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A diferenciação centro-periferia como estratégia teórica básica para observar a produção científica

La différenciation centre-périphérie comme stratégie théorique de base pour l'observation de la production scientifique

Center-periphery differentiation as a basic theoretical strategy for observing scientific production

Resumos

A ciência moderna tem utilizado uma semântica auto-explicativa que leva em conta diversas estratégias e níveis de análise. No nível da organização científica, a Sociologia da Ciência tem feito uso de diferenciações tais como ciência-sociedade e interesse-desinteresse. Essas formas teóricas de observação têm como pano de fundo a idéia de contexto social, em que se opera a produção do conhecimento científico. Porém, a literatura sociológica da ciência não ressaltou suficientemente a diferenciação básica relativa ao sistema mundial de ciência e tecnologia, a saber, a diferenciação centro-periferia, que responderia pelo contexto territorialmente diferenciado da produção científica e tecnológica, e que teria influência inclusive sobre o conteúdo do conhecimento científico produzido localmente. Este trabalho pretende rever a literatura da Sociologia da Ciência, da Tecnologia e do Conhecimento Científico, ressaltando a maneira como essas modalidades de pesquisa trataram tal diferenciação. Pretende-se, ademais, discutir teoricamente a utilidade da diferenciação centro-periferia para os estudos sociológicos do conhecimento e a forma como essa diferenciação perpassa ortogonalmente as outras formas de diferenciar, incidindo inclusive naquelas formas relacionadas ao conteúdo do conhecimento científico. O artigo argumenta que a Sociologia do Conhecimento Científico no Brasil é ainda tímida no que diz respeito ao estudo do conteúdo do conhecimento científico na periferia do sistema mundial de ciência e tecnologia. Há uma "maldição da ciência normal" no Brasil, uma concepção arraigada no imaginário local que afirma que há pouco a conhecer-se sobre o conteúdo do conhecimento autóctone. Contrariamente a essa concepção, o artigo pretende encorajar os estudos sobre a ciência, tecnologia e conhecimento científico na periferia, de modo a especificar o conteúdo original que perifericamente tem sido construído.

Sociologia da Ciência; sociologia do conhecimento científico; estudos sociais da ciência e tecnologia; diferenciação social; relações centro-periferia


La science moderne utilise une sémantique autoexplicative qui prend en compte plusieurs stratégies et niveaux d'analyse. Au niveau organisation scientifique, la Sociologie de la Science a mise en oeuvre des distinctions telles que science-société et intérêt-desintérêt. Ces formes théoriques d'observation dont le fond est l'idée de contexte social, dans lequel la production de connaissances scientifiques a lieu. Pourtant, la littérature sociologique de la science n'a pas assez mis en évidence la différenciation centre-périphérie ce qui correspondrait au contexte dont le champ est différencié de la production scientifique et technologique et ce qui influencerait aussi le contenu de la connaisssance scientifique produite sur place. Ce travail envisage de revoir la littérature de la Sociologie de la Science, de la Technologie et du Savoir Scientifique, en mettant en relief la façon dont les modalités de recherche ont abordé cette différenciation. En outre, nous envisageons de discuter théoriquement de l'utilité de la différenciation centre-périphérie pour les études sociologiques de la connaissance et la façon comme cette différenciation traverse orthogonalement les autres forme de distinguer, influant aussi sur les formes qui ont un rapport avec le contenu de la connaissance scientifique. L'article argumente que la Sociologie de la Connaissance Scientifique au Brésil est encore timide en ce qui concerne l'étude du contenu de la connaissance scientifique dans la périphérie du système mondial de science et technologie. Il existe « une malédiction de la science normale » au Brésil, une conception ancrée dans l'imaginaire local qui prétend qu'il y a peu à connaitre sur le contenu de la connaissance autochtone. Contraire à cette conception, l'article envisage d'encourager les études sur la science, technologie et connaissance scientifique dans la périphérie afin de spécifier le contenu original qui est construit périphériquement.

Sociologie de la Science; Sociologie de la Connaissance Scientifique; études sociales de la science et technologie; différence sociale; relations centre-périphérie


Modern science has employed a self-explanatory semantics that takes a variety of analytical strategies and levels into account. At the level of scientific organization, the sociology of science has made use of distinctions such as science-society and interest- disinterest. These theoretical forms of observation are undergirded by the notion of the social context of the production of scientific knowledge. Nonetheless, literature on the sociology of science has not given enough attention to basic differentiation, within the world system of science and technology, between center and periphery, corresponding to a territorially-differentiated context of scientific and technological production and whose influence is also extended to the content of locally-produced scientific knowledge. This article revisits the literature on the sociology of science, technology and scientific knowledge, emphasizing the way in which these areas of research treat the above-mentioned differentiation. Furthermore, it also attempts to present theoretical discussion on the usefulness of the center-periphery distinction for sociological study of knowledge and the way in which this differentiation intersects other types of differentiation, including its effects on the very content of scientific knowledge. The article argues that the sociology of scientific knowledge in Brazil remains timid insofar as the study of the content of scientific knowledge in the periphery of the world system of science and technology is concerned. In Brazil, the "curse of normal science" prevails, a conception that is rooted in the local imaginary which asserts that there is little to be known regarding the content of autochthonous knowledge. Contrary to this view, this article encourages studies of science, technology and scientific knowledge in the periphery, in such a way as to specify the original content that the latter has contributed.

Sociology of Science; Sociology of Scientific Knowledge; Studies of Science and Technology; social differentiation; center-periphery relations


ARTIGOS

A diferenciação centro-periferia como estratégia teórica básica para observar a produção científica1 1 Gostaria de agradecer os apontamentos críticos feitos por Tiago Ribeiro Duarte e aos comentários dos dois pareceristas da Revista de Sociologia e Política

Center-periphery differentiation as a basic theoretical strategy for observing scientific production

La différenciation centre-périphérie comme stratégie théorique de base pour l'observation de la production scientifique

Fabrício Monteiro Neves

RESUMO

A ciência moderna tem utilizado uma semântica auto-explicativa que leva em conta diversas estratégias e níveis de análise. No nível da organização científica, a Sociologia da Ciência tem feito uso de diferenciações tais como ciência-sociedade e interesse-desinteresse. Essas formas teóricas de observação têm como pano de fundo a idéia de contexto social, em que se opera a produção do conhecimento científico. Porém, a literatura sociológica da ciência não ressaltou suficientemente a diferenciação básica relativa ao sistema mundial de ciência e tecnologia, a saber, a diferenciação centro-periferia, que responderia pelo contexto territorialmente diferenciado da produção científica e tecnológica, e que teria influência inclusive sobre o conteúdo do conhecimento científico produzido localmente. Este trabalho pretende rever a literatura da Sociologia da Ciência, da Tecnologia e do Conhecimento Científico, ressaltando a maneira como essas modalidades de pesquisa trataram tal diferenciação. Pretende-se, ademais, discutir teoricamente a utilidade da diferenciação centro-periferia para os estudos sociológicos do conhecimento e a forma como essa diferenciação perpassa ortogonalmente as outras formas de diferenciar, incidindo inclusive naquelas formas relacionadas ao conteúdo do conhecimento científico. O artigo argumenta que a Sociologia do Conhecimento Científico no Brasil é ainda tímida no que diz respeito ao estudo do conteúdo do conhecimento científico na periferia do sistema mundial de ciência e tecnologia. Há uma "maldição da ciência normal" no Brasil, uma concepção arraigada no imaginário local que afirma que há pouco a conhecer-se sobre o conteúdo do conhecimento autóctone. Contrariamente a essa concepção, o artigo pretende encorajar os estudos sobre a ciência, tecnologia e conhecimento científico na periferia, de modo a especificar o conteúdo original que perifericamente tem sido construído.

Palavras-chave: Sociologia da Ciência; sociologia do conhecimento científico; estudos sociais da ciência e tecnologia; diferenciação social; relações centro-periferia.

