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Prática política, qualificações profissionais e trabalho imaterial hoje

Political practice, professional qualification and non-material labor today

Pratique politique, qualifications professionnelles et travail immatériel aujourd'hui

Resumos

O desenvolvimento das forças produtivas caracteriza-se como um importante objeto de estudos da teoria social contemporânea. No entanto, a consideração desse tema esteve limitada a aspectos técnicos dos processos de trabalho. Tecnologia, novos conhecimentos, técnicas administrativas e produtivas foram indicadas como elementos centrais para a constituição da "consciência" revolucionária da classe trabalhadora. Hoje, no debate sobre o trabalho imaterial, a relação entre os conteúdos cognitivos do trabalho e a "tomada de consciência" política revolucionária, como nexo causal da unidade política da classe trabalhadora, é apresentada como eixo fundamental para a constituição de uma sociedade livre das amarras do capital. Nesse artigo, pretendo discutir qual o papel das qualificações profissionais na composição das teses sobre o trabalho imaterial como força produtiva central nas sociedades capitalistas.

Prática política; qualificações; profissionais e trabalho imaterial


The development of productive forces is an important object of study for contemporary social theory. Nonetheless, this relationship has been hitherto limited to consideration of technical elements of labor processes. Technology, new knowledge, and administrative and production techniques have been indicated as central elements in the constitution of the "revolutionary consciousness" of the working class. Today, in debates on non-material labor, the direct relationship between the cognitive content of labor and the development of a politically revolutionary "consciousness" as a causal nexus between the political unity of the working class emerges as a fundamental explanatory axis. In this article, I attempt to discuss the role of professional qualification in the composition of theses on non-material labor as a central productive force in capitalist societies. I will go on to critique these theses insofar as they argue that technical qualification informs the possibilities for revolutionary working class practice and political consciousness. I understand quite the opposite, that is, that capital today has reorganized the exploitation of labor according to its own interests. New forms of persuasion have been added on to the Taylorist and Fordist production techniques that disseminate ideas such as the one which poses the worker is a "partner" who should incorporate the "spirit" of the capitalist firm. Workers' subjectivity, thus reconstructed, is in this way reconfigured and reclaimed by capital.

political practice; professional qualifications; non-material labor; forms of exploitation; transformation of labor


Le développement des forces productives est caractérisé comme un important objet d'études de la théorie sociale contemporaine. Néanmoins, cette relation s'est bornée à l'étude des éléments techniques des processus de travail. Technologie, nouvelles connaissances, techniques administratives et productives ont été indiquées comme des éléments essentiels pour la formation de « la conscience révolutionnaire » de la classe des travailleurs. De nos jours, dans les débats sur le travail imatériel, le rapport direct entre les contenus cognitifs du travail et « la prise de conscience » politique révolutionnaire, comme sens causal de l'unité politique de la classe ouvrière, s'avère être l'axe explicatif fondamental. Dans cet article, j'envisage de réfléchir sur le rôle des qualifications professionnelles dans la composition des thèses sur le travail immatériel comme force productive centrale dans les sociétés capitalistes. Ensuite, je ferai la critique de ces thèses qui affirment que les qualifications techniques informent les possibilités de la pratique et de la conscience politique révolutionnaire de la classe ouvrière. Contrairement à cela, je comprends que le capital a reorganisé aujourd'hui l'exploitation du travail selon ses intérêts. Aux techniques de production taylor-fordistes ont été additionnées les nouvelles formes de persuasion qui diffusent, par exemple, l'idée selon laquelle le travailleur est un partenaire et, en tant que tel, il doit incorporer « l'esprit » de l'entreprise capitaliste. Ainsi, la subjectivité du travailleur est reconfigurée et encore une fois revendiquée par le capital.

pratique politique; qualification professionnelle; travail immatériel; formes d'exploitation; mutations du travail


ARTIGOS

Prática política, qualificações profissionais e trabalho imaterial hoje1 1 Gostaria de agradecer, em especial, a leitura atenta e as sugestões feitas por Danilo Enrico Martuscelli e Leandro Galastri, como também a contribuição sempre decisiva de todos os membros do Grupo de Pesquisa de Teoria das Classes Sociais.

Political practice, professional qualification and non-material labor today

Pratique politique, qualifications professionnelles et travail immatériel aujourd'hui

Henrique Amorim

RESUMO

O desenvolvimento das forças produtivas caracteriza-se como um importante objeto de estudos da teoria social contemporânea. No entanto, a consideração desse tema esteve limitada a aspectos técnicos dos processos de trabalho. Tecnologia, novos conhecimentos, técnicas administrativas e produtivas foram indicadas como elementos centrais para a constituição da "consciência" revolucionária da classe trabalhadora. Hoje, no debate sobre o trabalho imaterial, a relação entre os conteúdos cognitivos do trabalho e a "tomada de consciência" política revolucionária, como nexo causal da unidade política da classe trabalhadora, é apresentada como eixo fundamental para a constituição de uma sociedade livre das amarras do capital. Nesse artigo, pretendo discutir qual o papel das qualificações profissionais na composição das teses sobre o trabalho imaterial como força produtiva central nas sociedades capitalistas.

Palavras-chave: Prática política, qualificações profissionais e trabalho imaterial.

ABSTRACT

The development of productive forces is an important object of study for contemporary social theory. Nonetheless, this relationship has been hitherto limited to consideration of technical elements of labor processes. Technology, new knowledge, and administrative and production techniques have been indicated as central elements in the constitution of the "revolutionary consciousness" of the working class. Today, in debates on non-material labor, the direct relationship between the cognitive content of labor and the development of a politically revolutionary "consciousness" as a causal nexus between the political unity of the working class emerges as a fundamental explanatory axis. In this article, I attempt to discuss the role of professional qualification in the composition of theses on non-material labor as a central productive force in capitalist societies. I will go on to critique these theses insofar as they argue that technical qualification informs the possibilities for revolutionary working class practice and political consciousness. I understand quite the opposite, that is, that capital today has reorganized the exploitation of labor according to its own interests. New forms of persuasion have been added on to the Taylorist and Fordist production techniques that disseminate ideas such as the one which poses the worker is a "partner" who should incorporate the "spirit" of the capitalist firm. Workers' subjectivity, thus reconstructed, is in this way reconfigured and reclaimed by capital.

Keywords: political practice; professional qualifications; non-material labor; forms of exploitation; transformation of labor.

RÉSUMÉS

Le développement des forces productives est caractérisé comme un important objet d'études de la théorie sociale contemporaine. Néanmoins, cette relation s'est bornée à l'étude des éléments techniques des processus de travail. Technologie, nouvelles connaissances, techniques administratives et productives ont été indiquées comme des éléments essentiels pour la formation de « la conscience révolutionnaire » de la classe des travailleurs. De nos jours, dans les débats sur le travail imatériel, le rapport direct entre les contenus cognitifs du travail et « la prise de conscience » politique révolutionnaire, comme sens causal de l'unité politique de la classe ouvrière, s'avère être l'axe explicatif fondamental. Dans cet article, j'envisage de réfléchir sur le rôle des qualifications professionnelles dans la composition des thèses sur le travail immatériel comme force productive centrale dans les sociétés capitalistes. Ensuite, je ferai la critique de ces thèses qui affirment que les qualifications techniques informent les possibilités de la pratique et de la conscience politique révolutionnaire de la classe ouvrière. Contrairement à cela, je comprends que le capital a reorganisé aujourd'hui l'exploitation du travail selon ses intérêts. Aux techniques de production taylor-fordistes ont été additionnées les nouvelles formes de persuasion qui diffusent, par exemple, l'idée selon laquelle le travailleur est un partenaire et, en tant que tel, il doit incorporer « l'esprit » de l'entreprise capitaliste. Ainsi, la subjectivité du travailleur est reconfigurée et encore une fois revendiquée par le capital.

