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Diálogo sobre a poesia oral na Cabília: entrevista de Mouloud Mammeri a Pierre Bourdieu

Dialogue sur la poesie orale à la Kabylie: entretien de Mouloud Mammeri a Pierre Bourdieu

Dialogue on oral poetry: interview of Mouloud Mammeri to Pierre Bourdieu

Resumos

Neste diálogo, Pierre Bourdieu e o etnólogo, escritor e poeta argelino Mouloud Mammeri (1917-1989) exploram e explicam as bases sociais, os usos e o sentido da poesia oral na sociedade e história cabilas. Como filho do penúltimo amusnaw (sábio; bardo) de sua tribo, Mammeri estava posicionado de maneira única para situar esse mestre das palavras que atuou na função tradicional de mediador e transportador do conhecimento e manteve-se como a encarnação viva da tamusni (a filosofia prática da excelência berbere), em relação com o marabuto (depositário das sagradas escrituras do Corão) e com os camponeses (que compõem seu público principal). Torná-se amusnaw graças a uma eleição e isso requer um duplo aprendizado: primeiro, por osmose em um meio saturado de comércio e disputas verbais (no treinamento de guerra, na assembléia da vila, nos mercados e nas peregrinações) e, depois, por meio de um treinamento explícito com um poeta-mestre que orienta uma série de exercícios e provas. Esse processo requer não apenas o domínio de uma variedade de técnicas verbais e de um cânone oratório, mas também implica absorver e encarnar a sabedoria. Jogando com a multidimensionalidade da linguagem, adaptando-a com flexibilidade diante das especificidades de cada situação e público, o bardo cabila era continuamente testado e suas habilidades culturais infinitamente refinadas, até o ponto em que ele não apenas dominasse as regras do ofício, mas também jogasse com elas, trangredindo-as no espírito da tradição a fim de inventar novas figuras retóricas e extrair o máximo de "rendimento" da linguagem. A tamusni emerge assim não apenas como um corpo de conhecimento inerte, desligado da vida e transmitido por si mesmo, mas como uma "ciência prática", constantemente revivida pela e para a prática. O poeta é o porta-voz do grupo que, por meio de seu discernimento cultural e uso técnico da linguagem, aperfeiçoa os valores específicos do grupo, separa coisas que são confusas e, ao iluminar o que é obscuro, mobiliza seu povo.

poesia; oratória; tradição; saber prático; artesanato; Cabília


Dans ce dialogue qui a eu lieu autour des années soixante-dix, Pierre Bourdieu et l'ethnologue, écrivain et poète algérien Mouloud Mammeri (1917-1989) exploitent et expliquent les bases sociales, les usages et le sens de la poésie orale dans la société et l'histoire kabyles. En fils de l'avant dernier amusnaw (sage, barde) de sa tribu, Mammeri occupait une place exceptionnelle pour situer ce maître des paroles qui a joué le rôle traditionnel de médiateur et porteur de la connaissance et est démeuré l'incarnation vive de la tamusni (la philosophhie pratique de l'excellence berbère), et entretenait des relations avec le marabout (le dépositaire des écritures sacrées du Coran) et les paysans (qui forment son principal public). Pour devenir un amusnaw il faut qu'il soit élu et qu'il ait un double apprentissage : d'abord, par osmose, dans un contexte plein de commerce et de disputes verbales (dans l'atelier de l'armurier, à l'assemblée du village, au marché et en pélerinages) et, puis, par l'intermédiaire d'un entrainement explicite auprès d'un maître, qui oriente une série d'exercices et d'examens. Il faut non seulement la maitrise de plusieurs techniques verbales et un canon oratoire, mais aussi s'imprégner et incarner la sagesse. Lorsqu'il joue sur la multidimensionnalité du langage et il adapte avec aisance ses propos à l'occasion et au public, le barde kabyle était en permanence mis à l'épreuve, et ses capacités culturelles étaient sans cesse aiguisées jusqu'à ce qu'il soit non seulement maitre des règles du métier, mais encore il y jouerait, les transgressant dans l'esprit de la tradition afin d'inventer de nouvelles figures rhétoriques et exploitant énormément le « rendement » du langage. La tamusni émerge donc non seulement comme un corps de la connaissance inerte, détaché de la vie et transmis par lui-même, mais comme une « science pratique », continuellement renouvelée par et pour la pratique. Le poète est le porte-parole du groupe qui, à travers son entendement culturel et l'usage technique du langage, perfectionne les valeurs spécifiques du groupe, sépare ce qui est confus et quand il illumine ce qui est obscur, mobilise le peuple.

poésie; oratoire; tradition; savoir pratique; artisanat; Kabylie


In this dialogue held in the mid-1970s, Pierre Bourdieu and the Algerian ethnologist, writer, and poet Mouloud Mammeri (1917-1989) explore and explicate the social bases, uses, and meaning of oral poetry in Kabyle society and history, thus illuminating the peculiarity of oratory and the social conditions of symbolic efficacy. As the son of the next-to-last amusnaw (sage, bard) of his tribe, Mammeri is uniquely placed to situate this master of words who served the traditional function of mediator and carrier of knowledge, and stood as the living incarnation of tamusni (the practical philosophy of Berber excellence), in relation to the marabout, bearer of the sacred scriptures of the Koran, and to the peasants who composed his main audience. Becoming an amusnaw occurred by election and entailed a two-fold apprenticeship, first by osmosis in a milieu saturated by verbal commerce and contest (in the armourer's workshop, the village assembly, the markets and pilgrimages) and, later, through explicit training with a master-poet setting out a series of exercises and exams. It required not only commanding a set of verbal techniques and an oratorial canon but also imbibing and embodying wisdom. Playing on the multi-layeredness of language, adapting with flexibility and à propos to the specificities of each occasion and audience, the Kabyle bard was continually tested and his cultural skills endlessly refined, to the point where he would not only master the rules of the craft but also play with them, transgress them within the spirit of tradition in order to invent new rhetorical figures extracting the maximum 'yield' from language. Tamusni thus emerges not a body of inert knowledge cut off from life and transmitted for its own sake but as a 'practical science' constantly revivified by and for practice. The poet is the spokesperson of the group who, through his cultural discernment and expert use of language, perfects the specific values of the group, separates things that are confused and, by shedding light on things obscure, mobilizes the people.

poetry; oratory; tradition; practical knowledge; craftmanship; Kabylia


DOSSIÊ PIERRE BOURDIEU NO CAMPO

Diálogo sobre a poesia oral na Cabília. Entrevista de Mouloud Mammeri a Pierre Bourdieu1 1 Tradução de Luciano Codato. Revisão da tradução: Fábia Berlatto e Bruna Gisi. Entrevista gravada em 17 de fevereiro de 1978 e publicada originalmente em Mammeri e Bourdieu (1978). Todas as notas da presente edição são extraídas da tradução inglesa de Richard Nice e Loïc Wacquant, publicada na revista Ethnography (MAMMERI & BOURDIEU, 2004). Revisão final: Adriano Codato.

Dialogue on oral poetry: interview of Mouloud Mammeri to Pierre Bourdieu

Dialogue sur la poesie orale à la Kabylie. Entretien de Mouloud Mammeri a Pierre Bourdieu

Pierre Bourdieu

RESUMO

Neste diálogo, Pierre Bourdieu e o etnólogo, escritor e poeta argelino Mouloud Mammeri (1917-1989) exploram e explicam as bases sociais, os usos e o sentido da poesia oral na sociedade e história cabilas. Como filho do penúltimo amusnaw (sábio; bardo) de sua tribo, Mammeri estava posicionado de maneira única para situar esse mestre das palavras que atuou na função tradicional de mediador e transportador do conhecimento e manteve-se como a encarnação viva da tamusni (a filosofia prática da excelência berbere), em relação com o marabuto (depositário das sagradas escrituras do Corão) e com os camponeses (que compõem seu público principal). Torná-se amusnaw graças a uma eleição e isso requer um duplo aprendizado: primeiro, por osmose em um meio saturado de comércio e disputas verbais (no treinamento de guerra, na assembléia da vila, nos mercados e nas peregrinações) e, depois, por meio de um treinamento explícito com um poeta-mestre que orienta uma série de exercícios e provas. Esse processo requer não apenas o domínio de uma variedade de técnicas verbais e de um cânone oratório, mas também implica absorver e encarnar a sabedoria. Jogando com a multidimensionalidade da linguagem, adaptando-a com flexibilidade diante das especificidades de cada situação e público, o bardo cabila era continuamente testado e suas habilidades culturais infinitamente refinadas, até o ponto em que ele não apenas dominasse as regras do ofício, mas também jogasse com elas, trangredindo-as no espírito da tradição a fim de inventar novas figuras retóricas e extrair o máximo de "rendimento" da linguagem. A tamusni emerge assim não apenas como um corpo de conhecimento inerte, desligado da vida e transmitido por si mesmo, mas como uma "ciência prática", constantemente revivida pela e para a prática. O poeta é o porta-voz do grupo que, por meio de seu discernimento cultural e uso técnico da linguagem, aperfeiçoa os valores específicos do grupo, separa coisas que são confusas e, ao iluminar o que é obscuro, mobiliza seu povo.

Palavras-chave: poesia; oratória; tradição; saber prático; artesanato; Cabília.

ABSTRACT

In this dialogue held in the mid-1970s, Pierre Bourdieu and the Algerian ethnologist, writer, and poet Mouloud Mammeri (1917–1989) explore and explicate the social bases, uses, and meaning of oral poetry in Kabyle society and history, thus illuminating the peculiarity of oratory and the social conditions of symbolic efficacy. As the son of the next-to-last amusnaw (sage, bard) of his tribe, Mammeri is uniquely placed to situate this master of words who served the traditional function of mediator and carrier of knowledge, and stood as the living incarnation of tamusni (the practical philosophy of Berber excellence), in relation to the marabout, bearer of the sacred scriptures of the Koran, and to the peasants who composed his main audience. Becoming an amusnaw occurred by election and entailed a two-fold apprenticeship, first by osmosis in a milieu saturated by verbal commerce and contest (in the armourer's workshop, the village assembly, the markets and pilgrimages) and, later, through explicit training with a master-poet setting out a series of exercises and exams. It required not only commanding a set of verbal techniques and an oratorial canon but also imbibing and embodying wisdom. Playing on the multi-layeredness of language, adapting with flexibility and à propos to the specificities of each occasion and audience, the Kabyle bard was continually tested and his cultural skills endlessly refined, to the point where he would not only master the rules of the craft but also play with them, transgress them within the spirit of tradition in order to invent new rhetorical figures extracting the maximum 'yield' from language. Tamusni thus emerges not a body of inert knowledge cut off from life and transmitted for its own sake but as a 'practical science' constantly revivified by and for practice. The poet is the spokesperson of the group who, through his cultural discernment and expert use of language, perfects the specific values of the group, separates things that are confused and, by shedding light on things obscure, mobilizes the people.

Keywords: poetry; oratory; tradition; practical knowledge; craftmanship; Kabylia.

RÉSUMÉ

Dans ce dialogue qui a eu lieu autour des années soixante-dix, Pierre Bourdieu et l'ethnologue, écrivain et poète algérien Mouloud Mammeri (1917-1989) exploitent et expliquent les bases sociales, les usages et le sens de la poésie orale dans la société et l'histoire kabyles. En fils de l'avant dernier amusnaw (sage, barde) de sa tribu, Mammeri occupait une place exceptionnelle pour situer ce maître des paroles qui a joué le rôle traditionnel de médiateur et porteur de la connaissance et est démeuré l'incarnation vive de la tamusni (la philosophhie pratique de l'excellence berbère), et entretenait des relations avec le marabout (le dépositaire des écritures sacrées du Coran) et les paysans (qui forment son principal public). Pour devenir un amusnaw il faut qu'il soit élu et qu'il ait un double apprentissage : d'abord, par osmose, dans un contexte plein de commerce et de disputes verbales (dans l'atelier de l'armurier, à l'assemblée du village, au marché et en pélerinages) et, puis, par l'intermédiaire d'un entrainement explicite auprès d'un maître, qui oriente une série d'exercices et d'examens. Il faut non seulement la maitrise de plusieurs techniques verbales et un canon oratoire, mais aussi s'imprégner et incarner la sagesse. Lorsqu'il joue sur la multidimensionnalité du langage et il adapte avec aisance ses propos à l'occasion et au public, le barde kabyle était en permanence mis à l'épreuve, et ses capacités culturelles étaient sans cesse aiguisées jusqu'à ce qu'il soit non seulement maitre des règles du métier, mais encore il y jouerait, les transgressant dans l'esprit de la tradition afin d'inventer de nouvelles figures rhétoriques et exploitant énormément le « rendement » du langage. La tamusni émerge donc non seulement comme un corps de la connaissance inerte, détaché de la vie et transmis par lui-même, mais comme une « science pratique », continuellement renouvelée par et pour la pratique. Le poète est le porte-parole du groupe qui, à travers son entendement culturel et l'usage technique du langage, perfectionne les valeurs spécifiques du groupe, sépare ce qui est confus et quand il illumine ce qui est obscur, mobilise le peuple.

