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Relações intergovernamentais e descentralização: uma análise da implementação do SUAS em Minas Gerais

Inter-governmental relations and decentralization: an analysis of the implementation of the SUAS in Minas Gerais

Les relations intergouvernementales et la décentralisation: une analyse de la mise en oeuvre du SUAS en Minas Gerais

Resumos

De acordo com a literatura de políticas públicas, a descentralização de políticas sociais em contextos federativos deve compatibilizar a autonomia dos entes federados e a necessidade de coordenação política para alcançar objetivos comuns. No caso da assistência social no Brasil, há o desafio adicional de constituir um campo próprio de intervenção estatal que supere a herança de clientelismo, filantropia e fragmentação institucional. Este trabalho pretendeu compreender o papel dos arranjos institucionais e da indução promovida pelos governos centrais para a municipalização recente da política de assistência social em Minas Gerais, focando duas iniciativas: a habilitação dos municípios ao SUAS e a implementação dos CRAS. A pesquisa utilizou-se de registros administrativos, de comunicados e publicações oficiais, de entrevistas com técnicos da área e de diversos dados secundários. As principais conclusões são as de que regras formais e o comprometimento das instâncias federal e estadual com a descentralização foram relevantes para explicar o grau de alcance e o formato da implementação do SUAS em Minas Gerais, processo ainda em desenvolvimento.

implementação de políticas sociais; federalismo; relações intergovernamentais; descentralização; assistência social; SUAS


According to existing literature on public policy, the decentralization of social policies within federative contexts should promote the compatibility of the autonomy of federal entities with the need for political coordination toward the fulfillment of common goals. In the case of welfare assistance in Brazil, there is the additional challenge of building a proper field for state intervention capable of moving beyond clientelism, philanthropy and institutional fragmentation. This paper seeks an understanding of the role of institutional arrangements and the induction promoted by central governments in the recent municipalization of welfare assistance in the state of Minas Gerais, focusing on two initiatives: preparing municipalities to deal with the Sistema Único de Assistência Social (Unified System of Social Assistance - SUAS) and the implementation of the Centros de Referência da Assistência Social (Centers of Reference of Social Assistance - CRAS). Our research was based on administrative records and on official reports and publications, interviews with technicians in the field and a series of secondary data. Our major conclusions maintain that the formal rules of and commitment to decentralization at federal and state levels were relevant in explaining the scope and format of SUAS implementation in Minas Gerais, a process that is still underway at present.

Implementation of Social Policies; Federalism; Governmental Relations; Decentralization Social Welfare; SUAS


Selon la littérature des politiques publiques, la décentralisation des politiques sociales dans des contextes fédératifs doit concilier l'autonomie des êtres fédérés et la nécessité d'une coordination politique pour atteindre à des objectifs communs. Dans le cas de l'assistance sociale au Brésil, il y a encore le défi de constituer un domaine propre d'intervention de l'Etat qui surmonte les héritages du clientélisme, de la philanthropie et de la fragmentation institutionnelle. Ce travail a eu l'intention de comprendre le rôle des arrangements institutionnels et de l'induction promue par les gouvernements centraux pour la municipalisation récente de la politique d'assistance sociale en Minas Gerais, en mettant l'accent sur deux initiatives: l'habilitation des municipalités au Sistema Único de Assistência Social (Système Unifié d'Assistance Social _ SUAS) et la mise en oeuvre des Centres de Référence d'Assistance Social (Centers of Reference of Social Assistance _ CRAS). La recherche a utilisé des registres administratifs, des communiqués et des publications officielles, des entretiens avec des techniciens du domaine et d'autres données secondaires. Les principales conclusions sont que les règles formelles et l'engagement des niveaux fédéral et de région avec la décentralisation, ont été importants pour expliquer le degré d'atteinte et le format de la mise en oeuvre du SUAS en Minas Gerais, processus encore en développement.

Mise en oeuvre des politiques sociales; fédéralisme; relations intergouvernementales; décentralisation; assistance sociale; SUAS


ARTIGOS

Relações intergovernamentais e descentralização: uma análise da implementação do SUAS em Minas Gerais1 1 Os autores agradecem as críticas, comentários e contribuições apresentadas em outras versões desse trabalho no Encontro de Administração Pública e Governança (EnAPG) e no 33º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), bem como aos dois pareceristas anônimos. Agradecem também a cooperação atenciosa dos servidores da Sub-secretaria de Assistência Social da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais na realização da pesquisa que subsidiou este trabalho e os comentários preciosos dos pareceristas anônimos. Erros e omissões, nunca é demais dizer, são de nossa inteira responsabilidade.

Inter-governmental relations and decentralization: an analysis of the implementation of the SUAS in Minas Gerais

Les relations intergouvernementales et la décentralisation: une analyse de la mise en oeuvre du SUAS en Minas Gerais

Bruno Lazzarotti Diniz Costa; Pedro Lucas de Moura Palotti

RESUMO

De acordo com a literatura de políticas públicas, a descentralização de políticas sociais em contextos federativos deve compatibilizar a autonomia dos entes federados e a necessidade de coordenação política para alcançar objetivos comuns. No caso da assistência social no Brasil, há o desafio adicional de constituir um campo próprio de intervenção estatal que supere a herança de clientelismo, filantropia e fragmentação institucional. Este trabalho pretendeu compreender o papel dos arranjos institucionais e da indução promovida pelos governos centrais para a municipalização recente da política de assistência social em Minas Gerais, focando duas iniciativas: a habilitação dos municípios ao SUAS e a implementação dos CRAS. A pesquisa utilizou-se de registros administrativos, de comunicados e publicações oficiais, de entrevistas com técnicos da área e de diversos dados secundários. As principais conclusões são as de que regras formais e o comprometimento das instâncias federal e estadual com a descentralização foram relevantes para explicar o grau de alcance e o formato da implementação do SUAS em Minas Gerais, processo ainda em desenvolvimento.

Palavras-chave: implementação de políticas sociais; federalismo; relações intergovernamentais; descentralização; assistência social; SUAS.

ABSTRACT

According to existing literature on public policy, the decentralization of social policies within federative contexts should promote the compatibility of the autonomy of federal entities with the need for political coordination toward the fulfillment of common goals. In the case of welfare assistance in Brazil, there is the additional challenge of building a proper field for state intervention capable of moving beyond clientelism, philanthropy and institutional fragmentation. This paper seeks an understanding of the role of institutional arrangements and the induction promoted by central governments in the recent municipalization of welfare assistance in the state of Minas Gerais, focusing on two initiatives: preparing municipalities to deal with the Sistema Único de Assistência Social (Unified System of Social Assistance - SUAS) and the implementation of the Centros de Referência da Assistência Social (Centers of Reference of Social Assistance - CRAS). Our research was based on administrative records and on official reports and publications, interviews with technicians in the field and a series of secondary data. Our major conclusions maintain that the formal rules of and commitment to decentralization at federal and state levels were relevant in explaining the scope and format of SUAS implementation in Minas Gerais, a process that is still underway at present.

Keywords: Implementation of Social Policies; Federalism; Governmental Relations; Decentralization Social Welfare; SUAS.

RESUME

Selon la littérature des politiques publiques, la décentralisation des politiques sociales dans des contextes fédératifs doit concilier l'autonomie des êtres fédérés et la nécessité d'une coordination politique pour atteindre à des objectifs communs. Dans le cas de l'assistance sociale au Brésil, il y a encore le défi de constituer un domaine propre d'intervention de l'Etat qui surmonte les héritages du clientélisme, de la philanthropie et de la fragmentation institutionnelle. Ce travail a eu l'intention de comprendre le rôle des arrangements institutionnels et de l'induction promue par les gouvernements centraux pour la municipalisation récente de la politique d'assistance sociale en Minas Gerais, en mettant l'accent sur deux initiatives: l'habilitation des municipalités au Sistema Único de Assistência Social (Système Unifié d'Assistance Social _ SUAS) et la mise en oeuvre des Centres de Référence d'Assistance Social (Centers of Reference of Social Assistance _ CRAS). La recherche a utilisé des registres administratifs, des communiqués et des publications officielles, des entretiens avec des techniciens du domaine et d'autres données secondaires. Les principales conclusions sont que les règles formelles et l'engagement des niveaux fédéral et de région avec la décentralisation, ont été importants pour expliquer le degré d'atteinte et le format de la mise en oeuvre du SUAS en Minas Gerais, processus encore en développement.

Mots-clés: Mise en oeuvre des politiques sociales; fédéralisme; relations intergouvernementales; décentralisation; assistance sociale; SUAS.

I. INTRODUÇÃO

Os sistemas políticos federativos são caracterizados pela existência de distribuição territorial da autoridade política, o que implica dizer que, em um mesmo território dentro de um mesmo Estado, mais de um governo pode ser responsável pelo exercício do poder político. Os entes federados possuem assim autonomia - que pode variar entre os diversos modelos de sistemas federativos existentes - para fazerem as escolhas políticas em geral e de políticas públicas em seus territórios. A implementação de políticas públicas é caracterizada pelo dilema de assegurar a integridade política e autonomia dos diversos níveis de governo e, simultaneamente, coordenar ações para alcançar fins comuns.

Estruturas federativas de distribuição do poder político, desse modo, acarretam duas conseqüências para a descentralização de políticas sociais: 1) a transferência de competências entre níveis de governo dá-se por meio da adesão do nível sub-nacional, que possui autonomia para escolher participar ou não de determinado programa ou política social; 2) envolve uma série de barganhas federativas entre os entes federados, que impactam o ritmo, abrangência e contornos da descentralização (ARRETCHE, 2000; ABRÚCIO, 2005). A assunção de novas atribuições na provisão de bens e serviços sociais por governos locais é uma ação deliberada proveniente de um cálculo estratégico que contrapõe os custos associados aos benefícios efetivos e potenciais da adesão a programas nacionais de descentralização.

No Brasil, a Constituição de 1988 promoveu a descentralização política e fiscal, elevando os municípios à categoria de entes federados e ampliando a parcela das receitas tributárias transferidas aos níveis sub-nacionais. O modelo de federalismo adotado no país, no entanto, caracterizou como competências comuns a provisão de políticas sociais, acentuando o problema da definição de responsabilidades entre entes federados marcadamente assimétricos.

Nesse contexto, o desenho das relações intergovernamentais e de mecanismos e estratégias de indução das esferas mais abrangentes de governo foram essenciais para determinar os resultados da descentralização de políticas sociais entre níveis de governo. Ao longo da década de 1990, os diferentes graus de descentralização entre as políticas sociais estiveram dependentes ainda de características dessas próprias políticas, da heterogeneidade estrutural dos governos locais e dos arranjos institucionais constituídos (ARRETCHE, 2000; ALMEIDA, 1995).

A assistência social enfrenta dificuldades adicionais. O histórico da área evidencia sua institucionalização débil e residual e o predomínio da iniciativa privada sem fins lucrativos na provisão dos serviços. Isso impõe o obstáculo adicional de trazer o Estado para assumir a responsabilidade pelas intervenções de cunho sócio-assistencial. A descentralização deve lidar com o duplo desafio de institucionalizar e legitimar um campo de atuação estatal e, ao mesmo tempo, coordenar ações dos entes federados.