ABSTRACT

Modern science has employed a self-explanatory semantics that takes a variety of analytical strategies and levels into account. At the level of scientific organization, the sociology of science has made use of distinctions such as science-society and interest- disinterest. These theoretical forms of observation are undergirded by the notion of the social context of the production of scientific knowledge. Nonetheless, literature on the sociology of science has not given enough attention to basic differentiation, within the world system of science and technology, between center and periphery, corresponding to a territorially-differentiated context of scientific and technological production and whose influence is also extended to the content of locally-produced scientific knowledge. This article revisits the literature on the sociology of science, technology and scientific knowledge, emphasizing the way in which these areas of research treat the above-mentioned differentiation. Furthermore, it also attempts to present theoretical discussion on the usefulness of the center-periphery distinction for sociological study of knowledge and the way in which this differentiation intersects other types of differentiation, including its effects on the very content of scientific knowledge. The article argues that the sociology of scientific knowledge in Brazil remains timid insofar as the study of the content of scientific knowledge in the periphery of the world system of science and technology is concerned. In Brazil, the "curse of normal science" prevails, a conception that is rooted in the local imaginary which asserts that there is little to be known regarding the content of autochthonous knowledge. Contrary to this view, this article encourages studies of science, technology and scientific knowledge in the periphery, in such a way as to specify the original content that the latter has contributed.

Keywords: Sociology of Science; Sociology of Scientific Knowledge; Studies of Science and Technology; social differentiation; center-periphery relations.

RÉSUMÉ

La science moderne utilise une sémantique autoexplicative qui prend en compte plusieurs stratégies et niveaux d'analyse. Au niveau organisation scientifique, la Sociologie de la Science a mise en oeuvre des distinctions telles que science-société et intérêt-desintérêt. Ces formes théoriques d'observation dont le fond est l'idée de contexte social, dans lequel la production de connaissances scientifiques a lieu. Pourtant, la littérature sociologique de la science n'a pas assez mis en évidence la différenciation centre-périphérie ce qui correspondrait au contexte dont le champ est différencié de la production scientifique et technologique et ce qui influencerait aussi le contenu de la connaisssance scientifique produite sur place. Ce travail envisage de revoir la littérature de la Sociologie de la Science, de la Technologie et du Savoir Scientifique, en mettant en relief la façon dont les modalités de recherche ont abordé cette différenciation. En outre, nous envisageons de discuter théoriquement de l'utilité de la différenciation centre-périphérie pour les études sociologiques de la connaissance et la façon comme cette différenciation traverse orthogonalement les autres forme de distinguer, influant aussi sur les formes qui ont un rapport avec le contenu de la connaissance scientifique. L'article argumente que la Sociologie de la Connaissance Scientifique au Brésil est encore timide en ce qui concerne l'étude du contenu de la connaissance scientifique dans la périphérie du système mondial de science et technologie. Il existe « une malédiction de la science normale » au Brésil, une conception ancrée dans l'imaginaire local qui prétend qu'il y a peu à connaitre sur le contenu de la connaissance autochtone. Contraire à cette conception, l'article envisage d'encourager les études sur la science, technologie et connaissance scientifique dans la périphérie afin de spécifier le contenu original qui est construit périphériquement.

Mots-clés: Sociologie de la Science ; Sociologie de la Connaissance Scientifique ; études sociales de la science et technologie ; différence sociale ; relations centre-périphérie.

I. INTRODUÇÃO: COMO OBSERVAR A DIFERENÇA

A Física do século XX propôs uma nova conceituação da realidade que apresentava um novo entendimento acerca do observador. A teoria geral da relatividade colocou entre parênteses o observador ao afirmar que a observação depende da posição de quem observa, não havendo, portanto, nem observador absoluto e nem fenômeno desvinculado da observação. Isso veio a ser radicalizado com o princípio da incerteza de Heisenberg, que, além de contar com a posição de quem descreve, afirma que a própria descrição altera o fenômeno, no caso, a posição de um elétron quando de sua medição. Diversas ciências tiveram que rever alguns princípios metodológicos, incluindo agora o observador como elemento importante na própria conceituação. Foi, inclusive, tarefa para a Sociologia do Conhecimento, que buscou explicar fenômenos que dependiam da perspectiva do ator para serem explicados, como é o caso do fenômeno ideológico e da construção da realidade social (cf. BERGER & LUCKMANN, 1985; MANNHEIM, 2001). Nesse sentido, tratar o fenômeno da observação nas ciências sociais liga-se ao próprio processo de constituição da sociedade, assim como a constituição da realidade na Física, no sentido de que ambos os casos revelam certo "perspectivismo".

Este artigo pretende tratar especificamente do processo de construção de disciplinas sociológicas que têm como objeto a ciência e a tecnologia, tentando ao mesmo tempo apresentar elementos teóricos que justifiquem a diferenciação, negligenciada pelos estudos sociais em ciência e tecnologia, entre centro-periferia. Perguntamos então: quais fenômenos emergem quando se observa a ciência e a tecnologia por meio dessa forma binária e quais as conseqüências de proceder-se assim para a disciplina? Partir-se-á de uma análise das formas sociais para caracterizar a observação, processo estruturado que faz emergir a diferença que será aqui investigada, centro-periferia2 2 No plano da evolução da sociedade, que corresponde ao modelo de Niklas Luhmann (LUHMANN & DE GIORGI, 1993), Neves (2006) enfatiza o caráter intermediário dessa forma de diferenciação, localizando-a entre uma forma segmentar de sociedade e outra estratificada, à primeira correspondendo estruturas mais simples caracterizadas pela indiferenciação, e à segunda correspondendo um tipo de desigualdade de nível entre "nobreza" e "povo". Ainda que Luhmann tenha abandonado essa forma de diferenciação para a sociedade moderna, ela ainda apresenta-se pertinente quando se leva em conta o caráter hierárquico da produção de paradigmas científicos e tecnológicos. .

É necessário primeiramente tirar toda a carga ontológica do observador – este também é fruto de uma observação que partiu de alguma forma – e preencher de construtivismo a operação de observação. Observar tem lugar em um sistema que faz uso de sua própria estrutura para distinguir e indicar um lado ou outro da distinção (LUHMANN, 1996). A observação dá-se em um ambiente dotado de sentido – nos sistemas sociais, por exemplo – e esse sentido é impresso nas distinções e indicações que efetua. Ao observar, além do mais, todo sistema diminui a complexidade do entorno, já que se poderia partir de outras diferenciações e outras indicações, distintas daquelas que foram selecionadas pelo sistema (NEVES & NEVES 2006). As possibilidades de operação e de observação são infinitas, mas o sistema tem apenas aquele horizonte de possibilidades que ele mesmo permite-lhe, ou seja, que foi estruturado em seu intercurso evolutivo. Nesse sentido, ao distinguir e indicar com base em sua própria estrutura, o sistema constrói suas próprias formas, e essas formas dar-lhe-ão o horizonte de onde partirão as próximas observações3 3 Esse processo corresponde àquilo que Luhmann chamou de 'autopoiéis', conceito originário da biologia cognitiva dos biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela (1997). .

A partir disso, pode-se descrever a Sociologia da Ciência utilizando a forma como esta observou a ciência; pode-se fazer o mesmo com a sociologia do conhecimento científico em relação ao conhecimento; ou ainda descrever a sociologia da tecnologia e apresentar a forma como a tecnologia apresenta-se para ela. Mais que uma atividade meta-teórica, essa maneira de observação pode abrir novas possibilidades investigativas ao fazer surgir novos fenômenos. Assim, deve-se atentar para a observação e não para o fenômeno a que tal observação refere-se4 4 A explicação é o que se chama observação de primeira ordem, feita por um observador de primeira ordem; a observação da explicação é uma observação de segunda ordem (é disso que se trata nossa observação neste trabalho), feita por um observador de segunda ordem. Essa discussão teve lugar primeiramente na cibernética de Heinz von Foerster (sobre cibernética e observação de segunda ordem, v. Luhmann, 1996). . Sintetizando, é possível observar partindo de esquemas de observação diferenciados, e cada um desses esquemas fornecerá elementos novos ao sistema de onde parte a observação. O propósito deste trabalho, também, é observar o tratamento dado à diferenciação centro-periferia pelos estudos sociais da ciência e da tecnologia, partindo do princípio de que os esquemas de observação operados por esses estudos, como interno-externo, puro-aplicado, ciência-tecnologia, técnica-social, remetem a descrições parciais que precisam ser incrementadas com outras possibilidades de observação, e isso vale inclusive para a periferia.