Mots-clés: poésie; oratoire; tradition; savoir pratique; artisanat; Kabylie.

Talvez seja porque sempre associei a análise da Cabília à análise de Béarn, em um trabalho de socioanálise, é que fui capaz de modificar a forma do discurso sobre os cabilas, dando condições para que eles pudessem aceitar a etnologia, mesmo os mais rebeldes e resistentes à objetivação, contribuindo para dissuadi-los da alternativa entre a etnologia colonial e a recusa da etnologia. O auge desse trabalho, a meu ver, são os diálogos que pude travar com Mouloud Mammeri, o primeiro deles publicado no número de abertura da revista Awal ('Du bon usage de l'ethnologie'), o segundo nas Actes de la recherche en sciences sociales, este sob o título 'Dialogue sur la poésie orale en Kabylie'. Esse texto mostra que não há antinomia entre o intuito de reabilitação, que motivou a pesquisa de Mammeri sobre a poesia antiga dos berberes da Cabília, e o intuito etnológico de interpretação. A etnologia, condição do conhecimento de si mesmo como exploração da inconsciência histórica, abre um dos caminhos necessários à genuína reflexão"

Pierre Bourdieu, Esboço de uma teoria da prática.

Tikkelt-a add asefru

ar Llleh ad ilhu

ar-d inadi deg lwedyat

Win t-issnen ard a-t-yaru

Ur as iberru

w'illan d lfahem yezra-t ...

Si Mohand-Ou-Mohand (segunda metade do séc. XIX)

Hei de compor o poema

Talvez seja bom

Corra planícies

Quem ouvi-lo, poderá escrevê-lo

Jamais o esquecerá

O espírito perspicaz há de compreender seu sentido...

Aanic d bab i-y-idaan

iffc felli lehdit llil

Ib bwd-ed yid madden akw ttsen

ger w'idlen d w'ur-endil

Aar nek imi d bu inezman

armi-d iy' âabban s-elmil

Hadj Mokhtar Ait-Saïd (primeira metade do século XIX)

Foi a maldição do pai

que me condenou a falar noite adentro?

Quando cai a noite, todos dormem

Tenham ou não cobertor

Menos eu, que sigo, coberto por inquietações

Curvando-me ao encargo

"Dar um sentido mais puro às palavras da tribo" (Mallarmé, Le Tombeau d'Edgar Poe).

Pierre Bourdieu (Collège de France) – A poesia oral e, de maneira mais genérica, aquilo que, por uma estranha combinação de palavras, é denominado, às vezes, "literatura oral", coloca a pesquisa diante de um aparente paradoxo. Um paradoxo que, sem dúvida, é produzido, em grande parte, pelas categorias de percepção que o pensamento europeu, há muito dominado, mesmo nas formas ditas "populares", pela cidade, a escrita e a escola, utiliza para apreender as produções orais e as sociedades que as produzem. Como é possível uma poesia oral e, ao mesmo tempo, dotada de sabedoria, como a dos cantadores cabilas ou a poesia de Homero? A antinomia que desafia, desde o início, a pesquisa sobre Homero é conhecida: ou a poesia homérica é dotada de sabedoria, e não pode ser oral; ou é oral, e não pode ser dotada de sabedoria. A propósito, quando se admite que ela é oral, como no caso da teoria de Lord e Parry2 2 Nessa obra inaugural do estudo das literaturas orais (de que Bourdieu tira proveito, em Esboço de uma teoria da prática, para explicar a dialética prática do aprendizado tradicional e da invenção cultural), Lord compara a composição e a técnica da poesia oral dos Bálcãs, coletada no trabalho de campo ao longo do séc. XX, com os poemas homéricos e outras obras européias medievais de características semelhantes. O livro de Lord toma como ponto de partida e desenvolve a teoria de seu mestre Milman Parry, classicista, professor assistente na Universidade de Harvard, que descobriu semelhanças entre os poetas iugoslavos e a Ilíada, no que se refere ao repertório de preceitos e códigos. Parry faleceu prematuramente em 1935, deixando um rascunho de sete páginas com uma síntese de seu projeto sobre a composição oral de doutrinas, que Lord assumiu e desenvolveu. Cf. Parry (1971) e Lord (2000 [1960]) (nota de Nice & Wacquant). , os preconceitos em relação ao "primitivo" e ao "popular" impedem que as propriedades atribuídas à poesia escrita sejam atribuídas também à poesia oral. É inconcebível que as poesias orais e populares possam, tanto na forma como no conteúdo, ser produtos de uma investigação erudita. É inadmissível que possam ser feitas para serem recitadas diante de um público de pessoas comuns, podendo conter um sentido esotérico, a ponto de se destinarem, portanto, à reflexão e ao comentário. É inútil dizer que se exclui a possibilidade da obra ser produto de uma investigação consciente, que faz uso, em segundo grau, dos procedimentos, codificados e objetivados, mais característicos da improvisação oral como repetição. – Mas talvez devamos começar situando a relação do senhor com a tamusni, a "filosofia" berbere, e recordar como o senhor "apreendeu" a tamusni e, sobretudo, como a "retomou" e a compreendeu.

Mouloud Mammeri (CERAM – Centre d'études et de recherches Amazigh – Maison des sciences de l'homme) – Meu pai foi o penúltimo na linhagem da tamusni. Teve um discípulo que também já faleceu e, depois deles, outra coisa teve início. Isso não é uma visão pessoal, é algo reconhecido por todo o grupo. As pessoas dizem: "Houve fulano e sicrano", citam toda a genealogia dos imusnawen [plural de amusnaw: sábio, poeta], que transmitiam a tamusni entre si. Depois da morte do último amusnaw, que se chamava Sidi Louenas, ela acabou... Depois dele, essa forma da tamusni morreu, passando-se para outra coisa. Mesmo que tenham restado, exteriormente, algumas formas superficiais da tamusni, todos sabem que morreu com aquele homem esse modo de pensar e dizer as coisas. Aliás, foi um verdadeiro drama coletivo. Quando ele faleceu, sabia-se que algo havia morrido com ele definitivamente.

Portanto, não sou filho do último amusnaw, mas do penúltimo e parece-me que a relação familiar me deu muita sensibilidade para esse tipo de coisa. Não pude ser o sucessor de meu pai, já que não levei a mesma vida. Freqüentei a universidade, portanto já dispunha de outros pontos de referência3 3 Para uma breve apresentação da biografia e do percurso intelectual de M. Mammeri no rol das possibilidades dos intelectuais argelinos nas décadas do pós-guerra e do pós-independência, cf. Yacine (2001) (N. de Nice & Wacquant). Cf. também as observações de L. Wacquant na nota 2 do artigo "A odisséia da reapropriação", no presente número da Revista de Sociologia e Política (N. T.). . Mas também é verdade que, ao longo de toda a vida, meu pai se preocupou em me iniciar na tamusni o máximo possível. Fico me perguntando se o gosto que, desde muito cedo, tive pela literatura não me veio desse ambiente em que estava imerso, apesar de não pensar sobre isso na infância. Se meu pai não me ensinou as coisas práticas da vida, de que tanto eu precisaria, toda vez que ele recebia pessoas com quem sabia que não teria um encontro trivial, ele pedia para que me procurassem por toda parte. Eu era bem pequeno, meu pai sabia muito bem que eu não compreenderia três quartos das coisas que seriam ditas. Mesmo assim, ele me banhava naquela atmosfera... Na adolescência, confesso que gostava daquilo tudo com muita paixão. Já não era mais meu pai quem pedia para que me procurassem na mação do "letrado" e a formação sistemática e invisível do amusnaw?

M. M. – Comecei a transcrever os poemas cabilas muito cedo.

P. B. – Seu pai sabia disso?

M. M. – Devia desconfiar. Encontrei em seus papéis (ele era um pouco instruído, foi à escola até o primário, era da primeira geração de argelinos que freqüentou as escolas da Terceira República) alguns poemas transcritos que ouvi ele recitar. Além do mais, tive um tio-avô que fez uma compilação de poemas cabilas (ele freqüentara o liceu). Dito isso, meu pai também me apresentou a muitos de seus "pares", não só na tribo dos Aït Yenni, a que pertenço, mas também fora dela, pois os imusnawen faziam visitas de uma tribo a outra. Quando eu ainda era criança, meu pai me levava sistematicamente aos mercados, pois eles são locais de encontro privilegiados. As compras de meu pai duravam mais ou menos meia hora, o resto do tempo ele usava para encontrar as pessoas e ficar um pouco com elas, que faziam o mesmo. Havia uma espécie de formação no local de trabalho, uma formação difusa e, ao mesmo tempo, consciente.

I. TAMUSNI: ARTE E ARTE DE VIVER

O aprendizado era pela prática. Não era um aprendizado abstrato. Era preciso agir também segundo certo número de preceitos, de valores, sem os quais a tamusni não é nada. Uma tamusni que não se adota, que não se vive, não passa de um código. A tamusni é uma arte, é uma arte de viver, ou seja, é uma prática que se aprende pela prática e que tem funções práticas. As criações que ela propicia – poemas, máximas – não são arte pela arte, mesmo que sua forma, eventualmente muito rebuscada, muito refinada, possa sugeri-lo...

P. B. – Não seria bom, talvez, especificar um pouco a particularidade da tribo dos Aït Yenni e a situação específica de sua família nessa tribo?

M. M. – Somos artesãos, já não sei mais há quantos séculos. Armeiros, às vezes joalheiros, mas principalmente armeiros. É um ofício que serve muito bem à tamusni, pois o artesão tem lazeres, liberdades e condições de trabalho infinitamente mais propícias que as condições de trabalho de um camponês. O camponês, quando está no campo, fica sozinho, com os animais, com a terra. Pela loja de um armeiro passam muitos homens. Não só as pessoas que vêm consertar seu fuzil, mas também as que vêm para conversar. É um local de encontro especialmente no inverno, quando é muito melhor estar na loja de um armeiro que no local da assembléia, por causa do frio. Um monte de gente passava pela lojinha de meu pai. Meu avô transmitiu a meu pai, deliberadamente, tudo que sabia da tamusni. Isso de maneira consciente, pois era ele quem a detinha em sua geração. Havia aí uma espécie de herança que fora legada a meu avô, que a transmitiu a meu pai, que a transmitiu a um marabuto em nossa vila. As coisas se passavam assim não só em nossa família, mas em muitas outras. Isso, sem dúvida, por causa da importância do artesanato na tribo. Em geral, as tribos cabilas são camponesas. É verdade que também viviam camponeses em nossa tribo, mas o artesanato tinha uma importância maior, com certeza, que nas outras tribos. Vinha-se de muito longe, até nossa tribo, procurar coisas de que se necessitava: armas, jóias, ferramentas etc.

P. B. – O senhor sabe que o poeta é designado por Homero, em alguma passagem da Odisséia, pela palavra démioérgos, isto é, demiurgo, que se traduz por "artesão" e que, sem dúvida, seria preciso traduzir por "iniciado". Uma série de indícios sugere que se trata de um especialista, às vezes estrangeiro. Além disso, Weber recorda, em Economia e sociedade, no capítulo sobre as comunidades religiosas, o estatuto particular do artesão, observando que se trata de alguém "profundamente imerso nos contornos da magia". Isso porque toda arte de caráter extracotidiano, esotérica, é considerada um dom, um carisma de tipo mágico, um dom pessoal geralmente hereditário, que separa o artesão dos homens comuns, isto é, dos camponeses. Não seria o amusnaw um sophos, o mestre de uma técnica bastante prática, em oposição a uma sabedoria abstrata e gratuita?

