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O que esperar das relações Brasil-China?

Brazil-China relations: what should we expect?

Que devons-nous attendre des relations entre le Brésil et la Chine?

Resumos

O artigo trata das relações recentes mantidas entre o Brasil e a República Popular da China (RPC). Objetiva-se apontar os resultados alcançados e os desafios remanescentes nas relações econômico-comerciais e na cooperação bilateral sino-brasileira nas últimas duas décadas (1990-2010). Utiliza-se a hipótese de que as relações entre Brasil e China apresentaram avanços durante o período graças, em especial, à maior liberdade de ação promovida pela interdependência crescente do sistema internacional; embora tais avanços tenham sido limitados devido, sobretudo, (i) às instabilidades internas no Brasil e na China e (ii) à falta de planejamento sistemático da parceria sino-brasileira. Para verificar a hipótese foi examinada a evolução histórica das relações sino-brasileiras, destacando as três primeiras fases das relações bilaterais, referentes à (i) gestação das relações (1949-1974); (ii) fixação das bases das relações (1974-1990); (iii) crise nas relações bilaterais (1990-1993). Em seguida, foram apresentadas as duas últimas fases das relações sino-brasileiras; (iv) o estabelecimento da parceria estratégica (1993-2003) e (v) a maturação das relações bilaterais sino-brasileiras (2003 aos dias atuais). Concluímos que, por um lado, os processos de abertura e globalização no início dos anos 1990 permitiram um aumento de laços entre Brasil e China e, por outro, crises de legitimidade chinesa no plano internacional e mudanças na política externa brasileira levaram a fortes impasses nas relações; por sua vez, enquanto o Brasil hesitou entre uma política externa cooperativa e desenvolvimentista e uma política externa neoliberal e autolimitada à exploração de aspectos econômicos, e submissa a forças hegemônicas internacionais, a China reforçou o pragmatismo de seu comportamento internacional, ampliando o perfil logístico de sua política externa e a busca por oportunidades já no início dos anos 2000.

China; Brasil; relações bilaterais; relações econômico-comerciais


This article looks at recent relations established between Brazil and the People's Republic of China (PRC). Our goal is to draw attention to the results that have been obtained as well as the challenges that remain in Sino-Brazilian economic and commercial relations, as they have unfolded over the last two decades (1990-2010). Our hypothesis is that relations between Brazil and China have moved ahead during this period, particularly due to the greater freedom of action promoted by the growing interdependence of the international system. Nonetheless, progress has been limited, largely because of (i) internal instabilities in Brazil and China and (ii) the lack of systematic planning in the Brazil-China partnership. In order to verify this hypothesis, we have examined the historical evolution of Sino-Brazilian relations, highlighting the first three phases of bilateral relations, which we classify as follows: (i) relations management (1949 -1974), (ii) establishing the fundaments (1974-1990); (iii) crisis in bilateral relations (1990-1993). Next, we look at the last two phases of Sino-Brazilian relations, (iv) the establishment of strategic partnerships (1993-2003) and (v) maturity of Sino-Brazilian relations (2003 to the present day). We conclude that, if on the one hand the processes of opening and globalization at the beginning of the 1990s allowed for intensified relations between Brazil and China, on the other hand, Chinese crises of legitimacy at the international level and changes in Brazilian foreign policy created many knots in these relations. While Brazil oscilated between a cooperative, developmentalist foreign policy and a neo-liberal one limited to economic interest and submissive to internationally hegemonic forces, China reinforced its pragmatic international behavior, thus widening the logistic profile of its foreign policy and its search for opportunities, beginning in the early 2000s.

China; Brazil; Bilateral Relations; Economic and Commercial Relations


L'article traite des relations récentes entretenues entre le Brésil et la République Populaire de La Chine (RPC). L'objectif, c'est de montrer les résultats obtenus et les défis qui subsistent dans les relations économiques, commerciales et dans la coopération bilatérale sino-brésilienne pendant les dernières décénnies (1990-2010). On utilise l'hypothèse selon laquelle, les relations entre le Brésil et la Chine ont présenté des progrès pendant cette période, particulièrement à cause d'une plus grande liberté d'action promue par l'interdépendance croissante du système international ; malgré les limitations de ces progrès, dues surtout, (i) aux instabilités internes du Brésil et de la Chine, et (ii) au manque de planification systématique du partenariat sino-brésilien. Pour vérifier l'hypothèse, l'évolution historique des relations sino-brésiliennes a été examinée, étant soulignées les trois premières phases des relations bilatérales, qui font référence à (i) la période de développement des relations (1949-1974), à (ii) l'établissement des bases des relations (1974-1990), et à (iii) la crise des relations bilatérales (1990-1993). En suite, les deux dernières phases des relations sino-brésiliennes ont été présentées ; (iv) l'établissement d'un partenariat stratégique (1993-2003) et (v) la maturation des relations bilatérales sino-brésiliennes (à partir de 2003, jusqu'à aujourd'hui). Nous concluons que, d'un côté, les processus d'ouverture et de mondialisation au début des années 1990, ont permis un resserrement des liens entre le Brésil et la Chine; d'un autre côté, les crises de légitimité chinoise dans le plan international et les changements dans la politique extérieure brésilienne, ont conduit à des fortes impasses dans les relations. A son tour, pendant que le Brésil hésitait entre une politique extérieure de coopération et développement, et une politique extérieure néolibérale et autolimitée à l'exploitation des aspects économiques, et soumise à des forces hégémoniques internationales, la Chine a renforcé le pragmatisme de son comportement international, en intensifiant le profil logistique de sa politique extérieure et la recherche d'opportunités déjà au début des années 2000.

la Chine; le Brésil; les relations bilatérales; les relations économiques et commerciales


DOSSIÊ "CHINA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SEGURANÇA INTERNACIONAL"

Que devons-nous attendre des relations entre le Brésil et la Chine?

Danielly Silva Ramos Becard

RESUMO

O artigo trata das relações recentes mantidas entre o Brasil e a República Popular da China (RPC). Objetiva-se apontar os resultados alcançados e os desafios remanescentes nas relações econômico-comerciais e na cooperação bilateral sino-brasileira nas últimas duas décadas (1990-2010). Utiliza-se a hipótese de que as relações entre Brasil e China apresentaram avanços durante o período graças, em especial, à maior liberdade de ação promovida pela interdependência crescente do sistema internacional; embora tais avanços tenham sido limitados devido, sobretudo, (i) às instabilidades internas no Brasil e na China e (ii) à falta de planejamento sistemático da parceria sino-brasileira. Para verificar a hipótese foi examinada a evolução histórica das relações sino-brasileiras, destacando as três primeiras fases das relações bilaterais, referentes à (i) gestação das relações (1949-1974); (ii) fixação das bases das relações (1974-1990); (iii) crise nas relações bilaterais (1990-1993). Em seguida, foram apresentadas as duas últimas fases das relações sino-brasileiras; (iv) o estabelecimento da parceria estratégica (1993-2003) e (v) a maturação das relações bilaterais sino-brasileiras (2003 aos dias atuais). Concluímos que, por um lado, os processos de abertura e globalização no início dos anos 1990 permitiram um aumento de laços entre Brasil e China e, por outro, crises de legitimidade chinesa no plano internacional e mudanças na política externa brasileira levaram a fortes impasses nas relações; por sua vez, enquanto o Brasil hesitou entre uma política externa cooperativa e desenvolvimentista e uma política externa neoliberal e autolimitada à exploração de aspectos econômicos, e submissa a forças hegemônicas internacionais, a China reforçou o pragmatismo de seu comportamento internacional, ampliando o perfil logístico de sua política externa e a busca por oportunidades já no início dos anos 2000.

Palavras-chave: China; Brasil; relações bilaterais; relações econômico-comerciais.