Dentro desta temática, este artigo pretende analisar a implementação recente do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em Minas Gerais. O objetivo será analisar a centralidade ou não dos arranjos institucionais, entendidos como regras formais do jogo, e das relações intergovernamentais, compreendidas como mecanismos de indução dos níveis de governo mais abrangentes, para explicar o alcance, formato e, em alguma medida, "resultados" da adesão dos municípios ao SUAS. Serão estudados como indicadores da descentralização o processo de habilitação dos municípios ao SUAS e de implementação dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS).

II. FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO: COORDENAÇÃO, AUTONOMIA E IMPLE-MENTAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS

Sob a perspectiva dos processos de descentralização - marcadamente a descentralização de políticas sociais -, regimes políticos federativos introduzem o elemento da autonomia dos entes federados, o que significa dizer que programas de transferência de novas competências sobre a gestão de políticas sociais devem contar com a anuência dos entes federados sub-nacionais, o que implica a necessidade de barganhas federativas. Desse modo, a autoridade política compartilhada entre os entes federados assenta-se em uma "relação de equilíbrio entre a autonomia dos pactuantes e sua interdependência" (ABRUCIO, 2005, p. 43). O jogo federativo desdobra-se em arranjos e movimentos cooperativos e competitivos entre os entes constituintes, o que torna a implementação de políticas sociais um fenômeno complexo, que se desenvolve em diversas arenas e etapas.

No Brasil, a redemocratização na década de 1980 foi acompanhada não apenas do retorno de eleições livres e das liberdades democráticas. Rompeu-se com o modelo de organização política do regime militar, que na prática assemelhava-se ao de um Estado unitário - marcadamente centralista e autoritário - para o restabelecimento de um sistema político federalista, ainda em construção, mas com maior autonomia e importância política para estados e municípios (ARRETCHE, 2002).

A Constituição de 1988 previu competências concorrentes para a maioria das políticas sociais, o que implicou a indeterminação das responsabilidades e atribuições dos entes federados na formulação e implementação destas políticas. O texto constitucional - central em regimes federativos para definir o padrão de relações entre os entes federados - não criou incentivos e regras que induzissem ou obrigassem a articulação e cooperação entre União, estados e municípios neste campo de intervenção governamental. As iniciativas de regulamentação posteriores, na década de 1990, de origem constitucional e infra-constitucional, em boa medida pretenderam superar a indefinição de quem faz o quê e com quais recursos para a consecução das políticas sociais. Desse modo, a descentralização de políticas sociais não decorreu necessariamente da descentralização fiscal e da democratização advindas com a Constituição de 1988, variando entre diferentes políticas e unidades federadas (ALMEIDA, 1995).

Arretche (2000) afirma a importância de uma série de fatores de distintas naturezas para determinar diferentes "graus" ou alcances da descentralização de políticas sociais. De acordo com a autora, diferentes formatos, ritmos e resultados da descentralização podem ser explicados, em grande medida, por contingências de origens estrutural, institucional e/ou de ação política.

Os fatores estruturais estão relacionados diretamente à capacidade de os governos locais assumirem a responsabilidade pela gestão de políticas sociais. As duas dimensões centrais desta variável são a capacidade de gasto dos governos locais - que indica em que medida os entes federados possuem recursos econômicos tributáveis para arcar com os custos da descentralização - e a capacidade administrativa dos mesmos - que reúne as condições técnicas para a implementação de políticas públicas, a princípio diretamente associadas às características econômicas dessas localidades (idem, p. 29).

Outra explicação para a descentralização de políticas sociais reside em fatores de natureza institucional (TSEBELIS, 1990; PIERSON, 1995). As variáveis utilizadas no estudo de Arretche são o legado das políticas prévias, que remetem à herança institucional capaz de influenciar o leque de opções disponíveis aos atores políticos, o incentivo (ou impedimento) ao desenvolvimento de grupos de interesse organizados, a conformação de aprendizado social e de capacidade institucional das burocracias públicas. Observa ainda as regras constitucionais, que delimitam constrangimentos e oportunidades claras para a decisão estratégica de governos locais, e a engenharia operacional da política pública a ser descentralizada. Determinadas políticas sociais possuem características próprias que dificultam (ou facilitam) sua implementação. Políticas como as de saneamento e habitação, por exemplo, demandam vultuosos aportes de capital para sua implementação, o que dificultaria sua descentralização.

Por último, Arretche destaca a contribuição da ação política como variável determinante para a descentralização de políticas sociais. São evidenciados dois tipos distintos de relações: entre o Estado e a sociedade e entre diferentes níveis de governo. A primeira delas centra-se nos estudos sobre cultura política, apontando para a importância da "cultura cívica" na qualidade das instituições políticas descentralizadas. A segunda natureza de relações apontadas são as relações inter-governamentais. Destaca-se o papel dos níveis mais abrangentes de governo - governos estaduais e, principalmente, o governo federal - de induzir a descentralização de políticas sociais, com a criação de estruturas de incentivos, reunidas em programas governamentais, especificamente desenhadas para este fim.

O argumento, em síntese, é o de que a adesão de governos locais - no caso brasileiro, estados ou municípios - a programas nacionais é feita após um cálculo estratégico que contrapõe custos, de natureza política, econômica e de gestão, imediatos ou futuros, a benefícios, como a transferência de recursos financeiros, provisão de bens e serviços aos cidadãos e apoio político.

Desse modo, qual a importância dos mecanismos institucionais e de ação política deliberada dos níveis de governo mais amplos - União e Estado - para a descentralização da política de assistência social em Minas Gerais?

III. A ASSISTÊNCIA SOCIAL DENTRO DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL BRASILEIRO: ENTRE FILANTROPIA E POLÍTICA PÚBLICA

O estado de bem-estar brasileiro foi constituído, a partir do início da década de 1930, por uma ênfase meritocrático-particularista, uma variante do modelo bismarckiano2 2 A classificação acompanha a tipologia de Titmuss citada por Draibe (1988), que distingue três tipos de estado de bem-estar social: residual; meritocrático-particularista e institucional-redistributivo - de acordo com a forma, sentido e intensidade da intervenção estatal na proteção social. (DRAIBE, 1988; JACCOUD, 2007). As políticas sociais em quase toda trajetória do Welfare State brasileiro, até meados dos anos 1980, constituíram-se com a incorporação seletiva de segmentos da sociedade brasileira e pautaram-se pela predominância dos benefícios contributivos, destacando-se a regulamentação do mercado de trabalho e a progressiva constituição da Previdência Social atrelada aos trabalhadores urbanos formais (SANTOS, 1979).

Santos formula o conceito de "cidadania regulada" para definir o modo como o Estado brasileiro se utilizou da política social para construção de suas bases de apoio político. Assim: "Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei" (idem, p. 75; grifos no original).

Os três pilares deste tipo de cidadania são, assim, o sindicato público, a regulamentação das profissões e a carteira profissional. As conseqüências da cidadania regulada refletem-se no confronto histórico: acumulação versus eqüidade. Durante todo o período de expansão da ação estatal em direção às relações sociais no Brasil, a acumulação foi priorizada: a intervenção do Estado no livre jogo das forças econômicas se deu para promoção ou, no limite, manutenção, da eficiência alocativa de recursos entre os diversos atores sociais.

Aureliano e Draibe (1989) argumentam que o modelo de proteção social brasileiro orienta-se a partir da renda e posição ocupacional adquirida no interior da estrutura produtiva. A política social intervém apenas residualmente, para corrigir a ação do mercado: as necessidades de bens e serviços sociais devem ser supridas pelos próprios indivíduos por seu próprio mérito, capacidade profissional e produtividade.

No campo da assistência social configurou-se historicamente um modelo desarticulado e desordenado de proteção, subsidiado pelo Estado e executado por instituições filantrópicas da sociedade, que lidava com a pobreza de forma residual e por meio da caridade (CARDOSO JR. & JACCOUD, 2005).

A assistência social foi marcada por uma institucionalização periférica e fragmentada, sem diretrizes para sua constituição como política pública. Foi historicamente tratada como caridade e prestação de favor, ao invés de ser a promoção de um direito social. Os implementadores, de fato, das ações assistenciais foram as entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, o que facilitou a presença de clientelismo, corrupção e ineficiência, além da sobreposição de ações, falta de planejamento e articulação das intervenções, sem critérios claros dos serviços a serem prestados e nenhuma avaliação de suas ações.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo formato para a assistência social, delimitando-a como um campo autônomo no interior das políticas de seguridade social. Como destacam Cardoso Jr. e Jaccoud (idem), a agenda de reformas constitucionais foi impulsionada por movimentos sociais de diferentes setores da sociedade, que canalizaram demandas sociais reprimidas desde 1964. Os dispositivos constitucionais reafirmam o caráter não-contributivo, a descentralização político-administrativa e a participação da sociedade na formulação e no controle da política de assistência social. O principal mérito deste dispositivo talvez resida menos nos constrangimentos e incentivos postos para assegurar o desenvolvimento efetivo da assistência social - muito incipientes e precários ainda -, que no próprio reconhecimento do campo como uma política pública, mesmo que modestamente.

Nesse sentido, destaca-se que: "A inclusão da assistência social na seguridade social foi uma decisão plenamente inovadora. Em primeiro lugar, por tratar este campo como conteúdo da política pública, de responsabilidade estatal, e não como uma nova ação, com atividades e atendimentos eventuais. Em segundo lugar, por desnaturalizar o princípio da subsidiariedade, pelo qual a ação da família e da sociedade antecedia à do Estado. O apoio a entidades sociais foi sempre o biombo relacional adotado pelo Estado para não quebrar a mediação da religiosidade posta pelo pacto Igreja-Estado. Em terceiro lugar, por introduzir um novo campo em que se efetivam os direitos sociais" (SPOSATI, 2009, p. 13).

Ao longo da década de 1990, no entanto, a assistência social não acompanhou o ritmo da consolidação institucional percebida nas outras políticas sociais, notadamente na saúde. O arcabouço legal da política é instituído em 1993, pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS - Lei n. 8 742/1993), que reitera as orientações normativas de descentralização e participação popular. A prestação estatal desse direito continua a ser competência concorrente entre os três níveis de governo. O repasse de recursos financeiros aos entes federados fica vinculado à existência de Conselho, Fundo e Plano de Assistência Social (art. 30 da LOAS), com o requisito que o orçamento da seguridade preveja alocação própria de recursos nos respectivos Fundos.

Decorrente de mobilizações sociais de trabalhadores e beneficiários da área, no governo FHC houve a efetivação de muitos dispositivos normatizados, como a implantação de uma série de órgãos de representação popular para a política de assistência social e gestão compartilhada (Conselho Nacional de Assistência Social, Fundo Nacional da Assistência Social, bem como a institucionalização, até o ano de 2001, de conselhos, fundos e planos de assistência social em 4 105 dos 5 560 municípios brasileiros), além da efetivação do Benefício de Prestação Continuada (BPC)3 3 Programas de transferência direta de renda foram institucionalizados, particularmente no segundo mandato. (DRAIBE, 2003).

