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As reservas biológicas como mecanismo de controle estatal

Les reserves biologiques tant que mecanisme de controle d'etat

Nature reserves as a mechanism of state control

Resumos

Este artigo busca compreender alguns aspectos das disputas e conflitos que surgem a partir da instauração de uma Reserva Biológica (Unidade de Conservação mais restritiva quanto à presença humana) na praia do Aventureiro, na Ilha Grande, estado do Rio de Janeiro. A perspectiva da análise baseia-se na construção de um mundo simbólico a partir dos centros urbanos - metrópoles dos estados nacionais - e que perpassa todas as escalas do espaço "nacional", representado, sobretudo, pelo Direito e pela Lei. A questão da crença é trabalhada como um fundamento para a legitimação dessa nova ordem jurídica e das ações de determinados agentes no mundo social. Releva-se, assim, a influência de um estilo de vida específico, compartilhado por grupos urbanos, que tendem a classificar a "natureza" e as populações, consideradas como "tradicionais", como os "outros", "exóticos" ao "meio ambiente" urbano. Dessa forma, supõe-se queo Estado brasileiro, responsável pela tutela do meio ambiente, acabaria assumindo também o papel de tutor dessas populações que habitam as unidades de conservação, reservando-lhes um tipo diferente de cidadania, na qual uma série de direitos e restrições particulares criam uma configuração social característica. A partir desse caso, é possível observar disputas pela legitimação de territórios instituídos pelo Estado e de territórios configurados pelas ações coletivas locais.

conflito ambiental; tutela; Direito Ambiental


Cet article cherche à comprendre certains aspects des disputes et conflits qui surgissent à partir de l'instauration d'une Réserve Biologique (Unité de Conservation plus restrictive par rapport à la présence humaine), sur la plage du Aventureiro, à Ilha Grande, région de Rio de Janeiro. La perspective de l'analyse est basée sur la construction d'un monde symbolique à partir des centres urbains - métropoles des régions nationales - et qui passe au-delà de toutes les échelles de l'espace " national ", représenté, surtout, par le Droit et par la loi. La question de la croyance est travaillée comme un fondement pour la légitimation de ce nouvel ordre juridique et des actions de certains agents dans le monde social. Ainsi, devient importante l'influence d'un style de vie spécifique, partagé par des groupes urbains, qui ont tendance à classifier la "nature" et les populations, considérées comme "traditionnelles", comme "les autres", " exotiques" à "l'environnement" urbain. De cette façon, il est supposé que l'Etat brésilien, responsable par la protection de l'environnement, finirait par assumer aussi le rôle de tuteur de ces populations qui habitent dans les unités de conservation, en leur réservant un type différent de citoyenneté, où une série de droits et restrictions particulières créent une configuration sociale caractéristique. A partir de ce cas, il est possible d'observer des disputes pour la légitimation de territoires institués par l'Etat et de territoires configurés par les actions collectives locales.

conflit environnemental; tutelle; Droit Environnemental


This article seeks an understanding of several aspects of the disputes and conflicts that emerge around the implementation of a Nature Reserve or Reserva Biológica (a conservation unit that is characterized by its particular restrictions on human presence) at Aventureiro Beach, on Ilha Grande, an island in the state of Rio de Janeiro. Our analytical perspective is based on the notion of the construction of a symbolic world focused on urban centers - the metropoles of nation-states - which runs through the "national" space at all levels, represented,in particular, by Law and legislation. The question of belief is seen as a basis for the legitimation of this new juridical order and of the actions of specific agents in the social world. Thus, emphasis is given to the influence of a specific life style shared by urban groups that tend to classify both "nature" and populations they consider "traditional" as "others", "exotic" vis-à-vis their urban environment. This brings us to the assumption that the Brazilian State, responsible for environmental tutelage, plays a similar role with regard to the populations that live within these conservation units, reserving for them a different type of citizenship, one in which a series of particular rights and restrictions create a particular social configuration. Through this case, it becomes possible to observe disputes regarding the legitimation of territories instituted by the State and those that have been shaped by local collective action.

Environmental Conflict; Tutelage; Environmental Law


As reservas biológicas como mecanismo de controle estatal

Nature reserves as a mechanism of state control

Les reserves biologiques tant que mecanisme de controle d'etat

Gustavo Villela Lima da Costa

RESUMO

Este artigo busca compreender alguns aspectos das disputas e conflitos que surgem a partir da instauração de uma Reserva Biológica (Unidade de Conservação mais restritiva quanto à presença humana) na praia do Aventureiro, na Ilha Grande, estado do Rio de Janeiro. A perspectiva da análise baseia-se na construção de um mundo simbólico a partir dos centros urbanos - metrópoles dos estados nacionais - e que perpassa todas as escalas do espaço "nacional", representado, sobretudo, pelo Direito e pela Lei. A questão da crença é trabalhada como um fundamento para a legitimação dessa nova ordem jurídica e das ações de determinados agentes no mundo social. Releva-se, assim, a influência de um estilo de vida específico, compartilhado por grupos urbanos, que tendem a classificar a "natureza" e as populações, consideradas como "tradicionais", como os "outros", "exóticos" ao "meio ambiente" urbano. Dessa forma, supõe-se queo Estado brasileiro, responsável pela tutela do meio ambiente, acabaria assumindo também o papel de tutor dessas populações que habitam as unidades de conservação, reservando-lhes um tipo diferente de cidadania, na qual uma série de direitos e restrições particulares criam uma configuração social característica. A partir desse caso, é possível observar disputas pela legitimação de territórios instituídos pelo Estado e de territórios configurados pelas ações coletivas locais.

Palavras-chave:conflito ambiental; tutela; Direito Ambiental.

ABSTRACT

This article seeks an understanding of several aspects of the disputes and conflicts that emerge around the implementation of a Nature Reserve or Reserva Biológica (a conservation unit that is characterized by its particular restrictions on human presence) at Aventureiro Beach, on Ilha Grande, an island in the state of Rio de Janeiro. Our analytical perspective is based on the notion of the construction of a symbolic world focused on urban centers - the metropoles of nation-states - which runs through the "national" space at all levels, represented,in particular, by Law and legislation. The question of belief is seen as a basis for the legitimation of this new juridical order and of the actions of specific agents in the social world. Thus, emphasis is given to the influence of a specific life style shared by urban groups that tend to classify both "nature" and populations they consider "traditional" as "others", "exotic" vis-à-vis their urban environment. This brings us to the assumption that the Brazilian State, responsible for environmental tutelage, plays a similar role with regard to the populations that live within these conservation units, reserving for them a different type of citizenship, one in which a series of particular rights and restrictions create a particular social configuration. Through this case, it becomes possible to observe disputes regarding the legitimation of territories instituted by the State and those that have been shaped by local collective action.

Keywords: Environmental Conflict; Tutelage; Environmental Law.

