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Editorial

EDITORIAL

Neste número a Revista de Sociologia e Política apresenta um dossiê sobre Teoria Política feminista. Organizado por José Zswako (Universidade Estadual de Campinas) e Míriam Adelman (Universidade Federal do Paraná), o dossiê reúne sete artigos que não apenas atualizam as discussões internas ao feminismo como evidenciam o vigor das análises feministas ao tratarem de questões clássicas da Teoria Política.

Nos artigos variados, o presente número publica artigos sobre as relações que os conceitos de "lei", "justiça" e "Direito" apresentam na obra do historiador britânico E. P. Thompson (de Adriano Luiz Duarte); sobre as relações que se mantêm e que se podem manter entre o Estado e a sociedade civil no Brasil (de Cláudia Feres Faria); sobre a política ambiental brasileira, no que se refere aos parques nacionais (de Leonardo G. M. da Rocha, José Augusto Drummond e Roseli Senna Ganem). Além disso, artigos sobre as políticas econômicas dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula (de José Marcos Nayme Novelli); sobre frentes parlamentares, representação de interesses e alinhamentos políticos (de Odaci Luiz Coradini) e sobre a imagem que a grande imprensa mineira difunde da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (de Mário Fuks).

Na parte de "Textos fundamentais" publicamos um artigo, que, embora relativamente recente (de 1988), já se constitui como um verdadeiro clássico da área de Política Internacional: "Diplomacia e política doméstica: a lógica do jogo de dois níveis", de Robert Putnam.

Finalmente, na seção de ensaios bibliográficos, um artigo tratando comparativamente do uso das categorias "raça" e "cor" nos censos demográficos (de Jerônimo Oliveira Muniz).

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Qual a qualidade de um periódico científico de Ciências Humanas? Como medir essa qualidade? Essas perguntas, longe de serem retóricas, revestem-se da maior importância para a prática científica e, de maneira mais concreta, acadêmica; sem pretender esgotar a questão, podemos indicar pelo menos dois motivos para sua importância: 1) diálogo científico e 2) qualificação para financiamentos públicos.

As revistas científicas são o meio por excelência da atividade científica. Desde os primeiros periódicos iniciados em meados do século XVII (o francês Journal des Savants e o inglês Philosophical Transactions), a prática científica constituiu-se no diálogo contínuo entre pesquisadores diversos, que escrutinavam mutuamente as investigações em cada área. Sendo publicadas inicialmente por entidades científicas particulares, paulatinamente passaram a ser financiadas também - ou melhor: principalmente - por editoras comerciais e pelo Estado.

Entre o diálogo de pesquisadores e o financiamento, surge a questão da qualidade dos periódicos, ao mesmo tempo como produtos e produtores da qualidade dos artigos publicados neles. A lógica é simples e circular: um periódico é "bom" porque publica "bons" artigos; os "bons" artigos procuram os "bons" periódicos para serem publicados. Retornamos assim à questão inicial: como determinar a qualidade de um periódico?

Há critérios por assim dizer tanto "burocráticos" quanto "substantivos". Os aspectos burocráticos referem-se à seriedade na elaboração do periódico: assiduidade e pontualidade na publicação; identidade visual; presença de metadados (número, volume, cidade, época de publicação, resumos e palavras-chave); inclusão em bases de indexação etc. Esses critérios são mais ou menos formais, que exigem um trabalho constante e sério, mas que, uma vez instituídos, não apresentam grandes dificuldades para sua continuidade.

Já os aspectos substantivos referem-se à capacidade que os artigos publicados têm de efetivamente contribuírem para o diálogo científico - e isso já apresenta maiores dificuldades. É mais ou menos consensual que uma garantia dessa qualidade é selecionar os artigos que devem ser publicados por meio de pareceres duplos e cegos, emitidos por pares, no que em inglês chama-se originalmente de peer, double, blind-review.

Enquanto os dois conjuntos de procedimentos mais ou menos garantem a qualidade dos periódicos considerados isoladamente, há procedimentos que visam a determinar a qualidade dos periódicos uns em relação aos outros. Tais procedimentos, a partir de parâmetros bibliométricos, adotam índices variados que de modo geral relacionam as citações dos artigos de uma revista qualquer à quantidade de artigos publicados por essa revista em um determinado período; temos assim o "fator de impacto", o "fator H" e outros tantos índices. Quanto maior a quantidade de citações de um artigo, maiores os seus índices - e, daí, maior a "qualidade" de uma revista.

Um artigo bastante citado - supondo que as citações sejam feitas por motivos sérios - é considerado referência na área, por apresentar novas idéias, novos métodos, uma perspectiva diferenciada etc. Mas a questão que importa aqui é a seguinte: o periódico que o publicou adquire, por sua vez, prestígio - e a medida da "qualidade" de um periódico, no fim das contas, constitui-se na medida do prestígio desse periódico.