ABSTRACT

This article looks at recent relations established between Brazil and the People's Republic of China (PRC). Our goal is to draw attention to the results that have been obtained as well as the challenges that remain in Sino-Brazilian economic and commercial relations, as they have unfolded over the last two decades (1990-2010). Our hypothesis is that relations between Brazil and China have moved ahead during this period, particularly due to the greater freedom of action promoted by the growing interdependence of the international system. Nonetheless, progress has been limited, largely because of (i) internal instabilities in Brazil and China and (ii) the lack of systematic planning in the Brazil-China partnership. In order to verify this hypothesis, we have examined the historical evolution of Sino-Brazilian relations, highlighting the first three phases of bilateral relations, which we classify as follows: (i) relations management (1949 -1974), (ii) establishing the fundaments (1974-1990); (iii) crisis in bilateral relations (1990-1993). Next, we look at the last two phases of Sino-Brazilian relations, (iv) the establishment of strategic partnerships (1993-2003) and (v) maturity of Sino-Brazilian relations (2003 to the present day). We conclude that, if on the one hand the processes of opening and globalization at the beginning of the 1990s allowed for intensified relations between Brazil and China, on the other hand, Chinese crises of legitimacy at the international level and changes in Brazilian foreign policy created many knots in these relations. While Brazil oscilated between a cooperative, developmentalist foreign policy and a neo-liberal one limited to economic interest and submissive to internationally hegemonic forces, China reinforced its pragmatic international behavior, thus widening the logistic profile of its foreign policy and its search for opportunities, beginning in the early 2000s.

Keywords:China; Brazil; Bilateral Relations; Economic and Commercial Relations.

RESUMÉ

L'article traite des relations récentes entretenues entre le Brésil et la République Populaire de La Chine (RPC). L'objectif, c'est de montrer les résultats obtenus et les défis qui subsistent dans les relations économiques, commerciales et dans la coopération bilatérale sino-brésilienne pendant les dernières décénnies (1990-2010). On utilise l'hypothèse selon laquelle, les relations entre le Brésil et la Chine ont présenté des progrès pendant cette période, particulièrement à cause d'une plus grande liberté d'action promue par l'interdépendance croissante du système international ; malgré les limitations de ces progrès, dues surtout, (i) aux instabilités internes du Brésil et de la Chine, et (ii) au manque de planification systématique du partenariat sino-brésilien. Pour vérifier l'hypothèse, l'évolution historique des relations sino-brésiliennes a été examinée, étant soulignées les trois premières phases des relations bilatérales, qui font référence à (i) la période de développement des relations (1949-1974), à (ii) l'établissement des bases des relations (1974-1990), et à (iii) la crise des relations bilatérales (1990-1993). En suite, les deux dernières phases des relations sino-brésiliennes ont été présentées ; (iv) l'établissement d'un partenariat stratégique (1993-2003) et (v) la maturation des relations bilatérales sino-brésiliennes (à partir de 2003, jusqu'à aujourd'hui). Nous concluons que, d'un côté, les processus d'ouverture et de mondialisation au début des années 1990, ont permis un resserrement des liens entre le Brésil et la Chine; d'un autre côté, les crises de légitimité chinoise dans le plan international et les changements dans la politique extérieure brésilienne, ont conduit à des fortes impasses dans les relations. A son tour, pendant que le Brésil hésitait entre une politique extérieure de coopération et développement, et une politique extérieure néolibérale et autolimitée à l'exploitation des aspects économiques, et soumise à des forces hégémoniques internationales, la Chine a renforcé le pragmatisme de son comportement international, en intensifiant le profil logistique de sa politique extérieure et la recherche d'opportunités déjà au début des années 2000.

Mots-clés: la Chine; le Brésil; les relations bilatérales; les relations économiques et commerciales.

I. INTRODUÇÃO: RELAÇÕES EMBRIONÁRIAS ENTRE BRASIL E CHINA (1949-1974)

A história comum entre Brasil e China, cujas raízes remontam aos anos 1950, passou por diversas etapas que refletiram sobremaneira os projetos desenvolvimentistas de ambos os países e sua capacidade de adaptação às transformações em curso no sistema internacional. A primeira fase das relações sino-brasileiras - que se estendeu da fundação da República Popular da China, em 1949, até a assinatura do acordo de reconhecimento diplomático entre os dois países, em 1974 - foi marcada por grandes objetivos de parte a parte: a vontade chinesa de prosseguir com sua política de libertação nacional e o interesse brasileiro de alargar sua lista de parceiros comerciais e aumentar seu prestígio internacional. O ápice da fase embrionária ocorreu em 1961, com a visita do Vice-Presidente João Goulart à China, a primeira até então.

Logo após a sua fundação em 1949 e ao longo da década de 1950, o interesse da República Popular da China (RPC) pela América Latina, em geral, e pelo Brasil, em particular, estava diretamente ligado à vontade de reconstruir o país e aumentar sua segurança. Diante das dificuldades enfrentadas no relacionamento com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a partir do final dos anos 1950, a China decidiu contra-atacar sistematicamente a política soviética no seio do movimento comunista internacional, com vistas a aumentar seu poder político e fazer-se aceitar mundialmente.

Na década de 1960, a China passou a lutar contra as forças hegemônicas das duas potências da época, Estados Unidos e URSS, apoiando-se nos países capitalistas desenvolvidos da Europa Ocidental e nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina para prosseguir na luta de libertação nacional. Porém, e em particular, vários fatores dificultaram o desenvolvimento de uma verdadeira política externa chinesa para a América Latina ao longo das décadas de 1950 e 1960: a falta de recursos financeiros, a diplomacia marcadamente isolacionista e a preponderância dos Estados Unidos na América Latina - inclusive por meio de políticas de contenção ao comunismo. Os resultados obtidos pelos chineses foram poucos, sendo que os latino-americanos de "esquerda" preferiram, em sua maioria, continuar sob a influência soviética.

O Brasil, de sua parte, também buscou aproximar-se da China nos anos 1960, afirmando que desacordos ideológicos não deveriam impedir que o país mantivesse relações com todos os povos. Assim, a política de alargamento de parceiros comerciais e de aumento do prestígio internacional do país fez que, durante a presidência de Jânio Quadros (janeiro de 1961 a agosto de 1961), o Brasil aproximasse-se da China. Em agosto de 1961, por exemplo, o Vice-Presidente João Goulart visitou a China, tornando-se o primeiro governante brasileiro a realizar uma visita oficial ao país.

A partir da instauração do regime militar brasileiro, em 1 de abril de 1964, o governo de Castello Branco afastou-se da política externa praticada até então, a chamada política externa independente, e decidiu juntar-se às potências ocidentais, sobretudo por meio do alinhamento automático com os Estados Unidos. Romperam-se, de imediato, as relações com a China, sob a influência de idéias discriminatórias e do repúdio às práticas comunistas revolucionárias.

Porém, no início da década de 1970, diferentes fatores permitiram uma reaproximação entre Brasil e China. Por um lado, a China diminuiu seu apoio aos movimentos revolucionários na América Latina (considerados inaceitáveis pelo regime militar brasileiro) e buscou desenvolver uma diplomacia estratégica de governo a governo - prometendo respeitar o princípio de não intervenção em assuntos internos (também adotado pela diplomacia brasileira). Interessava à China encerrar o isolamento de Pequim no sistema internacional, aumentar sua legitimidade internacional e angariar apoio e reconhecimento, inclusive perante atitudes independentistas de Taiwan. Frente aos ganhos limitados obtidos até então, a política externa chinesa também passou a ostentar atitudes menos ideológicas e mais pragmáticas, voltando-se não apenas para a busca de segurança e independência, mas principalmente do desenvolvimento nacional. A opção de participar ativamente das questões americano-soviéticas, a partir da década de 1970, modificou profundamente a situação internacional da China, proporcionando-lhe mais segurança frente à URSS, maior inserção no mundo dos negócios ocidental e mais chances de alcançar suas ambições político-econômicas. A obtenção de assento permanente, antes ocupado por Taiwan, no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1971, em troca da aproximação com os Estados Unidos para fazer face à URSS, trouxe melhoras progressivas para as relações internacionais da China, tirando-a de seu isolamento político.