RESUME

Cet article cherche à comprendre certains aspects des disputes et conflits qui surgissent à partir de l'instauration d'une Réserve Biologique (Unité de Conservation plus restrictive par rapport à la présence humaine), sur la plage du Aventureiro, à Ilha Grande, région de Rio de Janeiro. La perspective de l'analyse est basée sur la construction d'un monde symbolique à partir des centres urbains - métropoles des régions nationales - et qui passe au-delà de toutes les échelles de l'espace " national ", représenté, surtout, par le Droit et par la loi. La question de la croyance est travaillée comme un fondement pour la légitimation de ce nouvel ordre juridique et des actions de certains agents dans le monde social. Ainsi, devient importante l'influence d'un style de vie spécifique, partagé par des groupes urbains, qui ont tendance à classifier la "nature" et les populations, considérées comme "traditionnelles", comme "les autres", " exotiques" à "l'environnement" urbain. De cette façon, il est supposé que l'Etat brésilien, responsable par la protection de l'environnement, finirait par assumer aussi le rôle de tuteur de ces populations qui habitent dans les unités de conservation, en leur réservant un type différent de citoyenneté, où une série de droits et restrictions particulières créent une configuration sociale caractéristique. A partir de ce cas, il est possible d'observer des disputes pour la légitimation de territoires institués par l'Etat et de territoires configurés par les actions collectives locales.

Mots-cles: conflit environnemental; tutelle; Droit Environnemental.

I. INTRODUÇÃO

De acordo com Lefebvre, o Estado liga-se ao espaço, ao longo de sua gênese, por meio de uma relação complexa e interdependente, destacando os principais momentos de constituição dessa relação, que ocorrem: na produção de um espaço material (território nacional), composto pelas estradas, canais, circuitos bancários e comerciais, que acaba por produzir a cidade como um centro; na produção de um espaço social, por meio das instituições hierarquizadas (leis, convenções, valores), em que o Estado torna-se o local de circulação de "informações, mensagens, trocas espirituais, representações, ideologias e do saber ligado ao poder" (LEFEBVRE, 1978, p. 259). O Estado poderia ser compreendido como a comunidade política, nos termos de Weber, como aquela que se distingue das demais por possuir um território. Os estados, para Weber, são os únicos que podem conceder a legitimidade do uso da força física, além da utilização de um ordenamento jurídico (estatização das normas jurídicas) (WEBER, 2000). Dessa forma, ocorre a inclusão de populações e terras numa rede nacional de vigilância e controle, a partir de um centro único de poder.

No caso da praia do Aventureiro1 1 Esses dados são resultado de minhas pesquisas de Mestrado e Doutorado em Antropologia Social, pelo Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COSTA, 2004; 2008). , na Ilha Grande, podemos perceber esses dois momentos de produção do espaço pelo Estado, tanto material, principalmente a partir da construção da rodovia Rio-Santos, em meados dos anos 1970, inserindo uma região, considerada como isolada (onde já havia centenas de pequenas cidades e povoados entre as duas maiores metrópoles do país), no mercado turístico nacional e internacional e em mercados mais amplos; quanto do espaço social, ou simbólico, principalmente nas representações românticas desse território como um paraíso tropical, um lugar "selvagem", o que tornou possível a existência de categorias jurídicas como as de "populações tradicionais" e "reservas biológicas" e da configuração da Ilha Grande como paraíso turístico. Em ambos os casos, tanto o meio ambiente como as populações que ali vivem são produzidos e representados, nestes centros urbanos, de modo exótico, como os grandes "outros", como os opostos da metrópole e de suas autorepresentações. A partir dessa hipótese, sugere-se que, a partir de uma visão de mundo, específica de grupos sociais urbanos, é que se desenvolvem as noções da proteção e conservação da natureza, a partir dos próprios problemas surgidos no ambiente metropolitano. Como exemplo, podemos citar um depoimento de um funcionário da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), de Angra dos Reis, que afirmou que "se nada fosse feito, a praia do Aventureiro ficaria igual à praia de Ramos (no Rio de Janeiro)".

A idéia de um centro que detém a predominância da produção simbólica sobre as periferias nos estados nacionais e que, assim, acabam por reificar essas periferias como "outros", aos quais se deve enquadrar sob sua égide, está, desta forma, em concordância com o pensamento de Foucault de que o "outro" só existe em relação ao discurso hegemônico (FOUCAULT, 2000) ou, ainda, como sugere Bourdieu, que as diferentes classes e frações de classe estão envolvidas numa "luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme a seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais". As tomadas de posição ideológica dos dominantes, para este autor, são estratégias de reprodução que tendem a reforçar "dentro da classe e fora da classe" a crença na legitimidade da dominação da classe (BOURDIEU, 1989, p. 11).

Podemos retornar a Lefebvre quando esse autor discute a capacidade do ser humano e das sociedades humanas de "fetichizar" o território onde habitam (utilizando-se da idéia marxista análoga da "fetichização da mercadoria") e que, por sua vez, relaciona-se com outro conceito importante de Marx, que diferencia o "valor de uso" do "valor de troca". A produção do espaço social incorpora o trabalho humano e, assim, "valor de troca" sobre "valor de uso"; a partir dessa idéia, Lefebvre faz as seguintes perguntas: Quem produz? O quê? Como? Por quê? E para quem? A idéia do "valor de uso", que pode ser atribuída ao espaço, relaciona-se com o domínio da natureza, que para Lefebvre não produz nada e existe sem um porquê, já que a natureza seria a matéria-prima na qual será construído tanto o espaço material (cidades, rodovias, redes elétricas etc.), quanto um espaço ideal-moral (nações, espaços políticos).

Compreende-se, daí, a necessidade de entendimento das diferentes formas de atribuição de valor dada ao espaço pelos seres humanos, que pode ser conceituada como a "fetichização do espaço" e que, ao compreender que os fetiches criados estão sempre associados a um modo de vida específico, seria mais interessante trabalhar, não com a idéia de criação e demarcação de reservas ambientais a partir de um problema já dado (e "comprovado") - a destruição do meio ambiente -, mas a partir do fato de que a própria idéia do que seja "meio ambiente" e sua possível "destruição" são construções sociais de grupos específicos. Neste ponto, retornamos à idéia de que a questão do território, no âmbito dos estados nacionais, impõe-se a todos e engendra as redes sociais no espaço, e que o modo de vida urbano ocupa todas as escalas do espaço, como um centro dominante e local dos desejos e consumos. Nesse sentido, concluímos que os estados-nação são sempre colonizadores, tanto de seu próprio território (envolvido em seus mapas) e de sua população, como até de territórios alheios, e que os centros produtores de suas políticas públicas são as metrópoles, suas capitais. Said, por exemplo, utiliza o termo "imperialismo" para designar "a prática, a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um território distante" (SAID, 1999, p. 40) e cita Michael Doyle, que afirmara que "o império é uma relação, formal ou informal, em que um Estado controla a soberania política efetiva de outra sociedade política. Ele pode ser alcançado pela força, pela colaboração política, por dependência econômica, social ou cultural" (Doyle apud SAID, 1999, p. 40).