Mots-clés: pratique politique ; qualification professionnelle ; travail immatériel ; formes d'exploitation ; mutations du travail.

I. INTRODUÇÃO

A representação do sujeito revolucionário sempre foi uma das questões centrais para a literatura marxista. A descrição analítica de uma conjuntura específica era considerada, na maioria das vezes, limitada se não portasse um projeto teórico-político que garantisse uma prática política de tipo anticapitalista, rumo ao socialismo. A angústia em indicar esse sujeito político nas teses do pós Segunda Guerra Mundial foi freqüente. No entanto, muitas dessas tentativas reduziram-se a uma questão específica do problema discutido. Como recuperar o controle dos processos de trabalho? Como recuperar aquele domínio que, até o final do século XIX, começo do XX, teria sido controlado pelo conjunto de trabalhadores integrados à produção pré-Taylor e Ford?

Um problema de envergadura não tão simples abre-se em torno dessa questão. Por que o controle sobre o processo de trabalho seria o caminho determinante da "tomada de consciência" e de composição da unidade política da classe trabalhadora? A resposta não menos simples se caracteriza no fato de que a produção de mais-valia, razão da existência de relações de classe de tipo capitalista, vincular-se-ia somente à produção na fábrica. A fábrica se configuraria, como síntese dos interesses em disputa, a base social do modo de produção capitalista2 2 Seria interessante discutir, em outro momento, a tese gramsciana que estabelece a indicação de que a "hegemonia nasce na fábrica", sobretudo, porque Antonio Negri, como a maior parte do operarismo italiano, se vale de formulações de Gramsci para caracterizar a extensão da lógica fabril ao conjunto da sociedade. No caso de Negri, as relações de produção avançam para fora do espaço fabril e acabam por constituir, a sua semelhança, o modo de vida da sociedade capitalista. Concepção que se objetiva na tese da empresa-sociedade. .

A fórmula acima teria sido assumida pelo marxismo hegemônico no século XX, ou seja, aquele veiculado pelos Partidos Comunistas ligados à orientação soviética. No entanto, a pergunta e sua resposta estão, as duas, dentro de um universo de questões e pressupostos restritos. Aqui desenvolverei a crítica apenas ao pressuposto segundo o qual o ideal de trabalhador pleno é aquele que, por controlar os processos de trabalho nos quais está inserido, adquire uma consciência de classe. Em linhas gerais, nossa crítica parte da indicação de que esse trabalhador idealizado na figura do mestre-artesão jamais existiu e, para além disso, parece não ter chance alguma de ser vislumbrado nas sociedades capitalistas. A pressuposição de um trabalhador como esse remete necessariamente à suposição do fim das classes sociais, isto é, do fim da classe trabalhadora. O retorno ao artesão, com controle sobre os processos de trabalho é, nestes termos, um retornar a nada; um retornar a uma concepção de sujeito histórico mecanicista que procura relacionar inadvertidamente uma unidade política anticapitalista e/ou revolucionária específica da classe trabalhadora ao controle técnico do processo de trabalho.

A idealização desse tipo de trabalhador, recomposto em seu ofício, consciente de sua condição política e capacitado a transformar estruturalmente a sociedade capitalista esvazia as práticas políticas de tipo anticapitalista e revolucionárias, pois, finalmente, faz convergir um ideal de trabalhador e de sujeito revolucionário ao universo da divisão técnica do trabalho. Cria-se a absolutização dicotômica do artesão (com uma atividade complexa, qualificada e que controla os processos de trabalho), mais próximo de qualificar sua consciência como revolucionária versus o trabalhador especializado (com uma atividade simplificada, desqualificada e sem controle sobre os processos de trabalho), longe de ser o sujeito da transformação social, posto que não possui qualificações técnicas para tal.

As qualificações profissionais em suas variadas formas têm, portanto, para a sociologia do trabalho e em especial para aquela que trata do tema da transição ao socialismo um forte apelo. A recomposição da unidade, interrompida pelo desenvolvimento do capitalismo no século XX, entre concepção e execução com base em suas dimensões técnicas (ou seja, complexidade, nível de qualificação, relação do trabalhador com o produto do trabalho, tipo de produto e divisão técnica do trabalho) é freqüentemente indicada como o elemento central para a compreensão da formação de um proletariado de tipo revolucionário.

Na década de 1960 e início da de 1970 os trabalhadores chamados tecno-científicos foram indicados como aqueles que poderiam recompor a unidade perdida entre concepção e execução e, com isso, galgar posições dentro do universo produtivo que possibilitassem a transformação estrutural do conjunto dos trabalhadores (GORZ, 1968; MALLET, 1969). As qualidades específicas desses trabalhadores giravam em torno de: 1) terem um conhecimento profundo dos processos de trabalho; 2) estarem em contato com tecnologias de ponta que; 3) garantiriam uma condição politicamente privilegiada no enfrentamento com o capital, estando; 4) por isso, mais aptos à construção de uma consciência política revolucionária.

Hoje essa discussão, afeita às qualificações profissionais, volta à baila e se sintetiza nas teses sobre o trabalho imaterial. A problemática na qual ela está inserida é a mesma daquela dos anos 1960/ 70, isto é, aquela que relaciona a tomada de consciência à elevação do nível técnico do trabalho. A analogia com os operários tecno-científicos é, por conseqüência, notável. O trabalhador do ramo da produção de mercadorias ditas imateriais congregaria produtiva e politicamente as características de uma vanguarda revolucionária de novo tipo: uma vanguarda revolucionária cognitiva e politicamente consciente3 3 Discuto essa questão mais detalhadamente em Amorim (2006a; 2006b). . Vejamos os principais argumentos dessa teoria.

Em relação ao trabalhador do imaterial, a informação passa a ser considerada o produto central de seu trabalho. Sua qualificação profissional e o conteúdo de suas atividades produtivas são complexos, pois acionam sua criatividade, rapidez de raciocínio, responsabilidade de comandos decisórios e a sua intelecção. Essas qualificações caracterizariam o trabalho e o trabalhador alojado nele como centro da produção hoje, já que tal produção é indicada como aquela que produziria maiores taxas de lucro. Mesmo no caso de Negri, no qual a política é considerada uma atividade esvaziada, pois se encontra na esfera do poder, isto é, em conflito com a potência (fundamento do desenvolvimento humano), o trabalho imaterial é indicado como catalisador do processo de "apreensão" e "adesão" à multidão (Negri 1993 & 2002). O sujeito negado e inexistente em Negri ganha funcionalidade no momento em que deve "reconhecer" a potência na multidão. Esse reconhecimento é determinado por uma condição objetiva: ser um trabalhador de tipo cognitivo (imaterial). Mas como se define esse trabalhador? Pelas qualificações intelectuais e informacionais que a lógica da interconcorrência capitalista os submete.

