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Noites tropicais: o Brasil e a nova era da não proliferação e do desarmamento nucleares (2003-2010)

Tropical nights: Brazil and the new era of nuclear non-proliferation and disarmament (2003-2010)

Les nuits tropicales: le Brésil et la nouvelle époque de la non-prolifération et du désarmement nucléaires (2003-2010)

Resumos

O objetivo deste artigo é examinar as posições defendidas pelo Brasil durante a administração Lula (2003-2010) quanto à não proliferação, ao desarmamento e aos usos pacíficos da energia nuclear. O argumento central aponta que o Brasil consolidava aspirações presentes em momentos anteriores e desejava colocar-se como interlocutor entre os estados nuclearmente e não nuclearmente armados, a fim de reforçar sua posição como um solucionador de disputas e beneficiar-se em termos de uma maior participação nos fóruns internacionais, em particular da ampliação de sua atuação no desenvolvimento de regras e normas que limitassem ações unilaterais de grandes potências e preservassem a flexibilidade para a articulação dos interesses de estados emergentes. O Brasil almejava pressionar os estados nuclearmente armados para que cumprissem suas obrigações de desarmamento, enquanto procurava preservar a autonomia para desenvolver atividades nucleares pacíficas. Na primeira seção, são examinados o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro e a posição do Estado quanto a regimes internacionais nas áreas de não proliferação e desarmamento nucleares. Nas seções seguintes, é investigada a posição da administração Lula quanto à não proliferação e aos usos pacíficos da energia nuclear e, a seguir, ao desarmamento nuclear. Dentre as conclusões atingidas, cabe destacar que, ao mesmo tempo em que o Brasil viabilizou o diálogo com as potências do Norte e garantiu estabilidade e segurança regionais, ele operou como catalisador das demandas de estados em instituições nas quais buscavam ampliar oportunidades de voz.

Brasil; não proliferação; desarmamento; armas nucleares; energia nuclear


This article seeks to examine the positions that Brazil defended during the Lula administration (2003-2010) on nuclear non-proliferation, disarmament and peaceful uses of nuclear energy. My central argument points to the way in which Brazil consolidated aspirations present at an earlier date and how it attempted to position itself as an interlocutor mediating states that had and did not have nuclear arms. The idea was to reinforce the country's position in conflict resolution, in terms of greater participation in international forums and, in particular, increasing its activities in developing rules and norms to limit the unilateral action of major powers and maintain flexibility in articulating the interests of emerging nations. Brazil sought to pressure states that had nuclear arms to comply with their disarmament obligations, while seeking to preserve its own autonomy in developing peaceful nuclear uses. In the first section of the article, I examine the development of the Brazilian nuclear program and the State's position in relation to international regimes in the field of nuclear non-proliferation and disarmament. In the following sections, I look at the position of the Lula administration regarding non-proliferation and at peaceful uses of nuclear energy and, lastly, at nuclear disarmament. Among my conclusions I give particular attention to the fact that, at the same time that Brazil enabled dialogue with Northern powers and guaranteed regional stability and security, the country also acted as a catalyst of states' demands within institutions, as they sought to widen opportunities to make themselves heard.

Brazil; Non-Proliferation; Disarmament; Nuclear Weapons; Nuclear Energy


L'objectif de cet article c'est d'analyser les positions soutenues par le Brésil pendant la gestion Lula (2003-2010) en ce qui concerne la non-prolifération, le désarmement et l'utilisation pacifique de l'énergie nucléaire. L 'argument central montre que le Brésil consolidait des aspirations présentes auparavant, et souhaitait être l'interlocuteur entre les pays nucléairement et non-nucléairement armés, pour renforcer sa position comme un pays qui résout des disputes et s'en beneficier, avec une plus grande participation dans les forums internationaux, en particulier avec un élargissement de sa performance pour le développement de règles et normes qui limiteraient les actions unilatérales des grandes puissances et préserveraient la flexibilité pour l'articulation des intérêts de pays émergents. Le Brésil voulait contraindre les pays nucléairement armés à accomplir leurs obligations par rapport au désarmement, pendant qu'il cherchait préserver son autonomie pour développer des activités nucléaires pacifiques. Dans la première partie, le développement du programme nucléaire brésilien et la position de l'Etat par rapport aux régimes internationaux dans les domaines de la non-prolifération et du désarmement nucléaires y sont vérifiés. Dans les parties suivantes, on y investigue la position de la gestion Lula par rapport à la non-prolifération et aux utilisations pacifiques de l'énergie nucléaire et, en suite, au désarmement nucléaire. Parmi les conclusions obtenues, il est important de souligner que, en même temps où le Brésil a rendu possible le dialogue avec les puissances du Nord et a garanti de la stabilité et sécurité régionales, il a procédé comme un catalyseur des demandes de certains pays dans des institutions où ils cherchaient élargir les opportunités de manifestation .

Brésil; non-prolifération; désarmement; armes nucléaires; énergie nucléaire


ARTIGOS

Noites tropicais: o Brasil e a nova era da não proliferação e do desarmamento nucleares (2003-2010)

Tropical nights: Brazil and the new era of nuclear non-proliferation and disarmament (2003-2010)

Les nuits tropicales: le Brésil et la nouvelle époque de la non-prolifération et du désarmement nucléaires (2003-2010)

Diego Santos Vieira de Jesus

(dsvj@puc-rio.br) é Doutor em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Professor de Relações Internacionais na mesma Universidade

RESUMO

O objetivo deste artigo é examinar as posições defendidas pelo Brasil durante a administração Lula (2003-2010) quanto à não proliferação, ao desarmamento e aos usos pacíficos da energia nuclear. O argumento central aponta que o Brasil consolidava aspirações presentes em momentos anteriores e desejava colocar-se como interlocutor entre os estados nuclearmente e não nuclearmente armados, a fim de reforçar sua posição como um solucionador de disputas e beneficiar-se em termos de uma maior participação nos fóruns internacionais, em particular da ampliação de sua atuação no desenvolvimento de regras e normas que limitassem ações unilaterais de grandes potências e preservassem a flexibilidade para a articulação dos interesses de estados emergentes. O Brasil almejava pressionar os estados nuclearmente armados para que cumprissem suas obrigações de desarmamento, enquanto procurava preservar a autonomia para desenvolver atividades nucleares pacíficas. Na primeira seção, são examinados o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro e a posição do Estado quanto a regimes internacionais nas áreas de não proliferação e desarmamento nucleares. Nas seções seguintes, é investigada a posição da administração Lula quanto à não proliferação e aos usos pacíficos da energia nuclear e, a seguir, ao desarmamento nuclear. Dentre as conclusões atingidas, cabe destacar que, ao mesmo tempo em que o Brasil viabilizou o diálogo com as potências do Norte e garantiu estabilidade e segurança regionais, ele operou como catalisador das demandas de estados em instituições nas quais buscavam ampliar oportunidades de voz.

Palavras-chave: Brasil; não proliferação; desarmamento; armas nucleares; energia nuclear.

ABSTRACT

This article seeks to examine the positions that Brazil defended during the Lula administration (2003-2010) on nuclear non-proliferation, disarmament and peaceful uses of nuclear energy. My central argument points to the way in which Brazil consolidated aspirations present at an earlier date and how it attempted to position itself as an interlocutor mediating states that had and did not have nuclear arms. The idea was to reinforce the country's position in conflict resolution, in terms of greater participation in international forums and, in particular, increasing its activities in developing rules and norms to limit the unilateral action of major powers and maintain flexibility in articulating the interests of emerging nations. Brazil sought to pressure states that had nuclear arms to comply with their disarmament obligations, while seeking to preserve its own autonomy in developing peaceful nuclear uses. In the first section of the article, I examine the development of the Brazilian nuclear program and the State's position in relation to international regimes in the field of nuclear non-proliferation and disarmament. In the following sections, I look at the position of the Lula administration regarding non-proliferation and at peaceful uses of nuclear energy and, lastly, at nuclear disarmament. Among my conclusions I give particular attention to the fact that, at the same time that Brazil enabled dialogue with Northern powers and guaranteed regional stability and security, the country also acted as a catalyst of states' demands within institutions, as they sought to widen opportunities to make themselves heard.

Keywords: Brazil; Non-Proliferation; Disarmament; Nuclear Weapons; Nuclear Energy.