É importante ressaltar, porém, que não se deve pensar essa forma de imposição dominante como uma relação de mão única. Como demonstram autores como Weber (2000) e Elias (1970; 1994), o poder nunca pode ser encarado de modo substantivo, mas sempre como uma relação. O surgimento da Associação dos Moradores e Amigos do Aventureiro (AMAV) é um exemplo interessante desse fenômeno. Essa associação surgiu a partir da instauração de um inquérito civil público, no âmbito do Ministério Público, movido pela Associação Permanente de Defesa do Meio Ambiente (Apedema). Esse caso ilustra como as formas de imposição dominantes, que, por exemplo, obrigaram a população a se organizar em uma associação para defender seus direitos, são reapropriadas localmente. A associação de moradores não é uma forma "nativa" de sociabilidade e organização, mas mantém em sua estrutura elementos de formas de associação baseadas na solidariedade de vizinhos e de parentesco, que prevalecem na "comunidade" do Aventureiro. Assim, antigas reivindicações da população, como a instalação de luz elétrica, transporte de crianças para a escola em Provetá (praia vizinha ao Aventureiro, onde se localiza a escola de ensino médio), esgoto, telefone, adquirem um novo canal de negociação, a partir de uma nova associação política que se instaura "de fora" e que se fundamentou a partir de um processo ambiental. Além disso, deve-se ressaltar que o apoio dado a essas reivindicações, por parte da população, passa por relações de parentesco e amizade que antecedem essa configuração.

Dessa forma, podemos entender como surgem os contextos locais e as modificações históricas impulsionadas por meio de porções de poder presentes e distribuídas por todos os indivíduos e sociedades. Appadurai trata desses contextos locais, entendendo seu conceito de "localidade" de modo "antiestático" e com uma aplicabilidade "desterritorializada", em que os seres humanos constroem as "localidades" e são construídos pelas "localidades", em uma relação dialética. A localidade pode ser, dessa forma, compreendida como um sentimento de construir unidade, que advém do que os seres humanos fazem, ou fizeram, de um determinado lugar (APPADURAI, 1995). A partir desse novo contexto de instauração do inquérito civil público, uma nova "localidade" também se instaura, assim como novos sentimentos de unidade e coesão. Concordamos, dessa forma, com a análise de poder realizada por Norbert Elias, quando entende que todos possuem poder, mas que o que há é uma variação nos diferenciais de poder que, por sua vez, estão sempre presentes nas relações de interdependência dos indivíduos (ELIAS, 1970). Ou seja, a AMAV acaba afirmando a porção de poder dos moradores, que é mutante ao longo do tempo. Appadurai, ao relevar a condição dos indivíduos de produzirem "localidades" que são, em suas palavras, "relacionais e contextuais" (e de serem produzidas pelos contextos que produzem), opera nesse mesmo sentido de que todos possuem poder de criar sua própria "fetichização do território", não havendo um Leviatã que paira de modo monolítico e incondicional sob os seres humanos (seja um Estado, uma sociedade, um reino, um mercado etc.).

A forma como vêm sendo reapropriadas categorias como "populações tradicionais" ou "caiçaras"2 2 O termo "caiçara" tem origem no vocábulo tupi-guarani caá-içara, que era utilizado para denominar as estacas colocadas em torno das tabas ou aldeias e o curral feito de galhos de árvores fincados na água para cercar o peixe. Com o passar do tempo passou a ser o nome dado às palhoças construídas nas praias para abrigar as canoas e os apetrechos de pesca dos pescadores e, mais tarde, para identificar o morador de Cananéia (São Paulo). Posteriormente, passou a ser o nome dado a todos os indivíduos e comunidades no litoral dos estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro (ADAMS, 2000, p. 1). Esse termo consolidou-se após as pesquisas de cientistas sociais realizadas entre as décadas de 1940 e 1950, que passaram a utilizar amplamente essa tipologia, que consideramos aqui como uma "ficção científica", para utilizar as palavras de Leach (1995), ou "ficção ideológica", para utilizar um termo de Said (2007). , por parte das populações ao longo da costa entre Rio de Janeiro e Paranaguá (área do território nacional onde supostamente vivem os "caiçaras"), é um exemplo interessante desse tipo de dinâmica do poder, em que as "localidades" são sempre criadas. Em Trindade (praia vizinha no município de Paraty), por exemplo, existe a "casa de farinha", que é aberta à visitação, além do "rancho de pesca", onde os pescadores guardam as canoas, que possuem placas de identificação da prefeitura de Paraty, como monumentos turísticos da cultura caiçara. Podemos pensar como, muitas vezes, as categorias jurídicas são reapropriadas em estratégias políticas de sobrevivência por parte de populações, que acabam reificando-as, tendo sempre de enquadrar um modo de vida a partir de um fetiche construído socialmente. No caso da praia do Aventureiro, o termo "caiçara" não é propriamente uma categoria nativa, pois o que se ouve de modo mais recorrente são as categorias "filho do Aventureiro" ou "nascido e criado no Aventureiro". Localmente não há essa noção englobante de sua identidade com grupos mais afastados, embora o conhecimento de outras localidades do litoral seja considerável, em função de vários anos de atividade pesqueira que cobre uma região ampla, que vai do Espírito Santo até o Rio Grande do Sul.

No caso da praia do Aventureiro, essa categoria jurídica apresenta alguns problemas, como, por exemplo, o fato de que o turismo constitui-se como a principal atividade econômica da população, que poderia, assim, ser desqualificada de sua condição de "pescadores artesanais", como afirmou um funcionário da Feema de Angra dos Reis, dizendo que "eles não são mais tradicionais, porque não são mais pescadores". A utilização de lanchas e barcos a motor por parte de alguns moradores também pode ultrapassar o limite e especificação da embarcação "artesanal", nos termos da lei. Dessa forma, a população do Aventureiro tende a adquirir e produzir um discurso no qual suas características "artesanais" estejam em evidência, quando fazem questão de mostrar o tamanho das canoas e o diâmetro das malhas (redes de pesca). Barretto Filho apresenta dois elementos importantes, presentes nessas representações simbólicas dos centros de poder: uma, que é a expectativa de anestesia cultural desses grupos, e outra, que é a menção à pequena produção familiar como característica da economia desses grupos, voltada basicamente para a subsistência (BARRETTO FILHO, 2001). Tais critérios acabariam por neutralizar a dinâmica dessas populações, além de implicar uma concepção estática da cultura, o que acaba por idealizá-la também. Se, em determinado momento, a imagem do "caiçara", ou do "tradicional", esteve associada negativamente ao atraso, passa a ser reapropriada por essas populações em um contexto diferente (sobretudo com a nova legislação que lhe atribui direitos), quando é colocada de maneira positiva, em que se valoriza o fato de ser "tradicional" e "caiçara".

Sendo assim, essa incorporação de porções de população que estão inseridas em um "território nacional" realiza-se por meio de políticas de Estado que, por sua vez, estão baseadas em estratégias de colonização do espaço, assim como das populações que nele vivem. Assim é que essas gestões estatais acabam por criar mitos como o das populações "tradicionais", como ocorre no caso estudado. De acordo com Oliveira Filho, "se muitos fatores (internos ou externos) podem ser indicados para explicar a passagem de uma sociedade segmentar à condição de sociedade centralizada, o elemento mais repetitivo e constante responsável por tal transformação é a sua incorporação dentro de uma situação colonial, sujeita, portanto, a um aparato político-administrativo que integra e representa um Estado" (OLIVEIRA FI-LHO, 1999, p. 19-20).