M. M. – Tamusni é simplesmente o nome da ação correspondente ao verbo issin: saber. Mas saber de um saber desde o início prático, técnico. Portanto, o amusnaw é exatamente o sophos original.

P. B. – Não acontece, às vezes, esperar-se do amusnaw conhecimentos e competências práticas, como, por exemplo, médicas?

M. M. – Acontece. Mas mesmo não dando receitas nem assistência, ele ainda permanece um amusnaw.

P. B. – Ele não utiliza seu saber prático em questões de limitação de áreas, de calendário agrícola etc.?

M. M. – Com certeza. O amusnaw era considerado mais conhecedor que os outros de tudo isso. Ele sabia como se distribuíam os trabalhos ao longo dos doze meses do ano, o que era preciso fazer antes, depois, como se fazia o plantio etc. O último amusnaw tinha grande reputação também por seu conhecimento de várias receitas medicinais, tal planta curava tal enfermidade...

II. O ESTATUTO PARTICULAR DO ARTESÃO

P. B. – Qualquer pessoa podia ir à oficina? Podiam ir outros especialistas também? Que acontecia, então?

M. M. – As pessoas que iam à oficina tinham outro status social. Iam por saber que era um lugar privilegiado para esse tipo de troca da tamusni. Mas também era o caso de passar por lá quem podia dispensá-la e, nessa ocasião, havia uma troca em condições iguais.

P. B. – Uma disputa?

M. M. – Não exatamente. Há uma expressão corrente que diz: "Todos aprendem com o outro" (Wa iheffed cef-fa). Havia uma troca de provérbios, parábolas a que os imusnawen reportavam-se, cada um cuidando de distinguir-se. Outros ficavam como espectadores, de certo modo, aprendizes. Eles buscavam a sabedoria. Não era um local de diversão, propriamente falando, mas de diversão seletiva, enlevada. A vantagem era que isso podia ocorrer o ano todo, pois o artesão trabalha todos os dias, o ano inteiro, sem interrupção. Já o camponês depende das estações e, no campo, trabalha sozinho.

P. B. – Outra característica desse grupo de artesãos é a de que eles se deslocam, seja para vender, seja para comprar. Eles ficavam, mais que os outros, em contato com a vila, com o mundo exterior.

M. M. – É verdade, há exemplos precisos disso. Em geral, costuma-se dizer, na literatura etnológica, que as tribos cabilas, antes da conquista francesa, eram divididas, que só mantinham relações de hostilidade, que era preciso anaya [proteção] para ir de uma para outra. Há nisso alguma verdade, mas, de fato, existia uma grande mobilidade da parte dos mascates, poetas, mulheres, imusnawen, marabutos e das pessoas comuns. Havia um código de amizade pelo qual você mantinha ligação com amigos de fora da tribo. Você ia para lá sem mais, simplesmente. Mesmo em minha família, um dos ascendentes armeiros, que viveu na segunda metade do séc. XVIII, ia regularmente à costa cabila vender os produtos de seu artesanato. Pensando-se nas condições em que se faziam as viagens naquela época – não havia estradas e, portanto, havia mesmo certa insegurança –, é algo realmente admirável, pois o artesão era obrigado a passar por não sei quantos grupos, tribos, vilas. Além disso, na tradição familiar, conta-se que esse armeiro hospedou um turco que teve de sair de Argel porque cometera um homicídio e a justiça o procurava. Se o turco viajou até lá, é porque sabia que seria recebido por ele... Portanto, o isolamento é, sem dúvida, relativo e os artesãos eram, com certeza, mais abertos ao exterior que os camponeses, que podiam passar a vida toda dentro de sua vila.

P. B. – Os artesãos eram predispostos a realizar a função de intermediários, embaixadores, mediadores...

M. M. – Não diria embaixadores...

P. B. – Porta-vozes das notícias, idéias...

M. M. – Com certeza. Eles eram, por vocação, os homens do discurso, na medida em que porta-vozes das notícias. De todo modo, eles tinham interesse em ser os homens do discurso. Aquele armeiro, antepassado nosso, de que eu estava falando, era muito conhecido por isso. Ainda se contam um monte de anedotas sobre como ele saía de situações difíceis com o discurso, porque o discurso era realmente uma arma em suas mãos.

P. B. – Os próprios artesãos iam vender seus produtos?

M. M. – Geralmente se ia até eles comprar os produtos.

P. B. – Também é uma situação de contato com o exterior...

M. M. – Com certeza. Quando pessoas de toda parte vêm procurá-lo, é porque você deve ter certo número de relações nas várias vilas e tribos.

III. O APRENDIZADO INFORMAL E A INICIAÇÃO

P. B. – Voltando um pouco ao que o senhor já falou, existia um aprendizado informal, análogo àquele que o senhor mesmo recebeu. Não existiam, porém, formas mais explícitas, mais específicas de aprendizado?

M. M. – Parece-me que existiam duas coisas. Primeiro, esse aprendizado informal. A assembléia da vila desempenhava um papel importante nesse aprendizado. Ela ocorria em intervalos regulares – por exemplo, uma quinta-feira sim, outra não, todo mês –, e era onde se discutiam todas as tarefas a realizar e as já realizadas. As assembléias eram verdadeiras escolas de tamusni, pois quem as conduzia eram, evidentemente, os mais eloqüentes, quem mais dominava o discurso. Qualquer um podia participar das assembléias, até as crianças. Particularmente, assisti a várias assembléias da vila desde muito criança e me lembro bem do que se passava. Portanto, já existia essa espécie de escola regular. Mas existiam também os mercados, as peregrinações, ocasiões particularmente importantes porque provocam concentrações consideráveis, tanto pelo número de participantes quanto por suas diferentes proveniências. Agora, além desse aprendizado quase espontâneo, existia uma iniciação propriamente dita. Ela era consciente, era dirigida por um mestre e dizia respeito só a dois tipos de homem: o poeta e o amusnaw. Mais claramente ao poeta que ao amusnaw, que tinha pelo menos a chance de aprender a tamusni também de maneira informal (embora, em certo grau da iniciação, ele devesse recorrer, de forma voluntária, ao contato com outros já "iniciados"). Mas, para o poeta, essa iniciação é quase uma obrigação.

P. B. – Em outras palavras, os imusnawen são escolhidos, de certa forma, ao se devotarem a um mestre, que, por sua vez, faz a seleção. É um pouco a eleição mútua de dois carismas.

M. M. – É. Os candidatos pedem para ser iniciados e o mestre, dentre todos com quem trava contato, avalia quem tem mais dom e merece prosseguir.

IV. A FUNÇÃO DO POETA

P. B. – Seria possível explicar, com mais exatidão, a diferença que o senhor faz entre o amusnaw e o poeta?

M. M. – Primeiro, um amusnaw pode não compor versos, pode não ser dotado para a poesia, embora tenha dom para o discurso, para o discurso em prosa. Essa é uma primeira diferença. Dentre os poetas, existia quem assegurasse a transmissão mecânica, recitando poemas que não haviam composto.

P. B. – Eram os profissionais. Dava-se um nome específico a essa espécie de recitadores que andavam de vila em vila, por oposição aos verdadeiros "criadores"? Algo parecido com a oposição entre o rapsodo, que recita, e o cantador, que compõe? Ou entre o jogral, que é intérprete, e o trovador, que é autor?

M. M. – Na verdade, dois termos eram utilizados para designar os iniciados: ameddah e afsih. O afsih é capaz não só de recitar, mas também de criar. É o amusnaw quase por definição.

P. B. – Enquanto o ameddah é apenas um recitador...

M. M. – O ameddah pode conhecer milhares de versos e, sem ser particularmente dotado para eles, pode recitá-los. O ameddah tem os versos na memória. Mesmo assim, ele desempenha uma função indispensável na literatura oral.

P. B. – Ele servia quase de biblioteca, de conservatório. Sabia coisas que todos sabiam um pouco, mas sabia mais que os outros.

M. M. – O ameddah sabia mais coisas e melhor. Em geral, os outros conheciam passagens, trechos.

P. B. – Ele vivia desse talento?

M. M. – Com certeza. Era um profissional e só fazia isso. Andava de vila em vila, mercado em mercado, especialmente na época da colheita de azeitonas, figos, grãos. Praticamente o ano todo.

P. B. – E às festas, ele comparecia?

M. M. – Não. Às festas ia menos. Todo mundo podia recitar nas festas.

P. B. – O afsih não é, por sua vez, a mesma coisa?

M. M. – Não. O afsih não age dessa forma. Ele é quem escolhe sua ocasião. Quando comparece, é um acontecimento... Não vai a um lugar porque a colheita de azeitona é boa.

P. B. – Assim como não é o caso de "pagá-lo" diretamente, abertamente...

M. M. – Não, claro. Nosso poeta nacional, se é que posso chamá-lo assim, no século XVIII, Yusef u Kaci, é realmente um grande poeta do gênero antigo. Dava-se óleo em quantidade considerável para ele. E não porque tinha ido a um lugar, era uma forma de tributo. Dizia-se assim: "Em um dia como hoje, vamos coletar óleo para Yusef u Kaci". As pessoas traziam quanto queriam doar e levava-se a doação até ele.

P. B. – Então, ele não trabalhava.

M. M. – Não trabalhava. Sua função era essa. Não era da nossa tribo, mas de uma tribo distante, At Djenad, perto do mar. O poeta era uma espécie de escolha que a tribo simplesmente fazia e pronto. Nunca pude saber de que modo, vindo de At Djenad, ele se tornou nosso poeta, a ponto de hoje conhecermos todos os seus versos, que, aliás, não são bem conhecidos em At Djenad, embora as pessoas o considerem, lá também, um grande homem. A tribo dele ficava na fronteira entre as terras cabilas independentes, não submetidas ao Dey, e as terras submetidas diretamente ao Dey. Essa localização gerava conflitos e guerras com as tropas do Dey. E sempre o enviado para negociar com o califado era o poeta.

P. B. – Aí ele desempenhava o papel do embaixador.

M. M. – É. Aí ele tinha, realmente, um papel de embaixador, um papel político. Ele tomava decisões. Por exemplo: em um negócio entre At Djenad e os turcos, ele perguntava às pessoas de sua tribo: "Que vou dizer ao caid [governante] turco?" As pessoas lhe diziam: "Diga o que quiseres, nós te apoiamos". Portanto, ele é investido de uma espécie de autoridade. É realmente um papel político.

V. DISCURSO ESOTÉRICO E DISCURSO EXOTÉRICO

P. B. – Isso está bem de acordo com a lógica daquilo que o senhor descreveu, quando disse que, para seu pai, a palavra poética tinha sempre uma função prática, ética. Em outros termos, quaisquer que fossem os usos dessa competência, eles eram sempre práticos...

M. M. – Essa competência é, em todos os casos, sempre prática. Está ligada com a vida sem, por isso, ser utilitária. Não digo que, entre si, os imusnawen não fizessem aquela espécie de exercícios gratuitos que remetem à pura poesia. Faziam, mas entre si: "Agora que estamos entre virtuoses, compartilhemos nossa alegria.

P. B. – Nesses casos, eles faziam discursos mais esotéricos?

M. M. – É. Faziam discursos como se fossem discursos para iniciados. Eles se entendiam muito bem. Havia etapas, temas, uma ritualização. Lembro-me de quando meu pai, no fim da vida, encontrava-se com seu discípulo. Era um pouco dramático até, pois eles estavam reduzidos, isolados... no fim de alguma coisa e sabiam disso. Que pirotecnia! Era muito bonito, mas eu tinha a impressão de que havia acabado. Ninguém poderia continuar e, diante de outras pessoas, eles não se permitiriam um exercício de virtuosidade parecido, pois sabiam muito bem que aquilo não se transmitiria. Portanto, reservavam aquilo para eles mesmos. Havia uma linguagem especial (eu não podia interrompê-los e dizer: "Ah! sim. Mas o que isso quer dizer?"). Enfim, eles se entendiam.

P. B. – Essa espécie de cultura esotérica era elaborada justamente nesses encontros entre os "iniciados" no trabalho de poeta...