II. COMO A SOCIOLOGIA CENTRAL OBSERVA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

A sociologia da ciência5 5 Faz-se aqui uma distinção entre áreas para evitar possíveis confusões utilizando do critério diferenciador de Hess (1997). O autor prefere usar as expressões "Sociologia Institucional da Ciência", para se referir aos estudos institucionais da ciência, ligados principalmente às normas e valores que orientam o sistema, e por outro lado usa a expressão "Sociologia do Conhecimento Científico" (SSK - Sociology of Science Knowledge) para se referir aquele conjunto de estudos que buscam relacionar a produção de conhecimento à matriz social da ciência. Ambos apresentam uma estratégia diferenciadora, mas enquanto a primeira vertente parte da diferenciação ciência-sociedade, a segunda investiga a diferença conhecimento científico-sociedade. clássica foi eminentemente americana, e teve o objetivo de descrever a ciência ocidental a partir de um ponto de vista histórico que diferenciava a ciência antiga da ciência moderna, portanto baseando-se em um critério diferenciador temporal6 6 Para a diferenciação temporal, ver o estudo histórico da ciência feito por Price (1976). . Isso foi feito por Robert K. Merton em seu estudo sobre a ciência inglesa no século XVII (MERTON, 1984), tendo esse trabalho inspirado a linha funcionalista da ciência a partir de então. Mas outros objetivos instalaram-se com a evolução do campo de pesquisa, que incluía agora diferenciações territoriais – entre civilizações, entre continentes, entre países (cf. BEM-DAVID, 1974; PRICE, 1976) –, e ainda utilizando elementos como critérios de impressão, gênero e poder. Todas essas formas de observar a ciência tiveram grupos que se destacaram em cada uma dessas perspectivas parciais, ressaltando e defendendo seu critério de observação. Por exemplo, Hess (1997) diferencia o grupo de Columbia, formado por Robert K. Merton, Harriet Zuckerman, Jonathan Cole e Stephen Cole do grupo formado pela rede Wisconsin-Berkeley-Cornell, integrada por Paul Allison, Handall Collins, Warren Hagstrom e Lowell Hargens. A diferenciação que o autor faz aqui parece referir-se ao funcionamento do sistema no que se refere ao critério autonomia-condicionamento. Enquanto os primeiros tendiam a observar valorizando a autonomia – "a ciência como uma instituição relativamente eficiente" – (idem, p. 53) os últimos tendiam a observar a ciência como uma instituição "com significantes desigualdades de gênero e raça" (ibidem), produzindo trabalhos mais críticos em relação ao sistema científico. Isso não quer dizer que não houve intercâmbio entre os resultados alcançados a partir de esquemas pré-determinados, algumas análises faziam uso de um método mais complexo, valendo-se de uma perspectiva ortogonal, ou seja, cruzando, por exemplo, gênero e país7 7 Neste caso, destaca-se o trabalho de Jonathan Cole e Stephen Cole (1973) em que descreve, com a tese funcionalista da estratificação, a discriminação de mulheres na ciência americana. , ou ainda controle e autonomia8 8 Neste último caso, especificamente Hagstron (1965) desenvolve uma tese da comunidade científica combinando valores não tão comunitários como competição com reconhecimento para explicar a lógica institucional da ciência. .

A sociologia do conhecimento científico, por outro lado, tem uma proposta diferente da anterior. Seu foco são os processos de produção do conhecimento científico, ressaltando a base social sobre a qual emergem consensos e controvérsias na comunidade científica. Ela distancia-se das análises institucionais para localizar-se especificamente no terreno dos conflitos entre teorias divergentes, da natureza do conhecimento científico, de sua validade, dos processos de justificação e aceitação. Nesse sentido, localiza o conhecimento científico na sociedade, logo, seu entendimento deve passar pela explicação sociológica. Resumindo, é "uma tentativa de entender a ciência no idioma da ciência" (BARNES, BLOOR & HENRY, 1996, p. VIII). Isso exige a compreensão tanto da produção do conhecimento quanto do conhecimento per se como âmbitos localizados em determinado locus9 9 A maioria dos trabalhos nessa área tem claramente essa perspectiva, ou seja, utiliza a diferenciação local-universal para referir-se ao conhecimento, valorizando positivamente o primeiro lado, ressaltando principalmente a con-textualidade do laboratório (cf. KNORR-CETINA, 1982; LATOUR, 1999; KNORR-CETINA, 2005). . É nesse sentido que surge um dos maiores problemas para esse tipo de investigação, como aponta Shapin (1995) "como interpretar o relacionamento entre os apontamentos locais nos quais o conhecimento é produzido e a eficiência única com a qual parece circular?". Essa advertência foi basicamente feita por filósofos da ciência que, ao observar o conhecimento pela diferenciação social-lógico-racional, tendiam a valorizar o segundo lado da forma, sacralizando-o. Assim, tudo aquilo que provinha do outro lado era entendido como poluente ideológico e compromissos políticos. Mas esse ceticismo quanto à relação causal entre fatores sociais e conhecimento era compartilhado também por sociólogos, principalmente aqueles que fizeram parte da geração clássica da Sociologia do Conhecimento10 10 Deve-se ressaltar que essa problemática de "rompimento", ou seja, tal insistência em tratar "fenômenos cognitivos" apartados de "fatores sociais", estava ligada ainda a uma semântica explicativa tributária do dualismo cartesiano (SHAPIN, 1995). Nesse sentido, foi automático o exercício de assumir a sociedade como contaminante do conhecimento e considerar compromissado o conhecimento que evidencia as relações. Mais do que isso, considerando esse ponto de vista a investigação sobre a validade do conhecimento ficaria restrita aos filósofos, epistemólogos, lógicos e matemáticos. Além de criar um esquema de observação, o dualismo cartesiano produziu uma divisão do trabalho. , especificamente Mannheim e Gurvitch. Este último ilustra bem essa problemática: "Se uma colaboração, tanto negativa como positiva, se impõe entre Sociologia do Conhecimento e filosofia, o domínio duma sobre a outra está excluído. Deduzir uma epistemologia da Sociologia do Conhecimento seria tão nefasto quanto ligar o destino da Sociologia do Conhecimento a uma tomada de posição filosófica particular. Aliás, em todos os pontos de vista é indispensável ao progresso da Sociologia do Conhecimento que ela aprenda a permanecer modesta e renuncie a pretensões desnecessárias" (GURVITCH, 1969, p. 19-20).