Contudo, o financiamento da política e a distribuição de competências entre os entes federados permaneceram indefinidos. O financiamento da política manteve-se dicotomizado: os serviços de combate à pobreza e de assistência foram organizados por meio de transferências regulares e automáticas, baseadas em séries históricas, ao passo que os programas e projetos ficaram submetidos ao estabelecimento de convênios pela esfera federal. As competências entre os entes federados permaneceram difusas e imprecisas, não havendo incentivos para a criação, em estados e municípios, de capacidades institucionais para assumir as responsabilidades de gestão em rede da política (LIMA, 2004).

Do aparato federal não surgiu nenhuma iniciativa centralizada que pudesse ordenar o processo de descentralização e coordenação federativa. De um lado, os grandes aparatos institucionais que cuidavam da política de assistência social - particularmente a LBA - insurgiram-se como obstáculos conservadores a reformas que diminuíssem a centralidade do governo federal como executor de ações assistenciais, recurso importante de patronagem e troca política. Por outro lado, e não dissociado da razão anterior, a política de assistência não se consolidou como um locus institucional próprio de decisão e comando, tanto no âmbito federal, como local, de estados e municípios (ALMEIDA, 1995).

No início de 2003 o governo Lula representou uma significativa mudança no campo das políticas de assistência e de enfrentamento da pobreza e da desigualdade, ao ampliar o escopo dessas políticas e construir um sistema de base universal. Os diversos programas de transferência direta de renda foram unificados sob a denominação do Programa Bolsa Família, que alcança apreciável capilaridade e focalização bem-sucedida4 4 É bom ressaltar que essa reorientação é resultante não apenas de decisões políticas ou programáticas oriundas do próprio governo empossado. Há vários vetores que concorrem para a conformação da estratégia adotada: herança de políticas prévias, como o embrião de Cadastramento Único, ensaiado no segundo mandado do Presidente Fernando Henrique Cardoso; por outro lado, há uma apropriação criativa da agenda de políticas dos organismos internacionais, como a focalização nos segmentos mais pobres como estratégia de combate à pobreza e otimização de recursos. .

A assistência social é marcada por particular importância na agenda governamental, evidenciada pela criação de Ministério próprio, primeiramente, o Ministério da Assistência Social (MAS) e, posteriormente, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), separando-a definitivamente da Previdência Social. A lógica da Seguridade Social continua sendo a da articulação das políticas de Saúde, Assistência Social e Previdência Social, com destaque, no entanto, às particularidades políticas, programáticas e técnicas de cada uma dessas ações governamentais, sem a subordinação de nenhuma delas às outras.

O processo de institucionalização iniciado pela Constituição e pela LOAS foi profundamente acentuado com a normatização da NOB-SUAS em 2005, uma proposta presente na deliberação direcionada tanto pelos especialistas em assistência social quanto pelos fóruns nacionais de articulação da política. Foi criado o Sistema Único da Assistência Social (SUAS) - concretizando uma deliberação da IV Conferência Nacional de Assistência Social, em 2003, que contou com ampla participação de diversos segmentos e atores do campo da assistência -, e que prevê uma forma inovadora de se entender a assistência social, tendo como referência direta o Sistema Único de Saúde (SUS). São sublinhados os critérios universais de elegibilidade, reiterando-se o papel do Estado como provedor dessa política, uma inflexão para um histórico marcado pela filantropia e discricionariedade. Representa ainda um mecanismo institucional de coordenação mínima entre entes federados autônomos para o alcance de objetivos comuns, no caso, a implementação de um novo modelo de política para a assistência social (COSTA, 2007).

O SUAS estabeleceu dois níveis de atenção distintos para a política de assistência social: a Proteção Social Básica (baixa complexidade) e a Proteção Social Especial (média e alta complexidade). A Proteção Básica objetiva prevenir e processar a inclusão social de famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social, decorrente da pobreza e privação de capacidades. Neste estágio, não houve ainda direitos violados ou vínculos comunitários e familiares rompidos. A Proteção Especial, por sua vez, caracteriza-se pelo foco em famílias em situação mais precária que as famílias atendidas no modelo da Proteção Básica. As famílias atendidas pela rede de Proteção Especial estão em situação de desestruturação, de completo abandono ou de rompimento dos vínculos comunitários e familiares, em alguns casos com patente violação de direitos (BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2005).

O Sistema prevê ainda a existência de três níveis de gestão da política: Inicial, Básico e Pleno - modalidades existentes somente para os municípios, não havendo habilitação para os estados (idem). Cada nível de gestão indica um comprometimento distinto da esfera municipal de atendimento sócio-assistencial. Em todos os níveis os municípios devem contar com Conselho, Fundo e Plano próprios de assistência social, e se comprometer a realizar aportes no orçamento para esta política. Nos níveis Básico e Pleno, o município se compromete a constituir de fato uma rede de assistência social, com equipamentos governamentais de articulação territorial.

Visando dar concretude às ações sócio-assistenciais, reiterando-se a centralidade do Estado na prestação da assistência social, o SUAS prevê a criação de dois equipamentos públicos, respectivamente, para a Proteção Básica e Especial: os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especial da Assistência Social (CREAS).

IV. A IMPLEMENTAÇÃO DO SUAS EM MINAS GERAIS

A gestão da assistência social em Minas Gerais enfrentou historicamente o desafio de se consolidar como um campo próprio de produção de políticas públicas. O órgão gestor da política caracterizou-se por baixa capacidade institucional para promover políticas regionalizadas e coordenar e acompanhar os municípios no processo de descentralização, figurando de forma periférica na agenda política dos governos que se sucederam no estado (LIMA, 2002; BERNARDI, 2006).

A fragmentação e instabilidade institucional do órgão gestor são exemplificadas pelas constantes reformas organizacionais pela qual passou, na última década e meia, e por reunir diversas políticas e ações sociais de naturezas diversas, que ora foram deslocadas de lugar dentro da própria organização, ora foram incorporadas ou retiradas para outras estruturas administrativas do próprio estado - outras secretarias ou organizações da sociedade civil.

Uma mudança recente neste histórico, ainda em processo de consolidação, tem sido a atuação do gestor estadual na implementação do SUAS em Minas Gerais, que constituiu uma estrutura organizacional mais adequada para a gestão da política, previu novos instrumentos de gestão e ampliou, ainda que de forma tímida e incremental, o financiamento para a área.

A descentral ização, como foi dito anteriormente, será analisada neste trabalho a partir de dois "programas"5 5 O conceito de programa adotado aqui é o de "uma possível área de atuação do Estado, no interior de uma dada área da política social, mesmo que esta atuação não tenha ocorrido" (ARRETCHE, 2000, p. 36). principais: a habilitação dos municípios ao SUAS e a implementação dos CRAS no estado de Minas Gerais6 6 A pesquisa que subsidiou este trabalho contemplou também a análise da implementação dos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS), que por motivo de espaço não foram incluídos neste artigo. .

IV.1. Habilitação dos municípios

Em outubro de 2008, 842 municípios - mais de 98%, de um total de 853 municípios - estavam habilitados em um dos três níveis de Gestão previstos pela NOB-SUAS em Minas Gerais. Para esse "programa" específico, a informação evidencia um nível elevado de descentralização e adesão municipal ao SUAS. Como explicar o alcance da habilitação municipal?

Com o intuito de se reconstituir historicamente o ritmo da descentralização, de modo a se isolar os efeitos das novas normas para a política de assistência social e da ação política indutora sobre a municipalização, é necessário que se reconstitua a trajetória recente desse processo. Em termos quantitativos, a habilitação evoluiu do seguinte modo:

Do ponto de vista institucional, a NOB n. 1 de 1997 reafirmou os princípios descentralizadores e participativos da LOAS. Previa dois níveis de gestão: municipal e estadual, que dispunham sobre o ente federado responsável pela gestão dos recursos federais para a área de assistência social. A regulamentação desse dispositivo, no entanto, manteve práticas tradicionais de transferência de recursos vinculadas a convênios com a instância federal, regulamentadas pelas Instruções Normativas n. 3/STN/93 e n. 1/STN/97 (LIMA, 2002). Esse fator, alinhado à desestruturação organizacional do órgão responsável pela gestão da política de assistência social em Minas Gerais e ao processo ainda incipiente de estadualização das funções executivas antigamente empreendidas pelo governo federal, impediram que a municipalização ocorresse antes do ano de 1998 (idem; SILVA, 2005).

De 1997 até o ano 2000, aumentou significativamente o número de municípios habilitados para gestão municipal. A instituição da Comissão Inter-Gestora Bibartite (CIB), em 1999, por decorrência da NOB n. 2, alterou o processo de habilitação, que passou a ser organizado sob a deliberação e supervisão dessa Comissão. Em 2000 foram realizadas avaliação e revisão da habilitação de todos os municípios do estado, de modo que dos 415 municípios habilitados, 288 foram considerados com habilitação provisória, devendo corrigir as irregularidades verificadas7 7 A CIB passou ainda a considerar critérios mais qualitativos, e exigentes, para a habilitação, considerados imprescindíveis. Desse modo, "as leis de conselho e fundo municipais deveriam estabelecer dispositivos para assegurar a democratização das relações de poder no interior do sistema (como exemplo temos a paridade entre a representação da sociedade civil e o governo no conselho, a comprovação de alocação de recursos orçamentários no fundo através da lei orçamentária anual) e conseqüentemente da gestão e do controle social" (SILVA, 2005, p. 63). . A essa maior rigidez na habilitação, se seguiu, no entanto, uma mudança no critério, que passaria a permitir a habilitação também de municípios que não recebessem recursos federais (LIMA, 2002, p. 90).

Esse novo arranjo institucional, aliado aos diversos custos associados à municipalização e às incertezas políticas a respeito do financiamento da política pelas instâncias estadual e federal, resultou em um ritmo muito mais lento e gradual de habilitação8 8 Houve, contudo, mudança significativa para a estruturação dos repasses de financiamento entre os entes federados. A NOB n. 2 instituiu a transferência regular e automática de recursos federais às instâncias municipais para o financiamento dos serviços assistenciais (LIMA, 2002). .

A habilitação dos municípios passou a ocorrer em um ritmo menor a partir do ano 2000, praticamente estagnando no biênio de 2003-2004. A publicação da PNAS, em meados de 2004, e a sinalização no plano federal de priorizar o campo da assistência social, não foram induções suficientes para ampliar a habilitação.

No entanto, no segundo semestre de 2005, com a publicação da NOB-SUAS, a trajetória de habilitação dos municípios tornou-se novamente ascendente. As regras para habilitação foram modificadas por esta normativa, com a criação de três novos níveis de gestão, correspondentes à complexidade da rede sócio-assistencial e ao grau de comprometimento de cada município na provisão de serviços sócio-assistenciais.