Por outro lado, com a retomada do curso histórico e nacional-desenvolvimentista da diplomacia brasileira, o Brasil também passou a adotar atitude mais pragmática e menos ideológica na condução de sua política externa, sobretudo objetivando aumentar as possibilidades de diversificar seus parceiros e abrir novos mercados. Porém, apesar dos esforços de aproximação empregados pelo Brasil frente à China, aspectos ligados à ideologia de segurança nacional e ao combate ao comunismo persistiram na definição dos interesses nacionais brasileiros durante o governo Médici (1969-1974), impedindo, mas por pouco tempo, a oficialização das relações.

II. FIXAÇÃO DE BASES DAS RELAÇÕES SINO-BRASILEIRAS (1974-1990)

Decorrida uma década desde a instauração do regime militar brasileiro, as relações entre Brasil e China começaram a ser, de fato, construídas, agora sobre bases mais sólidas.

Com o chamado pragmatismo responsável e uma maior flexibilidade ideológica, adotados pelo governo de Ernesto Geisel (1974-1979), a cooperação com a China tornou-se possível. Tal relação deveria servir, de acordo com o olhar do Brasil, para afirmar a presença autônoma e aumentar o prestígio brasileiro no sistema internacional. Foram considerados subsídios de peso na decisão adotada por Geisel perante a China, tanto o prestígio internacional adquirido por este país quanto a convergência de interesses e posições políticas internacionais que passaram a existir entre os novos parceiros.

Apesar da vontade de Brasil e China em promover a cooperação bilateral, as relações desenvolveram-se lentamente nos primeiros anos desde o restabelecimento oficial de laços diplomáticos, em agosto de 1974. Na China, mudanças políticas internas (após a morte de Zhou En-lai e de Mao Zedong, ambas em 1976) e necessidades de ajustes nos projetos de reforma econômica e de melhorias de infraestrutura dificultaram as trocas entre os parceiros. Assim como o Brasil, a China carecia, naquele momento, de recursos para incrementar as relações Sul-Sul. Por sua vez, o entendimento mútuo era dificultado pelas grandes distâncias físicas e culturais e conhecimento incipiente das realidades nacionais.

Com a assinatura do primeiro Acordo Comercial entre Brasil e China (em 1978), a corrente de comércio começou a evoluir de forma gradual, indo de US$ 19,4 milhões em 1974 para US$ 202 milhões em 1979. Produtos primários como algodão, açúcar e farelo de soja figuraram entre os mais exportados para a China naquele momento (50% do total), enquanto, sobretudo, elementos químicos e farmacêuticos (67% do total) foram os produtos chineses mais importados pelo Brasil. A partir de 1978, o petróleo passou a representar mais de 95% dos produtos importados da China por brasileiros.

Em termos gerais, ademais do reconhecimento diplomático, os anos 1970 não trouxeram grandes resultados para as relações sinobrasileiras, tendo sido o conhecimento mútuo e os recursos financeiros insuficientes para fomentar as relações. Brasil e China tiveram de aguardar a década de 1980 para que pudessem explorar outras formas de cooperação conjunta.

Ademais, os parcos resultados alcançados em suas relações internacionais durante a passagem dos anos 1970 para os 1980, particularmente com os países desenvolvidos, levaram o Brasil a investir tanto em sua política regional - tendo avançado no processo de integração via estabelecimento de um novo eixo bilateral com a Argentina - quanto na árdua tarefa de identificação e aprofundamento de oportunidades de cooperação com outros países do sistema internacional.

Tornaram-se, em igual medida, objetivos prioritários da diplomacia brasileira o estreitamento de relações com países em condições de desenvolvimento similares às do Brasil fora da América do Sul. Nesse sentido, as aberturas política e econômica nas relações internacionais do Brasil favoreceram os contatos com países asiáticos, além do Japão.

A China, de sua parte, também adotou, a partir dos anos 1980, estratégias de desenvolvimento baseadas na ampliação de suas relações internacionais, sobretudo com vistas à aquisição e dominação de tecnologias avançadas (parte do projeto das Quatro Modernizações - envolvendo a agricultura, indústria, ciência e tecnologia), à conservação de sua independência internacional e à aquisição de status de "igual aos grandes". O início da era Deng Xiaoping (a partir de 1978) marcou de forma definitiva o comprometimento chinês com a modernização, passando o desenvolvimento e a segurança a ter maior peso que a ideologia como fatores-chave da política externa.

Em termos gerais, a política externa da China para a América Latina nos anos 1980 foi condicionada às possibilidades de contribuição ao próprio desenvolvimento nacional, tendo sido dada prioridade às realizações menos espetaculares e onerosas. A opção por não mais rivalizar com as grandes potências e avançar nos projetos de modernização levou a China a colocar ênfase apenas na cooperação "Sul-Sul" que pudesse trazer vantagens econômico-comerciais concretas. Devido a tal conduta, a colaboração da China com a maior parte dos países da América Latina restringiu-se, naquele momento, sobretudo ao plano político-institucional. Em particular, além de apoiar processos de integração e criticar políticas intervencionistas das superpotências naquela região, sobretudo dos Estados Unidos, a China aumentou a troca de visitas com países latino-americanos e incrementou o processo de construção do aparato institucional, baseado na assinatura de acordos em áreas diversas e criação de grupos de trabalho bilaterais.

Com o Brasil, as possibilidades de ganhos concretos nas áreas econômica, científica e tecnológica levaram à assinatura de mais de 20 atos bilaterais com a China ao longo da década de 1980 - incluindo os acordos básicos nas áreas de ciência e tecnologia, energia nuclear e cooperação cultural e educacional -, permitindo a institucionalização das relações e enquadramento de ações futuras.

As viagens à China do Presidente João Figueiredo, em junho de 1984 (primeira de um chefe de Estado e de Governo à China), e a do Presidente José Sarney, em julho de 1988, sinalizaram o fechamento do ciclo embrionário de dez anos - relativo ao estabelecimento formal das relações sino-brasileiras - e o início do ciclo de cooperação efetiva nas relações sinobrasileiras, a despeito das turbulências econômicas e acontecimentos políticos que iriam afetar o Brasil e a China nos anos seguintes.

A partir da segunda metade dos anos 1980, as relações com a China passaram, de fato, a indicar a autonomia que o Brasil desejava manter frente aos países desenvolvidos. Para os chineses, também interessava manter relações com o Brasil para contrabalançar as restrições à aquisição de tecnologia avançada impostas pelos países desenvolvidos. A proposta de construção conjunta de satélites de sensoriamento remoto (projeto conhecido como China-Brazil Earth Resource Satellite (Cbers)), lançada em 1988, inseriu-se de forma inequívoca nesse contexto.

Por sua vez, mesmo incipientes, as relações comerciais sinobrasileiras registraram, na primeira metade dos anos 1980, crescimento das vendas chinesas para o Brasil de petróleo, produtos químicos e farmacêuticos e de peças para máquinas. Do lado brasileiro, foram exportados para a China minérios e produtos siderúrgicos, óleos vegetais, produtos agropecuários, além de produtos químicos e farmacêuticos. Em meados da década de 1980, assistiu-se ao alcance de índice recorde na corrente de comércio, de mais de US$ 1 bilhão, e à elevação da China a segundo maior mercado asiático para as exportações brasileiras, depois do Japão.

Apesar do cenário promissor para as relações sino-brasileiros ao final dos anos 1980, diversos fatores como transporte caro, infraestrutura deficitária e produtos pouco competitivos - do lado brasileiro - e necessidade de ajustar o programa de reforma econômica e de efetuar melhorias na infraestrutura portuária e ferroviária - do lado chinês - foram identificados como sendo empecilhos à expansão do comércio bilateral. Por sua vez, a persistência do desconhecimento recíproco de hábitos e realidades particulares a cada um dos países e as limitações mútuas no que se refere ao financiamento de exportações, ademais da concentração excessiva em poucos produtos nas pautas de importação e exportação (sobretudo da brasileira) apontavam para a existência de um quadro ainda em construção nas relações sinobrasileiras.

Na presença de crises financeiras e reformas internas, o Brasil também teve dificuldades para fazer alavancar a cooperação com a China. Assim, passado apenas um ano desde a assinatura do acordo-base na área espacial com a China, em 1988, incertezas e indefinições levaram o Brasil a descumprir com suas obrigações financeiras perante o projeto Cbers, que adentrou em uma fase de inércia.