Nos dois casos a eleição do sujeito (que deve no mínimo reconhecer a lógica da transformação) está relacionada à composição de uma unidade política que é submetida à lógica da divisão técnica do trabalho, isto é, a primazia de uma ou de outra atividade produtiva, suas especificações técnicas, os conhecimentos envolvidos nessa atividade, seu conteúdo intelectual seriam suficientes para qualificar os termos de uma política anticapitalista ou nos termos de Negri de adesão à multidão, ao comunismo.

Por conseguinte, as teses sobre o trabalho imaterial como força produtiva central, ao invés de discutirem com mais detalhe as formas de intensificação e superexploração do trabalho, optam por caracterizá-lo como um oásis cognitivo de libertação do trabalhador4 4 Em outro momento a demonstração empírica de como as capacidades de concepção e de elaboração do trabalhador coletivo são utilizadas no processo de produção de mercadorias deve ser melhor desenvolvida. Para uma introdução à discussão do processo de intensificação e superexploração da força de trabalho hoje, baseada em dados estatísticos de diferentes países, ver Salama (1999). .

II. A EXTENSÃO DA DOMINAÇÃO DO CAPITAL E AS TEORIAS DO TRABALHO IMATERIAL

Hoje, mostra-se emergente a utilização de algumas formas de exploração da força de trabalho que, ao ampliar o controle sobre o coletivo de trabalho, reproduzem as relações de produção capitalistas restaurando a violência do processo de valorização sobre os processos de trabalho. No centro do debate está o trabalho que capta, trata, grava e comunica a informação entre um círculo de trabalhadores que compreende os funcionários de escritório e os quadros, de uma parte, e os operários e as máquinas, de outra.

A padronização do trabalho de elaboração como extensão do trabalho de tipo taylor-fordista realizado durante o século XX desenvolve-se no sentido de submeter as capacidades cognitivas dos trabalhadores ao processo de valorização do capital. Esta produção requer, assim, uma força de trabalho "intelectualizada", ou melhor, que contribua ativamente na formação de novas necessidades, de novas mercadorias, mas sem que, contudo, haja uma perda de controle das gerências sobre o processo de trabalho. A gerência, nesse sentido, ao diluir a hierarquia dentro das fábricas e dos escritórios, torna imediata a responsabilidade dos trabalhadores em organizar partes cada vez mais crescentes da produção de mercadorias.

O "ciclo ampliado da produção" (LAZZARATO, 1993, p. 111), do ponto de vista aqui trabalhado, apenas aprofunda os preceitos da indústria taylorista5 5 Como indica Coutrot (2005: 37), o modelo da empresa neoliberal difunde hoje a idéia da "autonomia controlada". No momento em que "[...] a gerência 'convoca a subjetividade' [....] dos assalariados, e lhes atribui responsabilidades inéditas, ela nega esta mesma subjetividade recusando todo sentido ao trabalho, exceto o de produzir mais lucros". . Não obstante, a tese sobre a passagem da indústria tradicional para a empresa-sociedade, desenvolvida por Antonio Negri e Maurizio Lazzarato, em vez de caracterizar o extravasa-mento da lógica e da intensidade da utilização da força de trabalho (na circulação de mercadorias e na produção de serviços) estabelecem uma ruptura com essa lógica e fundamentam, contrariamente, uma dimensão social positiva da socialização da produção (Lazzarato & Negri, 1991, pp. 87-99). Caracterizam, assim, uma sociedade integrada por uma vontade histórica; um corpo social no qual as partes - os indivíduos que compõem a multidão (Negri 2003, p. 44; 2004) - ao reconhecerem o movimento inequívoco do "desenvolvimento da potência" poderiam, com base na adesão voluntária a esse movimento, integrarse ao comunismo6 6 Trata-se, assim, a multidão como sujeito. Negri (2002, p. 446) indica, dessa forma, que "O poder constituinte não nasce de uma continuidade criadora, de uma inovação que, após ter constituído os indivíduos em multidão, determina a potência da multidão" e, ao citar Spinoza, caracteriza esse desenvolvimento indicando que: "O mundo do modo finito se torna subsumível na teoria das paixões. E se apresenta como um horizonte de oscilações, de variações existenciais, como contínua relação e proporção entre afecções ativas e passivas, como elasticidade. Tudo isso é regido pelo ' conatus', elemento essencial, motor permanentemente ativo, casualidade puramente imanente que transcorre para além do existente. [...] O ' conatus' é força do ser, essência atual da coisa, duração indefinida e consciência de tudo isso" (Negri, 1993, p. 201; sem grifos no original). .

A produção imaterial, como chamou Lazzarato, extravasaria o chão-de-fábrica e tornaria a figura do trabalhador autômato uma possibilidade para o conjunto da sociedade capitalista. Nesse sentido, a abrangência dessa produção e da exploração do trabalho, como força produtiva central para a reprodução das relações sociais capitalistas, radicalizar-se-ia ao universalizar um tipo de cooperação produtiva que aprofunda a exploração da subjetividade do trabalhador, reproduzindo a subsunção real das formas de concepção do trabalho. Por conseqüência, uma composição do trabalhador-consumidor é indicada. Diferente do trabalhador da produção taylor-fordista, o indivíduo que exerce um trabalho imaterial ou que consome um trabalho desse tipo teria, a partir de sua intervenção neste "ciclo" produtivo e reprodutivo, sua força política constituída ao estabelecer contato com um setor da produção ou com o produto do trabalho que tem como seu elemento central o conhecimento. No momento em que esse conhecimento torna-se parte da mercadoria, ele poderia, com base no seu consumo, veicular formas de socialização da informação.

O consumidor está inscrito na fabricação do produto e depois em sua concepção. O consumidor não se limita mais a 'consumir' uma mercadoria (a destruí-la no ato de consumir). O consumo é, então, antes de tudo, um consumo de informação. Ele não é mais apenas a 'realização' de um produto, mas um verdadeiro processo social (LAZZARATO, 1993, p. 111-112).

A produção, designada por Lazzarato como pós-taylorista, é apresentada como aquela que torna também produtiva a comunicação social e a própria relação social que a constitui. O fundamento de sua análise repousa, dessa forma, na questão da criação antecipada de uma necessidade. A chave da valorização do capital estaria, portanto, na capacidade das empresas em coletar informações que as permitam antecipar e recriar novas formas de consumo que, em certo sentido, já se anunciam no mercado.

Essa estratégia se apóia sobre a produção e o consumo de informação. Ela mobiliza importantes estratégias de comunicação e "marketing" para coletar as informações (conhecer tendências do mercado) e fazê-las circular (construir o mercado) (idem, p. 112).

Vislumbra-se, assim, uma ampliação das formas de trabalho intelectualizado como uma tendência da produção contemporânea. Essa produção apareceria, aos olhos de Lazzarato, com a particularidade de inovar as relações de produção e de colocar os trabalhadores nela inseridos em contato com informações que poderiam, pelo lado do capital, garantir sua valorização, ao acioná-las com criatividade.