M. M. – Não saberia dizer. Mas acho que ela se desenvolvia assim. Tenho a impressão de que cada um tinha uma bagagem dessa cultura esotérica.

P. B. – Não existia, o tempo inteiro, uma hierarquia entre os próprios virtuoses, além daquela que o senhor estabeleceu entre os poetas e os meros recitadores?

M. M. – Existia. Parece-me que era uma hierarquia fundada em um valor, se não absoluto, ao menos reconhecido pelos outros. As pessoas diziam: "Tal poeta está em tal nível da tamusni. Fulano está no topo da escala. Sicrano chega perto, mas ainda não está lá... Beltrano está aprendendo..." Como existiam ocasiões de encontro, de performance, o amusnaw estava sob provação praticamente a vida toda e o tempo inteiro. Não se podia errar.

P. B. – Era um juízo do povo, mas também dos iniciados.

M. M. – É, mas um passava para o outro. O juízo dos iniciados podia não coincidir exatamente com o juízo do povo, na medida em que a simulação pode impressionar mais o povo do que os profissionais. Entre os "iniciados", não se pode olhar nos olhos sem rir. Se alguém blefa, os outros sabem. De resto, pode-se blefar aos olhos do povo, mas não por muito tempo.

VI. A EXCELÊNCIA

P. B. – Se compreendo bem, a tamusni era um tipo de sabedoria que só podia ser expressa pelo discurso, se também fosse expressa pela prática.

M. M. – As pessoas admitem transgressões, mas sob certas condições. Elas dizem: "Se tal amusnaw faz tal coisa, é porque ele pode se permitir fazê-lo, mas eu não posso. Não posso me permitir transgredir a taqbaylit, o código de honra. À taqbaylit só posso me conformar. O amusnaw está além, pode transgredi-la. Eu, se a transgrido, é por falta, é por não estar à altura dos sacrifícios que a taqbaylit exige. Se o amusnaw a transgride, visto que podia observá-la com perfeição, é porque vê mais longe". As pessoas sabem que um homem é um homem e que, por ser humano, o amusnaw pode incorrer em dado número de erros. O grupo lhe permite alguns erros.

P. B. – Os imusnawen estão além das regras, mas eles as seguem, mesmo estando além, como realização suprema da excelência cabila.

M. M. – Parece-me que é isso. As pessoas dizem: "Tudo bem, o amusnaw transgride a regra, mas com bom senso", isto é, pelo melhor, e não pelo pior.

P. B. – Ele é quem exprime a verdade do jogo jogando com a regra do jogo, em vez de simplesmente jogar segundo as regras.

M. M. – O cabila entende isso. "O amusnaw jogou bem, pôs o problema em termos tais, que lhe permitem agir assim. Quanto a mim, estou obrigado a me conformar estritamente à regra. Ela está presente para a pessoa comum, mas o amusnaw está além." A tamusni é, no sentido mais estrito, o conhecimento de um corpus de prescrições, valores etc. Mas existe alguma coisa que vai além disso. Um poeta respondeu, certa vez, com versos que começavam assim: "A compreensão das coisas é superior à tamusni" ("Lefhem yecleb tamusni" – Si Mohand). Não é uma contradição. Na verdade, isso quer dizer que, se você tratar a tamusni como simples soma mecânica de preceitos, você poderá aprendê-la. Basta procurar um amusnaw que lhe transmita todas as prescrições. Agora, se você quiser ser um verdadeiro amusnaw, existe um além-das-regras que as transgride, ou melhor, que as transcende.

VII. O CAMINHO DA INICIAÇÃO

P. B. – Continuando aquilo que o senhor falava sobre a formação dos profissionais, pode-se supor que, existindo graus de iniciação, deve haver também uma espécie de curso iniciático, de provas sucessivas?

M. M. – Parece-me que existe uma espécie de aprendizado em duas etapas. A primeira se dá nas mesmas condições que o aprendizado para a tamusni. Nesse primeiro aprendizado, assiste-se a todas as reuniões ordinárias em que a poesia é invocada constantemente para exemplificar um propósito, para esclarecer uma situação concreta (a língua berbere ordinária não possui uma série de termos abstratos, mas essas noções abstratas podem ser usadas na linguagem cotidiana, seja por meio da poesia, seja por meio das parábolas). É por isso que, na sociedade cabila, todo mundo pode ser poeta, em algum momento da vida, quando tomado por um sentimento mais intenso que o de costume. Do profissional é que se espera tal sentimento a toda hora. Se alguém faz um achado poético sobre um acontecimento qualquer, ele pode integrar-se ao corpus. A diferença é que o profissional é capaz desses achados o tempo inteiro.

Para chegar a essa espécie de maestria, é preciso passar para a segunda etapa do aprendizado, muito mais formalizada, institucionalizada. Você aprende os diferentes procedimentos ao acompanhar um poeta por muito tempo. Existia também uma espécie de exame em que o professor dava uma autorização (issaden), uma licença. Consistia em criar um poema com certo número de versos, por exemplo, cem. Para uma apresentação oral, cem versos é muito. As pessoas diziam: "Ele compôs até..." (issefra-t...), identificando o número, geralmente cem.

Por exemplo: o poeta que, de certa forma, foi professor de todos os demais, Mohammed Said Amlikec, era quem dava essa investidura. A um de seus discípulos (ele não teve poucos), El Hadj Rabah, ele disse um dia: "Se quiseres que te dê a licença para ser poeta, faz um poema de cem versos". O candidato respondeu: "Cem versos não é nada...", fazendo cento e cinqüenta, muito mais que o pedido. Conta-se que, em dado momento, ele não encontrava mais a palavra que podia rimar com o verso anterior. Então disse: "Peço desculpas aqui, não encontro a rima" (dagí ur as ufic ara lemgaz is) e continuou. Mas o mestre respondeu: "Está ótimo. Você passou e muito dos cem versos", concedendo-lhe a licença para fazer versos.

Em contrapartida, o "licenciado" devia, cada vez que atuasse, onde quer que fosse, começar com uma prece em verso feita por seu mestre. Começava-se assim: "Como disse meu mestre Mohammed Said..." ("akken i-s inna wemcar Si Muhend Ssaâid..."). "Como disse meu mestre..." era uma forma de render homenagem, de fazer referência. Não queria dizer que o poeta era incapaz de compor uma prece em verso. Era simplesmente a retribuição, a homenagem prestada ao mestre na poesia. Até o dia em que El Hadj Rabah passou da medida, julgando-se, dali em diante, tão competente quanto seu mestre, talvez até mais. Ele vai se apresentar em determinado lugar e diz: "Como disse o menino El Hadj Rabah..." ("akken i-s inna weq-cic Lhag Rabeh..."). E recitou a prece, que era bela, tão bela quanto a do mestre. Só que as pessoas ficaram escandalizadas: "Como?! Ele ousa recitar sua própria prece? É um usurpador! Isso é um sacrilégio!" Reza a lenda que, a partir desse momento, sua inspiração perdeu força porque ele transgrediu a regra do jogo. De certo modo, ele cometeu uma traição, rompeu o elo da cadeia. O poeta continuou a fazer versos, mas ninguém o escutava mais. Seu carisma tinha desaparecido.

P. B. – Isso tende a confirmar que, como diz Weber, a arte do poeta é considerada um carisma de tipo mágico, cuja obtenção e manutenção são asseguradas de maneira mágica. Mas é só isso, a arte do poeta? Também existe todo um aspecto técnico, regras de composição, procedimentos etc.

M. M. – Existiam regras muito precisas. Em vista dessas regras é que se podia determinar se um poeta era mais hábil ou menos. O poeta Yusef u Kaci, de que já falei, o maior poeta antes da ocupação francesa, compunha de acordo com certo número de cânones4 4 Sobre esses cânones e sua evolução, cf. Mammeri (2001) (nota de Nice & Wacquant). . Lembro-me de uma anedota: certo dia um homem de Ait Yenni foi encontrá-lo. Vinha, portanto, de muito longe, pedir auxílio ao mestre para aperfeiçoar sua arte de compor versos. O homem chega, vê o poeta e se dirige a ele com estes versos:

A dadda Yusef ay ungal

ay ixf l-lehl is

Tecbid îîaleb l-lersal

ic di wedris

Ul-iw fellak d amaâlal

awi-k isaân d ccix is

Muh At-Lemsaaud

"Dada Yusef, irmão mais velho,

mestre de todos teus semelhantes

pareces o grande taleb

que recita textos sagrados

na escola de Wedris

meu coração anseia por ti

queria tê-lo por mestre".

A rima é feita em "is, al". Yusef u Kaci responde imediatamente, com seis versos, na mesma forma, usando as mesmas rimas:

Cebbac w'ur nekkat uzzal

icmet wagus is

Am-min irefen uffal

d win i d leslaê is

Nac af–sih deg lmital

ur nessefruy seg-gixf is.

Yusf-u-Qasi

"Digo do covarde

suas armas são frágeis

Como brandir um ramo

Usado como arma

Feito poeta cujos versos

não extrai de si mesmo".

Ele quer dizer o seguinte: "Há coisas que posso fazê-lo aprender, mas isso que se aprende, qualquer um poderá te ensinar. Não vale a pena vir até aqui para me ver". Diga o mestre o que for, existia uma técnica, cânones. Além do mais, havia uma sabedoria. É o que diz o mestre na réplica: "Queres a técnica? Pois bem, respondo com o mesmo ritmo e as mesmas rimas, mas, além disso, com um ensinamento, com uma sabedoria".

VIII. "DAR UM SENTIDO MAIS PURO ÀS PALAVRAS DA TRIBO"

P. B. – Eis por que a poesia berbere não é uma arte "pura", na tradição da "arte pela arte". Ela fornece os meios para que as situações e as experiências difíceis sejam expressas e pensadas.

M. M. – É precisamente a função da metáfora e da parábola: condensar, em poucas palavras, um ensinamento último, em palavras contrastantes, certeiras, portanto fáceis de memorizar. E o verso é, desse ponto de vista, maravilhoso. Primeiro, as pessoas o gravam e, segundo, quando o poeta tem o dom, chega a dizer, por uma série de aproximações, de procedimentos de estilo, coisas que a prosa comum não diz.

P. B. – Há também a licença para forçar a língua e conformá-la à poesia.

M. M. – É, isso faz parte dos procedimentos: o contraste, o fato de dar a uma palavra um significado um pouco diferente do que ela quer dizer na língua corrente, um leve deslocamento que permite o poeta dizer algo que normalmente não teria podido dizer.

P. B. – Esse uso intensivo da língua ordinária permite o poeta fazer a língua "render" o máximo, isto é, "dar um sentido mais puro às palavras da tribo".

M. M. – E isso é mais fácil em verso do que em prosa. Na prosa existem limites de inteligibilidade. Levei anos para compreender certos versos que há muito eu conhecia. Um dia, atinei: "mas, claro, é verdade". Alguma coisa me ocorreu.

P. B. – Essa iluminação retrospectiva justifica o velho preceito da maioria dos ensinamentos tradicionais fundados na memorização: "primeiro aprender, depois entender"... É como a idéia de que o sentido condensado, intensificado, levará tempo para se manifestar, para se exprimir, e precisará de reflexão, resistirá ao deciframento.

M. M. – De todo modo, na poesia, o sentido profundo pode, à primeira vista, não ser aparente. Ao contrário, na prosa, o interlocutor deve compreender.

IX. A DEGRADAÇÃO DO SENTIDO

P. B. – A busca de intensificação da linguagem é um passo em direção à obscuridade. A busca de assonância, de aliteração, os deslocamentos de sentido, tudo isso faz essa linguagem tornar-se obscura.

M. M. – É verdade. Mas há uma espécie de contrapartida em relação ao que o senhor está dizendo. Por exemplo: eu havia transcrito um poema que meu pai recitava. Muito tempo depois, encontrei o texto do mesmo poema com um marabuto, já falecido... Perguntei-lhe se não tinha os manuscritos. Ele me trouxe algumas folhas. Vi algumas linhas que não chegavam até a margem. Pensei que podiam ser versos e, de fato, eram versos transcritos em letras árabes. Era o poema que meu pai recitava, só que mais longo. Mas mesmo na parte comum às duas versões, a língua era mais difícil. E também algumas palavras tinham sido substituídas...