De fato, e apesar da instauração da democracia no Brasil, em 1985, e da abertura de novas frentes diplomáticas com a comunidade internacional e regional, houve dificuldade de obterem-se saldos positivos em suas relações econômico-comerciais internacionais devido ao agravamento da questão da dívida externa, ao ressurgimento de fortes pressões inflacionárias, à moratória decretada em 1987 e ao início da redução de grandes projetos da era Geisel.

Por sua vez, a repressão aos movimentos democráticos na China, em maio e junho de 1989, levou à eclosão de reações vigorosas especialmente no mundo ocidental, entravando, por um lustro, a abertura econômica da China. O processo de desintegração soviética, desencadeado em agosto de 1991, também influenciou o isolamento da China, afastando-a do seio do sistema internacional. Os efeitos desses dois grupos de eventos nas relações sino-brasileiras foram terríveis, persistindo ao longo dos primeiros anos da década de 1990.

III. CRISES E NOVOS DESAFIOS NA PARCERIA SINO-BRASILEIRA (1990-1993)

Mudanças sistêmicas internacionais no início dos anos 1990 - como o fim da Guerra Fria e a retomada da expansão do capitalismo internacional - foram densamente sentidas e geraram diversas reações no Brasil, a exemplo da introdução de medidas para aumentar a inserção e adaptação do país aos novos contornos da economia global. Em termos gerais, para diversos autores brasileiros (BANDEIRA, 2004; VISENTINI, 2005; CERVO & BUENO, 2008) tais ajustamentos internos, sobretudo traduzidos por meio da abertura do mercado interno de maneira unilateral, foram inicialmente feitos sem garantias de competitividade e exigências de contrapartidas, prejudicando o avanço das políticas desenvolvimentistas brasileiras.

A convergência com países desenvolvidos durante o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992) - em detrimento de parcerias alternativas, como a chinesa - foi justificada diante da necessidade de recuperação de terreno e credibilidade, perdidos ao longo da década de 1980 devido à crise de endividamento, da instabilidade monetária e da estagnação econômica brasileira. Naquele momento, a China, ao contrário do Brasil com relação à Ásia, buscava uma maior aproximação com a América Latina.

Perante a necessidade de romper com o isolamento em que se encontrava desde o final dos anos 1980, de recuperar a posição estratégica perdida com o fim do equilíbrio de poder da Guerra Fria e de dar prosseguimento ao projeto de modernização, a China inaugurou uma nova plataforma de aceleração e ampliação do processo de reforma e de abertura ao exterior. A importância adquirida pelos fatores econômicos no cenário internacional também despertou novos interesses e abriu distintas possibilidades de manobra para a China.

Com a América Latina, a China primou pelo estabelecimento de políticas governamentais e não governamentais em diferentes âmbitos de caráter crescentemente pragmático. Sendo assim, menos de um ano após os eventos de Tien-an-men, foram reiniciadas as trocas de visitas de altas autoridades, além de aprimorados os mecanismos de consulta política bilaterais em âmbito ministerial com diversos países latino-americanos.

Mesmo após a superação do isolamento chinês, logo nos primeiros anos da década de 1990, continuava a imperar situação contraditória nas relações sino-brasileiras, em que o diálogo político-diplomático consolidado e o amplo aparato jurídico-institucional - sustentados por mais de 50 atos bilaterais - conviviam com relações comerciais medíocres e cooperação científica e tecnológica submetida a sérios problemas financeiros. Faltava à parte brasileira decidir-se pela ampliação e diversificação de sua inserção internacional e articulação de um programa amplo e integrado de trabalho para a promoção dos laços com a China.

Em particular, no campo comercial, dentre as razões que também pesaram negativamente na corrente sino-brasileira, encontravam-se: a aproximação crescente entre China e parceiros competitivos da região asiática, como Coréia do Sul, Japão e Hong Kong; a contenção das compras chinesas devido a ajustes no programa de reforma econômica do país; a substituição de produtos siderúrgicos brasileiros por produção chinesa; a necessidade de diminuir deficits chineses com o Brasil como condição para aumentar a corrente comercial; o preço pouco competitivo do petróleo chinês, até então importado pelo Brasil; a rarefeita presença tanto de "tradings" quanto de empresas exportadoras brasileiras em solo chinês; a falta de disponibilidade de oferta exportável de determinados produtos brasileiros.

Tanto o Brasil quanto a China tiveram dificuldades de criar medidas eficazes para ampliar o volume transacionado e diversificar a pauta de exportação - concentrada na venda brasileira de minério de ferro, produtos siderúrgicos e óleo de soja - e de importação - baseada na venda de produtos chineses pertencentes a quatro setores: petróleo e carvão, produtos químicos e farmacêuticos, têxteis e máquinas e material elétrico.

A iniciar-se o governo de Itamar Franco, em outubro de 1992, a preferência primeiramente dada pela política externa brasileira a países desenvolvidos foi cedendo espaço para as relações com países em desenvolvimento com grande potencial cooperativo. Destarte, frente ao retorno das diretrizes brasileiras de busca por autonomia e participação internacional e aumento de ganhos pela diversificação de parcerias - assim como ao poder de atração de determinados países no campo da ciência e da tecnologia e das trocas comerciais - as relações com a Ásia, em geral, e com a China, em particular, voltaram a ser incentivadas.

IV. A CONSTRUÇÃO DA PARCERIA ESTRATÉGICA (1993-2003)

A partir de 1993, o governo Itamar Franco tratou de imprimir um novo ímpeto ao relacionamento com a China, seja no plano bilateral, a exemplo do interesse em dar continuidade ao projeto de construção conjunta de satélites de sensoriamento remoto, superadas as dificuldades financeiras mais sérias; seja no multilateral, com vistas, em particular, à coordenação de esforços em prol da reestruturação da Organização das Nações Unidas e de seu Conselho de Segurança.

Grandes empresas brasileiras, como a Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO) e a Andrade Gutierrez, estiveram empenhadas em obter espaço no volumoso mercado chinês, participando em licitações para a construção de hidrelétricas na China. Em particular, os parceiros demonstraram especial interesse em trocar experiências na construção de grandes e pequenas centrais hidrelétricas.

O aprofundamento da cooperação científica e tecnológica por meio do projeto Cbers deu-se como conseqüência natural do reconhecimento, por ambos os países, do amplo potencial de colaboração existente no setor. Em particular, após difíceis anos de negociação, foram registrados seis novos documentos no setor espacial, permitindo avanços nas fases de produção e fabricação dos satélites sinobrasileiros.

Em suma, o bom entendimento alcançado pelos parceiros na área espacial, em 1993, e a recuperação das trocas comerciais, a partir de 1994 - quando as exportações voltaram a registrar valores próximos aos de 1985, de aproximadamente US$ 820 milhões em exportações e US$ 460 milhões em importações -, colaboraram sobremaneira para que as relações sinobrasileiras fossem alçadas a um novo patamar de entendimento, levando as autoridades de ambos os países a considerar a parceria conduzida entre Brasil e China como sendo estratégica.

De sua parte, a China revelou, por meio de sua política externa, o interesse em estabelecer parcerias com países de vários níveis e profundidades, sobretudo com o intuito de promover seu desenvolvimento econômico-comercial, mas também de aumentar sua própria segurança, contrabalançando o peso de países como Japão, Índia e Estados Unidos em seu próprio entorno regional. Multilateralismo e terceiro-mundismo continuaram presentes no discurso diplomático da China, os quais, acreditava-se, colaboravam para a abertura econômica e inserção chinesa no mundo em termos de igualdade.

Com a América Latina, em particular, a China estabeleceu como metas primordiais a obtenção de recursos energéticos, matérias-primas e mercados para seus exportadores, além da contenção da influência de Taiwan e de apoio político mútuo em fóruns internacionais. Como fruto de sua presença na região, registrou-se, na primeira metade dos anos 2000, crescimento do comércio entre China e países latino-americanos de aproximadamente 70%, com concentração das trocas em poucos países (Brasil, com 30%, e México, Chile, Argentina, Panamá, Peru e Venezuela, com 50% do total dos intercâmbios) - e poucos produtos - minérios, alimentos, pesca e petróleo. Os múltiplos investimentos chineses na região ocorreram principalmente em áreas relacionadas à extração de matérias-primas e construção de infraestrutura.