O trabalhador deveria integrar-se a esse universo tendo que, a partir da incorporação de novos conhecimentos, incrementar a produção. Caracterizar-se-ia uma necessidade que, diferentemente daquela da produção de tipo taylor-fordista, tornaria a capacidade intelectual do trabalhador a força produtiva central da produção em geral.

No entanto, como observa Marx (ao analisar o trabalho em seu núcleo comum), o valor, mesmo se considerarmos uma ampliação das capacidades intelectuais do trabalhador coletivo, ainda é parte alíquota do total de mercadorias produzidas pelo operário, que não é paga pelo capitalista (MARX, s/d, p. 119). O capital como relação social hegemônica não é alterado, isto é, a lógica da produção de mercadorias tem ainda um caráter social, mesmo que o excedente produzido não seja apropriado coletivamente, sendo que atendência de concentração de capital apresenta-se como elemento central de países de economia avançada que ressignificam a lógica da divisão internacional do trabalho. O imperialismo é renovado com base em uma dependência econômica com relação às formas de créditos, de (des)valorização de ativos financeiros, de controle das bolsas de valores, que facilita a expansão e instalação de multinacionais em economias dependentes, com legislações trabalhistas em contradição com os interesses dos trabalhadores e força de trabalho de baixo custo.

O que se altera, portanto, são as necessidades do capital em seu processo de reprodução social. Este, dessa forma, deve requalificar a força de trabalho para que ela possa responder às necessidades de seu processo de autovalorização, de seus interesses vitais. A força de trabalho continua sendo valor de uso do capital no processo de produção. Tem a finalidade de conservar, ao reproduzir a produção de novas mercadorias, o capital em processo.

Os conteúdos do trabalho são importantes, pois podem, entre outras questões, elevar ou diminuir as condições de trabalho e os rendimentos do trabalhador individual e coletivo. Estes conteúdos (qualificações técnicas) estruturam-se como sínteses, como resultados de relações sociais. Contudo, a comparação mecânica entre trabalhos com conteúdos distintos não parece oferecer um instrumento de análise daquilo que fundamenta a relação entre tais qualificações profissionais, ou melhor, daquilo que estabelece a relação de troca dessas qualificações e nem mesmo a pertinência mercantil de seus conteúdos, ou, para simplificar, o seu valor7 7 Nesse sentido, deve-se precisar que: "[...] faz pouca diferença se adotarmos o critério de produção material ou não material. Se os trabalhadores da esfera comercial não são considerados por Marx como desempenhando um trabalho produtivo, não é por não efetuarem uma produção material; de algum modo fazem-no, mas é porque dependem de capital comercial e o único capital que produz mais-valia é o capital produtivo" (POULANTZAS, 1977, p. 137). .

Longe de realizarmos uma exposição reduzida da produção taylor-fordista, ao caracterizá-las como uma produção na qual o trabalhador estaria despojado de sua dimensão intelectual e na qual sua subjetividade não fosse reclamada pelo capital, entendemos que a dimensão intelectual nunca pode ser racionalizada a ponto de ser totalmente dissolvida. O problema é que Lazzarato, ao afirmar a tendência de uma produção e de um trabalho imaterial, não problematiza esse aspecto da questão. O trabalhador especializado é considerado uma figura sem subjetividade, pois sua capacidade de construção da política é apreendida com base em sua atividade laborativa, ele é o trabalho que executa ou ainda, no caso de Negri, é com base no trabalho imaterial que se torna possível ou não "aderir" à multidão. Logo, em sua análise, se o trabalhador tem uma atividade produtiva determinada pelo conjunto de máquinas integrado, ele não poderia desenvolver-se politicamente, pois é parte do sistema de máquinas. Se esse trabalho tem poucas qualificações técnicas, o trabalhador não poderia qualificar-se politicamente.

A produção é arbitrariamente dicotomizada. De um lado, a produção taylor-fordista é apresentada como um pulverizador das formas de expressão intelectual, da subjetividade do trabalhador que o submete a uma racionalização voraz da produção; de outro, a produção imaterial faz da dimensão intelectual meio de valorização do capital, mas ao mesmo tempo motiva a construção da subjetividade ao estabelecer seu contato com novas informações.

Dentro desta perspectiva, se, por um lado, a produção taylorista separava e condicionava o trabalhador-consumidor a objeto - na medida em que lhe impunha uma forma de produzir e também de consumir; por outro, a produção chamada "pós-industrial" passaria agora a utilizá-lo como um indivíduo que decidiria e informaria, dentro de um número restrito de possibilidades, o que deve ser produzido. Sintetizar-se-ia, assim, a figura do trabalho imaterial como uma atividade de ligação entre o produtor e o consumidor, como elo funcional da apropriação do poder político (LAZZARATO, 1993, p. 114); a produção imaterial apresentar-se-ia como desenvolvimento do poder constituinte.

Contrariamente à tese de Lazzarato que indica "a mercadoria 'pós-industrial' [como] o resultado de um processo de criação que engaja tanto o produtor quanto o consumidor" (idem, p. 113), estabelecendo, nesse sentido, o fim da separação entre concepção/execução do trabalho, as formas de controle do coletivo de trabalhadores alteram-se no sentido de transferir ao coletivo de trabalhadores a idéia de iniciativa no trabalho, mesmo que no cotidiano de trabalho as "metas" a serem alcançadas sejam estratégica e previamente concebidas8 8 Coutrot (2005: 37) indica que "A autonomia concedida aos assalariados na atividade de trabalho é, no mesmo movimento, compensada pelo desenvolvimento de dispositivos de controle de sua situação de trabalho: o controle externo com base na ameaça da precarização do emprego, mas também o controle interno com base na amplificação sofisticada de uma gestão individualizante das carreiras e das competências. A política sistemática e detalhada de individualização da relação salarial explica em grande medida o enfraquecimento das capacidades de resistência dos assalariados à degradação de suas condições de trabalho e de sua garantia de emprego". .

A separação entre concepção e execução é uma forma necessária e fundamental de controle sobre o coletivo de trabalhadores. A transferência de responsabilidades não é uma estratégia nova aplicada aos processos de trabalho. Lembremos do exemplo de Taylor no final do século XIX, começo do século XX. A "iniciativa" foi retirada do trabalhador coletivo ao transferir o saber-fazer para o setor administrativo. Salvo a literatura que afirmava a "revolução gerencial" (DAHL, 1970; GALBRAITH, 1982), esse procedimento, análogo ao que hoje se processa com a transferência de responsabilidades a certos segmentos do trabalhador coletivo, radicaliza a exploração do trabalho no momento em que internaliza no trabalhador a ideologia de que ele é participante ativo do processo decisório. Cria-se, entre outras coisas, o constrangimento do trabalhador sobre aquilo que executa, pois se estrutura a percepção de que ele é o responsável pelo êxito ou fracasso da tarefa/projeto que realiza.

Há, portanto, um conjunto de ideologias que visa estabelecer a "liberdade de iniciativa" entre os trabalhadores tanto de chão-de-fábrica (estímulo à formulação de novas idéias e de soluções de problemas do processo de trabalho) e também junto aos trabalhadores de setores de projetos, aos engenheiros e administradores - que vêem seus trabalhos serem simplificados.