P. B. – Essa substituição não era feita por acaso. Era para se aproximar do sentido ordinário?

M. M. – Era. Essa aproximação do sentido ordinário é uma perda, e não um enriquecimento. Eis a versão oral do poema em questão. Na realidade, duas versões eram conhecidas. Nota-se uma evidente simetria entre os dois poemas (mas estabelecida depois): clássicos seis versos, com rimas alternadas, compostas de três dísticos, o último (como sempre, nesse caso) comportando dois heptassílabos, sendo que variam os outros dois. As rimas têm, nos dois poemas, a letra "i" como vogal de apoio nos versos ímpares e uma vogal diferente nos versos pares. Além disso, o primeiro verso tem a mesma forma nos dois poemas, com a simples e sutil variante do dia da semana (terça-feira/quinta-feira) e, sobretudo, da hora (noite da derrota/manhã da vitória).

Primeiro Poema – versão oral

Win ur nehdir ass-n- et,t,lata tameddit

mi-d tc¡uddu

Kul asniq la-d iîîeggir kul ticilt

la-d tfurru

I tin u ribci Rebbi

âaddik m'atnegêev azru.

Ah! Não ter visto na noite de terça

a batalha!

Cada viela os jorrava [os combatentes]

Cada colina os erguia

Mas se Deus não quiser

podes demover o rochedo?

Segundo Poema – versão oral

Win ur nehdir ass l-lexmis tasebhit

mi tembweîîaj

Ibda lbarud l-lexzin

la yeîîenîaj

xemsa-u-sebâin ay geclin

cas cef Tewrirt

Ah! Não ter visto na manhã de quinta

a radiante! [tempestade]

A velha pólvora

Crepitava

Setenta e cinco tombaram

Só por Taourirt-El hadjadj [a vila em disputa]

O poema escrito é mais longo. Agora não o tenho comigo, mas posso tentar me lembrar... Doze versos me vêm à mente (se me recordo bem, o poema tem, no total, trinta e cinco). Aliás, o que agora está acontecendo comigo é o mesmo que, ao longo dos séculos, deve ter se passado com os cultores da tradição oral. Eis os versos que me ocorrem agora:

A ttir yufgen iäalla

ifer huzz-it

Hebsen legwad la âadla

hed ma nzerr-it

Tlatin hesbec kamla

ssarden semmvdit

ay geclin deg twila

cef teqbaylit

Kra bbwi iêuz êhed lcila

ic¡c¡a ten ttrad msakit!

cer tâassast ggaren aâwin

kulyum d

Ulac tifrat, yiwen ddin

cas ma texla nec?

Ass l-lexmis may sen zzin

ikker waâjaj

ibda Ibarud l-lexzir n

la yet,tenîaj

Xemsa-u-sebâin ay geclin

cas cef Tewrirt

Yousef-Ou-Kaci (segunda metade do séc. XVIII)

Pássaro voando nas alturas

Deixa planar tuas asas

Sem trégua, os nobres [combatentes] estão enfermos

Não se via mais ninguém

Vi trinta, bem contados

que, debaixo d'água, congelados

Tombaram com seus longos fuzis

pela honra da Cabília

Capturados, todos, pela hora H,

a guerra os devorava, pobres!

Pássaro azul brilhante

cruza os ares

vai a quem provê

as sentinelas

selando [montarias] todos os dias

Não há trégua, só uma saída:

morte ou exílio!

Quinta, durante o cerco,

na poeira,

a velha pólvora começou

a crepitar

Tombaram setenta e cinco

só por Taourirt El Hadjadj.

[Eis, na íntegra, o texto do poema, tal como no manuscrito]5 5 Cf. a carta de Mammeri a Bourdieu, datada de 22 de abril de 1978 (N. T.). :

Belleh a ttir ma d w'iserrun

dd deg

At Yanni laaz n tudrin

sellem at wagus

Ass l-lèxmis mi yasen zzin

ikker waâjaj

Ibda lbarud l-lexzin

la yettentaj

Xemsa-u-sebâin ay g-geclin

cas cef Tewrirt

Ar ida mazal-ten din

i tembwettag

cer taâssast ggaren aâwin

kulyum d

Ulac tifrat yiwen ddin

cas ma texla nec atteggag

A ttir yufgen iâalla

ifer huzz-it

Hebsen lemvilla

hed ma nzerr-it

Assen ur irbiê sslam

mi myugen tîrad n-etwacitn

Tlatin êesbec kamla

ssarden semmdit

ay-d iqqimen deg îwila

cef teqbaylit

Kra bbwi yeîet hed lcila

ic¡c¡a-ten ttrad msakit

Ttrec-k a waêed lewêid

a Lleh ur neîîis

dâac-k s-esshaba laâyan

Aali d irfiqn-is

Tegd acdeg amkan

jmâa akka-d net,êessis

Eis a tradução dos novos versos:

3 a 6:

Dentre os Ait-Yenni, das vilas a honrada:

leva minha saudação àquele cujo cinturão

mune-se de pólvora.

Quinta, ao fazerem o cerco,

a poeira levantou

11 e 12:

À noite ainda estão

em meio aos tiros

21 e 22:

Dia nefasto

De funesta batalha

29-final:

Único e insubstituível, imploro a Ti

Deus que jamais adormece

Invoco-te pelos gloriosos Companheiros do

Profeta

Por Ali e seus pares

Leva-nos ao paraíso

Todos nós, que aqui estamos a escutar.

Afinal de contas, não há grandes diferenças: a última estrofe de seis versos (29-34) é a dedicatória obrigatória nesse tipo de poema. É um lugar-comum, pode-se adaptá-lo a qualquer poema. Aqui, uma marca disso é a mudança de rima. Na verdade, desconfio que falte um dístico na primeira parte (1-16), pois classicamente o conjunto se compõe por séries de seis versos (uma na última parte, duas na segunda e, via de regra, três na primeira). Isso sugere que houve, já na primeira transcrição, uma perda inicial.

P. B. – O senhor conhece outros casos parecidos de redução da linguagem extraordinária à linguagem ordinária?

M. M. – Com certeza, mas esse caso é muito significativo. Trata-se de um combate entre duas tribos. De fato, ocorreram dois ataques: o primeiro, em uma terça-feira, fracassou; o segundo, dois dias depois, na quinta, foi bem-sucedido. O primeiro poema (seis versos) foi improvisado na hora: os combatentes estavam de volta, mas não tinham tomado a vila, foram derrotados... No dia seguinte, decide-se que o próximo ataque ocorrerá na quinta-feira. O poeta faz outro poema, segundo a tradição oral, também de seis versos. Ele simplesmente diz que o ataque, dessa vez, foi bem-sucedido, a vila foi tomada etc. A versão escrita do segundo poema é mais longa e totalmente diferente na forma. Ora, existe, sobre o mesmo assunto, outro poema de seis versos, que meu pai havia recitado para mim e que foi reelaborado de acordo com o modelo do primeiro poema de seis versos. O que ocorreu? Gravar seis versos é fácil. O segundo poema foi reduzido à forma do primeiro, a ponto de modificá-lo inteiramente, servindo-lhe de contraparte: é um ataque inicial fracassado e, depois, bem-sucedido. Portanto, existiu todo um trabalho de reestruturação, em detrimento não apenas da extensão, mas também do sentido e do alcance do poema: a versão escrita é mais rica e mais humana. O poema original, que reencontrei no manuscrito, foi difícil decifrar. Não tenho certeza, pelo menos em duas passagens, de tê-lo entendido bem. Já o poema que me foi recitado é compreensível e tem certas vantagens em relação ao primeiro. Não está todo ele na linguagem corrente, mas é facilmente compreensível. Portanto, é provável que a evolução, quando se deu, tenha se destinado à "vulgarização". Meu pai recitou certo número de versos que transcrevi e que depois reencontrei, com outros, versões enfraquecidas. Enfraquecidas porque deixavam escapar algumas coisas e preferiam dizê-las na linguagem corrente.

P. B. – Sem dúvida, o que desaparece são, em primeiro lugar, os jogos com o sentido ordinário, os deslocamentos de sentido, os arcaísmos, as formas extraordinárias de vocabulário e, mesmo, de sintaxe. Porém as pessoas também não ficam livres de um trabalho exegético, como aquele que o senhor mesmo teve que fazer para descobrir o sentido desses poemas antigos? Não há uma polêmica em relação ao sentido das palavras, pela qual se procura apropriar da autoridade implícita em uma dicção, em um provérbio ou em um verso que virou provérbio? Não é um dos aspectos da licença concedida ao poeta justamente jogar com as palavras da tribo?

M. M. – Parece-me que sim. Há uma espécie de consumo corrente da poesia, mas também há graus superiores de iniciação, em que as pessoas analisam o sentido profundo. E, além do mais, os "sábios", quando estão entre si, não dão o mesmo valor aos mesmos exemplos6 6 Cf. Mammeri (1985) (N. T.). .

P. B. – Eles criam, a partir do sentido ordinário, um sentido esotérico, que a banalidade exotérica aparente dissimula aos simples profanos. Não decorre daí que, mesmo na presença de um público profano, os poetas possam sustentar uma linguagem com dupla finalidade, com um duplo sentido, uma dupla compreensão? Não há, necessariamente, vários níveis de interpretação, assim como há vários níveis de expressão?

M. M. – Isso me faz recordar uma experiência que tive. Em certa época, havia dois imusnawen em uma vila, que eram os porta-vozes dos dois soffs ("partidos", "ligas") opostos. Eles sido contemporâneos na adolescência e aprendido juntos a tamusni. Mais tarde, as vicissitudes políticas os separaram. Ficaram afastados durante anos, cada um como cabeça de um dos dois soffs. Assisti à recomposição da unidade da vila. Um deles, que era mais "expansivo", toma a palavra. O segundo responde. Assisti, então, a um dueto extraordinário. As pessoas escutavam, tendo a impressão de compreender o que se dizia. Mas não era o caso. O que lhes era acessível era o sentido evidente, o sentido aparente desse discurso, mas todo o resto lhes escapava. Os dois mestres se compraziam – e muito – no diálogo, visivelmente. Afinal, poder falar para alguém que o compreende e que pode responder nos mesmos termos... Foi quase uma troca de especialistas.

P. B. – Uma das capacidades específicas desses "iniciados" devia ser o conhecimento das referências, a capacidade para dizer: "como fulano disse...".

M. M. – De fato. Há um corpo e um corpus da tamusni. Tinha-se consciência disso. Dizia-se: "vou aprender com fulano e beltrano. Existiam escolas, com suas parábolas, versos, procedimentos, estilo e, sobretudo, com um conjunto de valores, referências que era preciso saber, possuir. Quanto mais se possuíam as referências, mais se avançava na tamusni. Os imusnawen faziam conscientemente esse aprendizado. Iam de uma tribo para outra, encontravam-se com fulano, conversavam a noite toda com ele para aprender com ele.

P. B. – Os grandes imusnawen "transtribais" não eram aqueles que acumulavam o conjunto desses diferentes corpus?

X. O SENSO DA SITUAÇÃO

M. M. – Havia um amusnaw que, sob esse aspecto, era extraordinário. As pessoas se dirigiam a ele para resolver um monte de problemas, problemas difíceis, casos críticos. Ele tinha certa autoridade... Sabia como adaptar seu discurso à tribo, ao lugar que visitava: "para tais e tais, é preciso dizer isso e aquilo, é preciso agir com eles dessa ou daquela maneira". Ele tinha "senso" de seu público. E não se trata de oportunismo. Só não se diz qualquer coisa a qualquer um. Se você quiser que a tamusni seja eficaz em um caso particular, é preciso ajustá-la de acordo com seu público.

P. B. – Sem dúvida, uma das propriedades mais importantes do discurso oral é ter que se ajustar a uma situação, a um público, a uma ocasião. A verdadeira ciência do discurso oral é também uma ciência do momento oportuno, do kairos. Para os sofistas, o kairos é o momento oportuno, aquele que é preciso aproveitar para falar sobre algo e dar à palavra toda sua eficácia. Mas o termo kairos significa originalmente, como Jean Bollack mostra7 7 Cf. Bollack (1975) (N. T.). , o centro do alvo, e tem senso do kairos quem acerta na mosca...