O Brasil, de sua parte, procurou conciliar novas parcerias internacionais, a exemplo da chinesa, com as relações tradicionalmente mantidas com países desenvolvidos. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), apostou-se nas relações com a China, seja no âmbito comercial, seja nas áreas de investimentos empresariais conjuntos e projetos de ciência e tecnologia.

A partir de 2000, registrou-se um forte crescimento da corrente comercial sino-brasileira, o qual pode ser explicado tanto pelo fim do Plano Real no Brasil - e quebra da paridade entre o dólar e a moeda brasileira -, quanto pela superação da crise financeira na Ásia e do surgimento de novos fluxos de crescimento na China. De 2000 a 2004, houve aumento, em 351,8%, das compras chinesas no Brasil, e em 106%, das compras brasileiras na China, o que levou este país a transformar-se no quarto principal parceiro comercial do Brasil. Uma considerável parte das exportações do Brasil para a China foi composta por matérias-primas e alimentos - minério de ferro, aço e complexo de soja - que representaram conjuntamente mais de 70% das vendas em 2004. A ênfase brasileira no agronegócio continuou com o passar do tempo, tendo sido feita, ademais, reivindicação de espaço no mercado chinês para outros produtos desta área, a exemplo das carnes.

De 2001 a 2003, as exportações brasileiras para a China foram marcadas por significativa presença de mercadorias de baixo conteúdo tecnológico (55%); alto grau de concentração da pauta exportadora por setores - agropecuária (32%), mineração (21,6%), siderurgia (7,8%), celulose (5,3%) e óleos vegetais (9,1%) em 2004 - e por produtos (soja e minério de ferro). Em 2003, as importações realizadas pelo Brasil no mercado chinês também foram marcadas por alto grau de concentração em poucos setores produtivos - equipamentos eletrônicos e químicos e farmacêuticos -, embora em menor grau do que o verificado para as exportações (57% dos importados).

Naquele momento, as dificuldades brasileiras de aumentar e diversificar suas exportações para a China estiveram relacionadas às seguintes razões, em particular: excessiva carga tributária e infraestrutura deficitária presentes no Brasil; política tímida de identificação de novas oportunidades comerciais; capacidade de poucos setores produtivos (com exceção do extrativo mineral e agrícola) de expandir oferta, conforme ritmo ditado pela onda importadora chinesa; queda no preço de commodities e forte concorrência no mercado chinês. Por sua vez, medidas típicas aplicadas no mercado chinês - como juros baixos e créditos abundantes à disposição dos exportadores chineses e aplicação de barreiras não tarifárias e de medidas para forçar a baixa de preços dos produtos chineses - dificultaram sobremaneira a adaptação do empresário brasileiro ao contexto sínico e manutenção de superavits com o parceiro chinês.

Se, de fato, as exportações brasileiras para a China, de 2000 a 2004, passaram de US$ 1,6 bilhão para mais de US$ 8 bilhões, a posição brasileira dentre os principais exportadores para o mercado chinês não chegou a dobrar durante esse período, passando o market share brasileiro de 0,72% (24º lugar) para 1,55% (14º lugar). Enquanto isso, em 2004, quase 50% das importações chinesas ficaram concentradas em apenas quatro países - Japão (16,81%), Taiwan (11,54%), Coréia do Sul (11,09%) e Estados Unidos (7,96%). Quanto às exportações, quatro países - Estados Unidos (21,06%), Hong Kong (17%), Japão (12,39%), Coréia do Sul (4,69%) - foram responsáveis por 55,14% sobre o total.

Em se tratando de investimentos, parte dos ganhos alcançados por empresas brasileiras e chinesas por meio de suas exportações foi direcionada ao financiamento de novos empreendimentos, tanto em solo chinês quanto brasileiro, de modo a aumentar a capacidade de produção de suas empresas e gerar melhoria de infraestrutura e transporte.

Por fim, nos primeiros anos do século XXI, o excelente entendimento político entre Brasil e China foi utilizado em prol da superação de entraves à amplificação das complementaridades das cadeias produtivas dos dois países, o que foi feito particularmente por meio da criação de mecanismos político-institucionais, conforme será visto a seguir.

V. RELAÇÕES MADURAS ENTRE BRASIL E CHINA (2003 AOS DIAS ATUAIS)

Ao iniciar-se o século XXI, novas perspectivas para as relações sinobrasileiras apresentaram-se, para as quais contribuíram tanto o avanço no processo de expansão do capitalismo mundial no leste asiático, quanto as transformações nas políticas externas do Brasil e da China.

Na medida em que a China ganhou destaque internacional graças ao seu forte desempenho econômico, o país passou a assumir um papel mais "pró-ativo" na política mundial. Por sua vez, com o avanço da modernização chinesa - baseada na industrialização intensiva - a política externa chinesa colocou-se particularmente a serviço da busca por mercados, capital, tecnologia, energia e matérias-primas estrangeiros, considerados elementos basilares do desenvolvimento chinês. Tais transformações aproximaram sobremaneira a China da América Latina.

De sua parte, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) remodelou a política externa brasileira de modo que esta pudesse colaborar para a construção de uma identidade de país continental, com ênfase na integração regional como nova forma de inserção internacional e na diversificação de parcerias com vistas à transformação do país em global trader e player. O reforço da imagem do Brasil como país emergente levou a diplomacia brasileira a dar prioridade à busca de mercados em diferentes regiões do globo, enfatizando-se o universalismo como princípio fundamental da política externa. Justificou-se, dessa forma, a aproximação e reativação das relações com a China.

Percebeu-se, assim, que tanto a China quanto o Brasil procuraram, de maneira progressiva, impregnar a prática das relações internacionais de pragmatismo e profissionalismo, em prol de resultados mais positivos para suas políticas desenvolvimentistas.

A viagem do Presidente Lula da Silva à China em maio de 2004 foi considerada uma das mais importantes de sua gestão - e foi acompanhada por nove ministros de Estado, seis governadores e aproximadamente 400 empresários. O saldo final da visita foi de nove atos bilaterais e 14 contratos empresariais assinados. Na óptica brasileira, o principal objetivo da viagem era sinalizar aos chineses a enorme importância estratégica e comercial que o Brasil visava conferir à China. Sob um clima extremamente otimista quanto à capacidade de colaboração e cooperação chinesa em termos recíprocos, acreditava o Brasil que a China estava em condições de contribuir com seu progresso, sobretudo por meio de investimentos na infraestrutura e da aquisição de produtos brasileiros.

Poucos meses depois da viagem do Presidente Lula à China, o Presidente Hu Jintao esteve no Brasil, em novembro de 2004, quando o governo brasileiro decidiu conceder à China o status de economia de mercado, sob fortes protestos do empresariado brasileiro, em particular da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em troca de tal reconhecimento, o Brasil esperava receber o apoio chinês à candidatura brasileira a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, o que de fato não ocorreu.