Esse ceticismo começou a mudar em meados da década de 1970, com os trabalhos que passaram a valorizar os fatores sociais mais do que os cognitivos na construção do conhecimento. Agora, um grupo de novos pesquisadores passou a trabalhar no sentido de derivar uma epistemologia da sociologia. Notoriamente, o trabalho mais controverso foi realizado pelos proponentes da escola de Edimburgo, David Bloor e Barry Barnes, criadores do que se consagrou "programa forte em sociologia da ciência". Em invés de limitarem-se à organização científica, como fizeram os sociólogos da ciência da geração anterior, os entusiastas da nova Sociologia do Conhecimento passaram a relacionar o produto da ciência (o conhecimento científico) com sua base social, o que explicaria, dentre outras, as causas da variação das crenças no mundo11 11 No entanto, "conhecimento" foi diferenciado da mera "crença": ao primeiro fenômeno corresponde aquilo endossado coletivamente, e ao segundo aquilo que é idiossincrático (cf. BLOOR, 1991). ; como se estabilizam, quais processos subjazem sua criação e manutenção, como se dá a fragmentação disciplinar etc. (BLOOR, 1991). Em síntese, trabalhos nessa área apresentavam a contextura dos processos acima, ligando-os desde o uso de equipamentos únicos (KNORR-CETINA, 2005) até o preço do paládio (COLLINS & PINCH, 2003), dos interesses no interior do campo científico (BOURDIEU, 1983) às redes sócio-técnicas (LATOUR, 1994), ao treinamento (KUHN, 1995)12 12 Thomas Kuhn talvez tenha sido o mentor da virada construtivista na Sociologia do Conhecimento. Seu enfoque concentrava-se na cristalização de paradigmas e no envolvimento destes com compromissos de grupo (KUHN, 2006). Sua forma de observar a ciência manifesta-se em uma dualidade singular que substitui a dicotomia básica entre verdade-não-verdade por paradigma-não-paradigma. Nesse sentido, Kuhn vale-se de uma mudança semântica de conotações epistemológicas, mais apropriadas a uma nova compreensão do trabalho científico como cristalização de "exemplares" que a todo o momento emergem e são abandonados, apresentando a tese da incomensurabilidade do conhecimento: o conhecer não nos aproxima da realidade, recria-a (cf. BARNES, 1982). e às mudanças na ordem social (SHAPIN, 1999). Das formas epistemológicas clássicas local-universal e contextual-descontextualizado, emergem trabalhos que valorizam o primeiro lado da forma, assumindo o referencial sociológico como ferramenta para entender-se a construção do conhecimento de maneira mais integral.

Esses desdobramentos da Sociologia do Conhecimento vieram incidir também em uma novíssima modalidade de investigação, a sociologia da tecnologia. Os estudos a respeito da tecnologia podem ser remontados à escola de Frankfurt – especificamente Habermas (1980) – ou ainda a Martin Heidegger (1997), mas a perspectiva sociológica veio a ser desenvolvida somente no fim do século passado, levando alguns pesquisadores a romperem com a maneira tradicional de estudar-se a tecnologia e seus desdobramentos sociais. Três foram os desafios: 1) superar a perspectiva individualista; 2) abandonar o determinismo tecnológico e 3) abdicar da perspectiva que separava a produção tecnológica de sua base social (BIJKER, HUGUES & PINCH, 1997). Esses desafios levavam, implicitamente, em seus propósitos, à abertura da caixa-preta (black box) da tecnologia, fazendo que a produção tecnológica passasse a ser vista como um empreendimento aberto que envolve as instituições e uma série de atores interagindo em redes na estabilização dos artefatos13 13 Sobre a nova produção do conhecimento em fins do século passado, v. a obra de Gibbons et alii. (1994). . É nesse sentido que tais estudos têm em comum a abordagem construtivista da tecnologia, entendendo a tecnologia como artefato que emerge e estabiliza-se a partir da interação de atores divergentes, operando em um universo próprio, de sentido específico, contextualizado.

A forma de observar, porém, pode mudar, e resume-se a duas perspectivas. Uma que se concentra no conceito de sistema e considera a heterogeneidade dos elementos envolvidos, mas que, de alguma forma, apresentam uma coerência dada pelo sentido específico envolvido na relação14 14 É paradigmático, nesse caso, o trabalho de Thomas Hughes. Ele apresenta a tecnologia como produção de um sistema fechado de muitos elementos, que pode envolver artefatos físicos (geradores, transformadores, linhas de transmissão etc.) e organizações (universidades e empresas), e que, pela interação entre esses componentes, suas características derivam do próprio sistema. Hugues (1997) baseia-se principalmente na teoria dos sistemas para sustentar que são os próprios sistemas que incorporam seus elementos e dão sentido para ele. A forma de observar vale-se, então, da dicotomia entre sistema e ambiente. . A outra forma advém dos estudos das redes sociais, que quebram com a distinção entre humanos e não-humanos na construção de redes sócio-técnicas, estudando a estabilização do artefato tecnológico a partir da interação de atores humanos, ambientes físicos e conhecimento15 15 Aqui se destaca o trabalho de Michel Callon e o desenvolvimento da teoria do ator-rede, junto com Bruno Latour. Callon questiona basicamente a possibilidade de distinguir-se, no processo inovador, fases ou atividades técnicas ou científicas daquelas econômicas, assumindo uma perspectiva que abole a dicotomia clássica entre internalistas e externalistas nos estudos sociais da ciência e tecnologia (CALLON, 1997). Ao reconhecer uma heterogeneidade de elementos envolvidos na rede, Callon teve que buscar uma estratégia metodológica que reduzisse seu número valendo-se do conceito de simplificação. Esse conceito permite manusear compreensivamente a extrema complexidade dos elementos envolvidos, aumentada com a consideração de elementos "não-humanos". Mas, ainda assim, é necessário outro conceito, a saber, o de justaposição, ou seja, a limitação do contexto no qual os elementos simplificados estão justapostos: "as simplificações só são possíveis se os elementos estão justapostos em uma rede de relações, mas a justaposição dos elementos requer que eles estejam simplificados" ( idem, p. 95). . Essas duas formas de abordagem estão presentes também em estudos que buscam relacionar a sociedade moderna e a tecnologia, ressaltando a retro-alimentação – co-construção, nas palavras de Misa (2003)16 16 "Tecnologias interagem profundamente com natureza e cultura, mas as interações envolvem influências mútuas, incertezas e ambigüidade histórica, produzindo resistência, acomodação, aceitação e, ainda, entusiasmo. Na tentativa de captar estas relações fluídas, nós adotamos a noção de co-construção." (MISA, 2003, p. 3). – entre modernidade e técnica17 17 Por exemplo, no trabalho de Giddens (1991), em que a ênfase nos sistemas peritos ganha proeminência em sua conceituação da modernidade: "sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas do ambiente material e social em que vivemos hoje" (GIDDENS, 1991). Porém, essa conceituação parece carregada de determinismo tecnológico, escurecendo as relações conflituosas entre os envolvidos na rede tecnológica, desde os técnicos até os usuários. . A partir da diferenciação temporal do conhecimento tecnológico entre pré-moderno-moderno emergem novas formas relacionadas a cada lado da diferenciação, como o risco tecnológico, aparentemente inexistente em sociedades pré-modernas, e a fricção entre o global e o local (RIP, 2003), ressaltando a circulação e a 'descontextualização' de artefatos.

Todas essas abordagens da ciência e tecnologia produziram formas específicas para observar esses âmbitos. Cada qual era referido a determinado locus, contexto ou ambiente, que imperavam condicionantes retroativamente. Assim, a instituição científica ocidental tinha uma afinidade eletiva com o protestantismo inglês, a validação do conhecimento científico tinha rastro na cultura mais ampla e a tecnologia era negociada pela rede de atores subjacentes. Essas abordagens, porém, não exploraram com suficiente cuidado as influências que os contextos centrais e periféricos de produção científica e tecnológica tiveram para a instituição, as redes, o conhecimento e os artefatos. Isso quer dizer que os condicionantes relacionados à diferenciação centro-periferia não estiveram presentes, ou estiveram secundariamente, naqueles estudos. É claro que o próprio contexto influenciou para tanto, afinal, os estudos sociais da ciência tiveram matriz eminentemente americana, ao passo que a sociologia do conhecimento científico era européia (HESS, 1997) e a sociologia da tecnologia teve um contexto misto euro-americano. Em síntese, todas eram vertentes que emergiram no contexto central. Porém, na divisão do trabalho do sistema internacional de ciência e tecnologia cabe à periferia a tarefa de pensar a periferia.