RESUMÉ

L'objectif de cet article c'est d'analyser les positions soutenues par le Brésil pendant la gestion Lula (2003-2010) en ce qui concerne la non-prolifération, le désarmement et l'utilisation pacifique de l'énergie nucléaire. L 'argument central montre que le Brésil consolidait des aspirations présentes auparavant, et souhaitait être l'interlocuteur entre les pays nucléairement et non-nucléairement armés, pour renforcer sa position comme un pays qui résout des disputes et s'en beneficier, avec une plus grande participation dans les forums internationaux, en particulier avec un élargissement de sa performance pour le développement de règles et normes qui limiteraient les actions unilatérales des grandes puissances et préserveraient la flexibilité pour l'articulation des intérêts de pays émergents. Le Brésil voulait contraindre les pays nucléairement armés à accomplir leurs obligations par rapport au désarmement, pendant qu'il cherchait préserver son autonomie pour développer des activités nucléaires pacifiques. Dans la première partie, le développement du programme nucléaire brésilien et la position de l'Etat par rapport aux régimes internationaux dans les domaines de la non-prolifération et du désarmement nucléaires y sont vérifiés. Dans les parties suivantes, on y investigue la position de la gestion Lula par rapport à la non-prolifération et aux utilisations pacifiques de l'énergie nucléaire et, en suite, au désarmement nucléaire. Parmi les conclusions obtenues, il est important de souligner que, en même temps où le Brésil a rendu possible le dialogue avec les puissances du Nord et a garanti de la stabilité et sécurité régionales, il a procédé comme un catalyseur des demandes de certains pays dans des institutions où ils cherchaient élargir les opportunités de manifestation .

Mots-clés: Brésil; non-prolifération; désarmement; armes nucléaires; énergie nucléaire.

I. INTRODUÇÃO1 1 Algumas idéias e reflexões iniciais desta pesquisa foram sugeridas anteriormente nos artigos de Jesus (2010; 2011b; 2011c; 2012). Gostaria de agradecer aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política por suas observações e sugestões.

A política externa do Brasil durante o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi marcada pela participação do estado em regimes internacionais e pela construção de alianças Sul-Sul, que incluíam uma série de acordos com parceiros não tradicionais. O Brasil procurou atenuar tendências unilaterais de grandes potências, fortalecer as relações que poderiam ampliar seu peso na barganha política em fóruns internacionais - contribuindo para sua defesa da reforma da Organização das Nações Unidas (ONU) e a conquista de um assento permanente em seu Conselho de Segurança - e criar melhores condições para a interação tecnológica voltada para a promoção do desenvolvimento. À luz da aceleração da globalização, da consolidação da interdependência e da busca de "autonomia pela diversificação" das parcerias diplomáticas, o Brasil, durante a administração Lula, intensificou as relações com potências intermediárias, como a Índia e a África do Sul. Ao mesmo tempo, sustentou uma posição de defesa da soberania de maneira mais enfática. Nas percepções de Lula e de membros de sua equipe, a diversificação das relações político-econômicas e a defesa da não intervenção nos assuntos domésticos de outros estados poderiam contribuir para a liderança no mundo em desenvolvimento com ações diplomáticas mais dinâmicas - algumas vezes em desacordo com os Estados Unidos da América (EUA) e outras grandes potências (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007).

Cabe questionar se e como esses elementos refletiram-se na posição brasileira quanto aos temas relacionados à não proliferação, ao desarmamento e aos usos pacíficos da energia nuclear, tendo em vista o maior destaque assumido pelo estado nas discussões sobre tais assuntos. Por exemplo, na Cúpula sobre Segurança Nuclear em abril de 2010, o Brasil juntou esforços com a Turquia - na ocasião, ambos eram membros não permanentes do Conselho de Segurança da ONU - e opôs-se a novas sanções contra o Irã em face do status controverso de seu programa nuclear. O Brasil mostrou que desejava colocar-se como um mediador entre Teerã e Washington. Embora o então ministro brasileiro de Relações Exteriores, Celso Amorim, concordasse com os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU que era fundamental desenvolver uma solução diplomática, o Brasil via uma perspectiva diferente sobre a forma como a questão deveria ser abordada: Lula e sua equipe buscaram a construção de confiança por meio da inserção de maior flexibilidade no diálogo e nos resultados.

Em maio de 2010, o Brasil ganhou destaque ao mediar, junto com a Turquia, um acordo na direção de um maior entendimento acerca das atividades nucleares iranianas. Embora grandes potências como os EUA tivessem elogiado o que entendiam como esforços sinceros do Brasil e da Turquia na mediação, elas viam que, na Declaração de Teerã, o Irã aceitara depositar urânio de baixo enriquecimento na Turquia mediante o envio de combustível nuclear para o reator de pesquisas em Teerã pelo Grupo de Viena - composto pelos EUA, Rússia, França e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) - a fim de escapar da pressão das potências ocidentais. Estas buscaram novas sanções contra tal estado no Conselho de Segurança e viram que a Declaração de Teerã não lidava, por exemplo, com a produção ou a retenção de urânio enriquecido a 19,75% pelo Irã. O Brasil também acreditava que as potências nuclearmente armadas como os EUA e a Rússia deveriam reafirmar suas obrigações quanto ao desarmamento nuclear sob o Artigo VI do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), apesar dos desafios à segurança trazidos por falhas na implementação de medidas de não proliferação por algumas partes do tratado.

O objetivo deste artigo é examinar as posições defendidas pelo Brasil durante a administração Lula quanto à não proliferação, ao desarmamento e aos usos pacíficos da energia nuclear. O argumento central que pretendo desenvolver aponta que o Brasil consolidava aspirações presentes em momentos anteriores e desejava colocar-se como interlocutor entre os estados nuclearmente e não nuclearmente armados a fim de reforçar sua posição como um solucionador de disputas e beneficiar-se em termos da maior participação nos fóruns internacionais, em particular da ampliação de sua atuação no desenvolvimento de regras e normas que limitassem ações unilaterais de grandes potências e preservassem a flexibilidade para a articulação dos interesses de estados emergentes. O Brasil almejava pressionar os estados nuclearmente armados para que cumprissem suas obrigações de desarmamento, enquanto procurava preservar a autonomia para desenvolver atividades nucleares pacíficas.

Examinarei, na primeira seção, o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro e a posição do estado quanto a regimes internacionais nas áreas de não proliferação e desarmamento nucleares, identificando as bases do posicionamento adotado posteriormente pelo Brasil durante o governo Lula. Nas duas seções seguintes, investigarei a posição dessa administração quanto à não proliferação e aos usos pacíficos da energia nuclear e, a seguir, ao desarmamento nuclear.

II. O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E OS REGIMES INTERNACIONAIS DE NÃO PROLIFERAÇÃO E DESARMAMENTO NUCLEARES

Depois da II Guerra Mundial, o Brasil concordou em exportar materiais nucleares para os EUA e, após consultar esse estado, também para outros estados. Em resposta ao Plano Baruch2 2 O Plano Baruch vislumbrava o estabelecimento de uma autoridade internacional para controlar as atividades nucleares potencialmente perigosas, licenciar todas as outras e executar inspeções abrangentes. As decisões dessa autoridade não estariam sujeitas ao veto do Conselho de Segurança. Os membros do poder Executivo soviético rejeitaram tal plano, pois viram a idéia de eliminar o veto do Conselho como uma forma de os norte-americanos poderem utilizar a ONU para organizar empreitadas militares contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), além de que qualquer inspeção efetiva - sem contar o controle das instalações nucleares - inevitavelmente implicaria a abertura de uma brecha considerável na Cortina de Ferro. O Brasil também se opôs ao Plano Baruch (WHEELER, 2002). - que, na prática, garantia aos EUA o monopólio da tecnologia e das matérias-primas nucleares no mundo ocidental -, Álvaro Alberto da Mota e Silva, representante brasileiro na Comissão de Energia Atômica da ONU, propôs ao governo do Brasil a Linha de Compensação Específica, com a venda de materiais físseis por preços justos apenas em troca de assistência técnica em termos de treinamento, tecnologia e equipamentos (MARZO & ALMEIDA, 2006, p. 191-192). Embora cientistas brasileiros realizassem pesquisas na área de energia nuclear desde a década de 1930, esses esforços foram intensificados depois que o Presidente argentino Juan Perón disse em 1951 que os cientistas em seu estado tinham conquistado o domínio da fusão termonuclear em laboratório. A declaração era falsa, mas foi suficiente para que o Brasil tivesse estímulo para criar um programa de pesquisas nucleares (SQUASSONI & FITE, 2005). A partir do início da década de 1950, o governo brasileiro passou a procurar controlar as exportações de minérios nucleares, definir reservas e estoques estratégicos e estimular ainda mais a tecnologia nacional no setor. Dentre as principais iniciativas tomadas naquele momento, cabe destacar a criação do Conselho Nacional de Pesquisas, atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1951.

Ainda na década de 1950, Álvaro Alberto adquiriu três ultracentrífugas em negociações com a Alemanha Ocidental, mas a entrega foi vetada pelos EUA. Na década de 1950, o Brasil assinou com os EUA o Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento de Energia Atômica com Fins Pacíficos, e foi criado um programa conjunto para o reconhecimento e a pesquisa de urânio no Brasil (KNOBEL, BELISÁRIO & CAPOZOLI, 2000). Foram estabelecidas diretrizes precisas para o programa nuclear no governo Café Filho (1954-1955), colocando-se o CNPq como executor, definindo-se parâmetros mais específicos para prospecção mineral, montagem e operação de centrais nucleares e participação condicionada de outros estados (MARZO & ALMEIDA, 2006, p. 192). Posteriormente, foram criados, durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para propor medidas necessárias à orientação da política nuclear e o Instituto de Energia Atômica (IEA) na USP - futuramente transformado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) - para a pesquisa e a formação de pessoal (idem, p. 193).