No ano de comemoração dos 35 anos das relações sinobrasileiras, o presidente Lula realizou sua segunda visita oficial à China (18 a 20 de maio de 2009). Naquela ocasião, por meio do comunicado conjunto assinado pelos dois governos, foram enumeradas algumas conquistas indicando o caminho de fortalecimento da relação bilateral. Dentre eles, merecem ênfase algumas ferramentas de aproximação bilateral colocadas em prática desde a inauguração do governo Lula: i) a "Agenda China", na área comercial; ii) a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), de 2006, responsável pela coordenação de diversas vertentes da relação bilateral; iii) o Diálogo Estratégico, criado em 2007; iv) o Diálogo Financeiro Brasil-China, em 2008. Para o período de 2010-2014, foi estabelecido um Plano de Ação Conjunta contemplando todas as áreas de cooperação bilateral, aprovado em abril de 2010 (BRASIL, 2010). No plano global, tornou-se notória a cooperação mútua em foros multilaterais, a exemplo da estreita comunicação mantida no G-5, no grupo BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) - transformado em Bricsa, com a entrada da África do Sul a partir de 2010 -, na Cúpula do G-20 financeiro e no G-20 da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Em particular, cabe destacar que, nos últimos anos, com vistas a aumentar a competitividade do Brasil na China, o governo brasileiro buscou criar políticas de criação de novas oportunidades comerciais e de incentivo à participação de empresas brasileiras no mercado chinês. Assim, e após o lançamento, pelo governo brasileiro, da "Agenda China", em julho de 2008, os objetivos econômico-comerciais brasileiros frente à China foram melhor identificados. Fruto da constituição do Grupo de Trabalho China, em dezembro de 2007 - integrado por representantes de diversos órgãos e entidades interessados na articulação de iniciativas no âmbito público e privado - a "Agenda China" objetivou tanto aprofundar a reflexão sobre a parceria sino-brasileira quanto traçar estratégias para dinamizar o comércio bilateral e ampliar investimentos mútuos, além de fomentar estudos técnicos e ações de promoção do potencial produtor e exportador brasileiro no mercado chinês (AMORIM, 2008). Para o Ministro das Relações Exteriores do governo Lula, Celso Amorim, a "Agenda China" é fruto da necessidade de criar uma estratégia mais coesa do Brasil perante a China, que coloque em evidência não apenas a tecnologia brasileira aplicada na área energética e de produtos primários, mas também outros segmentos igualmente sofisticados tecnologicamente e ainda pouco conhecidos pelo consumidor chinês.

Dentre as metas traçadas pela "Agenda China", apontam-se: i) aumentar o conteúdo tecnológico das exportações ao mercado chinês com produtos de maior valor agregado do que os já tradicionalmente exportados; ii) equilibrar de modo quantitativo e qualitativo a balança comercial sino-brasileira, por meio do aumento da exportação de produtos industrializados brasileiros; iii) incrementar as exportações brasileiras de produtos intensivos no uso de recursos naturais, atendendo ao crescimento da demanda por produtos que a China tem dificuldade em garantir autossuficiência e aproveitando a sazonalidade da produção; iv) aumentar a participação brasileira em missões, feiras e projetos específicos com a China, de modo a permitir o incremento de ações coordenadas entre parceiros de ambos os países. Foram igualmente contempladas pela Agenda iniciativas de atração de investimentos chineses para o Brasil, inclusive nas áreas de infraestrutura e logística (BARRAL, 2008).

Em termos gerais, observou-se que, dentre as diversas áreas de aproximação sino-brasileira, a econômico-comercial foi inequivocamente a mais frutífera ao longo dos anos 2000, conforme será observado a seguir.

V.1. As relações econômico-comerciais bilaterais

Durante o governo Lula (2003-2010), mantiveram-se constantes os objetivos brasileiros frente à China, os quais ficaram, porém, bastante concentrados nos aspectos econômicos da relação. Dentre esses objetivos, destacaram-se: i) aumentar as exportações brasileiras por meio da abertura de novos mercados na China; ii) atrair investimentos chineses diretos e indiretos para o Brasil; iii) expandir negócios brasileiros, inclusive por meio de investimentos diretos na China; iv) trocar informações na área de ciência e tecnologia e adquirir tecnologias de ponta; v) utilizar a parceria como forma de diminuir a dependência perante parceiros tradicionais; vi) aumentar a margem relativa de manobra e poder de barganha do Brasil em fóruns multilaterais.

Por sua vez, fizeram parte dos objetivos externos chineses diversificar seus parceiros comerciais e reduzir a dependência de um grupo restrito de fornecedores de matérias-primas, insumos e maquinários, assim como diversificar os consumidores de seus produtos. Nesse contexto, o comércio da China com a América Latina, em geral, e com o Brasil, em particular, aumentou expressivamente nos últimos anos - a participação da Amé-rica Latina no total do comércio chinês tendo passado de 1,9% em 1996 para 4,1% em 2006 -, firmando-se o papel desse asiático como parceiro fundamental dos países da região.

Graças ao crescimento chinês nos últimos trinta anos, que criou um mercado com tamanho e dinamismo impressionantes, oportunidades diversas foram abertas para a comercialização de produtos brasileiros.

Nesse sentido, as exportações brasileiras para a China cresceram significativamente nos últimos dez anos, a contar do início do século XXI, com predomínio de saldos positivos para o Brasil. Por sua vez, dentre os produtos chineses mais importados pelo Brasil, estiveram os eletrônicos, máquinas e equipamentos, além de brinquedos e vestuário (BARBOSA & MENDES, 2006, p. 2).

Em 2008, a China tornou-se o segundo parceiro comercial do Brasil, após os Estados Unidos. As exportações brasileiras para a China mantiveram-se, porém, ainda modestas quando comparadas com as de outros parceiros comerciais chineses.

Condizente com o objetivo de política externa chinês de adquirir matérias-primas essenciais para o fomento de seu desenvolvimento, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) tornou-se, em 2006, o principal fornecedor de minério de ferro para a China, com 75,7 milhões de toneladas embarcadas - representando 23,2% das importações chinesas (COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 2009). Por sua vez, em 2008, e em consonância com os objetivos de diversificar seus fornecedores de energia, a China tornou-se o segundo destino das exportações brasileiras de petróleo, com 24,1%. Na frente da China, ficaram apenas os Estados Unidos, que importaram 65,2% dos 574 mil barris por dia de petróleo brasileiro. Em julho de 2008, Brasil e China, por meio de suas empresas Petrobras e Sinopec, assinaram um memorando de entendimento visando o comprometimento mútuo para aumentar de forma significativa o volume de negócios entre as empresas (PETROBRAS ASSINA ACORDOS, 2008).

Porém, desde 2004, já se observava uma mudança no padrão de comércio, com redução dos saldos comerciais brasileiros em 27% e ganho de mercado dos produtos chineses no mercado brasileiro em 70%, sobretudo no setor de manufaturas, suscitando indagações quanto à necessidade de ajustes em políticas empresariais e governamentais brasileiras em presença da forte concorrência chinesa. Ademais, tais números revelaram a estratégia chinesa de elevar a escala de produção e priorizar a geração de valor agregado de seus produtos.

Entre os anos de 2006 e 2008, apesar de não ter ocorrido diminuição nas exportações brasileiras para a China (que chegaram quase a dobrar, passando de US$ 8,4 bilhões para US$ 16,4 bilhões no período indicado), foram decrescentes os saldos comerciais brasileiros, atingindo U$ 3,6 bilhões negativos em 2008. Porém, a expectativa dos dois governos de alcançar o índice de US$ 30 bilhões na corrente de comércio em 2010 foi ultrapassada em 2008 (US$ 36,5 bilhões) graças tanto ao aumento das exportações brasileiras para a China quanto ao aumento das exportações chinesas vindas para o Brasil (BRASIL, 2009).

Ao final da primeira década do século XXI, a principal crítica que se faz às relações comerciais sino-brasileiras é a dificuldade brasileira em diversificar a pauta de exportações e agregar valor às vendas realizadas à China, compostas principalmente por matérias-primas e alimentos, fato que contrasta com o perfil global das exportações brasileiras. Em 2007, apenas 8% dos produtos brasileiros exportados para a China foram de manufaturados, sendo que insumos como aço, minério de ferro, cobre e soja representaram as maiores exportações brasileiras. Do restante exportado em 2007, 18% eram de bens semimanufaturados e 74% de produtos primários. Já em 2008, 7% dos produtos exportados eram manufaturados, 16% semimanufaturados e 77% básicos (SISCOMEX, 2009).

Nesse sentido, mantiveram-se como fortes causas para o baixo dinamismo das exportações brasileiras para a China a falta de conhecimento do mercado chinês, os altos custos de transporte e logística, a excessiva carga tributária brasileira, infraestrutura brasileira deficitária, além da carência de um planejamento de médio e longo prazo de inserção no mercado chinês.