III. COMO A PERIFERIA OBSERVA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA

Torna-se elementar investigar, então, quais a conseqüências que uma diferenciação centro-periferia acarreta para a percepção do sistema mundial de ciência e tecnologia. O que se está a dizer é que a matriz cultural periférica, seu modelo modernizador e suas instituições importam para o entendimento da produção científica e tecnológica autóctone, já que as formas de observação anteriormente abordadas ressaltavam a necessidade da contextualização. Nesse sentido, a diferenciação envolve muito mais elementos do que a simples diferenciação entre consumidores e produtores de conhecimento e tecnologia18 18 Essa diferenciação foi usada por Burgos (1999) para caracterizar a especificidade do caso brasileiro na ciência mundial. , como fica subentendido nos trabalhos apresentados acima. Centro-periferia, como esquema de observação, envolve um "corte no mundo" que divide duas lógicas sociais distintas que condicionam os processos científicos que ocorrem no interior de cada uma delas, como estabelece para o plano econômico as teorias do desenvolvimento latino-americano, especificamente Cepalinas e do desenvolvimento dependente19 19 Essas por terem como base uma análise de um único sistema econômico mundial bifurcado estruturalmente em centro-periferia, com cada lado da forma exercendo funções diferentes de acordo com suas condições estruturais (BUSTELO, 1998). , as quais enfatizam as peculiaridades de um modelo econômico periférico, com outros condicionantes, que vão incidir em nossa maneira de receber, produzir e circular conhecimento e tecnologia. Desse modo, ressalta-se a distribuição desigual dentro do sistema-mundo, segundo a concepção de Wallerstein (2006), atentando para a desigual distribuição dos recursos intelectuais, econômicos e políticos que peculiarmente estruturam os sistemas nacionais. Entender o mundo como um sistema interligado por uma rede tecno-científica faz que nos concentremos nas especificidades que emergem nos nós que estruturam o que chamamos de sistema mundial de ciência e tecnologia (NUNES, 2001). O modo como, então, a periferia observou a ciência, o conhecimento e a tecnologia, está ligado ao contexto institucional ao qual está vinculado o locus da produção. Como se verá a frente, em grande parte esse espaço produtor teve que se legitimar frente a um contexto institucional e cultural hostil à ciência, e essa condição estruturou o escopo temático periférico.

Os estudos periféricos da ciência, conhecimento e tecnologia – privilegiar-se-á, aqui, os estudos feitos no Brasil, Índia e Portugal – foram inflacionados em temáticas como ciência e desenvolvimento20 20 Ver, por exemplo, Slingh (1975) para o caso indiano, Arango (1975) para o caso colombiano e Herrera (1975) para o caso latino americano. Para uma perspectiva atual e comparativa, v. Barros (2005) , dependência tecnológica, ciência e estado21 21 Destaca-se o estudo de Morel (1979a) sobre a política científica e tecnológica brasileira, em que se ressalta a forma que a ciência adquiriu ao institucionalizar-se a partir da década de 1950 no Brasil. A análise vincula-se principalmente a abordagens institucionais que relacionam configuração a interesses, principalmente econômicos e políticos. Ou seja, ainda que faça críticas à abordagem mertoniana, Morel aceita sua divisão entre âmbitos, invertendo somente as forças que motivam os atores, do desinteresse e comunismo ao interesse e competição. , ciência e economia, 'cientometria', entre outras. Essas temáticas tangenciavam quase sempre o nível da sociologia institucional da ciência, e tinham no funcionalismo americano (por meio de Robert K. Merton) a sua base teórica. Nesse sentido, tratavam preferencialmente dos problemas relacionados à relação ciência-sociedade, mas ainda no nível institucional. Isso equivalia a duas formas dicotômicas de correspondência entre esses dois âmbitos: a primeira relacionava a ciência nacional ao panorama da sociedade global, e a segunda relacionava a sociedade territorial, suas instituições nacionais e cultura local, à forma histórica adquirida pela ciência. Muitas vezes, as análises superavam o plano sociológico e localizavam-se no terreno econômico, degenerando-se na lógica normativa, concebendo a ciência como âmbito necessário ao desenvolvimento econômico.

A preocupação em legitimar os estudos da ciência e tecnologia no Brasil fez que desde cedo houvesse essa "neurose economicista e desenvolvimentista" na abordagem, tendo conseqüências profundas na amplitude dos estudos, reduzindo os limites temáticos; negligenciou-se, por exemplo, a construção social do conhecimento na periferia. Ora, se há diferenças substanciais entre a produção de conhecimento central e a periférica, investigar as diferenças cognitivas, as condições que imperam no conteúdo do conhecimento autóctone e ainda a recepção de conhecimento, de tecnologia e de formas de organização da pesquisa poderia apresentar elementos novos aos estudos sociais do conhecimento científico. Mas esses pontos de partida foram considerados de chegada e solapados da agenda sociológica da ciência periférica pelo afã da auto-justificação social; sinal implícito da baixa institucionalização da atividade científica na periferia22 22 Burgos (1999) argumenta a respeito da baixa institucionalização da ciência periférica com a hipótese da fragilidade das redes tecnocientíficas na periferia, que seriam pouco alargadas, envolvendo poucos atores. .

Além do lastro econômico-desenvolvimentista, a agenda periférica da sociologia da ciência está vinculada a uma concepção parcial e limitada da ciência e tecnologia, o que quer dizer, em última instância, que a condição periférica é confundida com a condição de subordinação, confusão implícita na caracterização da periferia como receptora passiva de conhecimento e tecnologia. Ou seja, acarreta o entendimento de que os conteúdos cognitivos originais perifericamente construídos são subordinados a paradigmas centrais, o que, supostamente, relega aos grupos de pesquisa aqui instalados o trabalho em ciência normal23 23 Mesmo se assim o fosse, trabalhar em ciência normal não exime a prática científica das controvérsias; objeto privilegiado da sociologia do conhecimento científico. Um caso paradigmático é o debate em torno da produção biotecnológica em que os resultados apresentados diferem fundamentalmente entre si, em que a possibilidade de consenso diminui e corriqueiramente interesses não científicos arbitram na solução do imbróglio. A esse respeito ver Silveira (2005). , segundo a definição de Kuhn (1995), localizando, portanto, a sociologia da ciência brasileira em uma área como os estudos históricos da ciência24 24 Mais uma influência mertoniana. Nesses estudos destacam-se o trabalho sobre a Escola de Minas de Ouro Preto de Carvalho (2002), o trabalho de Fernandes (1990) sobre a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e o já clássico estudo de Schwartzman (1979) sobre a comunidade científica brasileira. . O perigo de tal concepção é o essencialismo científico e o determinismo tecnológico.

"Porque há provavelmente pouco a conhecer e narrar em relação à história das idéias originais e próprias ou de impactos realmente significativos da ciência sobre a sociedade e economia, em contextos em que a atividade científica sempre teve uma importância e uma prioridade relativamente marginal; mas há certamente muito a contar e a entender a respeito dos esforços de estabelecer uma ciência 'normal', um sistema universitário moderno e uma capacidade de participar de maneira efetiva, ainda que não central, das fronteiras contemporâneas do conhecimento. É a história deste esforço, com seus sucessos e fracassos, que necessita ser contada e entendida" (SCHWARTZMAN, 1979, p. 8).

Na esteira do que afirma Schwartzman acima, uma parte da Sociologia brasileira não está convencida de que a diferenciação centro-periferia, tão utilizada em teses sobre o desenvolvimento, o Estado e a economia, possa ser utilizada também quando se tem como objeto o conhecimento e a tecnologia. Parte disso deve-se à constituição da disciplina, como afirmado, mas outra parte deve-se a pouca penetração que esses estudos tiveram na periferia: usou-se muito como referencial teórico e pouco como inspiração temática e metodológica.

Algumas iniciativas emergem, porém, tentando superar essa fase "desenvolvimentista" da sociologia da ciência periférica, atentando para fenômenos que surgem quando cruzamos a diferença centro-periferia com outras surgidas dos estudos sociais da ciência mais recentes, como laboratório-mundo. É o caso da investigação de Nunes (2001) sobre a pesquisa do cancro em Portugal, ao abordar a necessidade de uma nova contextualização da análise.