Na década de 1960, o governo João Goulart (1961-1964) estabeleceu o monopólio da União sobre a pesquisa e a lavra das jazidas de minérios nucleares localizados no território nacional; o comércio dos minérios nucleares e seus concentrados, dos elementos nucleares e seus compostos, dos materiais físseis e férteis, dos radioisótopos artificiais e substâncias radioativas das três séries naturais e dos subprodutos nucleares e a produção de materiais nucleares e suas industrializações. Diante do consumo crescente de energia elétrica, tiveram início no regime militar - estabelecido após o golpe de 1964 - estudos visando à implantação de um programa nuclear em larga escala. Para desenvolver tal programa, predominava a idéia de que seria necessária a cooperação externa (ibidem). No nível internacional, o Brasil defendera, durante as negociações do Tratado de Tlatelolco para a proscrição de armas nucleares na América Latina e no Caribe, condições muito estritas para sua entrada em vigor. Embora o Brasil tivesse assinado o tratado em 1967, ele não abandonou a condição de ratificação universal antes de sua adesão (RUBLEE, 2010, p. 5-51). O Brasil também se recusou a realizar a acessão ao TNP, pois militares e membros do Itamaraty consideravam o tratado discriminatório. Eles acreditavam que o documento limitava o desenvolvimento tecnológico dos estados não nuclearmente armados (SQUASSONI & FITE, 2005).

Em 1968, o governo brasileiro decidiu ingressar no campo da produção da energia nucleoelétrica. Como estava prevista uma complementação termoelétrica na área do Rio de Janeiro, foi decidido que esse aumento seria feito a partir da construção de uma usina nuclear de cerca de 600 MW. Essa incumbência foi confiada pela Eletrobrás a Furnas, que realizou uma concorrência internacional, vencida pela empresa norte-americana Westinghouse (ELETRONUCLEAR, 2011). O reator de potência a ser vendido para o Brasil seria um PWR ("reator a água pressurizada", na sigla em inglês). A usina foi adquirida sob a forma de turn key, como um pacote fechado, que não previa transferência de tecnologia por parte do fornecedor. Começou em 1972, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, a construção da usina de Angra 1, cuja potência elétrica bruta é hoje de 640 MW e cuja operação comercial foi iniciada em 1985 (KNOBEL, BELISÁRIO & CAPOZOLI, 2000). Porém, o estado não conseguiu libertar-se da dependência tecnológica em relação aos EUA no contexto da Guerra Fria. O governo militar também enfrentava problemas devido aos racionamentos de energia, à instabilidade causada pela crise do petróleo em 1973 e à competição argentina nas áreas militar e tecnológica.

O governo de Ernesto Geisel (1974-1979) criou a Empresas Nucleares Brasileiras S. A. (Nuclebrás). Ao longo de sua administração, o presidente gradativamente procurou fortalecer o programa nuclear brasileiro em face da falta de disposição norte-americana de transferir tecnologia e da maior pressão para a acessão brasileira ao TNP (SQUASSONI & FITE, 2005). A diversificação de parceiros para o desenvolvimento do programa nuclear tornava-se prioritária naquele momento, e a Alemanha Ocidental era promissora. Os dois estados assinaram em 1975 o Acordo Nuclear Brasil-República Federal da Alemanha, que previa a construção de reatores de potência no Brasil e a cooperação em processamento, enriquecimento e reprocessamento do urânio. Somente uma das usinas nucleares previstas foi concluída até hoje - Angra 2, que começou a operar comercialmente em 2001 e cuja potência elétrica bruta é hoje de 1350 MW -, e sua construção foi atrasada após períodos de paralisação. Houve indicações de superfaturamento na sua instalação (idem). Os EUA convenceram a Alemanha Ocidental a requerer salvaguardas sobre a tecnologia transferida. Além do cerceamento da transferência de tecnologia nuclear pelo Clube de Londres - futuro Grupo de Supridores Nucleares3 3 O Grupo de Londres - futuro Grupo de Supridores Nucleares - foi formado após a explosão de um artefato nuclear pela Índia em 1974 e adotou controles mais amplos de exportação do que aqueles requeridos pelo TNP (SPECTOR, 2002). , do qual tratarei mais especificamente adiante - e do aumento da lista de materiais e equipamentos sensíveis cuja exportação era controlada, os EUA, durante o governo Carter, interromperam o fornecimento de combustível nuclear para Angra 1 e os reatores de pesquisa sob inspeção internacional (MARZO & ALMEIDA, 2006, p. 194-195).

A fim de reduzir a dependência em relação ao auxílio estrangeiro, evitar limitações criadas pelas salvaguardas internacionais e desenvolver alternativas em face das evidências de que o processo alemão de enriquecimento por jatos centrífugos não era tão eficiente, o Brasil deu início em 1979 ao "Programa Nuclear Paralelo". Basicamente, o programa autônomo visava a eliminar vulnerabilidades nas áreas sensíveis e de materiais pela substituição das importações de equipamentos, materiais, instrumentação e radioisótopos e pelo desenvolvimento de instalações em escala semi-industrial, necessárias para caracterizar o domínio tecnológico e a viabilidade industrial dos processos. A agregação de tecnologia autônoma ao processamento de matérias-primas minerais permitia evitar sua evasão a preço vil (idem, p. 195). O programa da Marinha buscava desenvolver um reator pequeno a água leve para a propulsão de submarinos e desenvolver capacidade doméstica de enriquecimento de urânio pelo processo de ultracentrifugação4 4 Atualmente, existem dois processos de enriquecimento do urânio que são usados em escala industrial: a difusão gasosa e a ultracentrifugação. A difusão gasosa é usada pelos EUA e pela França. A ultracentrifugação é utilizada no Japão, Rússia, Alemanha, Inglaterra e Holanda - nestes três últimos, pela Urenco. A China faz uso de ambos os processos de enriquecimento (ELETRONUCLEAR, 2011). . O Exército e a Aeronáutica também tiveram seus programas nucleares, o primeiro para desenvolver um reator moderado a grafite - que poderia produzir plutônio usável em armas nucleares - e o segundo para enriquecimento a laser e reatores regeneradores (SQUASSONI & FITE, 2005).

Após o fim do regime militar na década de 1980, o Brasil viu gradativamente que a maior participação em regimes internacionais poderia oferecer a chance de consolidar sua posição como um negociador competente e mudar as regras que não favoreciam sua inserção internacional. A ampliação da transparência sobre o Programa Nuclear Paralelo tornava-se absolutamente necessária. O maior êxito de tal programa fora anunciado em 1987 durante a administração de José Sarney (1985-1990): o domínio da tecnologia de enriquecimento de urânio por ultracentrifugação (MARZO & ALMEIDA, 2006, p. 195). A nova Constituição promulgada em 1988 expressou os objetivos pacíficos das atividades nucleares brasileiras. Ademais, as atividades nucleares do estado foram submetidas à aprovação do Congresso, oferecendo-se barreiras sociais e institucionais à trapaça. A Nuclebrás foi extinta, e o controle de Angra 1 e do canteiro de obras de Angra 2 foi transferido para a Eletrobrás (KNOBEL, BELISÁRIO & CAPOZOLI, 2000; SQUASSONI & FITE, 2005).

No âmbito da maior aproximação com a Argentina, uma série de iniciativas vinha sendo desenvolvida desde o início da década de 1980. Uma das primeiras iniciativas data de 1980: a assinatura do Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear, que visava criar condições para um maior conhecimento recíproco dos programas nucleares em face das crescentes restrições ao acesso à alta tecnologia, bens e serviços nucleares mundialmente. A partir de então, declarações conjuntas foram desenvolvidas sinalizando o progresso na construção de transparência entre os dois estados, como a Declaração do Iguaçu e a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear de 1985. A primeira ressaltava o papel da ciência e da tecnologia nucleares no desenvolvimento econômico e social, e a segunda estabelecia um grupo de trabalho conjunto para a promoção do desenvolvimento nuclear para fins pacíficos. As Declarações de Brasília (em 1986) e de Viedma (em 1987) reforçaram a cooperação: a primeira intensificava a troca de informações na área de energia nuclear; a segunda assinalava a possibilidade de cooperação técnica a partir da integração das indústrias nucleares. O grupo de trabalho conjunto criado em 1985 transformou-se em Comitê Permanente de Política Nuclear com a Declaração de Iperó de 1988 a fim de ampliar a transparência entre os programas nucleares dos dois estados - tornando mais remotas as suspeitas sobre os fins militares das atividades nucleares de Brasil e Argentina - e reforçar a cooperação técnico-científica (ABACC, 2012). A Declaração de Ezeiza (em 1988) expressava a intenção dos dois estados de desenvolver um projeto conjunto de reatores regeneradores rápidos (VARGAS, 1997).