M. M. – Acho que não é por acaso que as expressões grega e cabila concordam. Na linguagem da tamusni, quando se busca, em uma reunião, a solução de um problema, fala-se assim: "a decisão correta é como o alvo, não se sabe quem acertará o centro..." (rray am lcerd, ur tezrid w"aat iêazen). Isso é para encorajar quem hesita discursar na assembléia, para sublinhar quão relativa é, necessariamente, toda performance.

Para exemplificar o "senso" da situação, esse amusnaw a quem eu me referia me contou a história de duas vilas de outra tribo, que estavam em conflito. Ele foi chamado para resolver a questão. Ao chegar a uma das vilas, vai encontrar-se não com os protagonistas do conflito, mas com os marabutos. E lhes diz: "Vocês me acompanhem. Vou pedir que, depois que os membros da tribo tiverem acabado de falar, vocês intervenham e digam a eles isso e aquilo. Mas quem vai lhes falar são vocês, à maneira de vocês". Os marabutos aceitaram porque sabiam que estavam lidando com um amusnaw excepcional. Eles falaram até meia-noite. Ao tomar a palavra em seguida, o amusnaw só parou às três da manhã: tinha fascinado todo o público. Em outro lugar, ele teria agido de maneira diferente, sabendo que defenderia os mesmos valores, mas que seria preciso adaptar a forma, cada vez, de acordo com a audiência.

XI. O PODER DAS PALAVRAS

P. B. – De fato, o próprio fundamento da autoridade que o amusnaw exerce reside em seu domínio excepcional da linguagem.

M. M. – É. Nessa lógica é que se compreende o fato de os imusnawen disporem quase de uma linguagem própria, esotérica ou, pelo menos, de um uso particular da língua, mais profundo. Ocorre-me um exemplo que me chamou a atenção. Um fato que aconteceu antes da ocupação francesa, em uma época em que os imusnawen intervinham de maneira eficaz, real, em que detinham um poder efetivo. É uma história um tanto trivial. Um homem que tinha se casado com uma mulher de uma tribo vizinha e tinha sido obrigado – coisa rara naqueles tempos – a deixar sua própria tribo. Ele partira não se sabia para onde, nunca mais tinha dado sinal de vida. Fazia quase sete anos que partira. Certo dia, os pais da mulher vêm procurar os pais do marido para lhes dizer: "Nossa filha já esperou muito tempo, quase sete anos. Vocês hão de convir que essa situação já foi longe demais. A partir de agora, ou vocês estão seguros de que esse homem voltará em breve, e a esposa dele vai ficar; ou, ele não dando sinal de vida, nós tomamos de volta nossa filha". Os pais do marido respondem que provavelmente ele estava vivendo em um lugar qualquer... Depois desse encontro ainda ocorreram vários. A mulher era de outra tribo, não se podia resolver o problema de maneira tão simples. Em uma das reuniões, um representante, muito eloqüente, da tribo da mulher – era um grande amusnaw – constrangeu os representantes da outra tribo com uma série de argumentos aparentemente irrefutáveis. No fim, concluiu: "Se vocês estão de acordo, tomemos a decisão. Essa mulher vai voltar para nossa tribo". Mas um dos membros da tribo do marido, que sabia que um de seus porta-vozes mais notáveis não estava presente, replicou que não se tivesse pressa e que se reunissem mais uma vez, em uma semana, para rezar a fatiha (a oração). Os grupos se vão e, uma semana depois, de novo se reúnem, dessa vez com a presença do amusnaw que estivera ausente. Ao chegar o grupo da mulher, seu porta-voz fala: "A questão já estando decidida, recitemos a oração e roguemos a Deus que a maldição não nos acompanhe" (Awer nawi daâussu). Ao que responde o porta-voz da tribo do marido: "Recitemos a oração, mas proponho rogarmos que não nos afastemos do caminho de Deus" (Awer necced deg-gwebrid r-Rebbi). Toma a palavra, então, o porta-voz da tribo da mulher: "Vamos nos levantar. Nada está decidido. Estamos de saída". Na viagem de volta, os membros de sua tribo lhe perguntam: "Que significado teve aquela conversa?". O amusnaw explica: "quando falei – "que a maldição não nos acompanhe" –, quis dizer que um homem que abandona sua mulher tanto tempo, se não volta para ela, é maldito". Quando o porta-voz deles me respondeu: "Deus, não nos afastemos do Teu caminho", ou seja, da regra, do direito de Deus, ele queria dizer que o direito divino determina sete anos e, de fato, ainda não se passaram sete anos. Quando ele pronunciou essa frase, entendi muito bem o que estava querendo dizer: vocês não têm o direito de tomar de volta essa mulher, pois ainda não se passaram os sete anos". – Enfim, mesmo que se trate de um caso-limite, o exemplo é interessante, pois essa troca, que diz respeito a um pequeno incidente, podia ocorrer com relação a fatos mais importantes.

XII. AS ANTINOMIAS EXTREMAS DA EXISTÊNCIA

P. B. – A história que o senhor contou representa a forma superior de relações que também se realizam entre homens comuns, por exemplo, por ocasião das negociações de casamento, que, em um grau inferior de refinamento, davam lugar a disputas do mesmo tipo.

M. M. – Sem dúvida. Mas parece-me que existe uma diferença quase de natureza, e não apenas de grau.

P. B. – Vence quem traz a cultura "consigo", quem domina melhor que o outro as regras em relação às quais todo mundo está de acordo...

M. M. – É. Mas a palavra é inseparável da coisa, a maneira de dizer é inseparável do que é dito. No caso que o senhor menciona, o das negociações de casamento, as pessoas "falam" da cultura em termos tais, que ela é compreensível para as duas partes. No outro caso, muda-se o nível de interpretação: trata-se de Antígona e Creonte. O porta-voz da tribo da mulher podia ter invocado, contra a letra da lei, o direito humano da esposa abandonada, mas sob a condição de achar a expressão adequada, bem escolhida, lingüisticamente exemplar. Para os imusnawen, era um problema extremo que se punha diante deles, ao passo que, para os outros, se tratava simplesmente de uma disputa oratória. Graças à confrontação de duas fórmulas, os imusnawen tinham posto o dedo em um problema humano: o que é primordial, a lei escrita ou o direito "humano" etc.? Tenho certeza de que, sem ter lido Sófocles nem os filósofos, eles fizeram, nessa simples anedota, ressurgir a questão das antinomias extremas da existência humana.

P. B. – E é em nome da intuição que se tinha de sua capacidade para situar-se nesse nível extremo, que se dava aos imusnawen o direito de estar além das regras da moral e da linguagem ordinárias.

M. M. – Parece-me que é em nome disso que se dava aos imusnawen o direito de transgredir, ao menos exteriormente, o código. Lembro-me de um fato que ocorreu há muito, antes da conquista, com um amusnaw bem conhecido. Sua tribo, em guerra com uma tribo adversária, dirige-se a uma terceira tribo, a dos Ait Yenni, para ser ajudada no combate. De acordo com a regra do nif (questão de honra), não se trata de saber se quem pede ajuda tem razão ou não8 8 Para uma explicação das bases sociais e da lógica cultural do nif na sociedade cabila, cf. Bourdieu (1971) (nota de Nice & Wacquant). . Se foi pedido auxílio, é uma falta grave não prestar. Alguém da tribo adversária encontra-se com o amusnaw de seu grupo e diz: "Agora não temos só a tribo vizinha contra nós. Os Ait Yenni vêm socorrê-los. É preciso dividir nossas forças e mandar metade dos nossos homens combater os Ait Yenni". O amusnaw responde: "Não. Esqueça os Ait Yenni. Se eles vierem com os outros, seremos obrigados a combatê-los. Mas, acima de tudo, não os ataquemos!" As pessoas objetam: "Como? Vamos passar por covardes!". E o amusnaw explica: "Caso sintas que estás em situação de inferioridade, o nif não exige que corras em direção a tua destruição". E seus versos viraram provérbio:

Trec at tezmert meqqwret

d ssalêin Igawawen

Uêeq Jeddi Mangellat

lawleyya widen i-s innden

Imi d Amejuv nsaâ-t

ur-d nerni lhem iden.

Laarbi At Bjauud (séc. XVIII)

Por piedade, grandes poderes

Sagrados poderes da Zouaoua [confederação]

Juro por Jeddi Manguellet [santo]

Pelos santos ao seu redor

Já que temos Tamejjout [o inimigo]

Não devemos atrair mais um obstáculo

Pronunciada por outrem, essa sentença teria parecido escandalosa, em nome do princípio: 'Talvez sejas vencido, mas deves lutar'. Diz um provérbio conhecido: 'Quando cais, cai a vergonha' (Mi teclid icli lâar). Mas, na condição de amusnaw, gozava-se de uma espécie de franqueza que aos outros era recusada.

XIII. O POETA, O LETRADO E O CAMPONÊS

P. B. – Mas a história que o senhor estava contando há pouco, do amusnaw que vai procurar os marabutos dizendo o que eles devem fazer, impondo uma solução, de modo que os marabutos fizessem uso da autoridade que tinham, põe a questão das relações entre a tamusni e a tradição do Corão, que detém a autoridade das escrituras e do sagrado. Como descrever essa espécie de triângulo formado pelo amusnaw, depositário exemplar da excelência cabila (taqbaylit), pelo marabuto, letrado investido de autoridade religiosa, e pelo simples camponês, que reconhece o amusnaw e o marabuto de diferentes maneiras, sem dúvida, e por diferentes razões? Como se organiza essa concorrência entre eles? Pode-se imaginar que ela tenha conseqüências para o conteúdo tanto da tamusni como da mensagem corânica, tal como realmente veiculada pelos marabutos. Como esses dois "poderes", fundados sobre princípios tão diferentes, chegam a se pôr de acordo? Não é o caso, no fundo, de que a concorrência seja inevitável e, ao mesmo tempo, inconfessável, impensável, sendo sempre, portanto, mascarada e recalcada em comum acordo?

M. M. – Mesmo reconhecendo que um lamento como este é supérfluo, sempre lamentei que a evolução da tamusni berbere não tivesse podido adquirir a forma de uma evolução autônoma e progressiva, sem traumas, sem imposição de autoridade exterior, como foi o caso na Grécia9 9 Cf. Mammeri (1950) (N. T.). . Sempre lamentei que os imusnawen não tivessem tido a possibilidade de fazer a passagem à escrita, sem ter que contar com uma espécie de concorrência ou de dominação vindas de fora. A cultura islâmica, com todas as suas qualidades, é muito fundamentalista, não admite variantes. Ela se investe da autoridade divina, foi revelada, está no texto do Corão. Está pronta e acabada, não há nada a fazer senão comentá-la.

P. B. – Em vários exemplos que o senhor mencionou, percebe-se o laico, o amusnaw, invocar a palavra de Deus, a norma religiosa. Do ponto de vista de um sacerdote, é quase uma usurpação. Como se põe, concretamente, o problema da relação da sabedoria profana, a tamusni, expressão profunda dos valores específicos, da cultura nacional, com a cultura religiosa, pretensamente universal, revelada e detentora da autoridade das escrituras?

M. M. – Parece-me que, ao longo de séculos, nunca se deixou de vivenciar o caráter ambíguo dessas relações, mesmo se ninguém o declarasse, pois isso teria sido escandaloso, impensável. Tratava-se de pensar, a todo custo, que a tamusni e a cultura religiosa eram a mesma coisa. A vontade de Deus e o texto da lei divina não podiam ser contrários à tamusni e, por sua vez, a tamusni só podia se alinhar diretamente à verdade revelada. Nem por isso inexistiam, na prática, casos de concorrência efetiva, embora não fosse desejada nem, muito menos, reivindicada. Parece-me que se admitia o primado da verdade religiosa: o Corão é o Corão, ninguém pode contestar a palavra de Deus. A verdade do Corão é secularizada pela tamusni, ou seja, é prolongada pela tamusni na prática, na realidade, na vida cotidiana. A despeito disso, ainda podia haver contradições entre a cultura religiosa e a tamusni. Na maioria das vezes, essas contradições eram ignoradas. Os marabutos, únicos a ter instrução na lei corânica, viam-se obrigados, pela situação deles próprios, a certos compromissos. Aí eles cometiam transgressões, só podiam falar, no que se refere ao Corão, o que era compatível com as normas da sociedade, sem o que eles se condenavam a si próprios. Eles tinham um "truque": diziam que o direito apoiava os costumes, o que, a meu ver, nem sempre é verdade. Quando os cabilas deserdaram as esposas, atentaram contra a lei religiosa. Portanto, existiam contradições efetivas. O amusnaw era quem as vivia mais intensamente, ficando mais sujeito a tais contradições, pois estava em contato freqüente com os marabutos, capazes de ver nos livros coisas a que ele próprio não podia ter acesso.