"Os etnógrafos de laboratório devem observar mais de perto o modo como variações locais entre laboratórios organizados segundo as prescrições dominantes da ciência ocidental são mediadas por diferenças nos meios sociais e culturais locais e nacionais em que os laboratórios situam-se, em função da posição destes no sistema mundial de ciência. Que diferenças existem entre o trabalho laboratorial na física, na biologia molecular, na imunologia ou na neurofisiologia num instituto de investigação na Califórnia, num laboratório universitário no Brasil ou numa unidade de pesquisa em Portugal? E como são elas expressas no, e pelo, trabalho laboratorial? [...] E, se for este o caso, como são elas transformadas em elementos relevantes na 'refiguração' do mundo que tem lugar no laboratório e nas atividades que permitem a este articular-se com as dinâmicas globais da investigação científica?" (NUNES, 2001, p. 37-38).

Essa nova contextualização difere fundamentalmente das propostas iniciais dos estudos sociais sobre a ciência periférica. Há, claramente, no trecho acima, uma tendência a concentrar-se no conteúdo do conhecimento e na especificidade topológica de sua produção, entendendo que a circulação do conhecimento central sofre das contingências periféricas ao circular ou que a produção periférica de conhecimento de algum modo sofre também das contingências que essa condição acarreta, inclusive para sua circulação. Essa tendência opõe-se, portanto, ao lastro historiográfico-econômico-desenvolvimentista dos estudos sociais da ciência na periferia, mas também se opõe aos desenvolvimentos da sociologia da ciência centrais. A estratégia pretendida é cruzar a condição periférica com os outros códigos que os estudos sociológicos da ciência centrais utilizaram para observar sua própria ciência, conhecimento e tecnologia, contextualizando-os. Busca, ademais, tratar a ciência em sua lógica própria, contextualizando essa lógica, superar a fase de constituição das instituições científicas e do sistema nacional de ciência e tecnologia e concentrar-se na maneira de produzir, legitimar e circular o conhecimento e a tecnologia nativos e, ainda, atentar para os conteúdos aqui emergentes. E emergem novos conhecimentos, surgem novas tecnologias e novas formas de organização da pesquisa, tudo isso vinculado às condições da ciência periférica. Nesse sentido, o fato de fazer-se "ciência normal" não impede a possibilidade de observar alguns fenômenos que não sejam "revolucionários": os estudos sociais da ciência e da tecnologia não pesquisam somente a quebra de paradigmas, o surgimento de idéias novas, como descrito acima.

As formas de contextualização são muitas, como mostradas, mas em um país periférico é de importância fundamental que se tenha como primeira diferenciação a forma centro-periferia. Essa estratégia metodológica sugere que se tenha como segunda forma de diferenciação todas aquelas listadas acima e outras que surgirem. Tudo isso coaduna-se com o modo como essa forma tem sido tratada recentemente por pesquisadores que se interessam pela dinâmica dos sistemas funcionais na periferia, como é o caso de Neves (idem). Segundo ele, que estudou o sistema do Direito, ainda que a sociedade mundial condicione o processo de realização do Estado Democrático de Direito em todo o globo, esse processo ainda convive com uma bifurcação primária centro-periferia, ou seja, essa diferenciação importa e traz "problemas diferentes para as respectivas organizações político-jurídicas" (idem, p. 226), estatalmente organizadas. Para os objetivos deste trabalho pode-se dizer político-científicas, sócio-cognitivas e ainda sócio-tecnológicas. Mas não se devem entender as posições centrais e periféricas estaticamente, ou seja, em um sentido fatalista, já que "os recentes desenvolvimentos da sociedade mundial apontam no sentido de uma mobilidade nas posições de centro e periferia, podendo-se observar também tendências a uma paradoxal periferização do centro" (idem, p. 227).

Nesse sentido, e ainda contra a tese da "maldição da ciência normal" na periferia, a ciência mundial é dinâmica e engendra processos dos mais variados, de acordo com a territorialidade, a localização e a contextualização de seus sistemas funcionais25 25 Isso não significa uma tese contra a globalização, pelo contrário, o que se quer dizer é que o condicionamento não se resume ao Estado Nacional, tendo os sistemas funcionais como a técnica, o transporte, a ciência e o Direito, por exemplo, uma auto-influência que se dá no âmbito mundial, já que eles encontram-se comunicativamente acoplados. Para o caso do sistema científico, sua estrutura globalizada apresenta-se desde muito, mas tem seu centro na revolução científica do século XVII e estava ligada principalmente ao desenvolvimento dos meios de comunicação, a expansão e criação de revistas científicas, viagens científicas e expansão dos sistemas universitários. Esse processo seguiu a dinâmica geral da sociedade que também se globalizava economicamente por meio da intensificação do mercado internacional, do Direito e da religião. . Esses processos só são captados em sua complexidade se complexar-se o entendimento de seus contextos, não só relacionando as condições periféricas às políticas científicas (cf. BAUM-GARTEN, 2003), à ideologia estatal (cf. MOREL, 1979b), às instituições científicas e aos grupos de pesquisa (cf. ZARUR, 199426 26 Este trabalho especificamente, ainda que seja modesto em sua abrangência (não incorpora o âmbito cognitivo da ciência), é um indicativo de como alguns elementos da cultura (no caso, o sistema de status particular, o patrimonialismo e a família reconstruída) operam na estruturação das organizações científicas – Zarur estudou grupos em geofísica aplicada e zoologia. É pedagógica sua afirmação de que "a nosso ver a questão (da formação dos grupos no Brasil) não parece ser apenas de 'incipiência' e 'deficiência do processo de institucionalização' da ciência, mas a própria cultura brasileira operando no contexto científico" (ZARUR, 1994, p. 63). Ou seja, ainda que institucionalizada nos moldes centrais, nossa condição periférica, com uma cultura distinta e peculiar, importará na construção da ciência. ), ou seja, privilegiando sua dimensão político-científica, mas também relacionando-as ao uso, à produção e ao conteúdo do conhecimento, à recepção das idéias centrais, à recepção de tecnologias centrais e à produção de tecnologias próprias27 27 Aqui parece evidente uma diferenciação na maneira de conceber esses estudos periféricos, possibilitando estudos sobre o conteúdo do conhecimento, já que, dada a mobilidade do centro e da periferia, conhecimentos novos têm surgido na periferia e estabilizando-se como paradigmáticos inclusive no centro; tecnologias têm emergido perifericamente e patentes têm sido asseguradas, ainda que a tendência a concentração continue, como argumenta Barros (2005). Exemplos dessa dinâmica não faltam ao Brasil, como é o caso das pesquisas do Instituto Oswaldo Cruz e da Embrapa, e de projetos como o Genoma Cana. . Isso, além do mais, é um procedimento metodológico de segurança contra o risco dos essencialismos cognitivo e tecnológico. Assim, de maneira esquemática, as formas de observação das três subdivisões da Sociologia descritas acima – a sociologia da ciência, a Sociologia do Conhecimento e a sociologia da tecnologia –, são precedidas por uma forma de observação mais basal da sociedade mundial, qual seja, a diferenciação centro- periferia.

IV. CONCLUSÕES

A radicalidade da tese construtivista exige radicalizar a observação, já que as possibilidades abertas pelas propostas acima recaem exatamente no caráter contextual do conhecimento, que no atual quadro da sociedade mundial é afetado por fatores ligados à diferenciação entre centro e periferia. Por exemplo, da diferenciação política na ciência segue o código prestígio-não prestígio como diferenciador de diversos processos científico, tais como sistema de status, reputação, circulação de conhecimento e autoridade (v. BOURDIEU, 1983), logo, esse código, articulado ao de centro-periferia, apresentaria a limitação da periferia em ter seu conhecimento aceito como legítimo, a dificuldade de sua circulação e, o que mais importa, a "realidade" contextualmente construída sofreria então de fatores extra-científicos: a "realidade" seria o resultado de um processo social de diferenciação. Assim, a mobilização dos atores na construção das redes para que o conhecimento e tecnologia pudessem circular ficaria limitada pela diferenciação centro-periferia.