Em 1990, o Brasil, sob a administração do Presidente Fernando Collor de Mello, fechou instalações para testes nucleares em uma base da Aeronáutica na Serra do Cachimbo, no Pará. Dando prosseguimento ao processo de aproximação na esfera nuclear, o Brasil fortaleceu a cooperação com a Argentina no Comunicado de Buenos Aires - que ressaltou a importância dos programas nucleares dos dois estados e sinalizou o interesse em aprofundar a cooperação - e na Declaração de Política Nuclear Comum Brasileiro-Argentina de Foz do Iguaçu - que aprovou um Sistema Comum de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (SCCC) - em 1990 (ABACC, 2012). Em 1991, com o Acordo de Guadalajara para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear que estabeleceu um sistema de inspeções mútuas, o Brasil e a Argentina criaram a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc) para desenvolver uma nova perspectiva para a cooperação e a integração entre os dois antigos rivais. Brasil, Argentina, Abacc e AIEA assinaram o Acordo Quadripartite para Aplicação de Salvaguardas em 1991, em vigor desde 1994.

O decreto que promulgou o Tratado de Tlatelolco entrou em vigor em 1994 e, em 1998, durante a administração do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o estado realizou a acessão ao TNP baseado no entendimento de que medidas seriam tomadas a fim de eliminar as armas nucleares nos arsenais das grandes potências nuclearmente armadas (SQUASSONI & FITE, 2005). Naquela época, o Ministro de Relações Exteriores brasileiro, Luís Felipe Lampreia, expressou o compromisso inabalável do Brasil com o uso da energia nuclear para fins exclusivamente pacíficos e sua determinação de adotar um papel positivo no mundo. O Brasil também ratificou o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (em inglês, Comprehensive Test Ban Treaty (CTBT)) no mesmo ano. Em 1997, foi criada a Eletronuclear, subsidiária da Eletrobrás responsável pela operação e construção de usinas termonucleares no estado (KNOBEL, BELISÁRIO & CAPOZOLI, 2000; MARZO & ALMEIDA, 2006, p. 195-196).

No nível externo, o Brasil, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, procurou implementar uma agenda internacional proativa baseada na busca de "autonomia pela participação". O Estado poderia enfrentar desafios internacionais se contribuísse mais para o processo de elaboração de normas e regras multilaterais, redirecionasse o ambiente internacional dentro dos limites de seu poder e ajustasse-se pragmaticamente aos interesses de outros estados por meio da participação em regimes mais favoráveis aos seus interesses. O Brasil adotou uma posição de "moderação construtiva" e desenvolveu a habilidade de reduzir crises e dificuldades a um nível diplomaticamente administrável, especialmente em negociações com os EUA. Os líderes brasileiros não aceitaram uma política de alinhamento automático com a potência e preservaram a possibilidade de dissenso quando se sentissem ameaçados pelas ações dos EUA no nível internacional (VIGEVANI, CEPALUNI & OLIVEIRA, 2007).

Durante a administração Lula, o Brasil manteve a ênfase no multilateralismo e na importância de normas e regras internacionais em resposta aos desafios de um mundo mais interdependente, mas defendeu mais enfaticamente o conceito de soberania nacional e a busca por liderança, que poderia ser alcançada por meio de uma ação diplomática mais dinâmica. À luz da adesão brasileira aos princípios universais como a importância das instituições internacionais, era visivelmente impossível ignorar o grande nível de interdependência na relação com outros estados. Na busca de uma posição proeminente no nível internacional, os membros do poder Executivo viram que era necessário assegurar a autonomia ao diversificar as parcerias diplomáticas do estado para a redução da dependência em relação a estados do Norte. Isso não implicou necessariamente o enfraquecimento dos laços com grandes potências como os EUA, mas o fortalecimento das alianças Sul-Sul e de acordos com parceiros não tradicionais. Tal fortalecimento mudaria os termos do diálogo Norte-Sul, porque a coordenação de posições com outros estados em desenvolvimento criaria condições para a busca da redução das assimetrias e da maximização das oportunidades de voz para estados do Sul e contribuiria para atenuar tendências unilaterais adotadas por muitos do Norte (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007). Esses aspectos ficaram evidentes especialmente nas posições brasileiras quanto à não proliferação, ao desarmamento e aos usos pacíficos da energia nuclear de 2003 a 2010.

III. O BRASIL, OS USOS PACÍFICOS DA ENERGIA NUCLEAR E A NÃO PROLIFERAÇÃO NUCLEAR EM UMA NOVA ERA

No começo da primeira década do século XXI, a energia nuclear compunha cerca de 3% do total da produção de eletricidade no Brasil. Embora a maior parte da eletricidade brasileira viesse de hidrelétricas - 90% da geração do parque elétrico são de origem hidráulica -, o desenvolvimento do programa nuclear era visto como uma alternativa importante por muitos setores do governo e da sociedade brasileiros depois de racionamentos de energia e de apagões causados pelo baixo índice de chuvas e pelas secas em 2000-20015 5 "No dia 18 de setembro de 2001, os reservatórios do Sudeste estavam operando com 22% de sua capacidade. Se as usinas nucleares de Angra dos Reis não tivessem suprido o Sistema Elétrico Brasileiro com 9 887 163 MWh - de janeiro a setembro de 2001 -, o nível médio desses reservatórios estaria 8% abaixo e poderia ter ocorrido o apagão" (ELETRONUCLEAR, 2011). (SQUASSONI & FITE, 2005). Além disso, enquanto as linhas de transmissão da energia hidrelétrica até os principais centros consumidores eram bastante longas, as usinas de Angra 1 e Angra 2 eram importantes para estabilizar o sistema elétrico no eixo Rio de Janeiro-São Paulo ao melhorarem a confiabilidade no fornecimento de energia elétrica para a Região Sudeste do Brasil (ELETRONUCLEAR, 2011).

Lula reiterou que a pesquisa nuclear no Brasil tinha propósitos pacíficos constitucionalmente definidos e que o estado respeitava os principais acordos regionais e multilaterais, em especial as provisões da Abacc e da AIEA. O Brasil também consolidou sua participação no Grupo de Supridores Nucleares, um conjunto de estados que objetivam contribuir aos esforços de não proliferação e atuam para garantir que as transferências internacionais de material nuclear e de equipamentos de uso dual sejam apenas realizadas para fins pacíficos. O Brasil assumiu a presidência do grupo em 2006 e defendeu que os controles sobre tecnologias nucleares não deveriam interferir nos usos legítimos da energia nuclear, nem redundar na criação de exigências adicionais para os estados que já cumprissem seus compromissos de não proliferação (BRASIL. MRE, 2011).

O Brasil identificou que a manutenção de uma postura cooperativa com a comunidade internacional no tratamento dos assuntos relacionados à não proliferação nuclear e aos usos pacíficos da energia nuclear traria benefícios múltiplos, como a ampliação de sua atuação no desenvolvimento de regras e normas que limitassem ações unilaterais de grandes potências e preservassem a flexibilidade para a articulação dos interesses de potências emergentes. O Brasil reafirmou seu compromisso com o TNP. As provisões básicas do tratado - aberto para assinatura em 1968 e em vigor desde 1970 - eram destinadas a impedir a proliferação de armas nucleares; a oferecer garantia de que as atividades nucleares pacíficas dos estados que não tinham desenvolvido armas nucleares não seriam direcionadas para sua produção; a expressar a determinação das partes de atingir medidas mais abrangentes para o controle e a redução daquelas armas e a promover os usos pacíficos da energia nuclear (SPECTOR, 2002).

Apesar de constantes pressões por parte dos EUA, o Brasil recusou-se a aderir ao Protocolo Adicional ao Acordo com a AIEA para a Aplicação de Salvaguardas, principalmente porque o reforço das salvaguardas exigido pelo Protocolo poderia criar problemas para a segurança da tecnologia de ultracentrífugas independentemente desenvolvida no estado. Mesmo reconhecendo o valor das instituições internacionais, as autoridades brasileiras defendiam que o fortalecimento do sistema de salvaguardas não era sustentável sem desenvolvimentos positivos paralelos pelos Estados nuclearmente armados quanto ao desarmamento nuclear (RUBLEE, 2010, p. 54).

Em 2000, foi dado prosseguimento ao projeto de instalação da planta de enriquecimento de urânio por ultracentrifugação em Resende, no Rio de Janeiro, e foram formalizadas as negociações da empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB) - que sucedeu a Nuclebrás e, em 1994, tornou-se uma única empresa ao incorporar suas controladas - com o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (Ctmsp), com assinatura do contrato para implantação da unidade6 6 Na Fábrica de Combustível Nuclear de Resende também há instalações para reconversão (produção de pó de dióxido de urânio), fabricação de pastilhas de dióxido de urânio e produção de componentes e montagem do elemento combustível. . A conclusão da primeira fase do empreendimento - compreendendo o total de dez cascatas montadas em quatro módulos - está prevista para o fim de 2012, e seu primeiro módulo de quatro cascatas já era considerado operacional em meados da década de 2000 (SQUASSONI & FITE, 2005). A Fábrica de Combustível Nuclear de Resende poderia oferecer urânio de baixo enriquecimento (3,5% a 4%) às Angras 1 e 2 dispondo de métodos de enriquecimento econômicos e eficientes.

