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Editorial

Editorial

Neste número a Revista de Sociologia e Política apresenta um dossiê sobre Relações Internacionais, organizado por Alexsandro Eugênio Pereira (Universidade Federal do Paraná (UFPR)), Danielly Silva Ramos Becard (Universidade de Brasília (UnB)) e Gustavo Biscaia de Lacerda (UFPR e Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)). Embora a área de Relações Internacionais cubra uma grande variedade de temas e abordagens, o simples fato de a Revista de Sociologia e Política publicar um terceiro dossiê no espaço de dez anos indica a vitalidade dos seus pesquisadores e da área.

Na seção de artigos variados, apresentamos inicialmente três artigos teóricos: Bruno Sciberras de Carvalho discute a teoria da escolha racional conforme elaborada pelo francês Raymond Boudon; Márcio de Oliveira apresenta uma revisão do conceito de "Estado" em Durkheim e Carlos Eduardo Sell examina o conceito que Max Weber tinha de "democracia". Em seguida, Fernando Baptista Leite mapeia o campo científico da Ciência Política brasileira, tomando como parâmetro a produção das principais revistas da área; na seqüência, Luis Felipe Miguel avalia o conceito de accountability nas discussões sobre listas abertas para eleições proporcionais; finalmente, Geralda Luiza de Miranda discute a dinâmica da delegação de responsabilidades aos líderes das bancadas partidárias no Congresso Nacional brasileiro.

Fechando o presente número, na seção de ensaios bibliográficos, Hugo Loss examina a literatura recente sobre um tema clássico da Sociologia Política brasileira, as associações de classe, em particular as paulistas.

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A busca da internacionalização das pesquisas científicas brasileiras têm um duplo aspecto: por um lado, deve-se procurar trazer pesquisadores estrangeiros para desenvolverem suas pesquisas aqui; por outro lado, e de maneira mais central, a produção nativa tem que ser lida e discutida lá fora: é por esses motivos que, a partir deste número, a Revista de Sociologia e Política assume o inglês como uma de suas línguas oficiais (as outras sendo o português e o espanhol).

Em outros editoriais já ressaltamos a importância dos periódicos científicos para a difusão do conhecimento e, de maneira mais central, para a própria prática científica. Sendo a ciência um diálogo contínuo e crítico entre pesquisadores, cujas perspectivas são constantemente postas à prova, é por meio dos periódicos que tal diálogo estabelece-se e ocorre. Assim, as revistas não são secundárias ou desimportantes, mas constituem por assim dizer a base material da prática científica. É bem verdade que no Brasil os livros ocupam (ainda) papel de grande destaque na produção científica, especialmente em termos de prestígio intelectual e em particular nas áreas que compõem as Ciências Humanas; todavia, o seu caráter estático tende a ser substituído pelo dinamismo próprio aos periódicos, que permitem por sua vez um fluxo permanente de idéias, dados e perspectivas.

Considerando essa importância, desejamos comentar duas questões: 1) a necessidade - e as conseqüências - da profissionalização da editoria das revistas científicas e 2) o caráter extremamente ambíguo das revistas face aos programas de pós-graduação.

Faz relativamente pouco tempo que, no Brasil, existem exigências concretas para a publicação de periódicos: a avaliação de todo programa de pós-graduação inclui o exame tanto da produção dos pesquisadores (docentes e discentes) e a revista científica vinculada aos programas (daí surgindo, como se sabe, a justificativa para o padrão Qualis). Exatamente porque essa exigência é recente é que não se difundiu a perspectiva de que o veículo do conhecimento e da prática científicos são os periódicos. Em conseqüência disso, o trabalho de editoração é francamente desvalorizado, percebido o mais das vezes como uma atividade acessória, a realizar-se nas horas vagas da atividade acadêmica regular.