Nos dois casos existe, entretanto, a construção prática de uma capacidade intelectual. Metas, idéias e formas de confecção das mercadorias são estimuladas. Com isso, aparentemente, romperse-ia a lógica da produção de tipo taylor-fordista, que controlava a subjetividade operária ao reduzila, desqualificando-a técnica e culturalmente. A produção imaterial seria a constituição da própria subjetividade como forma útil de valorização do capital, ou seja, inusitadamente, se a compararmos ao padrão de produção anterior, hoje a subjetividade operária mostrar-se-ia como substrato central da produção (como força produtiva central). Contudo, o objetivo desse processo de reorganização das competências profissionais se limita a garantir a reprodução social do capital. O chamado "trabalho imaterial" submete-se à lógica de valorização do capital.

III. POTÊNCIA E SUBJETIVIDADE NO TRABALHO IMATERIAL

O trabalho imaterial deveria ser caracterizado, prioritariamente, como valor de uso do capital. Entretanto, esse novo tipo exploração da força de trabalho é descrito como uma atividade que estimula a formação de uma política revolucionária ou pelo menos de uma forma de adesão à "potência do comunismo", como qualifica Negri. Tal conclusão está vinculada à suposição de que, através do contato travado com a informação necessária à execução do trabalho imaterial, existiriam componentes libertários que estimulariam a unidade política entre os indivíduos pertencentes ou em contato com essa produção. A adesão ao movimento da potentia seria mediada, assim, pelas formas variadas do trabalho imaterial.

No entanto, como seria possível, nos textos de Negri, identificar a presença do sujeito social se ela mesma, a teoria de Negri, nega as formas de representação vinculadas ao poder? Classe, Estado, povo, partidos, sindicatos, mas também a história e a política são expressões de uma lógica vazia para Negri. A multidão, expressão de um poder constituinte, funda-se na potência e não no poder das representações políticas ligadas ao Estado.9 9 É importante salientar que é no livro A Anomalia Selvagem: poder e potência em Spinoza (1993) que pela primeira vez a expressão multidão é utilizada por Negri. Livro este que, juntamente com O Poder Constituinte (2002) sintetizam a problemática de Negri exposta em outros livros posteriores. Há, nesse sentido, uma ontologia da potência como movimento de liberação humana. No entanto, Negri interpreta a potência, com base em e diferentemente de Spinoza, como telos, como finalidade e não como movimento, como processo. A constituição do poder da multidão não é, dessa forma, histórica, mas sim ontológica, isto é, práxis coletiva. Caracteriza-se uma rejeição à idéia de "filosofia da história" própria da tradição dialética. Para ele, trata-se, contrariamente, de duas temporalidades: o tempo da ilusão, do vazio que é o tempo atual e o tempo da vida, o tempo da ontologia que é projetado no futuro, mas que está presente na prática coletiva: o tempo da ontologia seria, então, um eterno presente (MORFINO, 2007). Estes tempos estão sintetizados respectivamente no poder como poder constituído (vazio presente) e na potência como poder constituinte (futuro). Isto possibilita a Negri reconhecer na multidão o desenvolvimento da potência, o movimento real que destrói o estado de coisas presentes, isto é, que elimina o poder constituído. Portanto, o desenvolvimento da potência expresso na multidão é, para Negri, a democracia absoluta, o comunismo, o poder constituinte (idem).

Voltemos ao nosso questionamento: como seria possível identificar um sujeito social em Negri se há, em sua análise, uma rejeição das representações relacionadas ao poder constituído? Esta possibilidade se abre no momento em que Negri reconhece no trabalho imaterial uma expressão do desenvolvimento da potência. O trabalho imaterial é fundamentado como meio de aderir ao movimento, sempre presente, do desenvolvimento da potência libertadora. No entanto, ele é definido com base nas qualificações técnicas que o trabalhador adquire no e para o processo de trabalho. Seu conhecimento, suas habilidades intelectuais, criativas, cognitivas estabelecem essa possibilidade da adesão à multidão10 10 A multidão poderia ser lida, em detrimento das teses de Negri, como expressão da conjuntura. Isto é, a adesão a um determinado movimento da estrutura seria verificada nas relações ocasionais que fazem desenvolver, frear, estacionar, acelerar ou estagnar esse movimento estrutural. Have-ria, nesse sentido, uma relação de reciprocidade entre aquilo que é fugidio ao conhecimento e ao poder da "vontade organizada" e aquilo que é constituído como projeto político, estabelecendo, assim, um determinado conjunto de relações de força na conjuntura. . Há, portanto, uma "ação", uma "tomada de consciência" que se caracteriza pela mediação e em função das competências profissionais requisitadas pelos trabalhos que utilizam a informação e o conhecimento como componentes essenciais da produção de novas mercadorias.

Em outros termos, longe de elegermos um sujeito político revolucionário com base em suas qualificações profissionais, a constituição de uma consciência revolucionária11 11 Decerto, não há aqui uma apologia das formas revolucionárias de consciência, o que seria no mínimo uma forma de restringir as subjetividades ao um projeto que se apresenta como verdadeiro em sentido absoluto. Trata-se, não obstante, de criticar a contradição expressa na relação diretamente proporcional entre conteúdo do trabalho/controle do processo de trabalho e a efetivação de uma unidade política subversiva. não parece derivar apenas do posicionamento dos indivíduos no processo de trabalho e muito menos das competências profissionais exigidas nesse processo. A indicação de que a formação de uma política revolucionária (anticapitalista) tem como base o posto de trabalho e as qualificações técnicas que são requisitadas pela produção hoje reduzem a política à técnica. São, assim, limitadas as análises que caracterizam um ramo da produção - hoje imaterial - como elemento determinante seja de reconhecimento do movimento de uma lógica ahistórica caracterizada na multidão como expressão do desenvolvimento da potência, seja de um projeto político revolucionário, ou ainda, anticapitalista.

Contrariamente, entendemos que a formação de um coletivo de trabalhadores consciente do quê e de como realiza seu trabalho somente seria possível em uma sociedade desvencilhada da dominação política do capital (Estado). As considerações teóricas sobre a formação da classe política revolucionária deveriam, assim, articular a estrutura produtiva às formas de sua representação político-ideológica. Indicar a luta de classes como uma designação arbitrária que vincula a profissão, a qualificação técnica à escolha do sujeito político capaz de organizar uma política anticapitalista é expressão de um reducionismo analítico gritante12 12 Como indica Poulantzas: "A organização política autônoma e a ideologia revolucionária da classe operária têm a ver com a classe na conjuntura. Têm a ver com o tornar a classe operária uma 'força social', o que determina a possibilidade de ela efetuar uma transição para o socialismo, ou seja, de fazer uma revolução social. Assim, o problema que se coloca é o de como localizar os elementos políticos e ideológicos na determinação estrutural de uma classe, mesmo que esses elementos não sejam os tradicionalmente encarados como constituintes da 'classe para si'" (POULANTZAS, 1977, p. 139). .