O desejo de enriquecer urânio no território brasileiro era forte porque o Brasil ainda tinha que transportar yellowcake - um concentrado de urânio - produzido em Caetité, na Bahia, para o Canadá e a França para a sua conversão em hexafluoreto de urânio, por questões de economia de escala7 7 De acordo com a Eletronuclear ( idem), o Brasil tem o domínio da tecnologia de conversão em escala laboratorial e piloto. A Marinha vem implantando, no Centro Experimental de Aramar, uma unidade de demonstração industrial. , e depois para a Urenco - um consórcio europeu de enriquecimento de urânio, formado por Reino Unido, Alemanha e Holanda - para enriquecer urânio utilizado nas suas usinas nucleares8 8 O hexafluoreto de urânio enriquecido é trazido posteriormente de volta ao Brasil para reconversão, moldagem em pastilhas e montagem nos elementos combustíveis em Resende ( idem). . Esse último procedimento era caro - ele custava em torno de R$ 120 milhões ao ano - e, devido aos altos custos, os líderes brasileiros desejavam enriquecer quase 60% do urânio requerido para os reatores das Angras 1 e 2 nacionalmente, após concluída a primeira etapa da implantação do enriquecimento isotópico de urânio na INB (FLEMES, 2006, p. 22-23). Segundo a Eletronuclear (2011), o enriquecimento será gradativamente feito em Resende, e prevê-se, a um custo inicial de R$ 490 milhões, uma capacidade que equivale a 100% das necessidades de Angra 1 e 20% de Angra 2.

Em 2004, o Brasil usou coberturas visuais que não permitiram aos inspetores da AIEA verificar detalhes das ultracentrífugas em Resende (FLEMES, 2006, p. 22-23). Embora o Brasil tivesse melhorado seu desempenho na área de não proliferação nuclear, a rejeição a inspeções visuais totais não apenas ampliou suspeitas sobre as intenções do programa nuclear brasileiro, mas criou um precedente para que outros estados - especialmente aqueles que tinham realmente interesse em esconder aspectos controversos de seus programas - exigissem as mesmas concessões (RUBLEE, 2010, p. 55). Enquanto o Brasil dizia temer a espionagem de sua suposta tecnologia inovadora de enriquecimento e reiterava que o estado mantinha seu compromisso aos elementos básicos do TNP, a AIEA desejava acesso às instalações brasileiras a fim de garantir que o Brasil estava enriquecendo urânio a níveis mais baixos para reatores civis, não a altos níveis para material explosivo utilizado em armas nucleares (APPLEGARTH, 2004). Havia também outro problema: embora as autoridades brasileiras dissessem que a usina de Resende fora construída com tecnologia desenvolvida inteiramente no estado, havia suspeitas de que o Brasil estaria escondendo tecnologia adquirida secretamente no passado do design da centrífuga G-2 da Urenco ou talvez do Paquistão (SQUASSONI & FITE, 2005).

O Brasil aceitou a inspeção da entrada e saída do urânio. Os inspetores posteriormente foram autorizados a ver tubulações e válvulas, e outros componentes foram escondidos por trás de painéis, enquanto a AIEA não mais solicitaria acesso irrestrito às instalações brasileiras (APPLEGARTH, 2004). Um acordo foi aparentemente alcançado: o Brasil poderia manter coberturas no primeiro módulo e deveria redesenhar os revestimentos dos três módulos subseqüentes (SQUASSONI & FITE, 2005). O principal objetivo brasileiro naquele momento era desenvolver parâmetros para as inspeções. De acordo com Roberto Abdenur, que fora embaixador brasileiro nos EUA no primeiro mandato de Lula, ainda era necessário buscar um equilíbrio adequado entre os requerimentos de inspeção e as preocupações com o sigilo industrial antes de o Brasil comprometer-se com o Protocolo Adicional ao Acordo com a AIEA para a Aplicação de Salvaguardas (APPLEGARTH, 2004).

Graças à pesquisa e desenvolvimento da Marinha e à estrutura oferecida pela INB, o Brasil começou a produzir urânio enriquecido comercialmente. Em 2009, a CNEN concedeu à INB a Autorização de Operação Inicial para enriquecer urânio em escala industrial em Resende. Naquele momento, a INB Resende já tinha implantado duas cascatas de ultracentrífugas, desenvolvidas pelo Ctmsp em parceria com o IPEN. A INB previa que até 2012 mais oito cascatas seriam implantadas (INB, 2009). O Brasil não pretendia exportar urânio enriquecido até 2014-2015 mas, com o aumento da demanda global, ele poderia ampliar suas capacidades de enriquecimento nos anos seguintes. Como colocou Eduardo Campos, que fora Ministro de Ciência e Tecnologia no primeiro mandato de Lula, o estado pode ser um dos poucos a suprir o combustível nuclear nos próximos 20 anos, quando quase 25% da eletricidade gerada ao redor do mundo poderá vir de fontes nucleares9 9 A Eletronuclear cuida da geração de energia nuclear e a INB tem responsabilidade pela extração e pelo beneficiamento do urânio. O Ministério da Ciência e Tecnologia é o responsável pela política nacional de energia nuclear e fomenta a pesquisa e o desenvolvimento dessa tecnologia. O governo federal previu a criação de quatro novas usinas nucleares até 2030, enquanto Angras 1 e 2 estão em funcionamento, e Angra 3 está sendo construída. De acordo com o Plano Nacional de Eletricidade 2030 de 2006, atualizado em 2008, o governo deve investir na construção das usinas para garantir a energia no longo prazo. (INB, 2009). (SQUASSONI & FITE, 2005).

Em 2007, apesar da resistência de setores ambientalistas, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) autorizou a retomada da construção de Angra 3 - cuja obra foi iniciada em 1984 e que será quase gêmea de Angra 2. A potência elétrica bruta de Angra 3 será de 1 405 MW. O argumento que referendou a decisão do CNPE apontou a elevação da taxa anual de consumo de energia elétrica no Brasil, em geral superior ao crescimento do PIB. Após as paralisações das obras de Angra 3 também motivadas por falta de recursos, questionamentos quanto à conveniência para a matriz energética e possibilidade de riscos ambientais e acidentes, a CNEN autorizou o início da concretagem da laje do prédio do reator em 2010 (ELETRO-NUCLEAR, 2011).

A Estratégia Nacional de Defesa de 2008 reiterou a busca brasileira pelo desenvolvimento de sua capacidade de projetar e fabricar um submarino de propulsão nuclear e acelerar investimentos e parcerias a fim de completar seu projeto, sendo a determinação brasileira reforçada diante da necessidade de proteção de reservas de petróleo descobertas na camada pré-sal. Alguns militares acreditavam inclusive que os submarinos de propulsão nuclear poderiam ser importantes na conquista de um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (DIEHL & FUJII, 2009).

No nível internacional, a ampliação da cooperação nuclear com a Argentina para o desenvolvimento de um projeto de reator e para a criação de uma companhia binacional para a produção de urânio enriquecido em escala industrial (Empresa Binacional de Enriquecimento, (EBEN)) e a revitalização da Abacc eram esforços que garantiam à comunidade internacional que o programa nuclear brasileiro não era voltado para a produção de armas nucleares. Segundo Celso Amorim, "países que têm programas militares não têm projetos conjuntos para uma bomba nuclear" (idem). Com os objetivos de ampliar e atualizar seu programa nuclear e contribuir para sua inserção competitiva no mercado internacional do combustível nuclear, o Brasil procurou fortalecer parcerias estratégicas internacionais. Algumas delas foram voltadas para o aumento de sua capacitação tecnológica e industrial, em particular com a África do Sul, a China e a Coréia do Sul. Visando a fortalecer sua capacitação na pesquisa em energia de fusão, o estado intensificou sua cooperação com a Euratom com um acordo firmado em 2009 (BRASIL. MRE, 2011).

O Brasil também defendeu que partes do TNP que não tinham armas nucleares eram dotadas do direito de desenvolver atividades nucleares pacíficas, inclusive o Irã. O Irã alegava que estava cumprindo as determinações do TNP e que tinha permissão para enriquecer urânio, sob inspeção, para fins pacíficos (GLOBAL SECURITY, s/d). Os céticos argumentavam que o Irã não tinha necessidade de fabricar seu próprio combustível nuclear, que poderia ser fornecido por outros, e, portanto, as lideranças de tal estado deveriam estar pretendendo fazer uma bomba. Outra possibilidade era a de que o Irã quisesse desenvolver a capacidade, mas deixar para o futuro a decisão de realmente fabricar uma arma nuclear.

