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O sistema interamericano de direitos humanos e a justiça de transição no Peru

Resumo

O objetivo do artigo é analisar como e por que a normatividade do Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre o tema de justiça de transição pôde exercer influência sobre o processo de judicialização de casos de violações de direitos humanos no Peru. Partindo da abordagem emergente na literatura de que os efeitos dos regimes internacionais de direitos humanos são condicionados por fatores domésticos dos países aos quais se dirigem suas normas e pressões, a pesquisa buscou delinear como a política doméstica influencia e medeia o impacto potencial dessas normas internacionais, salientando o papel de Organizações Não Governamentais (ONGs) e da cúpula do Judiciário local, já que tais atores são centrais tanto para o processo de justiça de transição quanto para a ativação e aplicação da normatividade do Sistema Interamericano. Nesse sentido, a partir de um desenho de pesquisa qualitativo que se baseou na realização de entrevistas semiestruturadas com atores da sociedade civil e magistrados envolvidos com a temática, além da consulta a fontes secundárias e sentenças judiciais, testamos a hipótese segundo a qual o Sistema Interamericano adquirirá aderência doméstica se e quando esses atores forem capazes de entendê-lo e instrumentalizá-lo como um mecanismo efetivo para o seu “empoderamento”. Feita a análise dos dados coletados, assinalamos então, em primeiro lugar, que o perfil dos grupos de direitos humanos foi essencial para as perspectivas de impacto, já que a expertise e atuação contínua desses atores foi o que lhes permitiu atrair a atenção do sistema e desempenhar o papel de agentes de difusão e de legitimação de suas construções e formulações jurídicas. Já no que diz respeito à receptividade e abertura do Judiciário, argumentamos que foi decisiva a existência, no período pós-transicional, de um grupo de magistrados previamente dissidentes ou de perfil mais progressista e ativista nas principais esferas judiciais responsáveis pelos casos de violações de direitos humanos. Esses magistrados instrumentalizaram, na conjuntura crítica de reconstrução e renovação dos quadros do Judiciário, as decisões do Sistema Interamericano como um mecanismo de fortalecimento institucional, contribuindo, por conseguinte, para sua aplicação interna. Assim, contrariamente à maioria dos estudos que privilegiam a ação do Executivo para explicar seja a realização de julgamentos no período pós-transicional, seja o impacto de normas e pressões internacionais de direitos humanos, as conclusões apontam para a necessidade de que as agendas de pesquisa sobre o regime internacional de direitos humanos e justiça de transição atentem mais para o papel e o perfil dos atores judiciais e organizações litigantes de direitos humanos, já que a realização de novos julgamentos passa muitas vezes pela mobilização de uma normatividade internacional que não pode ser entendida de maneira divorciada da agência de ONGs e magistrados.

Peru; direitos humanos; organizações não governamentais; judiciário; sistema interamericano de direitos humanos

The aim of this article is to analyse how and why the norms of the Inter-American human rights system on transitional justice exerted an impact on the human rights trials in Peru. Based on the emerging theoretical approach according to which the effects of international human rights regimes are conditioned by domestic factors of the target-countries, our research seeks to unravel how domestic politics influences and mediates the potential impact of these international norms, highlighting the role of non-governmental organizations (NGOs) and local higher courts, since these actors are central both to the process of transitional justice and for the activation and enforcement of the Inter-American system’s rules. In this sense, a qualitative research design based on semi-structured interviews with civil society actors and judges involved with the theme was adopted, in addition to the consultation of secondary sources and courts’ rulings. Then, from the analysis of this material, we tested the hypothesis that the Inter-American system will have a domestic impact if and when NGOs and local judges are able to understand and use it as an effective mechanism for their own “empowerment”. Having analyzed the data collected, we point out, firstly, that the human rights groups’ profile was essential for the impact, since the expertise and continuous actions of these actors allowed them not only to attract the Inter-American system’s attention, but also to act as agents that would propagate and legitimate its legal formulations. Secondly, in what concerns the responsiveness and openness of the judiciary, we also point out to the important presence of a group of more progressive and dissident judges in the main tribunals during the post-transitional period. In that critical juncture when the reconstruction and renovation of the judiciary was at stake, these magistrates used the Inter-American system’s decisions as a mechanism for their own institutional strengthening, contributing therefore to the enforcement of such rules. Therefore, contrary to most studies that focus on Executive’s actions to explain either the occurrence of human rights trials in the post-transitional period, or the impact of international human rights norms, our conclusions urge the research agendas on the human rights international regime and transitional justice to pay more attention to the role and profile of judicial actors and domestic litigants, since human rights trials frequently are anchored on the mobilization of international norms that cannot be understood separately from the agency of NGOs and magistrates.

Peru; human rights; nongovernmental organizations; judiciary; inter-american human rights system


I. Introdução1 1 Pesquisa realizada com suporte financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio de bolsas de Doutorado e de Estágio de Pesquisa no Exterior. Agradecemos aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política pelas sugestões e ao Instituto de Democracia e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Peru pelo apoio durante a pesquisa de campo.