Para este autor, a dimensão territorial é estratégica para se pensar a incorporação de populações diferenciadas dentro de um Estado-nação, no processo de gestão do território3 3 Entende-se aqui o território numa perspectiva integradora e que, de acordo com Haesbaert, supõe uma "leitura do território como espaço que não pode ser considerado nem estritamente natural, nem unicamente político, econômico ou cultural. Território só poderia ser concebido através de uma perspectiva integradora entre as diferentes dimensões sociais (e da sociedade com a própria natureza). O processo de desterritorialização é, portanto, dialético e pressupõe uma nova territorialização que pode ser 'in situ' ou em outro espaço" (HAESBAERT, 2004, p. 74). , onde atos políticos constituem objetos étnicos por meio de mecanismos arbitrários e exteriores à população considerada e resultantes das relações de força entre os diferentes grupos que integram o Estado. Esse processo de "territorialização" é o movimento pelo qual um objeto político administrativo - no caso da Ilha Grande, as "comunidades tradicionais" ou "pescadores artesanais"- "vem a se transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e reestruturando as suas formas culturais" (idem, p. 21-22).

A partir dessa abordagem teórica, é possível pensar a idéia de áreas de preservação ambiental como fronteiras, espaços liminares, cujos limites são a todo o momento reapropriados, reinterpretados e negociados, entendendo, assim, que existem várias escalas de fronteiras, não somente as nacionais, mas também as de criações estatais, de propriedade privada e assim por diante. A partir da pesquisa empírica realizada na região ao longo da rodovia Rio-Santos, essa idéia de expansão do espaço social urbano para as áreas "isoladas" sugere dois tipos de presença "urbana" que serão exemplificadas a partir de duas localidades do Sul do estado do Rio de Janeiro. Em Trindade, na divisa com São Paulo, percebe-se a ocupação de terras por pessoas "de fora", oriundas em quase sua totalidade do meio urbano, que ali se estabeleceram para viver do turismo direta ou indiretamente. Neste caso, percebe-se uma maior alteração do espaço material (estradas pavimentadas, luz elétrica, telefone, posto policial, entre outros), além da mudança no padrão arquitetônico e, principalmente, a mudança de propriedade da terra, que, ao adquirir um valor (valorização da paisagem), é adquirida junto aos antigos moradores por esses grupos oriundos das cidades.

Já no Aventureiro, ao se criar a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul e um Parque Estadual Marinho, tornou-se necessário, com base na legislação ambiental brasileira, "enquadrar" as populações que ali viviam em um novo ordenamento jurídico, que, por sua vez, não permite a inclusão de novos atores, já que a propriedade da terra é do Estado, enquanto reserva ambiental. Cria-se, assim, uma normatização do território e dos modos de gestão do mesmo por meio de um mecanismo político de dominação que é a "tutela" - já que essa população passa, com a vigência da Lei que instaura a Reserva Biológica4 4 Nos termos da Lei n. 9 985, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), aprovada pela Câmara dos Deputados, em 10 de junho de 1999, e pelo Senado, em 21 de julho de 2000. Uma Reserva Biológica, na qual está inserido o povoado do Aventureiro, é definida pela Lei como uma "unidade de proteção integral" que não permite a ocupação humana (nem mesmo para atividades de visitação turística), a não ser de pesquisadores e cientistas, e é assim definida no Artigo 10: "a Reserva Biológica tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais" (BRASIL, 2000). De acordo com o SNUC, as unidades de proteção integral (entendendo-se "proteção integral" como a manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitindo apenas o uso indireto dos seus atributos naturais) têm como objetivo básico preservar a natureza. , para uma situação de ilegalidade e de condutas "anti-sociais", sobretudo no que se refere ao meio ambiente - sob o controle de um funcionário do órgão ambiental que passou a morar no posto do órgãona praia do Aventureiro. É importante destacar que, embora estivesse previsto o remanejamento da população em 1981, a criação da Reserva Biológica acabou mantendo a situação fundiária do Aventureiro quase inalterada, já que poucas pessoas "de fora" adquiriram casas no local, em função da legislação proibitiva, e poucas famílias "nascidas no Aventureiro" venderam ou abandonaram suas propriedades, já que a posse não está regularizada. Barretto Filho percebe essa relação de semelhança entre as Unidades de Conservação e as Terras Indígenas como categorias jurídicas e de ordenamento territorial estatais.

Neste ponto, podemos estabelecer um diálogo com Oliveira Filho, quando afirma que, para que exista uma fronteira articulada com um sistema capitalista, é necessário que se estabeleçam mecanismos de controle sobre a mão-de-obra que impeçam que o trabalhador torne-se um produtor independente (OLIVEIRA FILHO, 1979, p. 112). Essa idéia é muito interessante para se pensar a existência de uma visão de divisão de classes, presente em políticas de Estado e atualizadas por funcionários da Feema e pelo próprio senso comum no Brasil. Uma funcionária da Feema, por exemplo, classificou alguns moradores do Aventureiro como "milionários", comparando suas propriedades com sua própria casa: "as propriedades são bem grandes, fulano tem 675 metros quadrados, sicrano 1 246 metros quadrados, a minha casa tem 64". Em outro momento afirma que "na verdade o coitadinho é coitadinho até certo ponto... se você for analisar uma vida da minha empregada doméstica, ela é muito mais coitadinha do que qualquer um deles e ela não tem nem condições, dentro da estrutura que ela vive, de ter os ganhos que eles tem". Percebe-se que o padrão de comparação para a situação dos moradores da praia do Aventureiro é novamente baseado em parâmetros urbanos: a empregada doméstica, que faria parte de uma mesma classe social que os moradores do Aventureiro.

Neste ponto, pode-se retomar a idéia de que a partir dessas representações simbólicas há a expectativa de que esses grupos possuam e devam permanecer com uma economia de subsistência. Essa comparação já parte de um pressuposto de que os moradores do Aventureiro pertencem a uma classe mais baixa do que a da funcionária da Feema e há um tom de condenação da melhoria de vida, como fica claro em outra parte de sua entrevista, quando afirma que "todos eles tem uma situação de vida que hoje eu não tenho. Eles não pagam IPTU, não pagam imposto de renda, não pagam luz, não pagam água. O modus vivendi deles melhorou muito com o turismo". A própria população de outras praias da Ilha Grande, e até de Angra dos Reis, reifica esses valores, como afirmouum morador do Aventureiro: "Às vezes o bom-dia do pessoal do Provetá, no verão, é: tá cheio lá no Aventureiro?"; e, para este mesmo morador, existe uma visão "lá fora de que o pessoal do Aventureiro tá ganhando dinheiro fácil, que tá bom lá noAventureiro. É muito olho grande". Desta forma, estabelece-se não só uma visão de engessamento cultural para certos grupos sociais no Brasil, mas também o discurso de engessamento de classe, de que o que se entende por "melhoria de vida", associada, em geral, a um salário maior, seja condenável e até impedida para esses grupos. A análise de fronteira realizada por Oliveira pode contribuir para esse debate quando afirma que as características da fronteira não são um "fato natural, mas sim uma criação da instância política, podendo tanto transformar um território ocupado em terras livres e passíveis de apropriação mediante certas condições (o caso de grupos tribais, por exemplo), quanto instaurar tipos diferentes de cidadania correspondendo a diferentes elencos de direitos e obrigações" (OLIVEIRA FILHO, 1979, p. 112-113).

