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Editorial

Editorial

O número 33 da Revista de Sociologia e Política traz um dossiê sobre a situação atual da Argentina e sobre as relações entre o Brasil e a Argentina, organizado pela Profª Maria Antonieta P. Leopoldi, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Os artigos são de autoria de pesquisadores brasileiros e argentinos e permitem uma compreensão atual e aprofundada sobre o principal país vizinho do Brasil.

Na seção de artigos variados, publicamos a tradução de um artigo da autoria do conceituado cientista político estadunidense Bob Jessop a respeito de Nicos Poulantzas e, em particular, sobre a última obra do pensador franco-grego, O Estado, o poder, o socialismo. Além desse texto, apresentamos um sobre a Lei de Execuções Penais, de Gessé Marques Júnior; um artigo sobre a ambivalência da Organização das Nações Unidas (ONU) como órgão supranacional responsável pela manutenção da paz internacional, de Carlos F. Gama e Dawisson B. Lopes; um artigo sobre prática política política, qualificação profissional e trabalho imaterial, de Henrique Amorim, e, por fim, um texto sobre a volatilidade eleitoral nos estados brasileiros, de Denise Paiva e Simone R. Bohn.

Finalmente, na seção de resenhas, há textos discutindo a relação entre teatros e a sociedade do espetáculo; os comunistas e os partidos comunistas no Paraná; as relações entre marxismo, lei e Estado a partir da obra de Poulantzas.

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A política científica e acadêmica integra as preocupações cotidianas da Revista de Sociologia e Política. A partir de nossa experiência específica, elaboramos as considerações abaixo1 1 Uma primeira versão desses comentários foi publicada na revista mensal Carta na Escola (São Paulo, n. 37, p. 48-49, jun.2009). .

É opinião corrente que as universidades públicas atingiram um nível de qualidade acadêmica superior ao das universidades privadas. Poderíamos perguntar-nos, entretanto, se é de fato adequado comparar níveis de produção e excelência com instituições que, salvo honrosas exceções, não orientam suas atividades pela consecução de tais objetivos. Sejam quais forem os termos da comparação, acreditamos que as universidades públicas poderiam produzir mais e com melhor qualidade se alguns de seus problemas organizacionais pudessem ser solucionados pela comunidade acadêmica.

Certamente, a maior parte dos professores, servidores técnico-administrativos e alunos das universidades públicas exerce adequadamente suas responsabilidades funcionais. No entanto, conversas informais com colegas de diversas instituições revelam problemas recorrentes: todos reclamam de professores que se recusam a dar aula e a assumir funções administrativas; servidores que faltam ou trabalham bem menos do que deveriam; telefones que tocam incansavelmente sem que ninguém os atenda; funcionários que perdem processos; cidadãos que, sistematicamente, dão com a cara na porta quando precisam de um determinado serviço, dentre outros "incômodos". Essa situação sugere a existência de uma "cultura organizacional" caracterizada fundamentalmente por um desinteresse pelo "serviço público" que, no dia-a-dia, afeta profundamente o funcionamento e o desempenho institucionais. Algumas razões, a nosso ver, ajudariam a entender melhor esse fenômeno.

1) Razão de ordem organizacional: não há nas universidades públicas - por experiência própria, referimo-nos especialmente às instituições federais - nenhuma instância autônoma dotada de poder efetivo que avalie adequadamente funcionários e professores, recém-admitidos ou estáveis. No caso dos servidores técnico-administrativos, isso é particularmente grave, pois, no que diz respeito aos professores, há ao menos instituições exteriores às universidades (Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)) que avaliam os que atuam na pós-graduação. Ora, uma organização que se abstém de cobrar institucionalmente um determinado nível de desempenho dos seus funcionários está fadada a contar somente com a disposição voluntária deste ou daquele indivíduo para realizar as tarefas necessárias ao bom desempenho institucional. Como sabemos, em médio prazo tal disposição tende a desaparecer, quando não por outras razões, pelo simples fato de que fazer algo ou não fazer nada dá absolutamente no mesmo.