Em 2010, o Presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, disse que seu estado seguiria com seu programa nuclear apesar das ameaças de Israel quanto à realização de uma ofensiva militar. Enquanto isso, as pressões no Conselho de Segurança da ONU para decidir sobre a aplicação de sanções ao Irã continuavam. Os EUA, a França e o Reino Unido alegavam que o Irã não cooperava com a AIEA (idem). Depois de um encontro com o Presidente iraniano Ahmadinejad em 2009, Lula defendeu que o Irã tinha os mesmos direitos que o Brasil ou qualquer outro estado não nuclearmente armado que fosse parte do TNP a atividades nucleares pacíficas. Ao mesmo tempo, a aproximação com Teerã poderia afetar as relações do Brasil com os EUA e alguns membros da União Européia, que levantaram suspeitas acerca das atividades nucleares iranianas. Lula e sua equipe de política externa tentaram colocar-se como pontes entre o Irã e os estados ocidentais e, honrando suas habilidades de barganha, reafirmaram que uma nova perspectiva era necessária para lidar com o tema: a criação de espaços para o diálogo. A forma de cooperação proposta pelo Brasil seria mais voltada para a tentativa de acomodação das reivindicações iranianas e a busca de construção de confiança por meio da inserção de maior flexibilidade no diálogo e nos resultados.

Embora parlamentares norte-americanos e Israel criticassem a posição de Lula por causa de sua preocupação com relação às ambições nucleares do Irã e ao desempenho iraniano na área de direitos humanos e dissessem que era um erro conferir legitimidade a Ahmadinejad, Lula sustentou que o engajamento do Irã - em vez de seu isolamento - era uma forma de estimular a paz e a estabilidade no Oriente Médio. Muitas autoridades nos EUA e na União Européia inicialmente até esperavam que o Brasil pudesse trazer algumas de suas preocupações nas conversações com as lideranças iranianas. Formuladores da política externa brasileira defenderam que, embora o Brasil rejeitasse a linha dura adotada pelos EUA e por membros da União Européia e o Irã tivesse o direito de desenvolver um programa nuclear pacífico, os líderes iranianos também deveriam cumprir suas obrigações internacionais sob o TNP e garantir à comunidade internacional que seu programa tinha propósitos pacíficos. A União Européia inclusive solicitou inicialmente ao Brasil que ajudasse a resolver o impasse. De acordo com a Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança da União Européia, Catherine Ashton, o Brasil era um global player que poderia ter um papel fundamental.

Os líderes brasileiros tentaram convencer as autoridades iranianas a chegar a uma solução balanceada e justa. A Declaração de Teerã foi criticada pelos EUA e por membros da União Européia por não lidar com a continuação da produção de urânio enriquecido a 19,75% no Irã. Ademais, as autoridades iranianas poderiam requerer o retorno do urânio de baixo enriquecimento depositado na Turquia se as provisões da declaração não fossem respeitadas. O principal problema, de acordo com as grandes potências ocidentais, era a falta de definições específicas sobre situações consideradas violações, de modo que o Irã poderia solicitar o retorno de seu urânio de baixo enriquecimento a qualquer momento. Contudo, os líderes brasileiros ressaltaram que a Declaração de Teerã jamais fora imaginada como a solução definitiva do problema iraniano, mas como uma medida de construção de confiança destinada a assentar bases para uma solução negociada (JESUS, 2011a, p. 64-66).

Os eventos examinados acima mostram que, no projeto brasileiro de liderança dos estados emergentes, a linguagem da hegemonia - que carrega conotações de dominação - é evitada, e políticas orientadas pelo consenso e pelo diálogo são preferidas. Isso não se dá apenas porque o Brasil não dispõe de recursos para forçar e preservar a aquiescência dos outros. Dentro da idéia de criação de consensos, o Brasil lembra seus parceiros de acordos prévios e oferece o debate sobre propostas políticas, definindo os termos do diálogo e sutilmente o conteúdo das discussões (BURGES, 2006). Como Burges (idem) coloca ao discutir a presidência de Fernando Henrique Cardoso, é possível identificar na administração Lula - de maneira ainda mais intensa - três elementos interligados em um estilo aparentemente inofensivo de liderança buscado pelo Presidente e sua equipe: a preferência de convites para a formação de posições conjuntas nas quais o Brasil pudesse atuar como coordenador ou organizador; a credibilidade como um líder potencial, especialmente com a criação de projetos e perspectivas alternativos; e a demonstração aos demais - especialmente àqueles relutantes a aderir ao consenso - dos possíveis custos da exclusão. Esses aspectos não são totalmente inovadores nem visíveis somente na administração Lula, mas foram intensificados nos debates sobre a não proliferação e os usos pacíficos da energia nuclear na última década, bem como a defesa mais enfática da soberania e a aliança com estados em desenvolvimento.

IV. O BRASIL E O DESARMAMENTO NU-CLEAR EM UMA NOVA ERA

No governo Lula, o Brasil intensificou a cooperação com os demais membros da Coalizão da Nova Agenda - Nova Zelândia, Egito, Irlanda, México, África do Sul e Suécia. Tais estados estavam preocupados com a falta de progresso no que dizia respeito ao desarmamento nuclear após a extensão do TNP por prazo indeterminado e desejavam construir um novo estágio para a discussão multilateral sobre essas questões. Uma importante função da Coalizão foi a construção de conexões entre os estados nuclearmente armados e o Movimento de Países Não Alinhados nas discussões sobre desarmamento nuclear. Embora os membros da Coalizão reconhecessem que desafios como as organizações terroristas e os estados que apoiavam esses grupos e tinham programas de armas de destruição em massa despertassem mais atenção ao pilar de não proliferação no TNP, a luta contra essas ameaças não deveria ser desenvolvida à custa do desarmamento nuclear. Na visão dos membros da Coalizão, os estados nuclearmente armados tinham que honrar os compromissos que assumiram sob o Artigo VI do TNP de negociar medidas efetivas relacionadas ao desarmamento nuclear, além de não criar condições para ameaçar a segurança dos estados não-nuclearmente armados. Como um dos membros mais atuantes da Coalizão da Nova Agenda, o Brasil enfatizou que os objetivos de desarmamento e não proliferação nucleares reforçavam-se mutuamente (RUBLEE, 2010, p. 51).

Embora muitos especialistas pensassem que a Coalizão da Nova Agenda começara a esfacelar-se logo após o estabelecimento, na Conferência de Exame do TNP de 2000, dos "Treze Passos Práticos" para os esforços sistemáticos e progressivos para a implementação do Artigo VI do Tratado10 10 Foram estabelecidos na Conferência de Exame do TNP de 2000 os "Treze Passos Práticos" para os esforços sistemáticos e progressivos para a implementação do Artigo VI. Esses compromissos resultaram das iniciativas da Coalizão da Nova Agenda e requeriam ( i) a busca da entrada do CTBT em vigor; ii) a moratória dos testes nucleares até a entrada deste tratado em vigor; iii) a negociação de um Tratado de Proibição da Produção de Materiais Físseis para armas nucleares ou outros explosivos nucleares (em inglês, Fissile Material Cut-off Treaty (FMCT)) não discriminatório, multilateral e efetivamente verificável na Conferência do Desarmamento; iv) o estabelecimento, na Conferência do Desarmamento, de um corpo subsidiário para desarmamento nuclear; v) a aplicação do princípio da irreversibilidade às medidas de desarmamento e redução nucleares; vi) o compromisso inequívoco de eliminação total dos arsenais nucleares; vii) a entrada do segundo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (em inglês, Strategic Arms Reduction Treaty (START II)) em vigor em data próxima, a assinatura do START III o mais rápido possível e o fortalecimento do Tratado sobre Limitação de Sistemas Antimísseis Balísticos (em inglês, Anti-Ballistic Missile Treaty (ABM)) como pilar da estabilidade estratégica e base para mais reduções de armas ofensivas estratégicas; viii) a implementação da Iniciativa Trilateral entre os EUA, a Rússia e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); ix) a tomada de medidas como reduções unilaterais, transparência sobre capacidades e a implementação de acordos relacionados ao Artigo VI, reduções de armas nucleares não estratégicas, diminuição do status operacional de armas nucleares e de seu papel nas políticas de segurança para minimizar os riscos de seu uso e facilitar o desarmamento nuclear e o engajamento dos estados nuclearmente armados no processo conducente à eliminação total de armas nucleares; x) a submissão do excesso de materiais físseis para armas à AIEA ou a outros mecanismos de verificação internacional e a disponibilização desses materiais para fins pacíficos; xi) a reafirmação do objetivo de desarmamento geral e completo sob controle internacional efetivo; xii) a elaboração de relatórios regulares, dentro do processo de exame reforçado, sobre a implementação das obrigações contidas no Artigo VI e do programa de ação definido na Decisão 2 da Conferência de Exame e Extensão do TNP em 1995 e ( xiii) o desenvolvimento de capacidades de verificação dos acordos sobre desarmamento nuclear (JESUS, 2008, p.399-400). , o Brasil, sob a administração Lula, tentou cooperar mais com seus parceiros na Coalizão a fim de pressionar para que as armas nucleares fossem retiradas do estado de alerta, desativadas e eliminadas. Eles também defenderam a separação das ogivas nucleares dos vetores. O Brasil e os demais membros da Coalizão da Nova Agenda apoiaram o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT, na sigla em inglês) e reiteraram que os Estados não deveriam desenvolver novas armas nucleares ou armas nucleares com novas capacidades militares (JOHNSON, 2005).