A Tabela 1 sintetiza a expansão da habilitação dos municípios mineiros ao SUAS9 9 No momento anterior à NOB-SUAS, em julho de 2005, encontravam-se em gestão estadual 287 municípios. No final desse ano, esse número, referente agora aos municípios não-habilitados, passou para 214. . Como se pode observar, o novo marco institucional foi fundamental para contribuir para a habilitação dos municípios, chegando muito próximo da universalização.

As regras instituídas para o período de transição entre o modelo anterior e o atual previam que os municípios em Gestão Municipal seriam automaticamente transferidos para o nível Inicial, e que os municípios que recebiam recursos do Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), então 91 municípios, teriam até o final do ano de 2005 para se habilitarem ao nível de Gestão Básica (BRASIL, 2005, p. 75).

Os municípios poderiam pleitear ainda a habilitação para quaisquer dos três níveis, devendo cumprir alguns requisitos específicos, mais flexíveis no período de transição. Para a Gestão Básica, era necessária a descrição das características dos CRAS e a comprovação da composição adequada do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS); para Gestão Plena, além destes requisitos da Básica, seriam necessários uma declaração do gestor municipal aprovada pelo Conselho atestando a capacidade instalada da rede de Proteção Especial de Alta Complexidade, comprovação de criação e funcionamento do Conselho Tutelar, criação de Secretaria Executiva para o Conselho e de equipe técnica, de ao menos um profissional de nível superior, para co-gerenciar o BPC (idem, p. 76).

Como se observa, e é reiterado por entrevistas com técnicos na área, os documentos exigidos para habilitação, no segundo semestre de 2005, período de transição, eram bem mais simples para a Gestão Básica e a Plena. A criação do equipamento da proteção social, bem como o detalhamento da rede de proteção especial, deveriam ser atestados somente por declaração do gestor municipal.

Foi prevista ainda uma nova categoria de financiamento para a política de assistência social, baseada em Pisos de Proteção do SUAS (idem). Por meio desse mecanismo, as transferências de recursos passariam a ser realizadas por meio de critérios objetivos, como número de famílias referenciadas no território e custo médio anual dos serviços sócio-assistenciais prestados, em proporção à complexidade de atendimento a ser prestada aos usuários.

Desse modo, destacam-se como incentivos para habilitação, em 2005, a expansão dos Pisos de Proteção Social que correspondiam ao Programa de Atenção Integral à Família (PAIF) e ao Agente Jovem, pelo governo federal. Para o recebimento destes recursos, os municípios deveriam estar na Gestão Básica ou Plena. O governo estadual, por sua vez, possuía recursos orçamentários para que os municípios implantassem a estrutura física dos CRAS.

A contraposição entre os requisitos exigidos e os benefícios que os municípios poderiam auferir, em cada nível de gestão, é uma boa hipótese para explicar a adesão, e em que grau, às novas regras instituídas pela NOB-SUAS.

Outra maciça expansão na habilitação dos municípios deu-se ao longo do ano de 2006. Em menos de dez meses, 182 municípios habilitaram-se ao SUAS, como demonstrado com mais detalhes no Gráfico 2.


A explicação para essa mudança reside, em parte, nos fatores já apontados anteriormente, referentes à nova estrutura institucional da política de assistência social e aos novos investimentos dos governos federal e estadual para a política de assistência social.

O governo federal criou, com a Portaria n. 148 de abril de 2006 o Índice de Gestão Descentralizado (IGD), um instrumento de apoio à gestão do Programa Bolsa Família e do Cadastro Único de Programas Sociais que vincula o repasse de recursos financeiros aos municípios que tenham bom desempenho no gerenciamento dos referidos programas.

Como incentivo à habilitação dos municípios, a Portaria que criou o IGD previu, no § 3º do art. 2º, que "os municípios que não estiverem sob gestão municipal da assistência social, na forma da Norma Operacional Básica aprovada pela Resolução nº 130, de 15 de julho de 2005, do Conselho Nacional de Assistência Social, os recursos serão calculados na forma desta Portaria e acumulados durante o exercício de 2006, podendo ser transferidos a partir da homologação de sua habilitação" (BRASIL. MINISTÉRIO DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2006).

Dessa forma, mesmo os municípios não-habilitados ao SUAS teriam calculados os recursos do IGD, que seriam acumulados e transferidos após a habilitação. Os municípios que se habilitassem teriam essa "recompensa" significativa de novos recursos para o desenvolvimento da gestão da política de assistência social, o que serviria para contrapor também eventuais dificuldades de municípios com baixa capacidade administrativa.

Foi relevante ainda a atuação do estado de Minas Gerais nesse processo. A Sub-secretaria de Assistência Social constituiu "mutirão de ações" com a equipe interna e pessoal contratado10 10 Para auxiliar no processo de descentralização, foram contratados temporariamente 12 profissionais de diferentes formações profissionais, entre os quais, advogados, assistentes sociais, psicólogos, comunicólogos e administradores públicos. para auxiliar diretamente os municípios no processo de habilitação. Na classificação dos estados sobre a porcentagem de municípios habilitados daquele ano, Minas Gerais passou do penúltimo para o quinto lugar (MINAS GERAIS, 2006b, p. 37).

A Secretaria Estadual realizou visitas em muitos municípios não-habilitados e recebeu representantes municipais, além de orientações por telefone e fax, para capacitação dos técnicos locais e sensibilização das autoridades municipais sobre a importância do SUAS.

Nesse período, de acordo com entrevistas, a CIB adotou ainda o entendimento, embasado em interpretação da NOB-SUAS e balizada pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, que os municípios, para habilitarem-se na Gestão Inicial, poderiam contar com o Fundo como sub-unidade orçamentária. A flexibilização deste critério contribuiu, em adição a todos os fatores analisados, para expandir a habilitação para este nível de gestão11 11 Posteriormente, como consta da ata da CIB de dezembro de 2006, foi "enviado um ofício para Exma. Sra. Ana Lígia Gomes, Secretária Nacional de Assistência Social, solicitando à CIT (Comissão Inter-gestores Tripartite) que se pronunciasse quanto ao FMAS como Unidade Orçamentária, nas Gestões inicial, Básica e Plena, para esclarecimento das dúvidas dos membros da CIB (Comissão Inter-gestores Bipartite)". Na reunião de maio de 2007 foi pactuado que o Fundo Municipal de Assistência Social somente seria aceito como Unidade Orçamentária. .

Desse modo, ao final de 2006, a maior parte dos municípios mineiros estava habilitada ao menos na Gestão Inicial, com expansão para o aumento paulatino dos municípios em Gestão Básica. Diversos fatores, apontados anteriormente, explicam a evolução da habilitação dos municípios mineiros. Em primeiro lugar, o SUAS não inaugurou a figura da habilitação. Desde a NOB n. 1 de 1997 os municípios poderiam ser habilitados para receberem diretamente recursos do governo federal. As regras do SUAS deram seqüência a um processo de descentralização em curso, um legado positivo de políticas passadas. Isso não significa, contudo, que a descentralização estivesse concluída. Como observado anteriormente, o ritmo de habilitação havia estagnado no biênio 2003- 2004. Mais de um terço dos municípios mineiros estava em Gestão Estadual no início de 2005.

As novas regras formais estabelecidas pelo Sistema Único de Assistência Social, por sua vez, ampliaram as possibilidades de habilitação para três níveis distintos. Diferentemente do modelo anterior - ao estilo do "tudo ou nada", no qual os municípios ou estavam em Gestão Municipal ou Estadual - o SUAS previu níveis diferentes de habilitação que poderiam variar conforme a capacidade técnica e vontade política de priorizar a gestão e a provisão da assistência social. Os custos e incertezas da habilitação tornaram-se menores em decorrência das regras formais instituídas.

Em adição aos fatores expostos, a "ação política" dos governos federal e estadual foi essencial para diminuir os custos e ampliar os benefícios esperados da habilitação. Os investimentos promovidos na expansão da proteção social básica e vinculados à melhoria da gestão da política estiveram vinculados ou de algum modo dependentes do comprometimento dos municípios em aderirem ao SUAS. Houve ainda o esforço do governo estadual em expandir a habilitação, impactando seu ritmo, sendo elemento importante para que os municípios pudessem superar os obstáculos de natureza operacional e informacional da habilitação.

Em síntese, três fatores parecem ter sido essenciais para explicar a habilitação dos municípios mineiros ao SUAS: o legado de políticas prévias, que já haviam previsto mecanismos de descentralização; as novas "regras do jogo"12 12 As regras do jogo a que se refere aqui são as exigências, em termos de documentação, estrutura e capacidade para que um município se habilite a um determinado nível de gestão, bem como os benefícios, em termos de recursos ou autonomia decorrentes desta habilitação. constituídas no desenho da política, que diminuíram os custos e incertezas da habilitação; e a "ação política" dos níveis mais amplos de governo, que constituíram um formato de relações inter-governamentais mais cooperativo e articulado, com diversas iniciativas para ampliar os benefícios associados à habilitação e diminuir os obstáculos de adesão ao Sistema Único. Tendo em vista que praticamente todos os municípios mineiros estão habilitados ao SUAS, pode-se afirmar que fatores estruturais como capacidade econômica e administrativa dos municípios não foram impedimento à habilitação.

IV.1.1. Desafios da implementação: qualidade das habilitações ao SUAS

Uma última análise, referente ao processo de habilitação do final de 2005 até outubro de 2008, aponta alguns resultados e desafios para o futuro. Como se observa na Tabela 2, a maioria dos municípios (549 ou 64,36%) encontrava-se em Gestão Básica em 2008, seguidos dos em Gestão Inicial (241 ou 28,25%) e Plena (52 ou 6,10%), sendo que muito poucos permaneciam Não-habilitados (11 ou 1,29%).

Observa-se também um acelerado processo de habilitação promovido em Minas Gerais desde 2006. Como demonstrado na tabela acima, os municípios não-habilitados no final de 2005, que foram os entrantes ao SUAS no ano seguinte, o fizeram em sua maioria para a Gestão Inicial e nesta gestão permaneceram. Dos 241 municípios em Gestão Inicial em 2008, a maior proporção (152 ou 63%) proveio dos não-habilitados de 200513 13 Deve-se lembrar que esses mesmos municípios estavam anteriormente em Gestão Estadual. . A passagem para outros níveis de gestão vai ter que lidar com muitos municípios que, historicamente, tiveram dificuldades ou não priorizaram politicamente a gestão da assistência social14 14 Essa é uma questão relevante, principalmente em vista das discussões atuais no plano federal. O seguinte trecho do Resumo Executivo da 78ª Reunião da CIT de julho de 2008 é elucidativo: "A idéia da gestão inicial nasceu como 'de transição'. Nessa gestão os municípios mantêm serviços que estão em transição, que ainda não estão no modelo previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Estatuto do Idoso e pela Política da Pessoa com Deficiência. Assume também a gestão do trabalho infantil e o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Esses municípios ainda não passaram por uma discussão de territorialização e descentralização. É preciso discutir descentralização e territorialização, para alcançar a maturidade da gestão do SUAS. Hoje temos 1 204 municípios em gestão inicial. É ainda necessário manter essa gestão no SUAS uma vez que a transição está bem avançada?" (BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE, 2008). .