A possibilidade de negligenciar essa diferenciação só seria aceita em situações ideais de fluxo comunicativo perfeito, sistema de status equânime e relações acadêmicas horizontalizadas, o que está longe de ser o caso, haja vista a própria tendência da sociologia da ciência em incorporar a teoria do conflito em suas abordagens a partir da década de 1970. Essa verticalização da prática científica, sua dinâmica produtora de hierarquias, é o que incide sobremaneira nas diferenças entre centro e periferia, ainda que essas diferenças também ocorram quando se trate exclusivamente de contextos centrais ou periféricos, como no caso das minorias. Como afirmam Cole e Cole (1973, p. 11) "a estratificação parece ser um daqueles raros princípios universais". Ela incide sobre todas as formas de contextualização.

As novas formas de observação, além de propiciar formas de contextualização mais complexas, apresentam dimensões do fenômeno antes não observadas. Como se tentou apresentar aqui, os sistemas que observam são condicionados pelo contexto e, nesse sentido, a sociologia da ciência, do conhecimento e da tecnologia teria muito a ganhar com a 'complexificação' de suas formas de observação. Ao mesmo tempo, os estudos desses objetos na periferia, utilizando a diferenciação centro-periferia como critério básico de observação, acessariam significados até então ocultos para uma perspectiva que tende a obliterar a hierarquia dos processos científicos no sistema-mundo, esquecendo que conhecimento e tecnologia interagem fortemente com elementos sociais contextualizados. A diferenciação centro-periferia, finalmente, contribui com uma abordagem anti-essencialista para os estudos sociais da ciência e tecnologia, já que o que o essencialismo concebe como separação ontológica entre tecnologia, conhecimento e significado – e desse modo sendo indiferente aos diversos significados que o artefato tecnológico e o conhecimento científico adquire nos mais diversos contextos –; essa forma de observar "concebe como um terreno de disputas entre distintos tipos de atores diferentemente engajados com tecnologia e significado" (FEENBERG, 1999, p. XIII).

É quanto à especificidade que pairam os problemas decorrentes do emprego de ciência e tecnologia fora de seus locais de produção, incluídos problemas ambientais, à saúde humana, dependência tecnológica, brain drain e culturais. Assim, como argumenta Hess (1997), a preocupação pública com ciência e tecnologia envolve mais que nunca um âmbito ético e, nesse sentido, as implicações dos novos conteúdos cognitivos da ciência ou das novas tecnologias têm aumentado a sensibilidade pública dos efeitos, já que eles incidem inclusive sobre regras morais28 28 As discussões recentes no Brasil sobre o uso de células-tronco ilustram como o conhecimento, a construção de redes, não passa incólume pela forma assumida pela sociedade, o que envolve os conteúdos culturais e morais territorialmente organizados. . A sociedade tem se colocado, cada país a sua maneira, contextualmente, as interrogações abaixo, e as respostas variam de acordo com cada local. "Como podem as sociedades alcançar uma relação ecológica mais sustentável? Como os princípios democráticos podem ser incorporados na política científica? Como a tecnologia e o espaço urbano podem ser reformados de uma maneira mais eqüitativa?" (idem, p. 149).

Ainda que não caiba à sociologia da ciência, do conhecimento e da tecnologia respondê-las, já que ali a discussão é sobremaneira ética, cabe ao menos subsidiá-las. E isso passa fundamentalmente pela forma como o conteúdo do conhecimento tem sido produzido e circulado por aqui. Respondê-las com base na forma manifesta da ciência na periferia é prestar contas, afinal, as demandas e os financiamentos são contextualizados e periféricos também.

Recebido em 15 de abril de 2008.

Aprovado em 23 de julho de 2008.

