internamente, entre planejadores e aqueles que executam o trabalho policial; alta rotatividade do efetivo (deslocamentos) e disparidade salarial (grande desigualdade entre a alta hierarquia e a base)16 16 Cabe lembrar que, no Brasil, muitos desses problemas não são exclusivos da instituição policial. . Isso resulta em condições precárias de vida dos policiais dos níveis hierárquicos mais baixos17 17 É comum a referência a policiais que vivem em áreas periféricas ou em favelas, por falta de condições de moradia. , em desvalorização profissional, em dedicação dos policiais a atividades extra-oficiais com o objetivo de elevar a remuneração18 18 Fazendo "bicos", geralmente na área da segurança privada, embora atividades extra-oficiais sejam proibidas. e em altos níveis de risco e estresse para os profissionais, sobretudo os das bases (ibidem).

Como conseqüência, tem-se, por um lado, uma situação de policiamento precário nas áreas periféricas. Com recursos humanos e materiais inferiores aos destinados às áreas centrais, a população periférica fica sujeita à má qualidade dos serviços prestados: lentidão, precariedade, mau atendimento etc. A título de exemplo, uma região periférica da zona Sul de São Paulo apresentava em 2001 um efetivo policial três vezes menor do que o relativo à média da cidade19 19 Observe-se que essa desigualdade na distribuição dos recursos não se limita à área da segurança, ocorrendo também nas áreas da saúde e educação (NEV, 2002b, p. 53). . A falta de efetivos policiais é uma reclamação constantemente levada às reuniões dos seus cinco conselhos comunitários de segurança, de maneira que as demandas por policiamento em variadas localidades e situações são as mais numerosas dentre as variadas demandas registradas nessas reuniões (NEV, 2002b, p. 44-52).

Por outro lado, essa população que não tem acesso aos benefícios do policiamento efetivo depara-se não raramente com uma polícia violenta, configurando-se na periferia um padrão de atuação que combina pouco policiamento com ocorrências policiais de caráter repressivo ou violento. A polícia está ausente do cotidiano da população e presente apenas em intervenções pontuais, quando não envolvida em ações violentas ilegais ou ilegítimas. Nas áreas mais problemáticas a população rejeita a polícia e os policiais geralmente não vislumbram possibilidades de estabelecer outro tipo de relação com a população. Como exceções, merecem destaque as novas experiências que procuram romper com esse padrão, como o policiamento comunitário em áreas periféricas20 20 Um exemplo, entre outros, é a experiência do Jardim Ângela, na zona Sul de São Paulo, que se tornou referência. , mas essas políticas não se universalizaram.

Têm-se enfim os elementos necessários para que se estabeleça uma difícil relação entre polícia e população e para que se perpetue o padrão de polícia razoável e presente nas áreas centrais e polícia insuficiente, precária e/ou violenta nas áreas periféricas. Isso se constitui em grande obstáculo à articulação entre políticas preventivas que visem à inserção social e políticas repressivas – única saída, se é que saídas a curto e médio prazos existem – para a espiral de violência em que o país imergiu. É evidente que a forte insegurança das comunidades periféricas não pode ser enfrentada como uma questão policial, visto que é sobre uma complexa teia de problemas sociais que a violência ocorre. Mas o papel da instituição policial, e do sistema de justiça criminal como um todo, também é fundamental para que essas áreas sejam incluídas no Estado de Direito – lembrando-se de que não é uma polícia marcada pela deterioração institucional e por práticas abusivas que poderá responder aos urgentes problemas de segurança.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um primeiro olhar sobre as realidades francesa e brasileira flagra a diferença da violência lá e cá. No Brasil, a criminalidade violenta encontra-se no centro do debate público, dados os patamares elevados atingidos devidos a uma tendência de crescimento que atravessou duas décadas. São os crimes contra a pessoa o grande fator de insegurança da população, os quais representam o ápice das violências que afetam a população em um contexto de grandes desigualdades sociais. Nas periferias, estabeleceu-se uma dinâmica de violência social e institucional, de modo que às políticas de segurança coloca-se o desafio de diagnosticar a violência social e de avançar no caminho da democratização das instituições repressivas e da articulação entre as abordagens social e repressiva da insegurança. Diferentemente da França, em que todos apontam para a necessidade de articular prevenção e segurança, no Brasil existe uma questão anterior: articular segurança e respeito aos direitos humanos, enquadrando as políticas de segurança e as práticas das agências estatais nos limites do Estado de Direito21 21 Embora as temáticas dos direitos humanos e da segurança pública tenham-se afirmado por meio da elaboração de planos e programas relevantes – o que foi um avanço significativo do governo federal –, elas não enfrentaram as resistências políticas e institucionais e sua implementação ficou bastante aquém do esperado, não resultando na articulação e integração entre as políticas de direitos humanos e de segurança. Destaca-se a dificuldade de angariar o apoio fundamental dos estados para o sucesso dos programas (ADORNO, 1999; 2003). . Caso contrário, a política de segurança permanece com sua função de preservar a segregação social por meio da repressão às amplas parcelas da população, enquanto a minoria protege-se ampliando os mecanismos de prevenção situacional, já bastante empregados pelas classes média e alta. Desde os anos 1980, o modelo dos "enclaves fortificados", em que diferentes grupos sociais, ainda que próximos fisicamente, mantém-se separados por muros, seguranças privados e variadas tecnologias de segurança, sobrepõe-se ao modelo dominante de segregação urbana centro-periferia (CALDEIRA, 2000). Tão perto, tão longe...