A habilitação para a Gestão Básica e principalmente para Plena, contudo, não se ampliou muito neste período em Minas Gerais15 15 Isso se repete também para o restante do país: "O número de municípios em gestão plena praticamente não mudou desde 2005. Não houve mobilidade de uma gestão para outra, tanto para cair como para subir de um nível para outro" (BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE, 2008). . Praticamente todos os municípios da Gestão Plena (50 em 52) e a maior parte dos em Gestão Básica (443 em 549) foram assim habilitados em 2005. Como argumentado anteriormente, as regras para a habilitação neste período eram mais flexíveis, exigindo uma documentação mais simples e por vezes somente declarativa, o que põe em dúvida a correspondência entre esses níveis de gestão e a real capacidade dos municípios em gerenciarem ou proverem serviços de assistência social. Isso porque, como os critérios de habilitação eram mais "frouxos", não necessariamente municípios habilitados para níveis mais elevados de responsabilidade terão maior capacidade ou infra-estrutura institucional.

Uma tentativa de avaliar a adequabilidade ou grau de qualidade das habilitações é feita na Tabela 3. Contrapõem-se ao nível de gestão dos municípios no SUAS, até outubro de 2008, variáveis de capacidade administrativa (indicador de servidores da assistência social per capita16 16 Foram utilizados para essa variável o total de servidores da assistência social sem curso superior (k') somado ao total de servidores da assistência social com curso superior (k") acrescido de um peso de 1,5. O número resultante foi multiplicado por 10.000 e dividido pela população estimada do município (μ). A fórmula que sintetiza este raciocínio é k = (k'+1,5 k")*10.000/μ. Os valores vão de 0,424 até 162,517, com a média em 11,49. A única diferença com relação à fórmula constituída por Spinelli (2008) foi a multiplicação por 10 000 e não 1 000, o que modifica somente a grandeza dos indicadores. ) e de esforço municipal na área de assistência (gasto em assistência social per capita e em proporção ao total de despesas realizadas e o número de entidades públicas municipais de assistência social) para os anos de 2005 e 2006 - quando houve o movimento mais significativo de habilitações.

Em primeiro lugar, nota-se elevado grau de dispersão e assimetria dos municípios em todos os níveis de gestão. Em quase todas as variáveis analisadas, com exceção da proporção de gastos em assistência em relação ao total de despesas, o desvio-padrão é superior à média, um indicador de que a distribuição possui muitos valores baixos e alguns valores altos que tornam a média um parâmetro pouco confiável. Significa dizer que em todos os níveis de gestão analisados, para quase todas as variáveis tomadas, encontram-se municípios muito heterogêneos entre si, conclusão que é corroborada também quando se observam os valores de mínimo e de máximo para cada uma das variáveis.

Como a média não é um parâmetro seguro para se inferir a tendência de cada um dos segmentos nesse caso, a mediana será analisada como parâmetro de comparação. Para todas as variáveis analisadas, com exceção do indicador de servidores da assistência social per capita, a mediana cresce paulatinamente quando se caminha dos não-habilitados para a Gestão Plena, o que é o caso exatamente para a variável gasto em assistência social em proporção ao total de despesas realizadas. Para o gasto em assistência per capita, há dois patamares nítidos entre municípios não-habilitados e em Gestão Inicial por um lado (com valores 23,59 e 22,21, respectivamente) e em Gestão Básica e Plena por outro (com valores 26,95 e 26,31, respectivamente). O número de entidades públicas municipais também aponta a mediana igual a zero para os municípios não-habilitados e em Gestão Inicial, sendo o valor 1,0 para os municípios de Gestão Básica e 2,5 para os de Plena.

Em relação ao indicador de servidores da assistência social per capita, a mediana cresce dos não-habilitados para os de Gestão Inicial e depois Básica (os valores são 5,86, 5,95 e 7,92, respectivamente). Para os municípios em Gestão Plena, no entanto, o valor decresce ao patamar um pouco superior aos municípios não-habilitados (5,90). Para esta variável de capacidade administrativa na área de assistência social, portanto, a habilitação em Gestão Plena não aponta municípios melhor preparados.

A contraposição da habilitação dos municípios a fatores como capacidade administrativa e comprometimento das administrações públicas municipais com a área de assistência social demonstra que a distribuição dos municípios dentro de cada um dos níveis de gestão é bastante heterogênea e assimétrica. Municípios com os mais diversos perfis estruturais e com variados graus de comprometimento com a política de assistência social encontram-se sob um mesmo nível de gestão.

Os testes realizados demonstram, apesar da acentuada dispersão, que saber o nível de gestão de um município (de não-habilitados à Gestão Plena) indica razoavelmente, de forma bem limitada, o desempenho (pior ou melhor) deste em termos de esforço municipal com a área de assistência social e de sua capacidade administrativa. A exceção encontra-se nos municípios em Gestão Plena para a capacidade de gestão da assistência social, que possui uma mediana próxima aos municípios não-habilitados.

IV.2. Implementação dos CRAS

Os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) sintetizam boa parte da nova engenharia operacional constituída para política de assistência social: um equipamento público para atuação sobre a pobreza e vulnerabilidade por meio da articulação da rede de proteção social municipal de matriz territorial, que possa servir como "porta de entrada" ao SUAS.

Os CRAS estão bem-definidos e planejados no desenho institucional da política de assistência social. Na PNAS, há uma seção específica definindo os equipamentos como espaços dedicados à prestação de serviços de proteção social básica, que devem considerar "as dinâmicas internas de cada tipo de município, face à natureza de sua concentração populacional aliadas às condições sócio-econômicas" (BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2004, p. 18).

A NOB-SUAS delineia com detalhes a quantidade mínima de CRAS e de famílias referenciadas por municípios, diferenciando-as por porte. Outras normativas, como o Guia de Orientações Técnicas para o Centro de Referência da Assistência Social, especificam a capacidade de atendimento dos equipamentos, a metodologia de trabalho com as famílias, a composição da equipe mínima e as atribuições de cada membro desta equipe.

O papel de indução dos governos federal e estadual para a expansão do número de CRAS no estado de Minas Gerais será analisado sob a ótica do cofinanciamento desse equipamento realizado por essas instâncias. Para tanto, importa identificar a maneira como o cofinanciamento foi constituído, em termos dos critérios de elegibilidade, finalidade dos recursos transferidos, mecanismos de monitoramento e controle dos gastos e garantias de continuidade dos repasses. Esse aprofundamento analítico permite que se compreenda em que medida os diferentes cofinanciamentos geraram incentivos suficientes ou não para a decisão dos municípios em constituir um equipamento desse porte e em que medida os equipamentos constituídos estão adequados ou não às prescrições preconizadas pela NOB-SUAS.

O cofinanciamento do governo federal iniciou-se com o custeio do Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), em 2004, que era executado no interior dos Núcleos de Assistência à Família (NAF), os quais posteriormente foram transformados em CRAS. O PAIF é um recurso destinado ao financiamento de atividades de fortalecimento dos laços familiares e sócio-comunitários, com o intuito de prevenir situações de risco no território de referência do CRAS (BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2006). Os recursos são direcionados às ações, oficinas e acompanhamentos empreendidos pela equipe sócio-assistencial, composta basicamente por assistentes sociais e psicólogos.

As transferências foram realizadas tendo como critérios de partilha, estabelecidos pela NOB-SUAS: 1) porte populacional dos municípios17 17 Os recursos do FNAS foram distribuídos da seguinte forma, por porte populacional: 20% para Pequeno I, 17% para Pequeno II, 12% para Médio, 31% para Grande e 20% para Metrópole. ; 2) taxa de vulnerabilidade social por estado18 18 Visa à distribuição de recursos para os municípios em todos os estados brasileiros, por meio de divisão proporcional entre o total da população vulnerável. ; 3) indicadores sócio-territoriais e de cobertura, reunidos por meio do Índice SUAS19 19 O Índice SUAS é composto pelos indicadores de taxa de vulnerabilidade, receita corrente líquida municipal per capita e recursos transferidos pelo Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), para a Proteção Social Básica per capita; sendo que o primeiro deles tem peso 2. . Tais critérios estabelecem a quantidade de recursos20 20 O valor pago para o Piso Básico Fixo, composto dos serviços transferidos para os serviços do PAIF, por CRAS, é calculado como R$ 1,80 por família referenciada. Isso implica o repasse mensal de R$ 4 500,00 para Pequeno I, R$ 6 300,00 para Pequeno II e R$ 9 000,00 para o restante. a serem transferidos aos municípios por meio do Piso Básico Fixo. Por estar inserida no bojo das ações continuadas da Assistência Social, em razão do Decreto n. 5 085/2004, o PAIF não deixará de ser transferido aos municípios que integrem sua rede de cofinanciamento, a menos que sejam desabilitados do SUAS. Tudo isso confere um alto grau de certeza e confiabilidade às ações indutoras empreendidas pelo governo federal mediante cofinanciamento, consubstanciadas em regulamentações formais da política.

O governo de Minas Gerais, por sua vez, participou no cofinanciamento da expansão dos CRAS desde seu primeiro ano, em 200521 21 Destaque-se, neste sentido, a atuação da Comissão de Participação Popular da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, articuladora, por meio de emendas parlamentares no processo de revisão do PPAG, de parte significativa do cofinanciamento dos CRAS durante o período. . Sua atuação tem sido direcionada em duas vertentes: repasses de investimento e transferências de custeio, diretamente para o equipamento.

Os repasses de investimento, não previstos explicitamente em nenhuma normativa como competência dos governos estaduais, foram direcionados de forma que os municípios obtivessem recursos para a constituição física dos equipamentos de proteção social básica. As transferências de custeio tiveram o objetivo de auxiliar na manutenção dos CRAS, particularmente para os municípios que em 2005 receberam recursos para investimento e não estavam ainda na rede de cofinanciamento do MDS.

A participação do governo estadual no cofinanciamento da política é caracterizada por uma maior discricionariedade no estabelecimento de critérios de partilha e de transferência - podendo ser pactuados com maior flexibilidade na CIB - em razão de não estar atrelada necessariamente a uma normatização e critérios específicos, como no caso do MDS, que adota o Índice SUAS como critério para os repasses.

Os critérios do repasse de recursos para investimento foram distintos em todos os anos. Segundo ata da Reunião da CIB, de setembro de 2005, os critérios constituíram uma classificação que levava em consideração o porte, nível de gestão, municípios sem cofinanciamento do PAIF pelo governo federal e famílias pobres, (cuja renda seja igual ou menor a meio salário mínimo), baseado em indicadores construídos pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. No ano seguinte, o critério adotado foi aplicar o Índice SUAS, a condição de estar em Gestão Básica ou Plena e a inclusão de 11 municípios que implantaram CRAS com recursos próprios, de acordo com ofícios e comunicações enviadas à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese) por esses municípios, a título de incentivo pela iniciativa.