Essa idéia de "tipos diferentes de cidadania" passa pela noção de engessamento de classe social, em que a alguns grupos é permitido melhorar de vida, enquanto para outros uma melhoria ou mudança é condenada, em geral, por classes mais altas. Levando mais adiante essa questão, concordamos com Bourdieu, que afirmou que a "realidade" é sempre social e as classificações mais "naturais" sustentam-se em características que nada têm de natural e que são, em grande parte, "produto de uma imposição arbitrária, quer dizer, de um estado anterior da relação de forças no campo das lutas pela delimitação legítima" (BOURDIEU, 1989, p. 115). Essa idéia de incômodo que a independência de certos grupos pode adquirir, junto a outros grupos que detém mais poder, no sentido de tomadas de decisão quanto ao seu próprio futuro ou modernidade, também insere-se na análise dos grupos que detém o controle das decisões nos estados-nação, como afirma Lefebvre, ao dizer que o espaço dominante, por exemplo, possuiria dois aspectos fundamentais: impor-se aos que se pulverizam no meio da vida social e interditar as transgressões no sentido de produção de outro espaço (seja ele qual for) (LEFEBVRE, 1978, p. 296) e também de acordo com Mauss, que, por sua vez, afirma que não pode haver uma nação sem que exista uma certa integração da sociedade - essa nação deverá ter abolido toda segmentação: clãs, cidades, tribos, reinos e domínios feudais (MAUSS, 1972).

II. A RESERVA BIOLÓGICA COMO MECANISMO DE DOMINAÇÃO TUTELAR

De acordo com essa idéia de que os estadosnação devem abolir toda a segmentação e de que os espaços dominantes (centros urbanos dos estados-nação) tendem a impedir a produção de outros espaços em seus domínios territoriais, serão discutidos mecanismos estatais de ordenação do território e de maneiras de exercício de poder do Estado a partir de um caso concreto. A Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul foi criada em 1981 e, à época, previa-se a remoção da população para Angra dos Reis. Como essa remoção não aconteceu, essa população permaneceu na praia do Aventureiro, que está situada dentro dos limites da Reserva. Como a Reserva Biológica é uma unidade de preservação integral, que, portanto, não admite a presença humana, foi criada uma situação de ocupação de terra contraditória em relação à lei. Desse modo, o aparato estatal, como administrador e gestor da Reserva, tornou-se o ordenador legítimo daquele território, sobrepondo-se à população nativa e impondo ainda a figura do funcionário-residente, que passou a viver no povoado do Aventureiro em uma casa construída pela Feema. Entre os muitos efeitos sociais da presença desse funcionário, podemos destacar o fato de que, além de zelar pela proteção ambiental da Reserva Biológica, esse funcionário passou a representar o Estado no Aventureiro. Por mais de treze anos, ele era o responsável pelo que podia ou não podia ser feito no Aventureiro, desde a construção de casas para os moradores que se casavam, até a permissão para o funcionamento de campings ou de bares. Além disso, todas as reivindicações dos moradores com relação a inúmeros problemas (transporte, saúde, policiamento etc.) eram encaminhadas junto ao poder público por meio desse funcionário. Sendo assim, suas atitudes eram vistas pelos moradores como "dons" que os colocavam em posição de dívida junto ao funcionário, que assim legitimava localmente sua autoridade. Essa configuração social em que há, de um lado, a proteção e permissão e, de outro, a proibição total, aliada a uma dimensão pedagógica do poder (que trata os moradores como incapazes de cuidar daquele território) é uma característica da dinâmica tutelar de poder. Ainda mais porque, ao permanecer na Reserva Biológica, a população passou, com a vigência da lei, para uma situação de ilegalidade, para um "universo de condutas potencialmente anti-sociais", ou seja, de possíveis destruidores do meio ambiente intocável da Reserva Biológica.

A partir desse quadro, entende-se que, para melhor compreender as relações que se estabeleceram na praia do Aventureiro a partir de 1981, algumas considerações teóricas sobre a tutela, como uma forma de exercício dos poderes de estados nacionais, devem ser colocadas na discussão. De acordo com Souza Lima, o poder tutelar é uma forma reelaborada de uma guerra, entendendo, nos termos de Foucault, que o poder é essencialmente repressivo e que a idéia de "conquista" supõe "uma certa disposição de linhas de força entre um eu/nós e um outro radicalmente distinto", na qual a "conquista" pressupõe, ainda, o controle dos recursos (primordialmente, a terra) nos territórios conquistados (SOUZA LIMA, 1995, p. 43-48). Paine, por sua vez, fala de um welfare colonialism, que prevalece no mundo contemporâneo (PAINE, 1977). Esse tipo de colonialismo, para o autor, baseia-se em duas posições de ilegitimidade: os colonizadores são ilegitimamente privilegiados, ao mesmo tempo em que os colonizados são ilegitimamente "desvalorizados" (devalued). A crítica de Paine, no que se refere às políticas do governo canadense de tutela dos povos inuit, cabe no exemplo da praia do Aventureiro, no sentido de que o governo (tanto lá como aqui) alija a comunidade local e seu povo nativo "dos processos dirigidos no sentido de sua própria modernidade". Como a violência física por parte do Estado - no caso em questão da praia do Aventureiro - está afastada, os processos em jogo na guerra podem, nos termos de Souza Lima, "se transformar, para permanecer, compondo diferentes aspectos de um poder que envolve sempre os termos presentes na conquista: um outro humano que é desconhecido em maior ou menor grau, associado a um espaço geográfico intocado peloconquistador" (SOUZA LIMA, 1995, p. 61). É importante destacar que, para este autor, os desdobramentos da "guerra de conquista" estão inseridos em um dos principais processos de longo prazo de "integração social para a sociogênese da forma política imaginada do Estado Nacional brasileiro", que envolvem as diferentes formas de relacionamento entre "populações indígenas e aparelhos de poder oriundos da invasão européia no continente" (ibidem), em que ainda "o exercício do poder tutelar implica em obter o monopólio dos atos de definir e controlar o que seja a população sobre a qual incidirá" (idem, p. 74).