Na França, a pequena e a média delinqüências – e não os atentados contra a pessoa – compõem a massa da criminalidade. Somam-se a essas delinqüências as incivilidades e as revoltas ou tumultos urbanos, que também são fatores de insegurança. Pode-se dizer que, de modo geral, às políticas de prevenção e segurança apresenta-se a necessidade de responder aos problemas de tranqüilidade pública, de segurança do cidadão em seu cotidiano e também de atentar para a relação entre a situação de exclusão dos habitantes dos bairros periféricos, a tensão entre seus jovens e a polícia e os fenômenos de revoltas e de pequenos conflitos provocados por esses jovens. Para um país com forte tradição de políticas de prevenção social e após longa experiência de políticas contratuais locais, impõe-se a questão da efetiva articulação entre prevenção e segurança (repressão) para que a necessidade de resposta política à insegurança não resulte no domínio da abordagem securitária desse problema, abrindo caminho para o aprofundamento da segregação social. Já no Brasil, procura-se romper com a forte "tradição" da abordagem não só repressiva mas truculenta dos problemas de segurança.

Em ambos os países apresenta-se a questão da desigualdade e da exclusão social, mas não é possível comparar o Brasil, um país do capitalismo periférico que figura entre os mais desiguais do mundo, com uma sociedade que alcançou o Estado de Bem-estar Social, ainda que agora esteja vivendo o seu refluxo. No Brasil, revela-se um quadro em que tanto o Estado social como o Estado legal são fracos, pois incapazes de universalizar, de fato, os direitos sociais e os direitos civis. A garantia desses direitos permanece restrita a uma minoria, de modo que a amplas parcelas da população resta um Estado precário e repressor. É para as camadas sociais mais pobres, desprovidas dos direitos sociais, que se apresentam tanto os maiores riscos da criminalidade como a face repressora ou mesmo ilegal22 22 Permite-se o uso dessa expressão na medida em que, embora não seja o promotor das ilegalidades, o Estado não se mostra capaz de coibir as ações ilegais de seus agentes. do Estado.

Nos dois países, o problema da violência policial ocorre nas áreas periféricas e parece representar a ponta de um conjunto de problemas relativos às duas realidades sociais, embora as eventuais (mas não menos condenáveis) bavures francesas não permitam comparação com o padrão de violência policial que atinge a população pobre no Brasil. Na França, a não-integração da população de origem estrangeira, a discriminação ou racismo institucional, a desigualdade e o sentimento de exclusão social (ainda que infinitamente menores que no caso brasileiro) no país em que a premissa da igualdade é fundadora são as dificuldades enfrentadas pelos profissionais que atuam nessas áreas. Já no Brasil, elas são a manutenção de um padrão de tratamento desigual que é reflexo da limitada institucionalização do país – uma gota de institucionalização em um oceano não-institucionalizado (SANTOS, 1994) –, o que, na prática, limita o contingente de cidadãos, segregando os não-cidadãos, e inviabiliza a ruptura da dinâmica da violência, que está atrelada a um conjunto de carências institucionais e sociais.

Fica em aberto a questão sobre a possibilidade de ambos os países enfrentarem seus problemas fundamentais. No Brasil, trata-se no mínimo de fazer valer na agenda política nacional e sobretudo nas dos estados tanto a questão da democratização das instituições de segurança (particularmente no que se refere à contenção da violência policial), como o enfrentamento imediato da criminalidade violenta nas áreas críticas e dos problemas sociais de longo prazo, para que se possa não só elaborar mas implementar políticas que integrem a dimensão repressiva e a dimensão social do enfrentamento da violência. Caso contrário, resta a realidade de uma sociedade extremamente desigual à qual só pode corresponder um Estado legal fraco, em que políticas públicas de segurança de caráter mais democrático ficam restritas a algumas experiências localizadas, sem capacidade de extensão à maioria.

Recebido em 10 de agosto de 2005

Aprovado em 15 de outubro de 2005

Cristina Neme (crisneme@usp.br) é Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da mesma instituição.