Ao afirmar a relação intrínseca entre o desenvolvimento da técnica e a formação de uma luta proletária, fundamenta-se a pressuposição de que o trabalhador (sua subjetividade) constitui-se através de sua atividade profissional. Confunde-se subjetividade com a atividade que o trabalhador exerce na divisão técnica do trabalho13 13 Mostra-se, assim, a urgência em se verificar quais seriam as atuais contradições sociais que essas novas formas de trabalho e de controle do coletivo de trabalhadores manifestam. . Nesse sentido, o contato com esse tipo de informação no processo de criação de mercadorias pôde ser também racionalizado à dimensão dos limites da extração de maisvalia. Portanto, e em concordância com Marx, o que deve ser aprofundado é a problematização de que: "Enquanto o meio de trabalho tiver um caráter imediato e se encontrar no estado histórico em que o capitalismo capta e o introduz no seu processo de valorização, ele apenas pode sofrer uma mudança formal. Mas isso é suficiente para que deixe de aparecer apenas com as suas propriedades físicas" (MARX, 1980, p. 37).

Mesmo se considerássemos a informação o subproduto do trabalho dito imaterial, ainda assim ela é constituída por tempo de trabalho explorado e não pago, o que, portanto, fundamenta e reproduz o capital como relação social hegemônica no capitalismo contemporâneo. Sua importância poderia determinar um momento particular da luta de classes que faria crescer a resistência da classe trabalhadora, pelo menos em relação a uma luta corporativa, haja vista as possibilidades do trabalhador de, ao lidar com essas informações, capacitar-se profissionalmente. Assim, a informação sociabilizada seria uma fonte de incremento na luta corporativa, mas viria também marcada por limites que sancionam e determinam a reprodução das relações de classe e que não estabelecem a passagem automática dessa luta corporativa a uma luta revolucionária de tipo anticapitalista, isto é, de uma luta entre classes sociais com interesses explicitamente antagônicos14 14 Um caminho possível para desmistificação do atual debate em torno do trabalho imaterial encontra-se na análise e na pesquisa sobre a formação das classes sociais hoje. A atualização conceitual das classes sociais, ou melhor, das relações de classe, talvez seja o ponto decisivo para uma reformulação da teoria marxista. Caracterizar esse conceito dentro de conjunturas político-econômicas distintas sem incorrer em um empiricismo, e ainda reconhecer o caráter geral dessa conceituação sem, com isso, revelar um conjunto de determinações essencialistas, é hoje uma tarefa primordial. .

IV. ELEMENTOS PARA UMA ANÁLISE MARXISTA SOBRE AS MUTAÇÕES NO TRABALHO

Em resposta às teses sobre a imaterialidade do trabalho, desenvolveu-se um conjunto de argumentações sobre a atualidade das análises de Marx. Tosel, por exemplo, examinou o debate salientando que as formas de exploração do trabalhador estariam calcadas na superfluidade das classes trabalhadoras. A centralidade atual do não-trabalho seria, então, negativa, pois não permitiria a organização de relações entre atividades inseridas no tempo de trabalho e atividades inseridas no tempo livre (TOSEL, 1994). Este tempo livre não permitiria qualificar qualquer possibilidade material de desenvolvimento do indivíduo social, pois ele seria negativamente liberado pela forma do desemprego, da precarização, do subemprego, do banco de horas, veiculando, assim, a impossibilidade efetiva do usufruto desse "tempo liberado" (idem; MARX, 2002; AMORIM, 2007).

A superfluidade do trabalho estaria calcada na pressuposição de que a produção de mercadorias ampliou-se; ou seja, que ela não está apenas ligada à produção industrial; sua abrangência seria, com isso, prerrogativa de uma nova lógica produtiva ainda determinada pela valorização do capital. Contudo, a hipótese de Marx da supressão tendencial do trabalho vivo e do aumento do trabalho passado nunca foi tão pertinente. O emprego, em sua concepção tradicional, não poderia crescer, pois hoje a incorporação da inovação tecnológica estaria cada vez mais presente.

Diferentemente daqueles que a partir dessa constatação desvinculam a teoria do valor-trabalho da luta de classes e das análises dos conflitos sociais, é possível indicar que a centralidade do trabalho abstrato produz a não-centralidade do trabalho vivo para o conjunto de desempregados do mercado de trabalho. E, mesmo para aqueles que ainda trabalham, essa dinâmica do trabalho abstrato condiciona a desregulamentação (chamada flexibilização) das relações de trabalho, tornando esses trabalhadores empregados, muitas vezes, "prestadores" autômatos de serviços (TOSEL, 1994, p. 210).

Em última análise, "não seria o caso de situar (também) no mesmo espaço, a apropriação pelo capital das forças intelectuais" (idem)? Mas, como considerá-la sob a ótica de que a "missão histórica do capital é de depreciar o valor de troca da força de trabalho, aumentando, assim, a força produtiva e fazendo do desenvolvimento do indivíduo social o novo alvo imanente da produção" (idem, p. 212)? A mercadoria força de trabalho em sua forma supérflua acaba por redefinir um estágio do desenvolvimento das forças produtivas que, em seu conjunto, pode caracterizar a ruptura, mas que, contrariamente, encaminha a permanência do capital como relação social hegemônica.

Tem-se, assim, uma dialética de continuidade pela ruptura e no interior da ruptura uma Aufhebung, pois a força produtiva social e o indivíduo social são conservados dentro de e por um novo modo de produção fundado sobre o princípio do tempo disponível (dito também supérfluo no sentido de liberado do trabalho) (idem, p. 213214).

Haveria, nesse sentido, uma continuidade do processo de valorização do capital e do trabalho como meio de formação dessa valorização. O trabalho na sua forma imediata dá, em parte, lugar às formas mediatas da atividade produtiva, estruturando-se uma expressão metamorfoseada do valor-trabalho. A forma valor tornar-se-ia cada vez mais a forma do valor trabalho intelectual-abstrato. As formas de intelectualização da força de trabalho poderiam, assim, ser entendidas como razão primeira da valorização do capital. Flexibilidade, rapidez de deslocamento, autotransformação permanente (ou o que poderíamos chamar de nova qualificação do trabalho) se caracterizam e se auto-valorizam com base na incorporação constante do conhecimento retido como valor de troca. A cooperação, nesse sentido, torna-se uma forma produtiva processual, ou seja, a produção capitalista manifesta-se sempre como jogo de um imenso autômato social. Mas ela agora estaria dotada de um intelecto geral que capacitaria uma luta anticapitalista? A sociabilização da informação, como elemento necessário a esta valorização, sob a tutela da valorização do capital, pode tornar possível a antagonização desse sujeito social ao explicitar este processo (VINCENT, 1993)?

A produção e as relações de produção que a constituem recompõem-se hoje em comparação à produção taylor-fordista. O que foi considerado como uma relação direta em que era necessário desqualificar o coletivo da força de trabalho para explorá-lo, passa a ser indireta sob um duplo sentido. O primeiro seria o da informação que passa das unidades produtivas como imperativos do quê e de como produzir; e o segundo seria o da interligação de ramos da produção à circulação que se estimulariam reciprocamente. No entanto, esta tendência deveria ser divulgada como núcleo de valorização do capital, que estaria singularmente ligado à necessária precarização do trabalho material. A dinâmica capitalista, como movimento de organização da produção em relação aos interesses do processo de valorização, passa a responder também pelo controle das capacidades cognitivas no trabalho, no sentido em que necessita de indivíduos que estejam aptos a agir e a tomar decisões ¾ mesmo que dentro de padrões estabelecidos.