Para Oliveira Filho, por sua vez, a tutela pode ser considerada como um "fator de controle do grupo social sobre um conjunto de indivíduos potencialmente perigosos para a ordem estabelecida, uma vez que partilham, junto com os infratores, de condutas vistas como anti-sociais" (OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 155). Essa visão de que a população da praia do Aventureiro possui condutas anti-sociais é construída discursivamente, tanto no discurso de ambientalistas como no dos gestores da Reserva Biológica - os funcionários da Feema. De acordo com a Diretora da Divisão de Estudos Ambientais (Divea), responsável pela conservação da Reserva Biológica, "eles começaram a avançar e agora, dentro da cabeça deles, eles não conseguem recuar. Se nós deixarmos por conta deles, em dez anos, você não consegue mais se agüentar no Aventureiro". De acordo com o ambientalista que instaurou um inquérito civil público, este buscava o "remanejamento da comunidade em virtude da descaracterização da cultura das comunidades tradicionais no Aventureiro [...] foi pedido isto por quê? Porque hoje, esta comunidade do Aventureiro, infelizmente, se tornou um fator gerador de destruição, de turismo predatório do ambiente natural".

Retornando a Oliveira, coloca-se nesta discussão que a tutela diferenciar-se-ia de outras formas de dominação, pois esta se fundaria no reconhecimento de uma superioridade inquestionável dos "tutores" e na obrigação que esse contrai (para com o tutelado e com a própria sociedade envolvente) de assistir a conduta do tutelado de modo que o comportamento deste seja julgado adequado5 5 A partir dessa crença na superioridade de um modo de vida sobre outro, há, para Oliveira, duas suposições básicas sobre as quais se assenta a necessidade desse mandato e que serão transcritas aqui, para que se reforce o argumento das práticas tutelares na praia do Aventureiro: "1) o tutelado não é plenamente capaz de defender, expressar ou mesmo conhecer seus reais interesses, havendo necessidade de alguém que atue ou decida em seu lugar para evitar que ele sofra ou seja lesado em conseqüência de atos que outros com ele concluíram; 2) o tutelado não domina plenamente os códigos da sociedade nacional, necessitando de alguém que o oriente, mostrando os modos corretos de proceder em cada situação, disciplinando os seus modos de manifestação e evitando que ele transgrida as normas e entre em choque com direitos valores ou interesses alheios" (OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 336). .

A idéia de um entreposto ou de uma unidade do Estado nas terras de grupos sociais a serem tutelados também é importante para garantir sua eficácia e reforçar a crença em sua legitimidade e poder de atuação. Um bom exemplo dessa prática é a presença de uma unidade da Feema na própria praia do Aventureiro. Essa casa da Feema e seu corpo de funcionários representam a presença física do Estado, exercendo a "dupla função simbólica e prática", nos termos da dominação legal, proposta por Weber, contribuindo para legitimar a crença em sua eficácia. O poder "mágico" das nomeações e do ordenamento jurídico é reforçado pela presença física de um prédio do Estado ao lado das casas dos moradores. Para Revel (1989), essa "preocupação nova de uma política do espaço", que possui as cidades como centro, impõe que se conheça melhor o território a ser gerido, daí a importância das viagens políticas e de sua eficácia simbólica, onde a presença do soberano, em um "espetáculo físico de sua soberania" implica "fazer um reconhecimento e fazer-se reconhecer". A partir daí, Revel traça uma história do aperfeiçoamento das técnicas e procedimentos oficiais de medição e controle como inventários, estatísticas e, sobretudo, o mapa, que com sua "dupla função simbólica e prática, tornou-se uma das imagens do poder", abarcando dentro de seus limites a soberania do território da cultura, atuando como um fetiche de materialização do Estado (idem).

Nos desdobramentos da conquista, Souza Lima chama a atenção para o papel decisivo que têm os entrepostos, feitorias ou postos indígenas, de onde a malha administrativa pode reordenar as unidades sociais conquistadas, ou aliadas em termos "geográficos e político-culturais" (SOUZA LIMA, 1995, p. 54). Os próprios moradores locais, entretanto, negociam diariamente com as normas e criam seus próprios "fetiches" em torno do local onde vivem e com relação à "casa da Feema" e seu corpo de funcionários, que, em sua interação cotidiana, operam sob a lógica do dom, em uma malha cotidiana na qual se tecem as negociações pessoais e a política na praia do Aventureiro. Se o Estado vigilante está presente na praia, os moradores criam diversas formas de atuação, ora para escapar à vigilância, sobretudo na baixa temporada turística, quando não há funcionários nem fiscalização, ora para, sobretudo em seus discursos, vitimarem-se diante dessa forma de dominação ou valorizarem o turismo como uma atividade condizente com as aspirações conservacionistas da Feema.

Esse tipo de discurso aparece quando diversos moradores afirmaram que recorreriam à enxada e abririam as roças antigas no morro, caso o Estado os proibisse de trabalhar com turismo e, aí sim, a natureza sofreria, pois o "morro ia ficar todo pelado", tal como era no passado, em que as famílias viviam da lavoura. Essa presença física do Estado, que reforça a dominação simbólica no local, por sua vez, volta-se a insistir, não é de mãoúnica, como demonstra Bourdieu, quando afirma que a "revolução simbólica" contra a dominação simbólica e os efeitos de intimidação que ela exerce têm em jogo: "não, como se diz, a conquista ou reconquista de uma identidade, mas a reapropriação coletiva deste poder sobre os princípios de construção e avaliação da sua própria identidade de que o dominado abdica em proveito do dominante enquanto aceita ser negado ou negar-se (e negar os que, entre os seus, não querem ou não podem negar-se) para se fazer reconhecer" (BOURDIEU, 1989, p. 125).

A partir dessa noção de Bourdieu, compreende-se melhor as estratégias discursivas dos moradores que, junto às autoridades, negociam suas identidades, não em seus próprios termos, que seriam os de "filhos do Aventureiro", mas nos termos do dominante e, por conseguinte, da lei, que prevê direitos aos "pescadores artesanais" e "comunidades tradicionais" e que, de acordo com alguns estudos sociais realizados no local (VILAÇA & MAIA, 1988), associam a paisagem e a preservação ambiental à presença de moradores. Outro discurso recorrente da população indica essa estratégia de negociação e construção de identidades, no qual um morador indaga: "Por que vêm nos incomodar aqui? Falam que a gente destrói o meio ambiente, mas e Angra? Por que não cuidam de lá? E no Abraão? Hoje quem preserva isso aqui são os moradores e os turistas". Os cientistas e intelectuais, nesse sentido, são atores importantes nesse campo de disputas de definição do mundo social, seja por meio da necessidade legal de se realizarem estudos de impacto ambiental para empreendimentos ou de laudos antropológicos para demarcação de terras, seja por meio de estudos científicos, quando suas palavras podem ser utilizadas como instrumentos na disputa política.

No caso do Aventureiro, parte da população tem acesso a um estudo realizado pela Feema, em 1988, que é apropriado por esses moradores de modo a legitimar seus interesses. O estudo antropológico realizado por Aparecida Vilaça e Angela de Azevedo Maia, para a Divisão de Dinâmica de Ecossistemas, afirma que "o povo do Aventureiro depende de seus valores de grupo para viver e se reproduzir, valores esses estreitamente relacionados ao próprio local, suas festas, atividades econômicas e laços afetivos. O Povo do Aventureiro permanece e tem profunda consciência de sua identidade e importância como grupo único e, portanto, diferente" (VILAÇA & MAIA, 1988, p. 16). Nesse documento, sugere-se ainda que se modifiquem os limites iniciais da Reserva Biológica, a fim de retirar a praia do Aventureiro da Reserva, onde "qualquer outra solução é inviável", pois a "retirada da comunidade da área seria nada menos do que um genocídio, pois implicaria a extinção desse povo de costumes e valores tão especiais e tão ricos" (ibidem). Percebe-se, portanto, a grande complexidade do mundo social, que opera sob intensa dinâmica de atribuições na disputa por legitimidades, na disputa de grupos diferentes de especialistas e na crença na legitimidade das palavras e dos grupos que as produzem. Nesse ponto, conclui-se que não pode haver uma legitimidade, a priori, nem da Ciência nem do Direito, ambos construções sociais.