No ano de 2007, o instrumento utilizado foi um edital público, com o intuito de selecionar as melhores propostas técnicas para receber cofinanciamento destinado à construção, reparo ou aquisição de imóvel para o CRAS, baseando-se em edital semelhante lançado pelo MDS. Os municípios deveriam estar em Gestão Básica ou Plena, apresentar propostas adequadas, que seriam pontuadas, e possuir bom desempenho na gestão da assistência social - que seria mensurada pela avaliação dos relatórios circunstanciados e da prestação de contas dos municípios e pela obrigatoriedade de preencher a Ficha de Monitoramento do MDS.

Em 2008, para o mesmo tipo de cofinanciamento do ano anterior, foram previstos os critérios de os municípios estarem habilitados; não serem cofinanciados pelo Estado ou União; municípios em eminência de perder cofinanciamento do Agente Jovem por não terem CRAS, em 2007; municípios do Programa Travessia22 22 O Travessia é um programa do governo do estado de Minas Gerais que tem como objetivo promover a inclusão social e produtiva da população em situação de vulnerabilidade social, com base na articulação inter-setorial de políticas sociais em localidades definidas. ; os municípios que concorreram com projetos no ano anterior.

No que se refere aos mecanismos de indução, o governo estadual financiou despesas de capital (investimento), que minoraram os custos associados à adesão ao SUAS e à escolha por um comprometimento maior da esfera municipal com a execução da política de Proteção Social Básica, servindo de apoio para a expansão do PAIF23 23 A complementaridade desta ação do governo estadual para a descentralização é evidenciada por este trecho de estudo conduzido por Castro (2008), que argumenta que a constituição da estrutura física ficou a cargo dos municípios, sendo este um dos desafios para a implementação dos CRAS: "No que diz respeito detidamente ao CRAS, desde 2004, a pactuação nacional comprometeu a agenda federal no financiamento do custeio do seu processo de expansão com contrapartida de cada governo municipal no investimento em infra-estrutura física. O estudo de campo mostrou alta eficácia - de cerca de 80% dos centros visitados - na correta composição das equipes mínimas decorrentes desse cofinanciamento federal, ao tempo que identificou razoável ineficácia na solução do equipamento físico, nos seus aspectos localizacionais e construtivo-ambientais" (CASTRO, 2008, p. 22). .

O cofinanciamento de custeio realizado pelo governo estadual, de outro modo - além ter dado sustentabilidade aos repasses de investimento - pôde alcançar municípios que não recebiam cofinanciamento federal pelo critério do Índice SUAS. Por outro lado, a ausência de um critério inequívoco, como no caso do PAIF, que ordena os municípios que terão direito ao cofinanciamento, torna este menos transparente e mais susceptível à sua utilização como moeda de troca política, o que pode prejudicar o cálculo estratégico dos municípios de estabelecerem certos comportamentos para obterem determinados benefícios, no caso, as transferências de recursos. Ressalte-se ainda que esse cofinanciamento deve ser aprovado anualmente no orçamento e pactuado na CIB, o que o torna menos automático que o repasse federal. Tem-se aqui, portanto, convivendo, dois modelos de institucionalização: um que enfatiza a previsibilidade dos repasses, mas que é pouco responsivo a mudanças em termos de estratégias e prioridades da política; e outro que enfatiza a barganha e concertação federativa, mas que torna os repasses menos previsíveis para os diferentes atores. A escolha institucional frequentemente implica trade-offs para os policymakers.

Focando a expansão quantitativa dos recursos destinados aos CRAS, de 2005 a 2008, o cofinanciamento despendido pelos entes federados desenvolveu-se como evidenciado na tabela que se segue:

Os dados acima permitem que sejam feitas algumas observações sobre as estratégias e recursos manejados para induzir os municípios a implementarem os CRAS. Os primeiros anos de cofinanciamento dos CRAS, de 2003 a 2005, são marcados por um padrão de cofinanciamento que subsidiava mais de um CRAS em um mesmo município, como se observa pelo desencontro entre o número de CRAS e de municípios financiados, tanto para o MDS como para a Sedese.

De 2006 em diante, a estratégia, coincidente dos governos federal e estadual, é privilegiar o financiamento de um equipamento para cada município mineiro, havendo completa coincidência entre o número de municípios e de CRAS financiados.

Note-se que, no ano de 2007, o MDS não realizou expansão do PAIF. A rede de Proteção Social Básica foi expandida exclusivamente por meio do cofinanciamento do governo estadual, que aportou recursos tanto para investimento quanto para custeio, uma evidência do esforço da esfera estadual em induzir os municípios a implementarem os CRAS.

Outro ponto a ser sublinhado diz respeito aos repasses para investimentos capitaneados pela SEDESE. De 2005 a 2008, o número de equipamentos cofinanciados diminui abruptamente, voltando a crescer no último ano, mas ainda bem abaixo dos registrados nos dois primeiros anos.

Uma análise criteriosa desta alteração aponta para uma mudança na estratégia de cofinanciamento adotada durante o período pelo governo estadual. Em 2005 e 2006, a Sedese financiou uma quantidade muito elevada de municípios para aquisição de material permanente para os CRAS, com parcelas respectivamente de R$ 20 041,20 e R$ 10 094,00. Nos dois últimos anos, os recursos foram destinados para construção, ampliação e compra de imóvel para os CRAS, com parcelas de R$ 70 000,00.

De um financiamento fragmentado e pulverizado, com efeito limitado sobre a reestruturação do espaço físico dos equipamentos, optou-se por concentrar esforços na transferência de um montante de recursos maior para menos municípios, porém com maior impacto para auxiliá-los a constituírem um espaço adequado para a provisão dos serviços sócio-assistenciais.

Pelo exposto, as intervenções desses dois entes federados têm condições de se complementar e, em parte, se complementaram. Um reflexo disso são as discussões recentes de ações conjuntas no processo de implementação do SUAS em Minas Gerais24 24 Esse foi um dos temas centrais de discussão em visita (fevereiro de 2008) do Ministro Patrus Ananias ao estado de Minas Gerais (cf. AECIO E PATRUS ESTUDAM, 2008). .

Em muitos aspectos, no entanto, falta ainda articulação e sincronia entre os governos. Um exemplo é o da distribuição do cofinanciamento de custeio entre os municípios. Mesmo com o objetivo comum de financiar um CRAS por município, expresso em comunicações oficiais e evidenciado em 2005 pela V Conferência Nacional de Assistência Social, o estado de Minas Gerais e a União repassaram custeio, nos exercícios de 2006 a 2008, simultaneamente para uma média de 40 municípios, o que correspondeu a algo em torno de 45% dos repasses de custeio do governo estadual no período. Esse fato prejudicou a extensão da municipalização, pois novos municípios deixaram de receber cofinanciamento para a manutenção dos CRAS.

Diversas atas de reuniões da CIB apontam a intenção da Comissão de aguardar a lista de municípios do governo federal para que não houvesse sobreposição dos financiamentos25 25 Na reunião de fevereiro de 2006, foi registrado que quanto "aos Critérios de Partilha com recursos do Tesouro Estadual, ficou decidido adiar a discussão e aguardar a lista dos municípios contemplados com recursos do Tesouro Nacional, para que não haja duplicidade das ações.". Na reunião seguinte, a ata constou que "a CIB está aguardando a listagem do MDS para que não haja duplicidade de municípios beneficiados. [...] A preocupação da CIB/MG relaciona-se ao tempo que o MDS demorará para repassar as informações quanto ao valor orçamentário federal para liberação da listagem". . Na reunião de abril de 2006 foi compartilhada a informação que, de acordo com reunião da CIT, o orçamento da União não havia sido aprovado ainda, de forma que o MDS contava somente com uma lista desatualizada, que poderia vir a ser modificada. Foi discutido então que Minas Gerais não poderia esperar mais a lista do MDS.

Como os repasses para manutenção dos equipamentos de proteção social básica foram pactuados para seguir os critérios de transferência de recursos do Piso Básico Fixo estabelecido pela NOB-SUAS, o cofinanciamento deve se configurar como uma ação continuada. Na lógica de cofinanciamento de uma rede de municípios de forma permanente - uma idéia defendida insistentemente pelos representantes municipais com assento na CIB - os repasses devem continuar a ser realizados mesmo que sobrepostos ao do governo federal. Esta é uma questão complexa, uma vez que a sobreposição dos cofinanciamentos seria um problema do ponto de vista da expansão dos CRAS, ao mesmo tempo em que não o é sob a ótica da construção de um Sistema Único cofinanciado por todos os entes federados. A coordenação, logo no ano de 2006, do cofinanciamento de custeio - não previsto também como uma ação de responsabilidade dos estados - teria ampliado o alcance de municípios contemplados com pelo menos um recurso de custeio de um dos níveis mais abrangentes de governo.

A expansão da quantidade de CRAS foi acompanhada pela Ficha de Monitoramento dos CRAS, de 2007, e o Censo CRAS, de 2008, ambos constituídos pelo governo federal e respondidos pelos municípios, com apoio e coordenação de alguns estados. Para Minas Gerais, o total de CRAS em 2007 era de 495 distribuídos por 393 municípios. Para o ano de 2008, até o início de outubro, foi registrada a existência de 648 CRAS em 518 municípios.

Como se pode observar, a expansão dos CRAS pelos municípios mineiros está razoavelmente avançada. Em termos percentuais, para o ano de 2008, 60,72% dos municípios do estado possuíam ao menos um CRAS. A maior parte dos municípios aparece com um único CRAS, havendo equipamentos em municípios de todas as regiões administrativas do estado. Praticamente todos os municípios de porte médio ou superior possuíam ao menos um CRAS. A expansão para os próximos anos deverá contemplar os municípios Pequeno II e, principalmente, Pequeno I.

Em seguida, procede-se ao teste dos determinantes da descentralização dos equipamentos da Proteção Social Básica em Minas Gerais. Como exposto pela literatura em políticas públicas, serão basicamente contrapostos fatores de natureza estrutural ao desenho institucional e à ação deliberada dos entes federados mais centrais como hipóteses explicativas da descentralização.

As tabelas 5 e 6 são dois contrapontos a fatores estruturais. A literatura sobre descentralização de políticas públicas aponta que baixa ou precária capacidade econômica e/ou administrativa dos entes federados pode constituir-se em impedimento para a implementação de políticas públicas.

As tabelas dividem os municípios mineiros em quatro grupos com aproximadamente o mesmo número de municípios. A Tabela 5 utiliza-se da receita líquida per capita em 2004 para se referir à disponibilidade total de recursos com que a administração pública municipal conta para prover bens e serviços à população. A Tabela 6 refere-se ao PIB per capita em 2005 como medida da "base econômica" dos municípios para extrair recursos com objetivo de financiar políticas.