V.2. Os investimentos conjuntos

Nos últimos anos, o interesse da China em aprofundar as relações com o Brasil esteve baseado nas seguintes metas: i) explorar matérias-primas e recursos energéticos considerados necessários para dar prosseguimento à expansão da economia chinesa; ii) aumentar o lucro dos negócios chineses, seja por meio da venda de produtos com maior valor agregado, seja por meio do fornecimento de empréstimos a brasileiros; iii) garantir a presença chinesa no mercado brasileiro e, por meio deste, no mercado sul-americano, considerado cada vez mais competitivo, restritivo e protegido por altas tarifas de importação; iv) trocar informações na área de ciência e tecnologia e adquirir tecnologias de ponta; v) utilizar a parceria como forma de diversificar os negócios chineses e aumentar o poder de barganha do país no cenário internacional, evitando dependência e assimetrias frente a outros parceiros.

Fez igualmente parte dos interesses da China aumentar seus investimentos diretos, com vistas a garantir segurança energética, sustentabilidade de recursos e expansão de mercados externos. No Brasil, os setores mais proeminentes nesse movimento de internacionalização foram "petróleo e mineração, seguidos por portos, energias alternativas, automotivo, bancário, telecomunicações e indústria eletrônica" (BRASIL, 2008, p. 60).

O plano qüinqüenal chinês de 2006-2010 estabeleceu a meta de direcionar US$ 60 bilhões para os investimentos externos. No Brasil, os investimentos chineses cresceram de maneira contínua desde 2004, alcançando US$ 24,3 milhões em 2007, com concentração de investimentos no setor de comércio (56,7%). Investimentos chineses aportaram ainda no Brasil por vias indiretas, sobretudo por meio de empresas chinesas presentes em Hong Kong, Macau ou em "paraísos fiscais". Houve ainda investimentos chineses feitos no Brasil por meio de financiamento nacional ou por bancos de fomento como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), mas registrados como investimento local (idem, p. 59).

Nos últimos anos, diversas empresas chinesas instalaram-se no Pólo Industrial de Manaus (PIM), concentrando seus investimentos nos setores eletroeletrônico (84% dos investimentos totais de empresas chinesas no PIM) e duas rodas (11%). Até o ano de 2006, foram investidos R$ 396 milhões nessa região. A título de exemplo, durante a segunda visita oficial do Presidente Lula a Pequim, foi assinado acordo de investimento entre a empresa brasileira CR Motors e a chinesa Zongshen Industrie Group, no valor de US$ 80 milhões. Com esses recursos, a nova companhia binacional (50% de capital brasileiro e 50% de capital chinês) deverá produzir no Pólo Industrial de Manaus, a partir de agosto de 2009, motocicletas, motores de popa e motores estacionários (CHINESA DESEMBARCA EM MANAUS, 2009).

Em outras regiões do Brasil, ganharam destaque projetos nos setores de telecomunicações, siderurgia e mineração. Em 2007, foi aprovada a parceria entre a chinesa Baosteel e a Companhia Brasileira Vale do Rio Doce, direcionada à construção de usina siderúrgica no Espírito Santo para produção de placas de aço, com capacidade inicial de 5 milhões de toneladas anuais. A parceria, que constituiu a Companhia Siderúrgica Vitória (CSV) e prevê investimentos de US$ 5,5 bilhões e geração de três mil empregos diretos quando em operação, será construída no pólo industrial e de serviços de Anchieta, no Espírito Santo. No início da construção da usina, a CVRD terá participação de 20% e a Baosteel de até 80% (BRASIL, 2008, p. 59; COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 2009).

Para a produção de coque metalúrgico na China, a CVRD contou com a colaboração da Shandong Yankuang International Coking Co. Ltd. A empresa de joint venture é fruto da parceria entre a Vale, a produtora de carvão chinesa Yankuang Group Co, Ltd. e a trading company do Japão Itochu. A planta industrial da empresa, na província de Shandong, tem capacidade anual de produção de dois milhões de toneladas de coque e 200 mil toneladas de metanol como subproduto. O investimento da CVRD é de aproximadamente US$ 27 milhões, ou 25% do capital total. A produção de coque foi iniciada em 2006 e a de metanol em 2007.

Em 2005, a Vale adquiriu uma participação de 25% na Henan Longyu Energy Resources Ltd. (Longyu), localizada na província de Henan, para a produção de seis milhões de toneladas de carvão em parceria com as empresas chinesas Yongcheng Corporation Ltda (51%), Baosteel (13%) e acionistas minoritários (11%). A empresa produziu, em 2006, 5,4 milhões de toneladas de antracito usado na siderurgia, indústria química e produção de energia.

No segundo semestre de 2009, o Banco da China - que contava, no final de 2008, com cerca de 800 sucursais em 29 países e regiões - abriu sua primeira sucursal no Brasil. O Banco da China, que já possuía um escritório de representação no Brasil desde o final da década de 1990, buscou proporcionar diversos tipos de serviços financeiros às companhias chinesas no Brasil e às empresas brasileiras que desejassem fazer negócios na China. O capital inicial da instituição foi estimado em US$ 100 milhões, com possibilidade de expansão do volume, em função da demanda das empresas e da disponibilidade de recursos da matriz (WARTH, 2009).

V.3. A cooperação bilateral

O Programa de Construção de Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (Cbers), lançado em 1988, representa, atualmente, não apenas o maior projeto de cooperação conjunta na área de ciência e tecnologia entre o Brasil e a China, mas também entre todos os países em desenvolvimento. Durante a primeira década do século XXI, segundo os então ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, e da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, o Programa Cbers permitiu alcançar diversos objetivos: i) quebrar o monopólio das grandes potências na produção e uso de imagens adquiridas por satélites; ii) obter conhecimento na área de sensoriamento remoto a baixo custo; iii) promover o desenvolvimento sustentável por meio do uso de tecnologia de ponta da área espacial.

Brasil e China já lançaram três satélites, os Cbers-1 (1999), Cbers-2 (2003) e Cbers-2B (2007) e pretendem ainda lançar os Cbers-3 e 4 em 2011 e 2014, respectivamente. Desde 2004, o Brasil forneceu gratuitamente, pela internet, mais de meio milhão de imagens para cerca de 20 mil usuários, tornando-se o maior distribuidor de imagens de satélite do mundo. A China também seguiu o mesmo caminho, tendo distribuído, até o momento, mais de 200 mil imagens do satélite Cbers-2. A partir de 2007, Brasil e China passaram a fornecer imagens do Cbers também aos países africanos.

A cooperação da China com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também adquiriu bastante intensidade. Em geral, durante visitas ao Brasil, grupos de pesquisadores chineses participaram, por exemplo, de seminários sobre tecnologias agropecuárias e visitaram campos experimentais da Empresa. A cooperação técnica entre Brasil e China para a produção de álcool a partir de mandioca, em particular, deverá promover avanços na utilização das variedades mutantes de mandioca na produção de etanol. Enquanto o Brasil possui um piloto do genoma funcional e melhoramento convencional em desenvolvimento na parceria entre a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e a Embrapa Cerrados, "os chineses detêm uma técnica genômica de alta escala que aumenta a eficiência na obtenção e sistema de análises do genoma de natureza equivalente da mandioca e em populações, como é o caso das variedades de mandiocas açucaradas" (AGROSOFT BRASIL, 2008).

Pelo momento, além da troca de informações e participação chinesa em pesquisas brasileiras na produção de etanol, há também pesquisas conjuntas agropecuárias, especialmente na área de melhoramento genético, envolvendo produtos como cogumelo, soja, algodão e fruticultura de clima temperado.

Para a Embrapa, Brasil e China encontram-se em estágio de desenvolvimento científico similar em diversas áreas, o que, na prática, pode traduzir-se em ganhos para a pesquisa agropecuária de ambos os países. Assim, no médio prazo, visam os parceiros construir bases para o intercâmbio permanente e contínuo de pesquisa agropecuária.