Outro exemplo interessante nesse sentido é dado por Krupnik, quando debate as questões ambientais envolvidas com as populações esquimó do norte da Rússia. O autor discute as representações feitas no debate político de inserção das comunidades esquimó na sociedade mais ampla (industrial-urbana), em que surgiram, basicamente, três argumentos: o de que se deve preservar a cultura local, revitalizando as tradições; o de que a entrada no "mundo mais amplo" é inevitável e, portanto, dever-se-ia urbanizar os esquimós; e o de que se deveria mecanizar e melhorar a tecnologia dos meios tradicionais de produção(KRUPNIK, 1992). É interessante perceber como a questão ecológica une-se à questão cultural-social e funda-se uma Associação dos Povos do Norte, que representaria as culturas indígenas locais e que essas formas de organização, em associações, não eram formas "nativas" e, portanto ocorrem nos termos do "colonizador". A própria AMAV, criada em 1999, em função do inquérito civil público, segue na mesma dinâmica da imposição de modos de organização de grupos sociais nos termos do Estado nacional. Os exemplos de Krupnik e Paine também ilustram o caráter transnacional das políticas de desenvolvimento associadas com a preservação ambiental e de um paradigma científico que legitimaria as ações estatais ao redor do mundo.

A partir do surgimento das preocupações ambientais nos estados nacionais, tornou-se então necessária a criação de unidades jurídicas de demarcação de novos territórios que adquiriram valor, no âmbito de uma nova fronteira a ser ocupada, que são as Unidades de Conservação. O Estado, buscando gerir os recursos de seu território, atribui um status diferenciado a algumas regiões que adquirem valor (não somente econômico) - mananciais de água, de biodiversidade etc. - e são, assim, justificados na própria Constituição Federal como "patrimônios nacionais". Nesse sentido, é importante compreender o surgimento dessas novas áreas não apenas como zonas de interesse ambiental, por sua "natureza" ou por sua "essência", já que tanto as preocupações com a política ambiental como as áreas a serem preservadas são construídas socialmente. A partir deste ponto, podemos estabelecer um diálogo com Barretto Filho, que desenvolve a idéia das Unidades de Conservação como "artefatos", como heranças de programas e planos governamentais, "produtos deliberados, conscientes e intencionais de ações humanas, de tomadas de decisão política de uma sociedade particular, gestadas em contextos históricos específicos e por agentes determinados" (BARRETTO FILHO, 2001, p. 38). É importante ressaltar que o autor, em seguida, demonstra a importância das contextualizações locais desses artefatos, que vêm sendo reapropriados e partilhados de modo não necessariamente antecipado por aqueles que os conceberam e criaram.

Lefebvre sugere também, nesse sentido, a compreensão do espaço como "intervalo", já que o "espaço" contém as coisas e, portanto, não é uma coisa em si, um objeto material (LEFEBVRE, 1978). Essa compreensão leva em conta a idéia do espaço como conteúdo, construído pelas relações sociais. Assim, o autor defende que não há apenas um espaço social, mas vários espaços sociais que se interpenetram e se superpõem, em que os múltiplos fluxos transpassam os espaços, que não podem ser observados como coisas limitadas umas pelas outras, formulando a idéia de hiper-complexidade do espaço. A idéia de "artefato", de espaços produzidos por agentes específicos em períodos específicos, pode ser levada mais adiante quando se analisa a própria constituição das "nações", como espaços criados socialmente, e dos novos espaços construídos em seu interior.

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lefebvre chama a atenção para a incorporação de um "valor de troca" sobre o "valor de uso" das praias como um caso exemplar. Este autor destaca o fato de que a modernidade criou o fetiche do lazer marítimo, do veraneio, o que por sua vez alterou a percepção que se tinha das áreas de litoral, antes exclusivas de moradores, principalmente comunidades de pescadores que, segundo o autor, atribuíam a esse meio também um "valor de uso", de utilização dos recursos naturais (idem). É interessante perceber esse conflito de atribuições feitas à praia, no processo de mudança no Aventureiro, em que os moradores locais ainda retiram parte importante de seu sustento por meio da pesca ("valor de uso", associado aos recursos naturais), ao mesmo tempo em que incorporam os valores trazidos por turistas urbanos, que se manifestam economicamente no aluguel do espaço de seus terrenos e na venda de refeições (sobretudo, à base de pescado). Barretto Filho traz elementos interessantes para essa discussão quando analisa as diferenças entre unidades de conservação de uso direto e indireto, diferenças, para ele, calcadas em uma distinção conceitual característica de uma concepção cultural e de configurações históricas particulares, nascidas nos Estados Unidos, em que "a diferentes modos de apropriação, vinculam-se objetos distintos e peculiares - produção/floresta e consumo/paisagem" (BARRETTO FILHO, 2001, p. 18). Essa diferenciação de uso direto ou indireto, no âmbito do conservacionismo, tem para o autor raízes históricas ainda mais profundas e compreensivas: a separação espacial e a distinção temporal das esferas de produção (trabalho e prática) e do consumo (lazer e estética).

Dessa forma, é importante observar o que os grupos sociais constroem como "paisagem", ou seja, que as paisagens são processos culturais e que jamais pode existir uma paisagem absoluta: "a saliência e a relação entre lugar e espaço, dentro e fora e imagem e representação dependem do contexto histórico e cultural" (HIRSCH, 1995, p. 23). A partir de entrevista com um morador da praia do Aventureiro, percebe-se como o discurso local incorpora essa nova paisagem, associada à preservação ambiental, como valor: "querem tirar a gente daqui, mas fomos nós que preservamos isso aqui". O próprio conhecimento que os moradores têm da região passa a ser valorizado como um conhecimento de "paisagens", das localizações dos cenários turísticos como as lagoas do Sul e do Leste (antes utilizados como pesqueiros) e das praias, trilhas e mirantes. Trabalhos interessantes nesse sentido, como os de Oliveira e Coelho Netto, sobre a lavoura caiçara e sua relação com a produção de uma nova paisagem e com o enriquecimento do solo por meio do rodízio de culturas (OLIVEIRA & COELHO NETTO, 2000), e o de Mello, sobre a "pesca de galho", que é a utilização de pesqueiros manejáveis pelos pescadores em lagoas de Maricá (MELLO, 1998), ajudam a relativizar categorias como "paisagem natural", "florestas virgens", tornando possível a utilização de novas categorias, como a de "florestas culturais", em que as paisagens podem ser vistas como "produtos" do trabalho humano.