Uma análise das tabelas demonstra que a implementação dos CRAS não apenas ocorreu em todos os extratos dos municípios mineiros, mas foi ainda focalizada nos municípios mais pobres. Proporcionalmente, ela ocorreu em uma quantidade maior de municípios nos extratos com menores recursos econômicos. Em termos comparativos, 73,15% dos municípios no extrato com receita líquida per capita de até R$ 600,00 implementaram CRAS, porcentagem maior que a taxa de implementação para os outros extratos. Utilizando-se o indicador do PIB per capita, a proporção de municípios que implementaram CRAS na menor faixa (até R$ 3 630,00) foi ainda maior, alcançando 80,75% dos municípios neste extrato.

A "focalização" da expansão dos CRAS em vista de características econômicas dos municípios é evidenciada também pela Tabela 7. As regiões administrativas do estado com os piores indicadores demográficos e econômicofinanceiros apresentam índices bem maiores de implementação de CRAS em relação a outras regiões. A taxa de implementação no Jequitinhonha-Mucuri é de 92,42%, seguida pelo norte de Minas com 89,89% e pelo Rio Doce, que possui 70,59% de seus de seus municípios com ao menos um CRAS.

Outro fator estrutural relevante é a capacidade administrativa de os municípios mineiros gerenciarem políticas públicas de assistência social. Como proxy dessa variável foi utilizado o indicador de servidores da assistência social, dividido em quatro faixas aproximadamente com o mesmo número de elementos.

A Tabela 8 indica que, para os testes dos condicionantes econômicos, a implementação dos CRAS se deu em municípios que se encontram em todos os extratos. Diferentemente das outras variáveis estruturais, no entanto, menos municípios com os piores indicadores de capacidade administrativa implementaram CRAS proporcionalmente às outras faixas.

O processo de implementação dos CRAS em Minas Gerais demonstrou ainda significativa capacidade de induzir os municípios a instituírem os equipamentos, mesmo sem nenhum cofinanciamento dos níveis mais abrangentes de governo26 26 Para chegar ao número de CRAS implementados exclusivamente com recursos municipais, foram desconsiderados todos os equipamentos que receberam ao menos um recurso do governo estadual ou federal, para custeio ou investimento, segundo registros administrativos obtidos na Sedese. . No ano de 2007, o número de equipamentos com recursos exclusivamente municipais era de 80, distribuídos por 75 municípios. Em 2008 esse número aumentou, alcançando o total de 126 CRAS implementados sem cofinanciamento, em 112 municípios.

Com base na discussão levantada nesta seção, pode-se afirmar que a implementação dos CRAS em Minas Gerais remete a duas hipóteses associadas especificamente à centralidade da variável "ação política" para a descentralização de políticas sociais: a importância da ação indutora dos governos estaduais e a centralidade da coordenação de iniciativas entre as instâncias estaduais e federal para o desenvolvimento da municipalização (ARRETCHE, 2000).

A ativação da esfera estadual na articulação da política imprimiu incentivos para que a descentralização avançasse mesmo sem a expansão do cofinanciamento federal, em 2007; ofereceu um novo conjunto de recursos para que os municípios pudessem assumir as novas atribuições e competências preconizadas pela NOB-SUAS, por meio do cofinanciamento de despesas de capital (investimento); sustentou o custeio de parte dos municípios que receberam repasses de investimento e não tinham garantidos os recursos do PAIF. A estratégia de atuação da esfera estadual passou ainda por correções de rota, como no caso da mudança no formato de financiamento dos investimentos, de pulverizados para focalizados e mais substantivos. Houve diminuição da abrangência de municípios a serem cofinanciados, mas ampliou-se a qualidade do cofinanciamento realizado, com maior força indutora.

Uma análise dos fatores estruturais, com base nos cruzamentos realizados nesta seção, demonstra que a capacidade econômicofinanceira e administrativa dos municípios mineiros não constituiu impedimento para a descentralização. Em vista dos critérios econômicos, a expansão do número de CRAS em Minas Gerais foi "focalizada": maior proporção de municípios na menor faixa de receita líquida per capita e PIB per capita implementaram os equipamentos. Em face do indicador de capacidade administrativa, entretanto, foram os municípios com a maior quantidade de pessoal na assistência social per capita que implementaram pelo menos um CRAS. Mesmo nesse caso, para todas as faixas, acima da metade dos municípios implementou um equipamento.

Uma explicação plausível para a distribuição da cobertura dos CRAS em Minas Gerais assenta-se nos mecanismos de indução implementados pelos governos federal e estadual. Para todos os repasses federais e a maioria dos estaduais, foram utilizados critérios sócio-econômicos que priorizaram as regiões mais pobres, nas quais as prefeituras contam com menores recursos financeiros e há maior quantidade de famílias em situação de vulnerabilidade. Esses critérios talvez possam explicar também o porquê dos municípios com baixa capacidade institucional na área de assistência social terem sido os que menos implementaram CRAS em termos relativos: os repasses de recursos para os CRAS não previram nenhum critério que levasse em consideração a capacidade de gestão municipal da política de assistência social27 27 O IGD foi criado especificamente para o aperfeiçoamento da qualidade de gestão do Programa Bolsa Família. Entretanto, seus critérios de desempenho para aferir os repasses estão condicionados exclusivamente à qualidade dos registros do CadÚnico e ao acompanhamento do cumprimento das condições pelas famílias que recebem o Bolsa Família, não se referindo à necessidade de constituição dos equipamentos da proteção social básica. Ademais, a condição para recebimento dos recursos é estar habilitado ao SUAS. Deste modo, municípios em Gestão Inicial - sem a obrigatoriedade de constituir CRAS - podem receber os repasses do IGD. .

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se a implementação de políticas sociais quando se tem algum grau de controle e governabilidade sobre os "executores" diretos, como ocorre no interior de organizações administrativas hierarquicamente subordinadas, não é tarefa simples, em federações os desafios são muito maiores. Envolvem processos de barganha, convencimento e interação permanente, uma vez que os pactuantes do acordo federativo possuem autonomia para interferir no jogo político da descentralização e, no limite, podem não aderir à política instituída pelo governo central (idem, 2004).

O federalismo como forma de organização e distribuição do poder político acrescenta o elemento das relações inter-governamentais para o entendimento dos alcances, formatos e conseqüências da descentralização de políticas sociais. A descentralização por si só não é garantia de maior eficácia e participação política nos níveis locais de governo (idem, 1996).

O papel exercido pelas instâncias mais abrangentes de governo e pelas regras formais é ainda mais significativo quando se leva em consideração o modelo federativo brasileiro, que não atribuiu competências bem-definidas para os três entes governamentais no campo das políticas sociais. A desigualdade e assimetria de condições econômicas entre os entes federados implicam ainda diferentes capacidades para assumir a gestão, em nível local, de políticas como educação, saúde e assistência social, o que amplia a importância das relações inter-governamentais para a descentralização.

Este artigo pretendeu analisar a descentralização recente do SUAS no estado de Minas Gerais enfocando os mecanismos institucionais e de ação política para explicar os diferentes níveis de adesão a dois "programas" principais: a habilitação dos municípios ao Sistema Único e a implementação dos CRAS. O estudo de caso analisado evidencia o papel exercido pelas regras instituídas e a forma e intensidade do comprometimento das instâncias mais abrangentes de governo como variáveis centrais no processo de descentralização de políticas sociais.

A habilitação dos municípios destaca a importância do legado de políticas prévias, dos arranjos institucionais e da ação política dos níveis mais abrangentes de governo para explicar o processo de municipalização. Desse modo, a descentralização já estava em curso, promovida anteriormente pelas NOB n. 1 e 2. A existência de três níveis de gestão para os municípios no SUAS permitiu a adesão gradual destes, de acordo com a capacidade institucional e o nível de comprometimento que desejassem assumir com a política de assistência social. As regras mais flexíveis para o período de transição propiciaram que muitos municípios pudessem se habilitar mesmo sem cumprirem integralmente com as exigências da normativa federal, uma vez que parte dos requisitos exigia apenas a declaração do gestor municipal. Ressalte-se, somando-se a isso, o papel do órgão gestor federal, que previu repasse de recursos a serviços sócio-assistenciais vinculados à habilitação dos municípios. O gestor estadual da política, em complemento, assumiu a coordenação do processo de habilitação em Minas Gerais, conduzindo ações para diminuir as assimetrias informacionais e técnicas dos municípios à rede do SUAS.

Tendo em vista a quase universalização da habilitação, não foram necessários testes empíricos para analisar a influência de fatores estruturais para este "programa". Em seu lugar, foi organizada uma tentativa de abordar a "qualidade" ou adequabilidade das habilitações por meio de comparações com variáveis de capacidade administrativa e esforço municipal na área de assistência. Os resultados apontam enorme dispersão em cada um dos tipos de habilitações e uma leve melhoria dos indicadores para os municípios nos níveis mais exigentes de habilitação, menos para capacidade administrativa. Isso significa que os municípios em uma mesma habilitação são muito heterogêneos entre si, havendo uma melhoria apenas residual para os municípios nas habilitações que denotam maior compromisso com a assistência social.

A implementação dos CRAS demonstrou como mecanismos de indução e a coordenação de ações entre os entes federados é essencial para processos de descentralização de políticas sociais. Os arranjos constituídos, especificamente para o cofinanciamento, foram importantes para a expansão do número de CRAS no estado de Minas Gerais. Os níveis mais abrangentes de governo cofinanciaram com recursos próprios a implantação desses equipamentos, o que por si só é um incentivo à adesão. Em vista dos critérios adotados para os repasses, a implementação foi "focalizada": as regiões administrativas do estado com os piores indicadores sócio-econômicos (Jequitinhonha/Mucuri, Norte de Minas e Rio Doce) foram as que proporcionalmente mais implementaram CRAS.

Os fatores estruturais, quando testados, demonstraram que a baixa capacidade administrativa e econômica não foram obstáculos para a expansão dos equipamentos. Em todas as faixas analisadas, municípios aderiram ao "programa" de implementação dos CRAS. Os fatores econômicos, no entanto, apontam uma concentração maior de adesão entre os municípios menos abastados. Por outro lado, os municípios com os melhores indicadores de capacidade administrativa foram os que mais implementaram CRAS proporcionalmente às outras faixas.

Em síntese, a implementação do SUAS em Minas Gerais encontra-se avançada em alguns campos, como o da habilitação, e em processo de expansão para a implementação dos CRAS. A análise desenvolvida neste estudo ilustra que há um grau significativo de acerto para a premissa de que arranjos institucionais e mecanismos de indução são importantes em processos de descentralização de políticas públicas. Foram contrapostos fatores apontados pela literatura como relevantes para informar o alcance da descentralização, em particular os fatores estruturais e que traduzem o legado de políticas e trajetórias prévias e da engenharia operacional da política específica. Os mecanismos institucionais e de ação política foram centrais para complementar o processo de habilitação dos municípios e diminuir os custos da implementação dos CRAS, com forte caráter indutor. Desse modo, seja por sua presença efetiva, ou por sua ausência ou presença residual, arranjos institucionais bem-definidos e o compromisso das instâncias mais abrangentes foram essenciais para explicar a descentralização da política de assistência social em Minas Gerais. Uma hipótese explicativa relevante, contudo, sobre o formato de interação entre Estado e sociedade - exemplificada principalmente pelo nível de capital social presente nos diferentes municípios - não foi testada.