VI. PERSPECTIVAS PARA A PARCERIA SINOBRASILEIRA NO SÉCULO XXI: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final da primeira década do século XXI, não restam dúvidas de que o crescimento chinês propiciou a abertura de diversos negócios para os sul-americanos, sobretudo nas áreas de energia, minérios e produtos agropecuários. Os investimentos chineses no Brasil nessas áreas, em especial, tornaram-se cada vez mais numerosos e diversificados, mesmo quando desenvolvidos sobre bases aquém do esperado ou anunciado. Em 2010, a China foi o principal mercado para as exportações brasileiras e o principal investidor no Brasil. Enquanto as exportações atingiram US$ 30 bilhões, as importações elevaram-se a US$ 26 bilhões (AMARAL, 2011).

Porém, e apesar dos avanços nas relações sino-brasileiras, particularmente durante a primeira década do século XXI, diversos pontos frágeis subsistiram na condução das relações bilaterais, suscitando reflexões por parte de estudiosos e atores diretamente envolvidos em tais relações.

Assim, em primeiro lugar, mesmo na presença de elevado número de acordos assinados entre os dois países, tratando das mais diversas áreas e temas, faltaram à relação bilateral planejamentos conjuntos voltados para a programação e execução de metas comuns. É certo que algumas ferramentas de gestão foram criadas recentemente, a exemplo da Agenda China e das reuniões da Cosban, principal mecanismo de discussão de temas bilaterais, porém com resultados ainda pouco visíveis. Da parte brasileira, ademais, há ainda grande carência de coordenação entre os diferentes órgãos governamentais e destes com setores empresariais com vistas, sobretudo, a fortalecer posições e priorizar determinadas ações.

Em segundo lugar, e apesar do aumento da corrente comercial entre os dois países, há conhecimento mútuo insuficiente nessa área, dificultando a ampliação da cooperação internacional e da pauta comercial entre ambos. A distância lingüística e a incompreensão cultural são apenas dois dos mais evidentes obstáculos ainda não superados entre Brasil e China. A qualidade do intercâmbio comercial, por sua vez, não foi considerada satisfatória, sendo que, em 2009, os produtos básicos representaram 77% das exportações e os produtos industrializados, 95% das importações. Para o Presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, Sérgio Amaral (2011), as responsabilidades para tal estado de coisas podem ser imputadas a ambos os países: "É o chamado custo Brasil. Como é possível concorrer com o produto chinês, se a taxa de juros aqui é a mais alta do mundo, enquanto a da China é negativa? Quando, entre nós, a carga tributária chega perto de 40% do produto interno bruto (PIB), enquanto a deles está abaixo de 20%? Se a nossa infra-estrutura é deficiente e a da China, super moderna? Enfim, quando o real está apreciado, enquanto o Yuan está desvalorizado?" (idem).

Por sua vez, ainda segundo Amaral, as razões para a redução relativa das exportações industriais brasileiras foram igualmente atribuídas a atitudes chinesas, via práticas de escalada tarifária em determinados setores, como o da soja; estabelecimento de restrições sanitárias injustificadas, como no caso do frango; preferência dada a parceiros da região, via integração de cadeias produtivas na Ásia; benefícios governamentais dados a empresas chinesas, gerando concorrência desleal (idem).

Em terceiro lugar, e com exceção das pesquisas conjuntas na área espacial, que culminaram com o lançamento de três satélites binacionais, há ainda diversos projetos a serem explorados conjuntamente, a exemplo das pesquisas nas áreas de energia e agropecuária.

A visita que a Presidente Dilma Rousseff (cujo governo iniciou-se em janeiro de 2011) realizou à China entre os dias 11 e 15 de abril de 2011, mesmo que modelada por um caráter eminentemente econômico, buscou, em grande medida, fazer face aos diversos desafios anteriormente citados. Em linhas gerais, os objetivos da viagem à China estiveram concentrados nos seguintes pontos: i) abrir novas oportunidades de negócios para empresas brasileiras; ii) ampliar e diversificar o comércio bilateral, em especial com vistas a incluir exportações com maior valor agregado; iii) incentivar a realização de investimentos recíprocos; iv) promover a cooperação bilateral, sobretudo na área de pesquisa científica, tecnológica e inovação; v) propiciar transferência de tecnologia.

Alguns ganhos imediatos obtidos pelo governo Dilma por meio de sua primeira visita oficial à China podem ser relacionados a seguir: i) abertura de novas oportunidades de negócios para empresas brasileiras, a exemplo da concessão de autorização para que três empresas brasileiras vendam carne suína à China, com estimativa de venda de 200 mil toneladas de carne por ano; da venda de 20 jatos modelo 190 da Embraer para as companhias chinesas CDB Leasing e Hebei Airlines; da instalação do banco chinês Industrial and Commercial Bank of China Ltd. no Brasil, com capital inicial de US$ 100 milhões, a ser utilizado por empresas brasileiras e chinesas em suas atividades de comércio exterior; ii) proposta de investimentos chineses em Campinas de US$ 300 milhões na construção de um centro de pesquisa em tecnologia, a serem realizados pela empresa Huawei; de investimentos chineses de US$ 300 milhões na cidade de Barreiras (BA) para a implantação de uma fábrica de processamento de soja; de investimentos chineses também de U$ 300 milhões em uma planta de produção e equipamentos de informação no estado de Goiás; de investimentos chineses de US$ 12 bilhões para a construção de uma fábrica de telas numéricas de cristal líquido para computadores e tablets (ipad) na Zona Franca de Manaus pela empresa Foxconn; de investimentos brasileiros na China para construção de uma linha de produção de jatos executivos Legacy 600/650; iii) promoção de cooperação bilateral na área de inovação por meio da criação do Centro China-Brasil de Mudança Climática e Tecnologias Inovadoras em Energia na Universidade de Tsinghua de Pequim, vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro. O centro também deverá permitir o desenvolvimento de projetos bilaterais em energia eólica e biodiesel com a Academia de Ciências da China

Nos discursos que proferiu durante sua visita à China, a Presidente Rousseff destacou o interesse brasileiro em elevar as relações bilaterais a um novo patamar, pautado não apenas por grandes saldos comerciais, mas principalmente por investimentos, pesquisas, produção e comercialização de bens de alta qualidade (SALEK, 2011). No comunicado conjunto assinado pelos dois países ao final da visita, foi expresso de maneira clara o interesse brasileiro em construir uma agenda de maior qualidade para o comércio bilateral, tendo a parte chinesa manifestado disposição em incentivar suas empresas a ampliar a importação de produtos de maior valor agregado do Brasil, assim como a investir na indústria de alta tecnologia, juntamente com seus sócios brasileiros.

Percebe-se que, devido aos constantes e crescentes desequilíbrios no comércio com Pequim e de dificuldades em realizar investimentos e inserir produtos de alto valor agregado no mercado chinês, a postura brasileira tornou-se, nos últimos anos, mais crítica e exigente. Ademais, a partir da viagem à China, a Presidente Dilma passou a afirmar que, apesar de a China ser um parceiro-chave nas relações internacionais do Brasil, serão incentivados no futuro próximo apenas as operações pautadas pela reciprocidade e que levem a uma maior simetria entre os dois países.

No futuro próximo, as relações sino-brasileiras dependerão, em grande medida, não apenas de conjunturas econômicas favoráveis, mas sobretudo de boas escolhas técnicas e políticas. Em particular, o Brasil terá como grande desafio não apenas dotar-se de uma estratégia clara para lidar com a China, mas, em especial, superar seus entraves estruturais internos, considerados fundamentais para que assuma uma atitude muito mais proativa em face à China. A superação de tais impasses serão fundamentais para que as relações Brasil-China alcancem uma maior simetria no futuro próximo.

É certo que, ao iniciar-se a segunda década do novo século, a China transformou-se em parceiro imprescindível para o Brasil. Cabe saber se, nos próximos anos, Brasil e China serão capazes de transformar a parceria estratégica em instrumento gerador de benefícios mútuos, baseado na mais ampla reciprocidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 25 de maio de 2011.

Aprovado em 25 de junho de 2011.

Danielly Silva Ramos Becard (daniellyr@yahoo.com) é Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e Professora de Relações Internacionais na mesma universidade.

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  • O que esperar das relações Brasil-China?

    Brazil-China relations: what should we expect?
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2011

    Histórico

    • Aceito
      25 Jun 2011
    • Recebido
      25 Maio 2011
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