2) Razão de ordem corporativa: na prática, a ausência da cobrança institucionalizada gera privilégios, sendo que o maior deles consiste pura e simplesmente em não executar as tarefas essenciais para o funcionamento cotidiano da universidade (que, no caso dos professores, incluem, além da docência, a obrigação de publicar, orientar e administrar). Aqui tocamos no problema central da "estabilidade". Não somos, em hipótese alguma, contrários à estabilidade do funcionalismo. Servidores públicos não podem ficar à mercê dos humores políticos deste ou daquele governante. No entanto, como está não pode ficar. É preciso que a estabilidade esteja vinculada a algum tipo de avaliação e de cumprimento de metas. Não é aceitável, também sob hipótese alguma, que um professor que passe anos e anos sem publicar e que um funcionário sistematicamente relapso não sejam cobrados pelos recursos públicos que recebem.

3) Razão de ordem ideológica: faz parte do ambiente ideológico universitário identificar algumas críticas ao funcionamento da universidade, sobretudo aquelas que demandam eficiência funcional e produtividade acadêmica, com uma posição de "direita" ou favorável à introdução de "mecanismos de mercado" no ambiente universitário. Acreditamos que defender a criação de procedimentos efetivos de avaliação de desempenho acadêmico nada tem a ver com o mercado e que uma posição de "esquerda" exige, entre outras coisas, que se honre o princípio republicano de tratar adequadamente a "coisa pública".

4) Razão de ordem política: referimo-nos à política interna às universidades. O fato é que todos nós (professores, servidores técnico-administrativos e alunos) votamos. Como em qualquer eleição, aquele que concorre ao cargo precisa conquistar votos, algo muito difícil de conseguir atacando-se os privilégios dos eleitores. Evidentemente, não propomos o fim das eleições dentro das universidades, embora aceitemos que esse instituto mereça ser rediscutido. De qualquer forma, não precisamos adotar os mesmos procedimentos das campanhas eleitoraisvoltadas para a "grande política". É muito curioso que, em geral, candidatos à administração das universidades raramente apresentem, no lugar de proposições vagas sobre a "universidade pública, gratuita e de qualidade", programas de administração detalhados, que possam ser efetiva e racionalmente discutidos com a comunidade acadêmica.

5) Razão de ordem material: a má remuneração, sobretudo dos servidores técnico-administrativos, é um enorme empecilho ao bom desempenho institucional. Isso ocorre não apenas pelo fato óbvio de que pessoas que ganham mal tendem a desinteressar-se de seus afazeres, mas também porque a baixa remuneração é pouco atrativa, tornando os concursos públicos menos concorridos e atraindo as pessoas com menor qualificação. Os movimentos docente e discente e os reitores, se têm algum compromisso com a universidade, têm a obrigação moral de incluir a melhoria salarial dos servidores técnico-administrativos nas suas pautas de reivindicações.

6) Razão de ordem cultural: os fatos descritos acima, somados a fatores de ordem temporal (isso tudo ocorre há muito tempo), acabaram criando uma "cultura organizacional" absolutamente naturalizada. Na maioria esmagadora das vezes, por exemplo, causa sincero estranhamento quando pedimos a um servidor técnico-administrativo que trabalhe oito horas por dia. Por isso, não resolveremos o problema brigando pessoalmente com este ou aquele professor ou servidor. O fundamental é alterar essa forma de pensar e a conduta que corresponde a ela. Por essa razão, é importante começar a pensar reformas administrativas e institucionais que estabeleçam mecanismos claros de incentivo e de cobrança.

A combinação de incentivos e de cobrança é, a nosso ver, uma exigência inescapável para que a universidade pública brasileira passe a funcionar em um nível acadêmico mais elevado. Para tanto, é preciso também que a alta administração federal dedique-se a pensar procedimentos que incentivem as atividades acadêmicas em vez de emperrá-las com exigências burocráticas descabidas, exageradas e redundantes. Essas sugestões, muito provavelmente, provocarão a eterna condenação dos "mecanismos de mercado", incompatíveis com uma "universidade pública, gratuita e de qualidade". Rechaçamos categoricamente essa estratégia discursiva, que consiste em desqualificar o debate com o pretexto de defender a universidade pública, quando, na verdade, trata-se, consciente ou inconscientemente, apenas de lutar pela manutenção de privilégios e favorecer a inércia.

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A Revista de Sociologia e Política integra o Programa de Apoio a Periódicos da Universidade Federal do Paraná e conta com seu patrocínio, bem como do curso de Especialização em Sociologia Política do Departamento de Ciências Sociais da mesma instituição, além do apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), aos quais expressamos nossos agradecimentos.

Renato Monseff Perissinotto

Editor

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    Uma primeira versão desses comentários foi publicada na revista mensal
    Carta na Escola (São Paulo, n. 37, p. 48-49, jun.2009).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
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