P. B. – A melhor prova disso é a massa de textos de poemas berberes que o senhor encontrou com os marabutos.

M. M. – É. Provavelmente o letrado tinha esse valor puramente instrumental, como detentor de uma técnica de conservação. Mas o amusnaw sabia que, além disso, existia nos livros outra sabedoria, que ele próprio não possuía. Os imusnawen freqüentavam bastante os marabutos. Mas viviam, ao mesmo tempo, com todo mundo. Portanto, estavam como que no ponto de intersecção das duas coisas. Assim como o marabuto, só que de outra maneira, pois o marabuto está no ponto de intersecção de dois mundos, mas do lado da lei religiosa. Ao passo que o amusnaw está do lado profano. Antes de mais nada, ele é um representante da taqbaylit elevada a seu grau superior, que constitui a tamusni.

P. B. – O amusnaw é um especialista na elaboração dos valores próprios. É uma forma de perito na taqbaylit, no caráter cabila.

M. M. – O amusnaw é um perito no caráter cabila em todos os aspectos: social, moral, psicológico. Já o marabuto é, antes de mais nada, o intérprete do Corão e dos comentários do Corão, do direito corânico. O marabuto é marabuto de nascença; o amusnaw é amusnaw por seleção, é obrigado a assumir uma série de valores, de técnicas, para se tornar amusnaw. O marabuto não tem escolha, é filho de seu pai, deve simplesmente representar o direito. Ele pode acumular as duas funções: existem muitos marabutos que são imusnawen. É raro que o amusnaw tenha feito os estudos em árabe. E os estudos não eram feitos em árabe porque não é a mesma lógica.

XIV. A CENSURA DO DISCURSO DOMINANTE

Portanto há, com certeza, um problema nesse caso e diria que as conseqüências são mais nefastas para a tamusni. Sem dúvida, a tamusni pode beneficiar-se de certas coisas que estão nos livros, coisas que ela toma de empréstimo, que seculariza. Mas parece-me que, no plano mais geral, a evolução que se realizou no caso da sociedade grega jamais se produziria na sociedade cabila. Isso porque, quando a sociedade cabila tinha que dizer certas coisas, quando tinha que passar para outro registro (por exemplo, o da cosmologia), ela se chocou com algo que já existia e que, com base nesse fato, exercia um efeito de censura, impedindo os cabilas de tirarem as respostas de suas próprias fontes, de sua própria tamusni. Uma das grandes diferenças entre as civilizações grega e cabila consiste, sem dúvida, no fato de que a tamusni berbere se desenvolveu em uma circunstância desfavorável, pois se trata de uma cultura oprimida. O Islã goza de uma espécie de privilégio simbólico que o outro lhe reconhece. Pelo simples fato da existência dessa cultura dominante, a tamusni encontra imediatamente seus limites. Ibn Khaldun diz que os berberes recitavam tantos poemas que, se tivessem que ser transcritos, encheriam bibliotecas. Portanto, pode-se concluir que houve um período de resplendor, em que a cultura oral era muito mais desenvolvida. Isso antes da invasão da Cabília pelos marabutos, a partir do séc. XVI, ou seja, por homens que trazem uma civilização sagrada, internacional, urbana, escritural e ligada ao Estado.

P. B. – A existência de uma cultura erudita, letrada, significa que, em se tratando de certas formas de cultura, o lugar já está ocupado.

M. M. – Esse confronto entre uma cultura erudita e uma cultura popular é um fato muito antigo na cultura berbere.

P. B. – Mas é todo o problema da cultura berbere10 10 Esse tema é desenvolvido por Bourdieu (1958, cap. 1 e 4) (nota de Nice & Wacquant). ...

M. M. – É. Esse problema foi vivido sem trégua, particularmente no terreno do direito, porque aí são evidentes a contradição e a concorrência. Parece-me que, no texto de 1748 que deserda as mulheres, existe um prefácio, talvez uma conclusão, já não sei mais, dizendo que os marabutos e os imusnawen, ao se reunirem e julgarem que a situação era essa e aquela, decidiram isso e aquilo... E Deus punirá qualquer um que contrarie a decisão"... As pessoas não eram idiotas, sabiam que a decisão contrariava a lei religiosa e, no entanto, tomaram essa decisão anticlerical, se posso chamá-la assim, invocando não só a proteção, mas o auxílio de Deus. O texto diz isso com todas as letras.

XV. O DE FORA E O DE DENTRO

P. B. – Na experiência ordinária, o camponês tem uma relação muito ambígua com o marabuto, reconhecido e, ao mesmo tempo, rejeitado (estou pensando nos provérbios sobre os marabutos, que, como certos rios transbordando nos temporais, também aumentam nas situações de conflito). Se o marabuto não fosse essa espécie de poder transcendente e, ao mesmo tempo, exterior – em contraste com uma expressão verdadeiramente profunda da cultura –, a tamusni não teria esse tipo de franqueza que lhe é permitida como sabedoria laica, esotérica mas laica. Estou querendo dizer que, se a relação com o marabuto tivesse sido simples, menos ambivalente, a tamusni não teria podido se sustentar.

M. M. – Acho que sim. O marabuto não é um amusnaw, ele é parte exterior da sociedade.

P. B. – Os marabutos se casam entre si, não vivem do trabalho de suas mãos. Não têm que praticar os valores cabilas, eximem-se disso.

M. M. – O marabuto é de fora, o que permite sua rejeição. É essa própria exterioridade que o torna útil, que o permite servir de mediador.

P. B. – Em todo caso, ainda se faz necessário quem é de dentro, quem pode reconciliar o grupo consigo mesmo, e não só com outros grupos.

M. M. – E quem é de dentro é o amusnaw.

P. B. – É por isso, sem dúvida, que há situações em que os imusnawen e os marabutos devem se reunir, como no caso que o senhor mencionou a pouco, em que são obrigados a se associar de algum modo. Mas, na maior parte do tempo, suas esferas de ação permaneciam independentes.

M. M. – O essencial é que há certa independência. Não se podia, é claro, evitar interferências, que, de fato, eram muitas. Mas parece-me que os imusnawen e os marabutos trabalhavam, na realidade, em dois domínios diferentes. Requisitavam-se a eles coisas diferentes. Um amusnaw podia servir muito bem de mediador. Mas não se incumbia dessa função por delegação, por escolha divina, como descendente do profeta, como é o caso do marabuto, mesmo que intelectualmente medíocre. Ao contrário, exige-se do amusnaw um esforço próprio.

P. B. – O papel do amusnaw tem algo de profético. É baseado na escolha das pessoas, ao passo que o marabuto não é escolhido.

M. M. – No interior do grupo religioso também podem existir personagens proféticos. Estou pensando, por exemplo, no Xeque Mohand, que rompeu com o grande Xeque, de quem era o segundo, reprovando-lhe o fato de aplicar as regras ao pé da letra, de sacrificar-se a um mero ritualismo, sem levar uma verdadeira vida espiritual11 11 Cf. Mammeri (1989) (nota de Nice & Wacquant). . Portanto, a oposição entre profeta e sacerdote já existe no próprio grupo de marabutos. Nem por isso deixa de haver algo de profeta no amusnaw. Ele tem um estilo profético.

P. B. – O amusnaw é o homem das situações de crise, das situações críticas, ele é capaz de discursar e dizer o que deve ser dito quando todo mundo fica em silêncio.

XVI. RENOVAR A TRADIÇÃO PARA CONSERVÁ-LA

M. M. – O amusnaw tem a virtude da invenção, seja no momento de uma crise, seja em tempos de ordem. É quem pode dar um passo adiante, para o lado, à direita ou à esquerda, fazer um avanço ou um desvio. Ele diz não apenas o que é, mas também o que inventa a partir da experiência ou de sua própria reflexão. A tamusni não é um corpo de conhecimentos à parte da vida, que seria transmitida "por prazer", mas uma ciência prática, uma "arte" que a prática revive sem parar, a que a existência lança desafios sem parar. É por isso que a herança só sobrevive mudando sem parar, a transmissão remodela continuamente a herança, ao atualizá-la. O papel do amusnaw é tornar a tradição compreensível em vista da situação atual, a única realmente vivida, e tornar compreensíveis as situações atuais em vista da tradição, transmitindo a tradição na práxis do grupo. Existem as respostas ordinárias da rotina codificada, o breviário dos usos e costumes, dos valores admitidos, que constitui uma espécie de saber inerte. Acima disso existe o nível da invenção, que é o domínio do amusnaw, capaz não só de pôr em prática o código admitido, mas de adaptá-lo, modificá-lo, até mesmo revolucioná-lo (é o caso dos dois Mohands), infringi-lo, romper com ele, essa ruptura permanecendo no espírito da tamusni ancestral, pois trair o aparato aparente da tamusni é ser o mais profundamente fiel a ele. Isso nem sempre ocorre sem riscos ou mesmo sofrimento. Um conhecido provérbio diz: "A tamusni é angústia" (tamusni d acilif).

P. B. – Assim, a tamusni é a capacidade para dizer ao grupo o que ele é, segundo a tradição que ele deu a si mesmo. E dizer mediante uma definição por construção de conceito, que diz o que ele é e, ao mesmo tempo, o que há de ser para ser verdadeiramente ele mesmo. E isso no calor da hora, de imediato, no instante mesmo em que isso se impõe, depois de uma derrota ou antes de uma batalha, e a todo momento, o que significa que o amusnaw está sempre sendo posto à prova, está sempre na fissura. A tamusni também é, portanto, arte de improvisar em uma situação ou diante de um público. Ora, como se marcam, na própria poesia, esse contato com o público, com suas reações, com sua aprovação? Não existem ocasiões em que tudo fica à mercê de uma palavra infeliz, casos em que o poeta deve ter cuidado para dizer a palavra que é preciso, para dizer o que é preciso? Não existe também uma teatralização destinada a dar às palavras toda sua força, acentuando o caráter extraordinário do discurso e daquele que o profere?

XVII. O UNIVERSAL NO PARTICULAR

M. M. – A relação com o público, no caso do poeta, é imediata, sem intermediário. O público está lá, o poeta também, em carne e osso, um diante do outro. Portanto, existe produção imediata e aceitação imediata. Parece-me que isso contribui para impedir uma criação pela criação, uma busca autônoma e puramente formal.

P. B. – Isso significa que as aparências que podem sugerir uma busca formal, as obscuridades e arcaísmos que evocam as formas de poesia mais elaboradas, são enganosas? Ler a poesia cabila assim seria tão falso como ler a poesia de Mallarmé vendo apenas uma forma "primitiva" da expressão poética12 12 Para uma análise do modo poético de leitura exigido pela tradição erudita da poesia ocidental quando se tenta decifrar seus sentidos abstratos seguindo a autonomização do campo da produção cultural, cf. os textos de Bourdieu sobre Baudelaire (BOURDIEU, 1995a), Apollinaire (BOURDIEU, 1995b) e Mallarmé (BOURDIEU, 1997) (nota de Nice & Wacquant). .

M. M. – Podemos voltar a um exemplo que já mencionei, aquele do poeta aprendiz que vai procurar o mestre para lhe pedir iniciação. O poema de seis versos que, de imediato, o mestre lhe dirige como resposta depende da ocasião puramente fortuita em que foi criado. O que é próprio do poeta é dar uma resposta exemplar, ou seja, dar uma resposta universal a propósito de um caso particular, elevar um problema particular, oriundo de uma situação particular, a um nível universal. Mas o fato de que essa resposta universal tenha sido produzida em relação a um acontecimento bastante preciso lhe confere justamente uma realidade que a distingue de uma simples preocupação intelectual, interna a um meio.

P. B. – O poeta é quem sabe universalizar o particular e particularizar o universal. Sabe responder a uma situação particular e a um público particular, assegurando assim a eficácia simbólica de sua mensagem. O senhor se referiu a pouco ao conhecimento prévio que o poeta deve ter de seu público para que sua palavra "prenda", para que ela seja eficaz.