Não podemos menosprezar o prestígio: além do fato simples de que ele corresponde à satisfação de um impulso humano básico - a simples vaidade -, ele confere visibilidade aos artigos publicados. Maior visibilidade, embora não de maneira mecânica, implica maior influência em uma área de pesquisas. Não é difícil de perceber que se trata, além das discussões científicas "desapaixonadas', também uma questão de disputas no "campo científico" (Pierre Bourdieu) ou de constituição de paradigmas (Thomas Kuhn).

A despeito das sérias limitações que apresentam, as avaliações bibliométricas são importantes para a constituição de políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). Mais uma vez, a questão inicial: qual a importância de tais avaliações para as Ciências Humanas e, em particular, para as Ciências Sociais? De maneira mais específica, qual a sua importância para a Revista de Sociologia e Política?

Em termos de periódicos científicos de Ciências Sociais, o Brasil constitui-se de diversas revistas amplas e mais ou menos multidisciplinares, com algumas revistas mais específicas (em particular nas áreas de Relações Internacionais, de Estudos Feministas e, na falta de melhor expressão, de "Estudos Marxistas"). É claro que há periódicos com vocação maior para a Antropologia, para a Sociologia, para a Ciência Política, mas a porosidade entre essas fronteiras disciplinares é grande.

As "grandes" revistas nacionais são "grandes" porque, por um lado, integram grandes e importantes bases de dados e de indexação (nominalmente o Scielo); por outro lado, porque pesquisadores de renome publicam seus artigos nelas. A questão, assim, resume-se de fato ao grau de prestígio de cada periódico.

A busca de prestígio, claro está, é vazia em si mesma, o que aumenta no caso de uma atividade como a científica, em que o que importa são a troca de perspectivas e de resultados de pesquisas, além do escrutínio público e mútuo. Nesse quadro, qual o papel que a Revista de Sociologia e Política busca para si mesma? Em outras palavras: de que maneira a Revista de Sociologia e Política pretende contribuir para o desenvolvimento das Ciências Sociais brasileiras?

A resposta já foi dada em outros momentos: nosso objetivo é publicar artigos inéditos de pesquisas recém-concluídas, particularmente nas áreas de Ciência Política, Sociologia Política e aquelas afeitas aos fenômenos políticos. Na prática, isso significa que a Revista de Sociologia e Política, mantendo um alto nível editorial, é espaço para jovens pesquisadores - em sua grande maioria doutorandos ou recém-doutores - publicarem o resultado de suas investigações. Esse espaço é tão mais importante quanto outras publicações (de "prestígio") não raro estão fechadas para tais contribuições.

Ora, ser um espaço para jovens pesquisadores publicarem o resultado de suas pesquisas representa uma grande contribuição para as Ciências Sociais brasileiras, não apenas porque, como indicamos, revistas de maior prestígio freqüentemente apresentam óbices por vezes intransponíveis para tais autores, como porque são exatamente esses jovens autores que estão na "fronteira do conhecimento" e que realizam de maneira extremamente percuciente o diálogo científico. Todavia, isso apresenta o grande inconveniente bibliométrico de manter relativamente baixos os índices de citações da Revista de Sociologia e Política.

Podemos passar para o segundo motivo porque a "qualidade" dos periódicos é importante, especialmente para o Brasil: o seu financiamento. Como sugerimos anteriormente, as revistas científicas são financiadas por algum dos quatro mecanismos: 1) entidades privadas, 2) editoras comerciais, 3) recursos públicos ou 4) alguma combinação dos meios anteriores.

No mundo anglo-saxão as editoras comerciais dominam o cenário científico. Os leitores pagam - altos e crescentes valores - para terem acesso às publicações científicas, seja por meio de assinaturas anuais, seja por meio da aquisição de artigos específicos. No Brasil há poucas editoras comerciais aventurando-se no campo das revistas científicas e, mesmo assim, apenas com poucos periódicos: a maior parte, talvez a esmagadora maioria, das revistas (sobre)vive graças ao auxílio público. Sendo grande o universo de revistas e poucos os recursos, há que se fazer escolhas - e aí os índices bibliométricos são centrais.

Após os comentários anteriores, a questão que se apresenta é bastante simples e direta: a contribuição de uma revista de Ciências Sociais para o desenvolvimento científico no Brasil pode ser resumida por seus índices bibliométricos? No caso da Revista de Sociologia e Política, que adota critérios rigorosos de qualidade em termos burocráticos e substantivos, mas cujos índices bibliométricos são relativamente baixos, isso não é aceitável. Na verdade, essa observação refere-se não apenas à Revista de Sociologia e Política, mas ao conjunto de periódicos brasileiros de Ciências Sociais - quando menos porque as revistas de Ciências Sociais têm relativamente baixa capacidade de atraírem citações.

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A Revista de Sociologia e Política integra o Programa de Apoio a Periódicos da Universidade Federal do Paraná e conta com seu patrocínio, bem como do curso de Especialização em Sociologia Política do Departamento de Ciências Sociais da mesma instituição, além do apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), aos quais expressamos nossos sinceros agradecimentos.

Gustavo Biscaia de Lacerda

Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010
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