Sabe-se que, regra geral, a pesquisa científica brasileira ocorre nas universidades públicas, por meio de professores: ora, tais professores são sobrecarregados com as atividades docentes e, desde os anos 1980, também com problemas burocráticos (que, aliás, não são de sua alçada). Consignando a editoração de revistas científicas na discutível categoria de "atividade de extensão", as administrações universitárias e os órgãos de fomento e de regulação demonstram incompreensão - quando não pura incoerência - das condições efetivas de produção do conhecimento científico.

Isso não é exagero: embora não se admita (publicamente, pelo menos), a "extensão universitária" o mais das vezes é uma categoria genérica e residual em que se incluem atividades variadas que não têm espaço nos nobres "ensino" e "pesquisa". Por outro lado, face à sobrecarga de trabalho nas universidades, a efetiva destinação das horas adequadas à editoração científica é, na melhor das hipóteses, um tabu e, na pior das hipóteses, um problema "inexistente".

É claro que se vinculam a tais dificuldades questões de ordem conceitual, disseminadas nas universidades públicas. Usamos há pouco a palavra "tabu": pois bem, uma pequena derivação do que comentamos acima é o tabu - resquício vivo da mentalidade própria ao bacharelismo - segundo o qual, nas universidades públicas, somente professores podem ser pesquisadores, sendo inaceitável para docentes e até mesmo servidores técnicos a mera possibilidade de haver puros pesquisadores nas instituições públicas de ensino. Além da inevitável sobrecarga de trabalho para todos, essa concepção tem o irracional resultado de que as próprias instituições voltadas para a formação de quadros científicos altamente qualificados exigem a sobrecarga dos docentes e rejeitam avançar o conhecimento com investigadores dedicados unicamente à pesquisa.

A outra questão que nos interessa é a relação entre os programas de pós-graduação e as suas revistas científicas, especialmente o sério descompasso dos critérios de avaliação de uns e outras. Pensamos em particular nisto: vige no Brasil uma regra não-escrita mas amplamente aceita segundo a qual todos os programas têm que ter uma revista científica; ao mesmo tempo, cada programa compõe-se de várias linhas de pesquisa. Cada linha de pesquisa desenvolve suas investigações de maneira autônoma e, ainda que existam pontos de aproximação entre cada uma delas, sabe-se que as linhas não são necessariamente convergentes: as revistas de tais programas, devendo veicular a produção científica desses mesmos programas, não terão qualquer orientação teórico-metodológica efetiva, mas serão apenas os órgãos oficiais das casas.

As revistas, por seu turno, são avaliadas não como apêndices dos programas, mas como instrumentos para reflexão de áreas temáticas específicas e, de fato, quanto mais especializadas forem as revistas, melhor serão avaliadas (no sistema Qualis). O resultado da avaliação apenas das revistas é utilizado como parâmetro para distribuição de recursos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), embora o próprio Qualis deva ser, pelo menos teoricamente, um instrumento de avaliação apenas dos programas de pós-graduação. O resultado é que simplesmente não se sabe para onde caminhar: ou as revistas são de áreas específicas e conduzem-se dessa forma mais ao menos à revelia dos programas de pós-graduação a que se vinculam, ou elas são meramente o veículo (mais ou menos incoerente do ponto de vista temático) dos programas. É inescapável: alguém sai perdendo (e muito).

Em outras palavras, embora nas últimas duas décadas o sistema de ensino e pesquisa brasileiro tenha sofrido grandes e importantes mudanças, várias delas para melhor, o fato é que ainda há um longo caminho para trilhar-se, no sentido de amadurecerem-se as conseqüências lógicas, políticas e institucionais do projeto de um sistema nacional de ciência moderno e à altura dos grandes centros internacionais.

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A Revista de Sociologia e Política integra o Programa de Apoio a Periódicos da Universidade Federal do Paraná e conta com seu patrocínio, bem como do curso de Especialização em Sociologia Política do Departamento de Ciências Sociais da mesma instituição, além do apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), aos quais expressamos nossos sinceros agradecimentos.

Gustavo Biscaia de Lacerda

Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Out 2010
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