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  • _____ 1999. Violence en France Paris : Seuil.
  • 1
    Este artigo é um resultado do intercâmbio entre o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) e o Centre d'Analyse et d'Intervention Sociologiques, da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em razão do Convênio USP-Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (COFECUB), no Programme de Coopération UC 74/00.
  • 2
    Instaurada pelo Primeiro-Ministro em 1982, a comissão reuniu e engajou ativamente prefeitos de grandes cidades, colocando no centro de sua reflexão a cidade e seus representantes, com o objetivo de definir orientações e propor iniciativas no campo da prevenção da delinqüência nas cidades francesas (SINNA, 2002, p. 68-69). A comissão é uma referência no debate francês sobre a insegurança.
  • 3
    Basicamente, essas políticas orientaram-se a partir dos seguintes princípios: abordagem local dos problemas de insegurança, co-produção da segurança por meio de método contratual (promoção de parcerias entre diferentes atores e níveis de governo) e proposta de equilíbrio entre prevenção e repressão (SINNA, 2002, p. 61-99).
  • 4
    O CCPD é considerado a pedra angular do modelo francês de política pública de prevenção da delinqüência a partir dos anos 1980. Com missão de coordenar e animar ações de prevenção da delinqüência, contribuindo para a "segurança civil", os CCPDs fundam-se nos princípios da mobilização coletiva e da ampliação dos atores envolvidos, principalmente os políticos locais responsáveis. É uma instância estabelecida sob autoridade do
    préfet (representante do Estado) e do prefeito (BERLIOZ & DUBOUCHET, 1998, p. 89-90).
  • 5
    A "política da cidade" (
    politique de la ville) corresponde a um conjunto de políticas voltadas à promoção de ações sociais e culturais (animação cultural e social) e ao desenvolvimento social dos bairros.
  • 6
    Revolta de Vaulx-en-Velin (1990), desencadeada após a morte de um jovem em uma blitz policial, dez anos depois dos rachas de Minguettes (1981).
  • 7
    Emergência dos planos locais de segurança (1992), dos planos departamentais de segurança (1993-1995), dos planos departamentais de prevenção (1995) e dos contratos locais de segurança (1997) (SINNA, 2002, p. 91-114).
  • 8
    O Contrato Local de Segurança – quadro contratual para elaboração local da política de prevenção e segurança – e a polícia de proximidade (1999) são os instrumentos de intervenção da política de contratos locais de segurança (
    Guide pratique pour les contrats locaux de sécurite, 1998; SINNA, 2002, p. 121-122).
  • 9
    Amostra de 51 contratos locais de segurança, sendo 34 deles em áreas problemáticas ou muito problemáticas ("
    départements sensibles ou très sensibles") (SINNA, 2002, p. 139).
  • 10
    A partir de 2000, verifica-se uma tendência de queda para a qual ainda não se tem respostas conclusivas; todavia, as taxas ainda são muito elevadas.
  • 11
    Atualizado em 2002, no Programa Nacional de Direitos Humanos II.
  • 12
    Adorno (1999; 2003) apresenta um balanço dessas mudanças ao analisar os dois mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998, 1999-2002).
  • 13
    Ou seu enfrentamento é limitado, na medida em que aqueles que se propõem a reduzi-la (sociedade civil e governos ou outras autoridades políticas e institucionais) deparam-se com muitos obstáculos e não logram romper o padrão elevado de violência policial.
  • 14
    São queixas e demandas da população referentes às áreas da educação, saúde, transporte, lazer, cultura, saneamento básico, meio ambiente e outros problemas urbanos que retratam o abandono do poder público e a dificuldade de comunicação da população com este poder (NEV, 2002b, p. 44-52).
  • 15
    No Brasil, são responsáveis pela segurança pública as polícias estaduais – civil e militar –, cada qual com funções exclusivas: à primeira cabe o policiamento ostensivo-preventivo e à segunda, a investigação.
  • 16
    Cabe lembrar que, no Brasil, muitos desses problemas não são exclusivos da instituição policial.
  • 17
    É comum a referência a policiais que vivem em áreas periféricas ou em favelas, por falta de condições de moradia.
  • 18
    Fazendo "bicos", geralmente na área da segurança privada, embora atividades extra-oficiais sejam proibidas.
  • 19
    Observe-se que essa desigualdade na distribuição dos recursos não se limita à área da segurança, ocorrendo também nas áreas da saúde e educação (NEV, 2002b, p. 53).
  • 20
    Um exemplo, entre outros, é a experiência do Jardim Ângela, na zona Sul de São Paulo, que se tornou referência.
  • 21
    Embora as temáticas dos direitos humanos e da segurança pública tenham-se afirmado por meio da elaboração de planos e programas relevantes – o que foi um avanço significativo do governo federal –, elas não enfrentaram as resistências políticas e institucionais e sua implementação ficou bastante aquém do esperado, não resultando na articulação e integração entre as políticas de direitos humanos e de segurança. Destaca-se a dificuldade de angariar o apoio fundamental dos estados para o sucesso dos programas (ADORNO, 1999; 2003).
  • 22
    Permite-se o uso dessa expressão na medida em que, embora não seja o promotor das ilegalidades, o Estado não se mostra capaz de coibir as ações ilegais de seus agentes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Nov 2005

    Histórico

    • Aceito
      15 Out 2005
    • Recebido
      10 Ago 2005
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