M. M. – A relação público-poeta é tal, que uma performance poética pode ser verdadeiramente uma espécie de dueto entre o poeta e seu público. Ao criar, o poeta não está sozinho. É motivado, parece-me, por seu público, por uma espécie de apelo de seu público, a que o poeta responde. Por exemplo: certo dia Yusef u Kaci, um poeta que já mencionei, vai até uma tribo e faz o elogio de suas três vilas. A tribo era, de fato, composta por três vilas, mas havia recém-conquistado, na guerra, outras três. Ele vai terminando o poema e os ouvintes percebem que a conclusão está próxima. Alguém sai do círculo em volta do poeta, chega mais perto e lhe diz: "Ótimo, Dadda Yusef, mas parece que vais concluir. Presta atenção: não estamos mais sozinhos, há outras três vilas!". O poeta estava em um tapete, tinha nas mãos um tamborim triangular, em que dava uns poucos toques. Ele anda em volta do tapete, retoma o encadeamento e, de improviso, faz o elogio das outras três vilas. Os ouvintes ficaram admirados. Nesse caso, pode-se dizer que a metade do poema de Yusef lhe foi ditada pela audiência. Em outra ocasião, outro poeta vai a uma vila e, no momento em que recita, percebe que os ouvintes estão distraídos, cochichando. Ele pára e recita um poema ad hoc, cuja conclusão virou provérbio: "canto e o rio leva embora" (kkatec iteddem wassif) (Aali Aamruc, primeira metade do séc. XIX). A partir de um fato menor, o poeta extraiu, ali mesmo, algo universal.

XVIII. O ENIGMA DO MUNDO

P. B. – Mesmo quando não inventa completamente, como nesse caso que o senhor mencionou, o amusnaw faz sempre o trabalho necessário de invenção para adaptar o poema à situação. De fato, sendo a criação a operacionalização única dos esquemas geradores tradicionais, portanto comuns, cada produção é tradicional (no nível gerador) e, ao mesmo tempo, única (no nível da performance). No limite, visto que não há texto, não há discurso fixo, estabelecido de uma vez por todas, existem tantas variantes quanto diferentes situações de produção, portanto de ajustes à situação e ao público.

M. M. – No que se refere ao ajuste ao público, transcrevi um longo poema, que data do início da ocupação francesa, por volta de 1856-1857, pouco antes da introdução do francês na Cabília. Os cabilas tinham sofrido um primeiro ataque, mas ele não tinha sido bem planejado e acabou sem um desfecho, perto de Drâa-el Mizan. Diante dos combatentes que acabavam de voltar, um poeta (aquele tido por mestre dos poetas, de que já lhe falei) improvisa um poema curto, que foi bem acolhido e, depois, desenvolvido por ele. O poeta mencionava os nomes de tribos, vilas, homens que tinham se distinguido no combate. Isso era de interesse das tribos que, de fato, tinham participado da batalha. Mas o poeta ia se apresentar em vários lugares. E eu encontrei três versões do mesmo poema, em que os nomes das tribos, vilas ou personagens tinham mudado.

P. B. – O senhor recolheu-os oralmente?

M. M. – Recolhi um por escrito e dois oralmente. O que recolhi por escrito estava em um caderno, transcrito por um professor que ouvira uma declamação. As adaptações tinham interesse no detalhe. Por exemplo, uma vila não quis participar dessa guerra por já considerá-la perdida. Era difícil deixar que se modificasse um fato tão particular, mas o poeta se virou para encontrar... as acomodações...

P. B. – Mas quem inventava essas variantes era o próprio poeta ou as pessoas fizeram esse trabalho de apropriação?

M. M. – Eu não saberia dizer. Acho que foi ele ou, talvez, as duas coisas ao mesmo tempo. O poeta deve ter feito, pelo menos, uma das modificações. Sei que uma das variantes foi recolhida de sua própria boca. Outra pode ser uma recriação das pessoas do local, que julgaram belos aqueles versos e os adaptaram para que pudessem aplicá-los a si mesmas.

P. B. – Mas essas adaptações e acomodações são favorecidas pela polissemia do poema, de modo que o mesmo discurso, com duplo (ou triplo) sentido, pode ser entendido de diferentes maneiras de acordo com a audiência. Já vimos um exemplo disso, em que os dois imusnawen falavam como que passando por cima da audiência.

M. M. – Uma das designações para a poesia no dialeto cabila é asefru (plural: isefra), que provém de fru, elucidar, esclarecer uma coisa obscura (em outros dialetos berberes é um pouco diferente). Parece-me uma acepção antiga. Em latim, poema é carmen, que significava, se não me engano, o sortilégio, a fórmula eficaz, que abre portas. É o mesmo sentido de asefru e, talvez, essa concordância não seja puramente acidental nesses idiomas mediterrânicos, para os quais o verbo é, de início, um instrumento de elucidação, que torna as coisas permeáveis à nossa razão.

P. B. – Fru também significa selecionar o grão? Seria o poeta, então, aquele que sabe distinguir, tornar distinto, quem, por seu discernimento, opera uma diacrisis, separa coisas ordinariamente confundidas?

M. M. – O poeta é quem elucida coisas obscuras. Um poema de Yusef u Kaci começa assim:

Bismilleh annebdau lhasun

a lêadeq t,hessis

kkateclmaani s-errzun

sakwayec lgis

Yusf-u-Qasi

Em nome de Deus, hei de começar

Avisados, ouçam-me

Canto parábolas com arte

desperto o povo

Quer dizer: dou exemplos e os explico, faço um discurso que contém uma lição e desperto o povo. Talvez se pudesse dizer: mobilizo o povo (djis é o exército, os homens que combatem). O poeta é quem mobiliza o povo, é quem esclarece. O mais prestigioso dos poetas dizia:

Ad awen-d berrzec lemur

am-midrimen di sselfai

"Vou tornar as coisas tão claras a você

Qual moedas em uma bolsa".

Recebido em 25 de outubro de 2005

Aprovado em 19 de novembro de 2005

Mouloud Mammeria foi professor de língua berbere e de Antropologia Norte-Africana na Universidade de Argel, onde dirigiu o Centro de Pesquisas Antropológicas, Pré-Históricas e Etnográficas de 1969 a 1982. Ele também foi o fundador do Centre d'études et de recherches amazigh (CERAM) e de sua revista, Awal, na Maison des sciences de l'homme, em Paris, e Presidente da União de Escritores Argelinos. Foi o autor de diversos livros sobre a língua e sobre gramática, poesia, etnografia e literatura berberes e um dos líderes mais destacadas da resistência cabila à "arabização" forçada de seu povo pelo Estado argelino até sua morte, em 1989. Entre seus maiores escritos estão La Colline oubliée (1952), Les Isefra. Poèmes de Si Mohand-ou-Mohand (1969) e Poèmes kabyles anciens. Textes berbères et français (2001).

Pierre Bourdieu ocupou a cadeira de Sociologia no Collège de France, onde dirigiu também o Centro de Sociologia Européia e editou a revista Actes de la recherche en sciences sociales até sua morte em 2002. Ele é autor de vários livros clássicos em Sociologia e Antropologia, incluindo La Reproduction: éléments d'une théorie du système d'enseignement (com Jean-Claude Passeron; 1970), Esquisse d'une theorie de la pratique (1972), La Distinction: critique sociale du jugement (1979), Homo Academicus (1984) e Les règles de l'art: genèse et structure du champ littéraire (1992). Dentre seus estudos etnográficos estão: Le déracinement: la crise de l'agriculture traditionnelle en Algérie (com Adbelmalek Sayad, 1964), Algérie 60: structures économiques et structures temporelles (1977), La misère du monde (1993) e Le Bal des célibataires: crise de la societé em Béarn (2002).

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  • _____. 1997. The Rules of Art : Genesis and Structure of the Artistic Field. Cambridge/Stanford : Polity/Stanford University Press.
  • LORD, A. B. 2000 (1960). The Singer of the Tale Cambridge, Mass. : Harvard University Press.
  • MAMMERI, M. 1950. Évolution de la poésie kabyle. Revue africaine, v. 42, n. 3, p. 125-148.
  • _____. 1985. Culture du peuple ou culture pour le peuple? Awal. Cahiers d'études berbères, n. 1, p. 30-57.
  • _____. 1989. Cheikh Mohand a dit Paris : Centre d'Etudes et de Recherches Amazigh.
  • _____. 2001. Poèmes kabyles anciens Textes berbères et français. Paris : La Découverte.
  • _____. & BOURDIEU, P. 1978. Dialogue sur la poésie orale en Kabylie. Actes de la recherche en sciences sociales, n. 23, p. 51-66, sept.
  • _____. 2004. Dialogue on oral poetry. Ethnography, v. 5, n. 4, p. 511-551, Dec.
  • PARRY, M. 1971. The Making of Homeric Verse : The Collected Papers of Milman Parry. Oxford : Clarendon.
  • YACINE, T. 2001. Écrivain et chercheur : le cas de Mouloud Mammeri. In : _____. Chacal ou la ruse des dominés Aux origines du malaise des intellectuels algériens. Paris : La Découverte.
  • 1
    Tradução de Luciano Codato. Revisão da tradução: Fábia Berlatto e Bruna Gisi. Entrevista gravada em 17 de fevereiro de 1978 e publicada originalmente em Mammeri e Bourdieu (1978). Todas as notas da presente edição são extraídas da tradução inglesa de Richard Nice e Loïc Wacquant, publicada na revista
    Ethnography (MAMMERI & BOURDIEU, 2004). Revisão final: Adriano Codato.
  • 2
    Nessa obra inaugural do estudo das literaturas orais (de que Bourdieu tira proveito, em
    Esboço de uma teoria da prática, para explicar a dialética prática do aprendizado tradicional e da invenção cultural), Lord compara a composição e a técnica da poesia oral dos Bálcãs, coletada no trabalho de campo ao longo do séc. XX, com os poemas homéricos e outras obras européias medievais de características semelhantes. O livro de Lord toma como ponto de partida e desenvolve a teoria de seu mestre Milman Parry, classicista, professor assistente na Universidade de Harvard, que descobriu semelhanças entre os poetas iugoslavos e a
    Ilíada, no que se refere ao repertório de preceitos e códigos. Parry faleceu prematuramente em 1935, deixando um rascunho de sete páginas com uma síntese de seu projeto sobre a composição oral de doutrinas, que Lord assumiu e desenvolveu. Cf. Parry (1971) e Lord (2000 [1960]) (nota de Nice & Wacquant).
  • 3
    Para uma breve apresentação da biografia e do percurso intelectual de M. Mammeri no rol das possibilidades dos intelectuais argelinos nas décadas do pós-guerra e do pós-independência, cf. Yacine (2001) (N. de Nice & Wacquant). Cf. também as observações de L. Wacquant na nota 2 do artigo "A odisséia da reapropriação", no presente número da
    Revista de Sociologia e Política (N. T.).
  • 4
    Sobre esses cânones e sua evolução, cf. Mammeri (2001) (nota de Nice & Wacquant).
  • 5
    Cf. a carta de Mammeri a Bourdieu, datada de 22 de abril de 1978 (N. T.).
  • 6
    Cf. Mammeri (1985) (N. T.).
  • 7
    Cf. Bollack (1975) (N. T.).
  • 8
    Para uma explicação das bases sociais e da lógica cultural do
    nif na sociedade cabila, cf. Bourdieu (1971) (nota de Nice & Wacquant).
  • 9
    Cf. Mammeri (1950) (N. T.).
  • 10
    Esse tema é desenvolvido por Bourdieu (1958, cap. 1 e 4) (nota de Nice & Wacquant).
  • 11
    Cf. Mammeri (1989) (nota de Nice & Wacquant).
  • 12
    Para uma análise do modo poético de leitura exigido pela tradição erudita da poesia ocidental quando se tenta decifrar seus sentidos abstratos seguindo a autonomização do campo da produção cultural, cf. os textos de Bourdieu sobre Baudelaire (BOURDIEU, 1995a), Apollinaire (BOURDIEU, 1995b) e Mallarmé (BOURDIEU, 1997) (nota de Nice & Wacquant).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      19 Nov 2005
    • Recebido
      25 Out 2005
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