Fabrício Monteiro Neves (fabriciomneves@gmail.com) é Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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  • ZARUR, G. C. L. 1994. A arena científica Campinas-Brasília : Autores Associados-FLACSO.
  • 1
    Gostaria de agradecer os apontamentos críticos feitos por Tiago Ribeiro Duarte e aos comentários dos dois pareceristas da
    Revista de Sociologia e Política
  • 2
    No plano da evolução da sociedade, que corresponde ao modelo de Niklas Luhmann (LUHMANN & DE GIORGI, 1993), Neves (2006) enfatiza o caráter intermediário dessa forma de diferenciação, localizando-a entre uma forma segmentar de sociedade e outra estratificada, à primeira correspondendo estruturas mais simples caracterizadas pela indiferenciação, e à segunda correspondendo um tipo de desigualdade de nível entre "nobreza" e "povo". Ainda que Luhmann tenha abandonado essa forma de diferenciação para a sociedade moderna, ela ainda apresenta-se pertinente quando se leva em conta o caráter hierárquico da produção de paradigmas científicos e tecnológicos.
  • 3
    Esse processo corresponde àquilo que Luhmann chamou de 'autopoiéis', conceito originário da biologia cognitiva dos biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela (1997).
  • 4
    A explicação é o que se chama observação de primeira ordem, feita por um observador de primeira ordem; a observação da explicação é uma observação de segunda ordem (é disso que se trata nossa observação neste trabalho), feita por um observador de segunda ordem. Essa discussão teve lugar primeiramente na cibernética de Heinz von Foerster (sobre cibernética e observação de segunda ordem, v. Luhmann, 1996).
  • 5
    Faz-se aqui uma distinção entre áreas para evitar possíveis confusões utilizando do critério diferenciador de Hess (1997). O autor prefere usar as expressões "Sociologia Institucional da Ciência", para se referir aos estudos institucionais da ciência, ligados principalmente às normas e valores que orientam o sistema, e por outro lado usa a expressão "Sociologia do Conhecimento Científico" (SSK - Sociology of Science Knowledge) para se referir aquele conjunto de estudos que buscam relacionar a produção de conhecimento à matriz social da ciência. Ambos apresentam uma estratégia diferenciadora, mas enquanto a primeira vertente parte da diferenciação ciência-sociedade, a segunda investiga a diferença conhecimento científico-sociedade.
  • 6
    Para a diferenciação temporal, ver o estudo histórico da ciência feito por Price (1976).
  • 7
    Neste caso, destaca-se o trabalho de Jonathan Cole e Stephen Cole (1973) em que descreve, com a tese funcionalista da estratificação, a discriminação de mulheres na ciência americana.
  • 8
    Neste último caso, especificamente Hagstron (1965) desenvolve uma tese da comunidade científica combinando valores não tão comunitários como competição com reconhecimento para explicar a lógica institucional da ciência.
  • 9
    A maioria dos trabalhos nessa área tem claramente essa perspectiva, ou seja, utiliza a diferenciação local-universal para referir-se ao conhecimento, valorizando positivamente o primeiro lado, ressaltando principalmente a con-textualidade do laboratório (cf. KNORR-CETINA, 1982; LATOUR, 1999; KNORR-CETINA, 2005).
  • 10
    Deve-se ressaltar que essa problemática de "rompimento", ou seja, tal insistência em tratar "fenômenos cognitivos" apartados de "fatores sociais", estava ligada ainda a uma semântica explicativa tributária do dualismo cartesiano (SHAPIN, 1995). Nesse sentido, foi automático o exercício de assumir a sociedade como contaminante do conhecimento e considerar compromissado o conhecimento que evidencia as relações. Mais do que isso, considerando esse ponto de vista a investigação sobre a validade do conhecimento ficaria restrita aos filósofos, epistemólogos, lógicos e matemáticos. Além de criar um esquema de observação, o dualismo cartesiano produziu uma divisão do trabalho.
  • 11
    No entanto, "conhecimento" foi diferenciado da mera "crença": ao primeiro fenômeno corresponde aquilo endossado coletivamente, e ao segundo aquilo que é idiossincrático (cf. BLOOR, 1991).
  • 12
    Thomas Kuhn talvez tenha sido o mentor da virada construtivista na Sociologia do Conhecimento. Seu enfoque concentrava-se na cristalização de paradigmas e no envolvimento destes com compromissos de grupo (KUHN, 2006). Sua forma de observar a ciência manifesta-se em uma dualidade singular que substitui a dicotomia básica entre verdade-não-verdade por paradigma-não-paradigma. Nesse sentido, Kuhn vale-se de uma mudança semântica de conotações epistemológicas, mais apropriadas a uma nova compreensão do trabalho científico como cristalização de "exemplares" que a todo o momento emergem e são abandonados, apresentando a tese da incomensurabilidade do conhecimento: o conhecer não nos aproxima da realidade, recria-a (cf. BARNES, 1982).
  • 13
    Sobre a nova produção do conhecimento em fins do século passado, v. a obra de Gibbons
    et alii. (1994).
  • 14
    É paradigmático, nesse caso, o trabalho de Thomas Hughes. Ele apresenta a tecnologia como produção de um sistema fechado de muitos elementos, que pode envolver artefatos físicos (geradores, transformadores, linhas de transmissão etc.) e organizações (universidades e empresas), e que, pela interação entre esses componentes, suas características derivam do próprio sistema. Hugues (1997) baseia-se principalmente na teoria dos sistemas para sustentar que são os próprios sistemas que incorporam seus elementos e dão sentido para ele. A forma de observar vale-se, então, da dicotomia entre sistema e ambiente.
  • 15
    Aqui se destaca o trabalho de Michel Callon e o desenvolvimento da teoria do ator-rede, junto com Bruno Latour. Callon questiona basicamente a possibilidade de distinguir-se, no processo inovador, fases ou atividades técnicas ou científicas daquelas econômicas, assumindo uma perspectiva que abole a dicotomia clássica entre internalistas e externalistas nos estudos sociais da ciência e tecnologia (CALLON, 1997). Ao reconhecer uma heterogeneidade de elementos envolvidos na rede, Callon teve que buscar uma estratégia metodológica que reduzisse seu número valendo-se do conceito de simplificação. Esse conceito permite manusear compreensivamente a extrema complexidade dos elementos envolvidos, aumentada com a consideração de elementos "não-humanos". Mas, ainda assim, é necessário outro conceito, a saber, o de justaposição, ou seja, a limitação do contexto no qual os elementos simplificados estão justapostos: "as simplificações só são possíveis se os elementos estão justapostos em uma rede de relações, mas a justaposição dos elementos requer que eles estejam simplificados" (
    idem, p. 95).
  • 16
    "Tecnologias interagem profundamente com natureza e cultura, mas as interações envolvem influências mútuas, incertezas e ambigüidade histórica, produzindo resistência, acomodação, aceitação e, ainda, entusiasmo. Na tentativa de captar estas relações fluídas, nós adotamos a noção de co-construção." (MISA, 2003, p. 3).
  • 17
    Por exemplo, no trabalho de Giddens (1991), em que a ênfase nos sistemas peritos ganha proeminência em sua conceituação da modernidade: "sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas do ambiente material e social em que vivemos hoje" (GIDDENS, 1991). Porém, essa conceituação parece carregada de determinismo tecnológico, escurecendo as relações conflituosas entre os envolvidos na rede tecnológica, desde os técnicos até os usuários.
  • 18
    Essa diferenciação foi usada por Burgos (1999) para caracterizar a especificidade do caso brasileiro na ciência mundial.
  • 19
    Essas por terem como base uma análise de um único sistema econômico mundial bifurcado estruturalmente em centro-periferia, com cada lado da forma exercendo funções diferentes de acordo com suas condições estruturais (BUSTELO, 1998).
  • 20
    Ver, por exemplo, Slingh (1975) para o caso indiano, Arango (1975) para o caso colombiano e Herrera (1975) para o caso latino americano. Para uma perspectiva atual e comparativa, v. Barros (2005)
  • 21
    Destaca-se o estudo de Morel (1979a) sobre a política científica e tecnológica brasileira, em que se ressalta a forma que a ciência adquiriu ao institucionalizar-se a partir da década de 1950 no Brasil. A análise vincula-se principalmente a abordagens institucionais que relacionam configuração a interesses, principalmente econômicos e políticos. Ou seja, ainda que faça críticas à abordagem mertoniana, Morel aceita sua divisão entre âmbitos, invertendo somente as forças que motivam os atores, do desinteresse e comunismo ao interesse e competição.
  • 22
    Burgos (1999) argumenta a respeito da baixa institucionalização da ciência periférica com a hipótese da fragilidade das redes tecnocientíficas na periferia, que seriam pouco alargadas, envolvendo poucos atores.
  • 23
    Mesmo se assim o fosse, trabalhar em ciência normal não exime a prática científica das controvérsias; objeto privilegiado da sociologia do conhecimento científico. Um caso paradigmático é o debate em torno da produção biotecnológica em que os resultados apresentados diferem fundamentalmente entre si, em que a possibilidade de consenso diminui e corriqueiramente interesses não científicos arbitram na solução do imbróglio. A esse respeito ver Silveira (2005).
  • 24
    Mais uma influência mertoniana. Nesses estudos destacam-se o trabalho sobre a Escola de Minas de Ouro Preto de Carvalho (2002), o trabalho de Fernandes (1990) sobre a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e o já clássico estudo de Schwartzman (1979) sobre a comunidade científica brasileira.
  • 25
    Isso não significa uma tese contra a globalização, pelo contrário, o que se quer dizer é que o condicionamento não se resume ao Estado Nacional, tendo os sistemas funcionais como a técnica, o transporte, a ciência e o Direito, por exemplo, uma auto-influência que se dá no âmbito mundial, já que eles encontram-se comunicativamente acoplados. Para o caso do sistema científico, sua estrutura globalizada apresenta-se desde muito, mas tem seu centro na revolução científica do século XVII e estava ligada principalmente ao desenvolvimento dos meios de comunicação, a expansão e criação de revistas científicas, viagens científicas e expansão dos sistemas universitários. Esse processo seguiu a dinâmica geral da sociedade que também se globalizava economicamente por meio da intensificação do mercado internacional, do Direito e da religião.
  • 26
    Este trabalho especificamente, ainda que seja modesto em sua abrangência (não incorpora o âmbito cognitivo da ciência), é um indicativo de como alguns elementos da cultura (no caso, o sistema de
    status particular, o patrimonialismo e a família reconstruída) operam na estruturação das organizações científicas – Zarur estudou grupos em geofísica aplicada e zoologia. É pedagógica sua afirmação de que "a nosso ver a questão (da formação dos grupos no Brasil) não parece ser apenas de 'incipiência' e 'deficiência do processo de institucionalização' da ciência, mas a própria cultura brasileira operando no contexto científico" (ZARUR, 1994, p. 63). Ou seja, ainda que institucionalizada nos moldes centrais, nossa condição periférica, com uma cultura distinta e peculiar, importará na construção da ciência.
  • 27
    Aqui parece evidente uma diferenciação na maneira de conceber esses estudos periféricos, possibilitando estudos sobre o conteúdo do conhecimento, já que, dada a mobilidade do centro e da periferia, conhecimentos novos têm surgido na periferia e estabilizando-se como paradigmáticos inclusive no centro; tecnologias têm emergido perifericamente e patentes têm sido asseguradas, ainda que a tendência a concentração continue, como argumenta Barros (2005). Exemplos dessa dinâmica não faltam ao Brasil, como é o caso das pesquisas do Instituto Oswaldo Cruz e da Embrapa, e de projetos como o Genoma Cana.
  • 28
    As discussões recentes no Brasil sobre o uso de células-tronco ilustram como o conhecimento, a construção de redes, não passa incólume pela forma assumida pela sociedade, o que envolve os conteúdos culturais e morais territorialmente organizados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Out 2009

    Histórico

    • Aceito
      23 Jul 2008
    • Recebido
      15 Abr 2008
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