Não se pode afirmar ainda que, para todas as políticas sociais, regras formais bem-definidas e mecanismos de indução das esferas interessadas sejam condição necessária sem a qual processos de descentralização não ocorreriam. Entretanto, para o campo específico da assistência social, como demonstra o estudo de caso em análise, tais variáveis mostraram-se adequadas para explicar, com nível razoável de acerto, a descentralização recente ocorrida em Minas Gerais.

O estudo desenvolvido pretendeu evidenciar a centralidade das regras instituídas e das relações inter-governamentais para explicar o processo de descentralização da assistência social em Minas Gerais. Não se deve perder de vista, entretanto, que a descentralização instituída por meio do SUAS é um processo em construção e não deve ser concebida como um fim em si mesmo: ampliar a democratização e a participação política ao nível local e o papel dos municípios na implementação de políticas sociais deve possibilitar, ao fim e ao cabo, que melhores serviços sejam ofertados a quem deles necessitar.

OUTRAS FONTES

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Recebido em 29 de maio de 2009.

Aprovado em 7 de julho de 2009.

Pedro Lucas de Moura Palotti (pedropalotti@gmail.com) é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e mestrando em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Bruno Lazzarotti Diniz Costa (bruno.diniz@fjp.mg.gov.br) é Doutor em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pesquisador da Fundação João Pinheiro (FJP).

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  • _____ Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social. 2006. Relatório de Gestão de 2006 Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social.
  • 1
    Os autores agradecem as críticas, comentários e contribuições apresentadas em outras versões desse trabalho no Encontro de Administração Pública e Governança (EnAPG) e no 33º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), bem como aos dois pareceristas anônimos. Agradecem também a cooperação atenciosa dos servidores da Sub-secretaria de Assistência Social da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais na realização da pesquisa que subsidiou este trabalho e os comentários preciosos dos pareceristas anônimos. Erros e omissões, nunca é demais dizer, são de nossa inteira responsabilidade.
  • 3
    Programas de transferência direta de renda foram institucionalizados, particularmente no segundo mandato.
  • 2
    A classificação acompanha a tipologia de Titmuss citada por Draibe (1988), que distingue três tipos de estado de bem-estar social: residual; meritocrático-particularista e institucional-redistributivo - de acordo com a forma, sentido e intensidade da intervenção estatal na proteção social.
  • 4
    É bom ressaltar que essa reorientação é resultante não apenas de decisões políticas ou programáticas oriundas do próprio governo empossado. Há vários vetores que concorrem para a conformação da estratégia adotada: herança de políticas prévias, como o embrião de Cadastramento Único, ensaiado no segundo mandado do Presidente Fernando Henrique Cardoso; por outro lado, há uma apropriação criativa da agenda de políticas dos organismos internacionais, como a focalização nos segmentos mais pobres como estratégia de combate à pobreza e otimização de recursos.
  • 5
    O conceito de programa adotado aqui é o de "uma possível área de atuação do Estado, no interior de uma dada área da política social, mesmo que esta atuação não tenha ocorrido" (ARRETCHE, 2000, p. 36).
  • 6
    A pesquisa que subsidiou este trabalho contemplou também a análise da implementação dos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS), que por motivo de espaço não foram incluídos neste artigo.
  • 7
    A CIB passou ainda a considerar critérios mais qualitativos, e exigentes, para a habilitação, considerados imprescindíveis. Desse modo, "as leis de conselho e fundo municipais deveriam estabelecer dispositivos para assegurar a democratização das relações de poder no interior do sistema (como exemplo temos a paridade entre a representação da sociedade civil e o governo no conselho, a comprovação de alocação de recursos orçamentários no fundo através da lei orçamentária anual) e conseqüentemente da gestão e do controle social" (SILVA, 2005, p. 63).
  • 8
    Houve, contudo, mudança significativa para a estruturação dos repasses de financiamento entre os entes federados. A NOB n. 2 instituiu a transferência regular e automática de recursos federais às instâncias municipais para o financiamento dos serviços assistenciais (LIMA, 2002).
  • 9
    No momento anterior à NOB-SUAS, em julho de 2005, encontravam-se em gestão estadual 287 municípios. No final desse ano, esse número, referente agora aos municípios não-habilitados, passou para 214.
  • 10
    Para auxiliar no processo de descentralização, foram contratados temporariamente 12 profissionais de diferentes formações profissionais, entre os quais, advogados, assistentes sociais, psicólogos, comunicólogos e administradores públicos.
  • 11
    Posteriormente, como consta da ata da CIB de dezembro de 2006, foi "enviado um ofício para Exma. Sra. Ana Lígia Gomes, Secretária Nacional de Assistência Social, solicitando à CIT (Comissão Inter-gestores Tripartite) que se pronunciasse quanto ao FMAS como Unidade Orçamentária, nas Gestões inicial, Básica e Plena, para esclarecimento das dúvidas dos membros da CIB (Comissão Inter-gestores Bipartite)". Na reunião de maio de 2007 foi pactuado que o Fundo Municipal de Assistência Social somente seria aceito como Unidade Orçamentária.
  • 12
    As regras do jogo a que se refere aqui são as exigências, em termos de documentação, estrutura e capacidade para que um município se habilite a um determinado nível de gestão, bem como os benefícios, em termos de recursos ou autonomia decorrentes desta habilitação.
  • 13
    Deve-se lembrar que esses mesmos municípios estavam anteriormente em Gestão Estadual.
  • 14
    Essa é uma questão relevante, principalmente em vista das discussões atuais no plano federal. O seguinte trecho do Resumo Executivo da 78ª Reunião da CIT de julho de 2008 é elucidativo: "A idéia da gestão inicial nasceu como 'de transição'. Nessa gestão os municípios mantêm serviços que estão em transição, que ainda não estão no modelo previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Estatuto do Idoso e pela Política da Pessoa com Deficiência. Assume também a gestão do trabalho infantil e o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Esses municípios ainda não passaram por uma discussão de territorialização e descentralização. É preciso discutir descentralização e territorialização, para alcançar a maturidade da gestão do SUAS. Hoje temos 1 204 municípios em gestão inicial. É ainda necessário manter essa gestão no SUAS uma vez que a transição está bem avançada?" (BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE, 2008).
  • 15
    Isso se repete também para o restante do país: "O número de municípios em gestão plena praticamente não mudou desde 2005. Não houve mobilidade de uma gestão para outra, tanto para cair como para subir de um nível para outro" (BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE, 2008).
  • 16
    Foram utilizados para essa variável o total de servidores da assistência social sem curso superior (k') somado ao total de servidores da assistência social com curso superior (k") acrescido de um peso de 1,5. O número resultante foi multiplicado por 10.000 e dividido pela população estimada do município (μ). A fórmula que sintetiza este raciocínio é k = (k'+1,5 k")*10.000/μ. Os valores vão de 0,424 até 162,517, com a média em 11,49. A única diferença com relação à fórmula constituída por Spinelli (2008) foi a multiplicação por 10 000 e não 1 000, o que modifica somente a grandeza dos indicadores.
  • 17
    Os recursos do FNAS foram distribuídos da seguinte forma, por porte populacional: 20% para Pequeno I, 17% para Pequeno II, 12% para Médio, 31% para Grande e 20% para Metrópole.
  • 18
    Visa à distribuição de recursos para os municípios em todos os estados brasileiros, por meio de divisão proporcional entre o total da população vulnerável.
  • 19
    O Índice SUAS é composto pelos indicadores de taxa de vulnerabilidade, receita corrente líquida municipal
    per capita e recursos transferidos pelo Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), para a Proteção Social Básica
    per capita; sendo que o primeiro deles tem peso 2.
  • 20
    O valor pago para o Piso Básico Fixo, composto dos serviços transferidos para os serviços do PAIF, por CRAS, é calculado como R$ 1,80 por família referenciada. Isso implica o repasse mensal de R$ 4 500,00 para Pequeno I, R$ 6 300,00 para Pequeno II e R$ 9 000,00 para o restante.
  • 21
    Destaque-se, neste sentido, a atuação da Comissão de Participação Popular da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, articuladora, por meio de emendas parlamentares no processo de revisão do PPAG, de parte significativa do cofinanciamento dos CRAS durante o período.
  • 22
    O Travessia é um programa do governo do estado de Minas Gerais que tem como objetivo promover a inclusão social e produtiva da população em situação de vulnerabilidade social, com base na articulação inter-setorial de políticas sociais em localidades definidas.
  • 23
    A complementaridade desta ação do governo estadual para a descentralização é evidenciada por este trecho de estudo conduzido por Castro (2008), que argumenta que a constituição da estrutura física ficou a cargo dos municípios, sendo este um dos desafios para a implementação dos CRAS: "No que diz respeito detidamente ao CRAS, desde 2004, a pactuação nacional comprometeu a agenda federal no financiamento do custeio do seu processo de expansão com contrapartida de cada governo municipal no investimento em infra-estrutura física. O estudo de campo mostrou alta eficácia - de cerca de 80% dos centros visitados - na correta composição das equipes mínimas decorrentes desse cofinanciamento federal, ao tempo que identificou razoável ineficácia na solução do equipamento físico, nos seus aspectos localizacionais e construtivo-ambientais" (CASTRO, 2008, p. 22).
  • 24
    Esse foi um dos temas centrais de discussão em visita (fevereiro de 2008) do Ministro Patrus Ananias ao estado de Minas Gerais (cf. AECIO E PATRUS ESTUDAM, 2008).
  • 25
    Na reunião de fevereiro de 2006, foi registrado que quanto "aos Critérios de Partilha com recursos do Tesouro Estadual, ficou decidido adiar a discussão e aguardar a lista dos municípios contemplados com recursos do Tesouro Nacional, para que não haja duplicidade das ações.". Na reunião seguinte, a ata constou que "a CIB está aguardando a listagem do MDS para que não haja duplicidade de municípios beneficiados. [...] A preocupação da CIB/MG relaciona-se ao tempo que o MDS demorará para repassar as informações quanto ao valor orçamentário federal para liberação da listagem".
  • 26
    Para chegar ao número de CRAS implementados exclusivamente com recursos municipais, foram desconsiderados todos os equipamentos que receberam ao menos um recurso do governo estadual ou federal, para custeio ou investimento, segundo registros administrativos obtidos na Sedese.
  • 27
    O IGD foi criado especificamente para o aperfeiçoamento da qualidade de gestão do Programa Bolsa Família. Entretanto, seus critérios de desempenho para aferir os repasses estão condicionados exclusivamente à qualidade dos registros do CadÚnico e ao acompanhamento do cumprimento das condições pelas famílias que recebem o Bolsa Família, não se referindo à necessidade de constituição dos equipamentos da proteção social básica. Ademais, a condição para recebimento dos recursos é estar habilitado ao SUAS. Deste modo, municípios em Gestão Inicial - sem a obrigatoriedade de constituir CRAS - podem receber os repasses do IGD.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      07 Jul 2009
    • Recebido
      29 Maio 2009
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