É neste contexto que deve ser recolocado o problema da medida do trabalho como momento da constituição do trabalho abstrato a partir das atividades intelectuais concretas. O gasto de força de trabalho é cada vez menos um gasto de força física e cada vez mais um gasto de capacidades intelectuais e comunicacionais (idem, p. 124).

Não obstante, a objetivação da mercadoria-conhecimento na produção só tem sentido se considerada dentro do conjunto das relações de troca que a encerram. Por conseguinte, fundamentam as formas de automatização do trabalho intelectual, já que ele mesmo deveria ser objetivado como valor, através do dinheiro. Entretanto, disso não decorre que o trabalho imaterial seja a síntese dos interesses políticos que se articulam em torno de um ciclo produtivo ampliado.

A crescente "intelectualização" do trabalho, caracterizada pelo deslocamento da formação e de sua valorização, da produção estrito senso para outras áreas como a administração e o gerenciamento de fluxos de informação ou mesmo para a produção de informações e de produtos não materiais (no sentido físico do termo), não caracteriza, nem como tendência, a superação da ordem vigente e a constituição de um novo modo de vida. Nesse sentido, as teses que relacionam mecanicamente a formação do intelecto geral à produção dita imaterial estruturam o processo de conformação ideológica dos interesses integrados à produção de mercadorias que se utiliza de trabalhos de concepção e elaboração.

A síntese política-libertária ancorada em um núcleo de trabalhadores capacitado por informações aparentemente coletadas no processo de trabalho é, outra vez, determinada pela lógica da valorização do capital. A informação absorvida ainda seria formada pela unidade antagônica da relação capital/trabalho abstrato, isto é, a formação da atividade intelectual na produção de mercadorias não tangíveis ainda se efetivaria socialmente como mercadoria, como expressão de valores de troca15 15 É importante aqui lembrarmos os primeiros parágrafos de O capital (MARX, 1988, p. 45) que indicam o capital como relação social hegemônica em seu processo de autovalorização no qual pouco importa o conteúdo das mercadorias e sim a natureza das relações que as produzem. As necessidades são produzidas com o objetivo específico e fundamental de reproduzir as formas de existência sociais no conjunto de relações sociais que compõem um tipo específico de sociedade, dita capitalista. O valor de troca, expressão fenomênica do valor é agregado na mercadoria com base na exploração do trabalho; ou melhor, no tempo médio de trabalho socialmente necessário para a produção da mercadoria. Assim, a medida do valor para Marx é o tempo de trabalho despendido na produção, é a utilização da força de trabalho na produção medida em unidades de tempo, sendo que esse valor é fruto das necessidades humanas, sejam elas originadas do estômago ou da fantasia. Fundamenta-se, dessa forma, uma análise social que consagra a produção de mercadorias (materiais ou não) como seu objeto científico central e o trabalho abstrato como elemento decisivo para a valorização do capital. . Portanto, a incorporação dessa informação propiciada por esse tipo de produção não garante, como não garantiu historicamente, a formação de um sujeito revolucionário, ou mesmo, combativo à estrutura das relações de produção capitalistas.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho imaterial e sua exploração deveriam ser discutidos com base na suposição de que tais incorporações geram conflitos que podem dar fundamento a uma contra-ofensiva da classe trabalhadora, já que eles mesmos são incompatíveis com as promessas de eqüidade contidas na ideologia do progresso técnico do trabalho e da produção. Nesse sentido, compreender os limites da incorporação da força de trabalho intelectual como mercadoria, na medida em que ela deve, necessariamente, estar articulada a uma lógica de conjunto que tende sempre a impedir a autonomização do trabalhador frente às imposições econômicas, políticas e sociais ativadas pelo capital parece ser um objeto de estudos pertinente. Entretanto, a perspectiva analítica que reduz a formação de uma política anticapitalista ao universo dos processos de trabalho deve ser duramente combatida. A descrição crítica dessa perspectiva tem aqui sua necessidade configurada. Explicitar as formas de reprodução social nas teses acerca do progresso técnico qualifica, assim, uma iniciativa sempre indispensável à análise marxista.

Entendemos que o procedimento estratégico das teorias fundadas na noção de trabalho imaterial está relacionado com a maneira como estas analisam o trabalhador (individualizado) e projetam, com base nessa análise, um tipo ideal de classe revolucionária. Por um lado, esse trabalhador representado tipicamente é relacionado diretamente ao seu posto de trabalho; suas qualificações técnicas informam as possibilidades de sua prática e consciência políticas. Há uma correspondência, portanto, entre as formas de apropriação concreta dos saberes empíricos e das potencialidades revolucionárias da classe trabalhadora, ou do sujeito lá indicado. Por outro, a liberação do trabalhador do tempo de trabalho necessário à produção de mercadorias é caracterizada como elemento central das contradições sociais que poderiam implodir a estrutura desta produção. O conjunto das forças produtivas é, por fim, indicado como um elemento positivo e libertador frente às amarras das relações de produção capitalistas.

Em outros termos, entendemos que o capital hoje reorganizou a exploração do trabalho aos seus interesses. Às técnicas de produção taylor-fordista foram somadas novas formas de persuasão que difundem, por exemplo, a idéia de que o trabalhador é um parceiro e, como tal, deveria incorporar o "espírito" da empresa capitalista. A "subjetividade" do trabalhador é, assim, reconfigurada e outra vez reclamada pelo capital.

O capital, portanto, parece ter aprendido a controlar as formas do trabalho cognitivo. Aprofundou sua dominação política e econômica na produção quando passou a, dentro de limites pré-estabelecidos por ele mesmo, utilizar mais adequadamente as capacidades intelectuais do trabalhador.

Portanto, a perspectiva de liberação de tempo de trabalho como tempo livre, ou seja, aquele que poderia ser controlado pelo coletivo de trabalhadores organizado, só pode se realizar em uma sociedade de transição socialista, na qual as relações de produção capitalistas vão aos poucos sendo substituídas por relações de produção comunistas. A dominação política precede, dessa forma, a constituição do indivíduo social, do intelecto geral nos termos de Marx. Não é possível pensar a constituição de um tempo livre, sem que toda a sociedade esteja empenhada ativamente em exercer livremente esse tempo.

O indivíduo social, pensado por Marx nos Grundrisse, apenas configura-se coerente dentro de uma perspectiva social na qual a direção política já seja controlada por um conjunto de trabalhadores associados em partido político. Esse indivíduo social representante de um intelecto geral é fruto unívoco da tomada e do controle pretéritos do Estado e das instituições burguesas por parte dos trabalhadores. As teses acerca do caráter anticapitalista da produção imaterial fundamentam, assim, um universo ideológico de conservação ampliada e sob novas bases da exploração do trabalho e, sobretudo, da luta política de afirmação dos preceitos de organização social capitalistas.

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Recebido em 24 de abril de 2008.

Aprovado em 25 de junho de 2008.

Henrique Amorim (henriqueamorim@hotmail.com) é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com pós-doutorado em Sociologia pela mesma instituição.