Na Conferência de Exame do TNP de 2005 - presidida pelo embaixador brasileiro Sérgio de Queiroz Duarte -, o Brasil e outros estados da Coalizão da Nova Agenda defenderam a interrupção da produção de armas nucleares e a eliminação das reservas e dos vetores existentes. Eles também indicaram que muitos passos para o desarmamento nuclear estabelecidos em 2000 foram negligenciados pelas principais potências nuclearmente armadas. O CTBT não tinha entrado em vigor em parte por causa de sua não ratificação nos EUA e na China, e as negociações de um tratado de proibição da produção de materiais físseis para armas nucleares ou outros explosivos nucleares não tinham começado. Grande parte das reduções nucleares não era irreversível ou verificável naquele momento, especialmente sob o Tratado sobre Reduções Ofensivas Estratégicas (em inglês, Strategic Offensive Reductions Treaty (SORT)) de 2002 entre os EUA e a Rússia, que não estipulara a destruição de ogivas. Elas poderiam ser simplesmente removidas do desdobramento e armazenadas (JESUS, 2008). A falta de comprometimento com o desarmamento nuclear também ficou clara na manutenção do papel das armas nucleares nas políticas de segurança de estados nuclearmente armados. A Comissão Preparatória não tinha conseguido definir uma agenda para a Conferência de 2005, e Duarte fora incapaz de resolver as principais desavenças (JOHNSON, 2005; JESUS, 2010, p. 563).

Nas reuniões da Comissão Preparatória da Conferência de Exame do TNP de 2010, o Brasil concordou com outros membros da Coalizão da Nova Agenda que algumas áreas requeriam atenção urgente no ciclo de exame do tratado, por exemplo, a universalidade do documento - especialmente formas de fazer que a Índia, o Paquistão e Israel participassem dos compromissos de desarmamento nuclear -, reduções nas forças nucleares, garantias de segurança, a entrada do CTBT em vigor, a manutenção da moratória de testes de armas nucleares ou outras explosões nucleares e o apoio a um tratado que proibisse a produção de materiais físseis para armas ou outros dispositivos nucleares e incluísse medidas efetivas de verificação (JESUS, 2010, p. 562-564; KIMBALL, 2010).

Uma das principais áreas era o debate sobre transparência e construção de confiança na forma de contabilidade nuclear, especialmente a elaboração de relatórios sobre o status corrente dos arsenais nucleares, os planos para a redução nuclear e a diminuição do papel dos sistemas nucleares nas doutrinas de segurança nacional e regional. Desenvolvimentos nessas áreas eram considerados fundamentais pelos estados da Coalizão da Nova Agenda porque mostravam a vontade dos estados nuclearmente armados de garantir aos não nuclearmente armados que medidas para o desarmamento estavam sendo tomadas. Além dos passos dados pelos estados nuclearmente armados, o Brasil e outros estados da Coalizão da Nova Agenda também defenderam que seria importante que os estados não nuclearmente armados que participassem em alianças regionais pudessem relatar as medidas tomadas para a redução do papel das armas nucleares em doutrinas de segurança comum (JESUS, 2010, p. 562-564).

Entretanto, o Brasil também reconheceu que algumas questões problemáticas permaneciam, embora houvesse a indicação dos estados nuclearmente armados de que mais reduções seriam realizadas, especialmente após a assinatura do Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (em inglês, Strategic Arms Reduction Treaty (Start)) pelo Presidente norte-americano Barack Obama e pelo Presidente russo Dmitri Medvedev em abril de 2010. Um dos principais problemas indicados pelo Brasil e por outros membros da Coalizão da Nova Agenda era o fato de que alguns estados nuclearmente armados mantinham as intenções de modernizar suas forças. O Brasil ressaltou que ações como essas contradiziam as obrigações de desarmamento segundo o TNP (idem, p. 562-564; KIMBALL, 2010).

Na Conferência de Exame do TNP de 2010 foi adotado o Plano de Ação, que contém 64 passos práticos para serem adotados pelos estados partes do TNP nas áreas de não proliferação, desarmamento e usos pacíficos da energia nuclear, com prevalência para o desarmamento nuclear (22 ações). Os estados nuclearmente armados reafirmaram e, em alguns casos, ampliaram seus compromissos em matéria de desarmamento, enquanto os estados não nuclearmente armados elevaram o grau de suas reivindicações sobre tal questão. Em 2010 o Brasil ocupou a presidência da Conferência do Desarmamento e continuou o esforço para adoção de um programa de trabalho a fim de permitir superar a paralisia que se estendia na Conferência desde 1997. Ele defendeu o fortalecimento dessa Conferência como a única instância multilateral negociadora na área do desarmamento. Cumpre destacar que o estado também criou uma representação junto a essa conferência, bem como junto à AIEA e à Comissão Preparatória para a Organização do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (BRASIL. MRE, 2011).

V. CONCLUSÕES: O BRASIL E A NÃO PROLIFERAÇÃO, O DESARMAMENTO E OS USOS PACÍFICOS DA ENERGIA NUCLEAR DEPOIS DE LULA

O objetivo deste artigo foi investigar as posições assumidas pelo Brasil durante o governo Lula com relação à não proliferação, ao desarmamento e aos usos pacíficos da energia nuclear. Procurei verificar se e como o Brasil efetivamente consolidava aspirações presentes em momentos anteriores e buscava construir diálogo entre os estados nuclearmente e não nuclearmente armados com o objetivo de reforçar sua posição como um solucionador de disputas e, assim, ampliar sua atuação na elaboração de regras e normas que limitassem ações unilaterais de grandes potências e preservassem a autonomia para a articulação dos interesses de estados emergentes. Busquei examinar se e como o Brasil procurou, nesse período, reduzir as assimetrias nas suas relações com tais estados na esfera nuclear, enquanto desejava preservar sua autonomia para realizar atividades nucleares pacíficas. É possível dizer que o argumento central apresentado na introdução foi sustentado e que o comportamento brasileiro na área nuclear é compatível com as noções de "autonomia pela diversificação" e de consolidação da soberania nacional, fatores característicos da política externa do governo Lula inicialmente apresentados.

Notavelmente nas questões relacionadas à não proliferação, ao desarmamento e aos usos pacíficos da energia nuclear durante a administração Lula, o Brasil procurou construir, na interação com os demais atores do sistema, o reconhecimento internacional. Ao mesmo tempo em que o Brasil viabilizou o diálogo com as potências do Norte e funcionou como elemento garantidor da estabilidade e da segurança regionais, ele também operou como catalisador das demandas de inúmeros estados em instituições nas quais buscavam ampliar suas oportunidades de voz. Com base nesse papel, o Brasil aproveitou janelas de oportunidade buscando desenvolver regras, normas e procedimentos que satisfizessem seus interesses de ampliação de autonomia e de participação nas principais decisões internacionais. O papel internacional do Brasil foi também sustentado pelos seus poderes de persuasão e negociação. A fonte da credibilidade brasileira estava baseada em fatores como a defesa da não proliferação de armas de destruição em massa e do desarmamento nuclear.

A sucessora de Lula, Dilma Rousseff, declarou que pretendia manter as principais linhas das políticas de não proliferação, desarmamento e usos pacíficos da energia nuclear do governo anterior. Durante a campanha presidencial, Rousseff afirmou que Lula desenvolveu uma política externa em defesa da paz e buscou uma solução negociada para a situação política no Oriente Médio. Ela reafirmou a confiança na solução pacífica de disputas, que motivara Lula a mediar a troca de combustível. Para a então candidata à Presidência da República, não haveria motivo para não fortalecer as relações com o Irã e não buscar o desenvolvimento de confiança recíproca (ROUSSEFF, 2010, p. 24).