A própria "preservação" da natureza entraria, portanto, no rol de ações humanas de produção de paisagens. A pedra do Espia, na praia do Aventureiro, é outro exemplo interessante de diferentes apreensões do meio, já que era utilizada, pela população, sobretudo na época da pesca da tainha no inverno, para a localização dos cardumes e, hoje, adquire um valor totalmente diferente para os turistas como um local para apreciação do pôrdo-sol, por exemplo. Esse valor da paisagem ganha ainda mais relevância quando se constata que o turismo - que na Ilha Grande é o consumo da paisagem - torna-se a principal atividade econômica de parte da população, que possui um discurso recorrente, no qual afirma as dificuldades que resultam do esgotamento dos recursos pesqueiros (e da própria exploração do trabalho na pesca) e das inúmeras restrições de uso do território (área de Reserva Biológica da Praia do Sul, Parque Estadual Marinho do Aventureiro).

Nesse sentido, diante do status próprio da Reserva Biológica, que impede a presença humana, trabalhamos com a idéia de "tutela" como um mecanismo político de dominação, condicionando muitas práticas sociais da população que está classificada em um status diferenciado do conjunto da população nacional, colocando-a, muitas vezes, em um estado de ilegalidade, constituído por condutas "anti-sociais". O Estado, que tem como dever constituir-se como um tutor de seus recursos naturais, no caso de uma Reserva Biológica em uma área de Mata Atlântica (Patrimônio Nacional e da Humanidade), acaba tutelando também a população que a habita e já a habitava há muito tempo antes da instauração da Reserva Biológica. A partir daí, pode-se compreender também como se fundamenta a crença na ciência como uma "ordenadora legítima" das verdades construídas, na eficácia do planejamento estatal a partir de experiências particulares (a partir de casos de que não se têm experiência) e até de premissas do próprio Direito que busca ordenar a multiplicidade de casos sob um padrão que universaliza e normatiza os casos particulares.

Destacamos dois elementos importantes, presentes nessas representações simbólicas dos centros de poder: uma é a expectativa de anestesia cultural desses grupos; outra, a menção à pequena produção familiar como característica da economia desses grupos, voltada basicamente para a subsistência. Esse ponto é fundamental para que se compreenda como tais critérios acabariam por neutralizar a dinâmica dessas populações, além de implicar uma concepção estática da cultura, o que acaba por idealizá-la. Outro elemento importante de uma dinâmica tutelar é a definição de território às custas de um processo de alienação das dinâmicas internas das populações, no qual percebemos o surgimento de um conflito de "direitos", em que o direito local, sobretudo no que diz respeito à questão fundiária, é colocado em uma situação de sujeição a um direito que procura construir-se como de abrangência nacional.

Concluímos que, no presente contexto brasileiro, é privilégio apenas do Estado e de segmentos das classes média e alta definir e agir em nome daquilo que consideram meio ambiente e dano ambiental e que, assim, não há uma circulação de diferentes versões do meio ambiente no debate público, restringindo a disputa no campo simbólico, que fica concentrada a uma parcela pequena da sociedade. Essa idéia é discutida sob o prisma da predominância de valores urbanos sobre outras escalas dos espaços dos estados nacionais, supondo-se que toda a legislação e a construção simbólica do "meio ambiente" parte, basicamente, de paradigmas estabelecidos e construídos no "meio ambiente" metropolitano. A disputa no campo simbólico fica, portanto, restrita aos indivíduos que interagem diariamente neste ambiente e que acabam impondo, a outras populações, uma visão do que venha a ser o "meio ambiente" e a "natureza", como opostos ou antíteses do mundo dos "homens" e de suas cidades, a partir de seu estilo de vida específico.

OUTRA FONTE

Recebido em 19 de maio de 2009.

Aprovado em 15 de junho de 2009.

Gustavo Villela Lima da Costa (guvillela75@ig.com.br) é Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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  • 1
    Esses dados são resultado de minhas pesquisas de Mestrado e Doutorado em Antropologia Social, pelo Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COSTA, 2004; 2008).
  • 2
    O termo "caiçara" tem origem no vocábulo tupi-guarani
    caá-içara, que era utilizado para denominar as estacas colocadas em torno das tabas ou aldeias e o curral feito de galhos de árvores fincados na água para cercar o peixe. Com o passar do tempo passou a ser o nome dado às palhoças construídas nas praias para abrigar as canoas e os apetrechos de pesca dos pescadores e, mais tarde, para identificar o morador de Cananéia (São Paulo). Posteriormente, passou a ser o nome dado a todos os indivíduos e comunidades no litoral dos estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro (ADAMS, 2000, p. 1). Esse termo consolidou-se após as pesquisas de cientistas sociais realizadas entre as décadas de 1940 e 1950, que passaram a utilizar amplamente essa tipologia, que consideramos aqui como uma "ficção científica", para utilizar as palavras de Leach (1995), ou "ficção ideológica", para utilizar um termo de Said (2007).
  • 3
    Entende-se aqui o território numa perspectiva integradora e que, de acordo com Haesbaert, supõe uma "leitura do território como espaço que não pode ser considerado nem estritamente natural, nem unicamente político, econômico ou cultural. Território só poderia ser concebido através de uma perspectiva integradora entre as diferentes dimensões sociais (e da sociedade com a própria natureza). O processo de desterritorialização é, portanto, dialético e pressupõe uma nova territorialização que pode ser 'in situ' ou em outro espaço" (HAESBAERT, 2004, p. 74).
  • 4
    Nos termos da Lei n. 9 985, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), aprovada pela Câmara dos Deputados, em 10 de junho de 1999, e pelo Senado, em 21 de julho de 2000. Uma Reserva Biológica, na qual está inserido o povoado do Aventureiro, é definida pela Lei como uma "unidade de proteção integral" que não permite a ocupação humana (nem mesmo para atividades de visitação turística), a não ser de pesquisadores e cientistas, e é assim definida no Artigo 10: "a Reserva Biológica tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais" (BRASIL, 2000). De acordo com o SNUC, as unidades de proteção integral (entendendo-se "proteção integral" como a manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitindo apenas o uso indireto dos seus atributos naturais) têm como objetivo básico preservar a natureza.
  • 5
    A partir dessa crença na superioridade de um modo de vida sobre outro, há, para Oliveira, duas suposições básicas sobre as quais se assenta a necessidade desse mandato e que serão transcritas aqui, para que se reforce o argumento das práticas tutelares na praia do Aventureiro: "1) o tutelado não é plenamente capaz de defender, expressar ou mesmo conhecer seus reais interesses, havendo necessidade de alguém que atue ou decida em seu lugar para evitar que ele sofra ou seja lesado em conseqüência de atos que outros com ele concluíram; 2) o tutelado não domina plenamente os códigos da sociedade nacional, necessitando de alguém que o oriente, mostrando os modos corretos de proceder em cada situação, disciplinando os seus modos de manifestação e evitando que ele transgrida as normas e entre em choque com direitos valores ou interesses alheios" (OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 336).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      19 Maio 2009
    • Aceito
      15 Jun 2009
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