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  • VINCENT, J-M. 1993. Les Automatismes sociaix e le 'general intellect'. Futur Antérieur, n. 16, p. 121-130.
  • 1
    Gostaria de agradecer, em especial, a leitura atenta e as sugestões feitas por Danilo Enrico Martuscelli e Leandro Galastri, como também a contribuição sempre decisiva de todos os membros do Grupo de Pesquisa de Teoria das Classes Sociais.
  • 2
    Seria interessante discutir, em outro momento, a tese gramsciana que estabelece a indicação de que a "hegemonia nasce na fábrica", sobretudo, porque Antonio Negri, como a maior parte do operarismo italiano, se vale de formulações de Gramsci para caracterizar a extensão da lógica fabril ao conjunto da sociedade. No caso de Negri, as relações de produção avançam para fora do espaço fabril e acabam por constituir, a sua semelhança, o modo de vida da sociedade capitalista. Concepção que se objetiva na tese da empresa-sociedade.
  • 3
    Discuto essa questão mais detalhadamente em Amorim (2006a; 2006b).
  • 4
    Em outro momento a demonstração empírica de como as capacidades de concepção e de elaboração do trabalhador coletivo são utilizadas no processo de produção de mercadorias deve ser melhor desenvolvida. Para uma introdução à discussão do processo de intensificação e superexploração da força de trabalho hoje, baseada em dados estatísticos de diferentes países, ver Salama (1999).
  • 5
    Como indica Coutrot (2005: 37), o modelo da empresa neoliberal difunde hoje a idéia da "autonomia controlada". No momento em que "[...] a gerência 'convoca a subjetividade' [....] dos assalariados, e lhes atribui responsabilidades inéditas, ela nega esta mesma subjetividade recusando todo sentido ao trabalho, exceto o de produzir mais lucros".
  • 6
    Trata-se, assim, a multidão como sujeito. Negri (2002, p. 446) indica, dessa forma, que "O poder constituinte não nasce de uma continuidade criadora, de uma inovação que, após ter constituído os indivíduos em multidão, determina a potência da multidão" e, ao citar Spinoza, caracteriza esse desenvolvimento indicando que: "O mundo do modo finito se torna subsumível na teoria das paixões. E se apresenta como um horizonte de oscilações, de variações existenciais, como contínua relação e proporção entre afecções ativas e passivas, como elasticidade. Tudo isso é regido pelo '
    conatus', elemento essencial, motor permanentemente ativo, casualidade puramente imanente que transcorre para além do existente. [...] O '
    conatus' é força do ser, essência atual da coisa, duração indefinida e consciência de tudo isso" (Negri, 1993, p. 201; sem grifos no original).
  • 7
    Nesse sentido, deve-se precisar que: "[...] faz pouca diferença se adotarmos o critério de produção material ou não material. Se os trabalhadores da esfera comercial não são considerados por Marx como desempenhando um trabalho produtivo, não é por não efetuarem uma produção material; de algum modo fazem-no, mas é porque dependem de capital comercial e o único capital que produz mais-valia é o capital produtivo" (POULANTZAS, 1977, p. 137).
  • 8
    Coutrot (2005: 37) indica que "A autonomia concedida aos assalariados na atividade de trabalho é, no mesmo movimento, compensada pelo desenvolvimento de dispositivos de controle de sua situação de trabalho: o controle externo com base na ameaça da precarização do emprego, mas também o controle interno com base na amplificação sofisticada de uma gestão individualizante das carreiras e das competências. A política sistemática e detalhada de individualização da relação salarial explica em grande medida o enfraquecimento das capacidades de resistência dos assalariados à degradação de suas condições de trabalho e de sua garantia de emprego".
  • 9
    É importante salientar que é no livro
    A Anomalia Selvagem: poder e potência em Spinoza (1993) que pela primeira vez a expressão
    multidão é utilizada por Negri. Livro este que, juntamente com
    O Poder Constituinte (2002) sintetizam a problemática de Negri exposta em outros livros posteriores.
  • 10
    A multidão poderia ser lida, em detrimento das teses de Negri, como expressão da conjuntura. Isto é, a adesão a um determinado movimento da estrutura seria verificada nas relações ocasionais que fazem desenvolver, frear, estacionar, acelerar ou estagnar esse movimento estrutural. Have-ria, nesse sentido, uma relação de reciprocidade entre aquilo que é fugidio ao conhecimento e ao poder da "vontade organizada" e aquilo que é constituído como projeto político, estabelecendo, assim, um determinado conjunto de relações de força na conjuntura.
  • 11
    Decerto, não há aqui uma apologia das formas revolucionárias de consciência, o que seria no mínimo uma forma de restringir as subjetividades ao um projeto que se apresenta como verdadeiro em sentido absoluto. Trata-se, não obstante, de criticar a contradição expressa na relação diretamente proporcional entre conteúdo do trabalho/controle do processo de trabalho e a efetivação de uma unidade política subversiva.
  • 12
    Como indica Poulantzas: "A organização política autônoma e a ideologia revolucionária da classe operária têm a ver com a classe na conjuntura. Têm a ver com o tornar a classe operária uma 'força social', o que determina a possibilidade de ela efetuar uma transição para o socialismo, ou seja, de fazer uma revolução social. Assim, o problema que se coloca é o de como localizar os elementos políticos e ideológicos na determinação estrutural de uma classe, mesmo que esses elementos não sejam os tradicionalmente encarados como constituintes da 'classe para si'" (POULANTZAS, 1977, p. 139).
  • 13
    Mostra-se, assim, a urgência em se verificar quais seriam as atuais contradições sociais que essas novas formas de trabalho e de controle do coletivo de trabalhadores manifestam.
  • 14
    Um caminho possível para desmistificação do atual debate em torno do trabalho imaterial encontra-se na análise e na pesquisa sobre a formação das classes sociais hoje. A atualização conceitual das classes sociais, ou melhor, das relações de classe, talvez seja o ponto decisivo para uma reformulação da teoria marxista. Caracterizar esse conceito dentro de conjunturas político-econômicas distintas sem incorrer em um empiricismo, e ainda reconhecer o caráter geral dessa conceituação sem, com isso, revelar um conjunto de determinações essencialistas, é hoje uma tarefa primordial.
  • 15
    É importante aqui lembrarmos os primeiros parágrafos de
    O capital (MARX, 1988, p. 45) que indicam o capital como relação social hegemônica em seu processo de autovalorização no qual pouco importa o conteúdo das mercadorias e sim a natureza das relações que as produzem. As necessidades são produzidas com o objetivo específico e fundamental de reproduzir as formas de existência sociais no conjunto de relações sociais que compõem um tipo específico de sociedade, dita capitalista. O valor de troca, expressão fenomênica do valor é agregado na mercadoria com base na exploração do trabalho; ou melhor, no tempo médio de trabalho socialmente necessário para a produção da mercadoria. Assim, a medida do valor para Marx é o tempo de trabalho despendido na produção, é a utilização da força de trabalho na produção medida em unidades de tempo, sendo que esse valor é fruto das necessidades humanas, sejam elas originadas do
    estômago ou da fantasia. Fundamenta-se, dessa forma, uma análise social que consagra a produção de mercadorias (materiais ou não) como seu objeto científico central e o trabalho abstrato como elemento decisivo para a valorização do capital.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      25 Jun 2008
    • Recebido
      24 Abr 2008
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