Um dos primeiros atos do governo Rousseff no que diz respeito à cooperação na área nuclear foi a formalização da parceria com a Argentina para a construção de dois reatores de 30 megawatts de potência para pesquisa, destinados à produção de radioisótopos, ao teste de irradiação de materiais e combustíveis e às pesquisas com feixes de nêutrons. Embora ainda se imaginasse um período de cinco anos para a conclusão do projeto e não tivessem sido definidos os valores para investimentos compartilhados, o acordo - firmado na Argentina durante a primeira visita presidencial de Rousseff em 2011 - estabeleceu que os dois estados desenvolveriam o projeto de um reator, o que seria feito por profissionais da CNEN e da Comissão Nacional de Energia Atômica (CNEA) da Argentina. Um comitê diretor supervisionaria a elaboração do projeto, e, em uma segunda etapa, cada estado construiria seu próprio reator a partir de projetos comuns. O acordo reiterou a idéia de que ambos os estados tinham propósitos comuns quanto ao desenvolvimento pacífico de seus programas nucleares (GIRALDI, 2011; MACHADO, 2011).

O acordo sobre o Projeto do Novo Reator de Pesquisas Multipropósito - celebrado entre a CNEA e a CNEN - também ilustra o alto nível de cooperação bilateral atingido por ambos os estados e sua aproximação no âmbito da Comissão Binacional de Energia Nuclear (Coben). O diálogo político foi acentuado no Comitê Permanente de Política Nuclear com os objetivos de dar continuidade à troca de informação sobre o status dos programas nucleares de ambos os estados e ampliar a coordenação de posições em fóruns internacionais como o Grupo de Supridores Nucleares e a análise da cooperação bilateral no âmbito da Abacc (NPS GLOBAL, 2011).

A promoção da cooperação nuclear bilateral foi confirmada pela Declaração da Casa Rosada, assinada em fevereiro de 2008, que reforçou o trabalho da CNEA e da CNEN para a formação da Coben, ocorrida em março do mesmo ano. Com a Declaração Conjunta sobre Cooperação Nuclear assinada em San Juan em 2010, a Coben foi instruída a intensificar esforços para a implementação de projetos de cooperação e integração para os usos pacíficos da energia nuclear, com ênfase em iniciativas de grande visibilidade para a cooperação bilateral, como o desenvolvimento dos reatores de pesquisas multipropósito (idem).

Apesar de declarações positivas de ambos os lados com relação a esse novo estágio da cooperação nuclear, a relação entre os dois estados nessa área permanece com poucos desenvolvimentos concretos (idem). Como lembram Diehl e Fujii (2009), os planos brasileiros de enriquecer urânio para a propulsão de submarinos e sua recusa a aderir ao Protocolo Adicional ao Acordo com a AIEA para a Aplicação de Salvaguardas ainda levantam preocupações em torno da proliferação nuclear. No segundo semestre de 2011, Rousseff reforçou o comprometimento do Brasil com os regimes internacionais na área nuclear.

OUTRAS FONTES

Recebido em 7 de outubro de 2010.

Aprovado em 10 de maio de 2011.

  • APPLEGARTH, C. 2004. Brazil Permits Greater IAEA Inspection. Arms Control Today, Washington (DC), v. 34, n. 9, Nov. Disponível em: http://www.armscontrol.org/act/2004_11/Brazil Acesso em: 20.maio.2010.
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  • 1
    Algumas idéias e reflexões iniciais desta pesquisa foram sugeridas anteriormente nos artigos de Jesus (2010; 2011b; 2011c; 2012). Gostaria de agradecer aos pareceristas anônimos da
    Revista de Sociologia e Política por suas observações e sugestões.
  • 2
    O Plano Baruch vislumbrava o estabelecimento de uma autoridade internacional para controlar as atividades nucleares potencialmente perigosas, licenciar todas as outras e executar inspeções abrangentes. As decisões dessa autoridade não estariam sujeitas ao veto do Conselho de Segurança. Os membros do poder Executivo soviético rejeitaram tal plano, pois viram a idéia de eliminar o veto do Conselho como uma forma de os norte-americanos poderem utilizar a ONU para organizar empreitadas militares contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), além de que qualquer inspeção efetiva - sem contar o controle das instalações nucleares - inevitavelmente implicaria a abertura de uma brecha considerável na Cortina de Ferro. O Brasil também se opôs ao Plano Baruch (WHEELER, 2002).
  • 3
    O Grupo de Londres - futuro Grupo de Supridores Nucleares - foi formado após a explosão de um artefato nuclear pela Índia em 1974 e adotou controles mais amplos de exportação do que aqueles requeridos pelo TNP (SPECTOR, 2002).
  • 4
    Atualmente, existem dois processos de enriquecimento do urânio que são usados em escala industrial: a difusão gasosa e a ultracentrifugação. A difusão gasosa é usada pelos EUA e pela França. A ultracentrifugação é utilizada no Japão, Rússia, Alemanha, Inglaterra e Holanda - nestes três últimos, pela Urenco. A China faz uso de ambos os processos de enriquecimento (ELETRONUCLEAR, 2011).
  • 5
    "No dia 18 de setembro de 2001, os reservatórios do Sudeste estavam operando com 22% de sua capacidade. Se as usinas nucleares de Angra dos Reis não tivessem suprido o Sistema Elétrico Brasileiro com 9 887 163 MWh - de janeiro a setembro de 2001 -, o nível médio desses reservatórios estaria 8% abaixo e poderia ter ocorrido o apagão" (ELETRONUCLEAR, 2011).
  • 6
    Na Fábrica de Combustível Nuclear de Resende também há instalações para reconversão (produção de pó de dióxido de urânio), fabricação de pastilhas de dióxido de urânio e produção de componentes e montagem do elemento combustível.
  • 7
    De acordo com a Eletronuclear (
    idem), o Brasil tem o domínio da tecnologia de conversão em escala laboratorial e piloto. A Marinha vem implantando, no Centro Experimental de Aramar, uma unidade de demonstração industrial.
  • 8
    O hexafluoreto de urânio enriquecido é trazido posteriormente de volta ao Brasil para reconversão, moldagem em pastilhas e montagem nos elementos combustíveis em Resende (
    idem).
  • 9
    A Eletronuclear cuida da geração de energia nuclear e a INB tem responsabilidade pela extração e pelo beneficiamento do urânio. O Ministério da Ciência e Tecnologia é o responsável pela política nacional de energia nuclear e fomenta a pesquisa e o desenvolvimento dessa tecnologia. O governo federal previu a criação de quatro novas usinas nucleares até 2030, enquanto Angras 1 e 2 estão em funcionamento, e Angra 3 está sendo construída. De acordo com o Plano Nacional de Eletricidade 2030 de 2006, atualizado em 2008, o governo deve investir na construção das usinas para garantir a energia no longo prazo. (INB, 2009).
  • 10
    Foram estabelecidos na Conferência de Exame do TNP de 2000 os "Treze Passos Práticos" para os esforços sistemáticos e progressivos para a implementação do Artigo VI. Esses compromissos resultaram das iniciativas da Coalizão da Nova Agenda e requeriam (
    i) a busca da entrada do CTBT em vigor;
    ii) a moratória dos testes nucleares até a entrada deste tratado em vigor;
    iii) a negociação de um Tratado de Proibição da Produção de Materiais Físseis para armas nucleares ou outros explosivos nucleares (em inglês,
    Fissile Material Cut-off Treaty (FMCT)) não discriminatório, multilateral e efetivamente verificável na Conferência do Desarmamento;
    iv) o estabelecimento, na Conferência do Desarmamento, de um corpo subsidiário para desarmamento nuclear;
    v) a aplicação do princípio da irreversibilidade às medidas de desarmamento e redução nucleares;
    vi) o compromisso inequívoco de eliminação total dos arsenais nucleares;
    vii) a entrada do segundo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (em inglês,
    Strategic Arms Reduction Treaty (START II)) em vigor em data próxima, a assinatura do START III o mais rápido possível e o fortalecimento do Tratado sobre Limitação de Sistemas Antimísseis Balísticos (em inglês,
    Anti-Ballistic Missile Treaty (ABM)) como pilar da estabilidade estratégica e base para mais reduções de armas ofensivas estratégicas;
    viii) a implementação da Iniciativa Trilateral entre os EUA, a Rússia e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA);
    ix) a tomada de medidas como reduções unilaterais, transparência sobre capacidades e a implementação de acordos relacionados ao Artigo VI, reduções de armas nucleares não estratégicas, diminuição do
    status operacional de armas nucleares e de seu papel nas políticas de segurança para minimizar os riscos de seu uso e facilitar o desarmamento nuclear e o engajamento dos estados nuclearmente armados no processo conducente à eliminação total de armas nucleares;
    x) a submissão do excesso de materiais físseis para armas à AIEA ou a outros mecanismos de verificação internacional e a disponibilização desses materiais para fins pacíficos;
    xi) a reafirmação do objetivo de desarmamento geral e completo sob controle internacional efetivo;
    xii) a elaboração de relatórios regulares, dentro do processo de exame reforçado, sobre a implementação das obrigações contidas no Artigo VI e do programa de ação definido na Decisão 2 da Conferência de Exame e Extensão do TNP em 1995 e (
    xiii) o desenvolvimento de capacidades de verificação dos acordos sobre desarmamento nuclear (JESUS, 2008, p.399-400).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Out 2010
    • Aceito
      10 Maio 2011
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