Ao longo das últimas duas décadas do século passado, o Peru foi vítima de um prolongado processo de violência política, marcado por um conflito armado interno de grandes proporções e, posteriormente, pelo regime autoritário de Alberto Fujimori (1990–2000). Na década de 1980, a campanha anti-subversiva dos governos democraticamente eleitos de Fernando Belaúnde (1980–1985) e Alan García (1985–1990) produziu um saldo de graves abusos de direitos humanos, e as forças de segurança do Estado não foram capazes de impedir o avanço do Sendero Luminoso, um grupo insurgente maoísta que se destacava pela brutalidade de suas práticas terroristas (Burt 2007Burt, J.M. 2007. Political Violence and the Authoritarian State in Peru: Silencing Civil Society. New York: Palgrave Macmillan.; Villarán 2007Villarán, S. 2007. Victims Unsilenced: The Inter-American Human Rights System and Transitional Justice in Latin America. Washington: DPLF.).

Nesse contexto, a grave crise político-institucional e econômica do país e o enorme descontentamento com os partidos políticos tradicionais permitiram a eleição, em 1990, de Alberto Fujimori, um candidato político outsider e de perfil personalista que subverteria a institucionalidade democrática peruana até a queda abrupta do seu governo no ano 2000 (Carrión 2006Carrión, J. 2006. The Fujimori Legacy: The Rize of Electoral Authoritarianism in Peru. University Park: Pennsylvania State University Press.). Durante esse período, o Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA) foram derrotados militarmente, mas a estratégia anti-subversiva continuou a gerar sérias violações de direitos humanos.

Um destacamento paramilitar vinculado ao aparato de poder fujimorista, o grupo Colina, foi responsável por massacres, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais em casos como Barrios Altos e La Cantuta (Burt 2007Burt, J.M. 2007. Political Violence and the Authoritarian State in Peru: Silencing Civil Society. New York: Palgrave Macmillan.), enquanto que a legislação antiterrorista condenou à prisão centenas de inocentes no foro militar e em tribunais de juízes sem rosto. Além disso, mesmo depois do aparente retorno do país à democracia após o autogolpe de 1992, outras medidas deixaram ainda mais patente a natureza autoritária do regime, como a expedição, em 1995, de duas leis de anistia que beneficiavam os membros do grupo Colina, o abandono da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 1999, e a terceira eleição presidencial de Fujimori, viabilizada por meios ilegais e fraudulentos.

Diante desse panorama e da magnitude dos abusos cometidos, poderiam parecer remotas as perspectivas de impacto do regime internacional de direitos humanos, bem como a possibilidade de realização de julgamentos orientados pela busca de verdade, justiça e reparações. Isso porque, por um lado, o ambiente era extremamente inóspito para a atuação dos grupos de direitos humanos, as principais constituencies domésticas interessadas em cobrar do Estado o cumprimento das suas obrigações internacionais nessa temática (Dai 2005Dai, X. 2005. Why Comply? The Domestic Constituency Mechanism. International Organization, 59(2), pp. 363–398.). Ademais das ameaças e intimidações constantes, tanto de agentes do Estado quanto de membros do Sendero Luminoso, os ativistas eram muitas vezes retratados como simpatizantes do terrorismo.

Além disso, o Judiciário peruano, caracterizado historicamente como um poder subordinado e de segunda classe (Dargent 2009_______. 2009. Determinants of Judicial Independence: Lessons from Three ‘Cases’ of Constitutional Courts in Peru (1982–2007). Journal of Latin American Studies, 41(2), pp. 251–278., p. 251), “ineficiente, corrupto e submisso” (Pásara 2010Pásara, L. 2010. Tres Claves de la Justicia en el Perú: Jueces, justicia y poder en el Perú; La enseñanza del derecho; Los abogados en la administración de justicia. Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú., p. 169), demonstrava-se ora ineficaz, ora cooptado pelas forças políticas no poder, de tal modo que era incapaz de investigar e sancionar os abusos resultantes das políticas do Executivo e de sua maioria no Congresso. Desse modo, “montou-se uma rede de magistrados que favorecesse a impunidade nos atos de corrupção, violação aos direitos humanos e a viabilidade da segunda reeleição de Alberto Fujimori” (Tanaka & Vera 2010Tanaka, M.; Vera, S. 2010. Perú: la dinámica ‘neodualista’ de una democracia sin sistema de partidos. In: M. Cameron; J.P. Luna, eds. Democracia en la Región Andina: diversidad y desafíos. Lima: Instituto de Estudios Peruanos., p. 219), e os juízes se recusavam a aplicar as garantias constitucionais e os instrumentos internacionais de direitos humanos dos quais o país era parte.

Ainda assim, a despeito de todas essas dificuldades, as Organizações Não Governamentais (ONGs) peruanas de direitos humanos foram capazes de estruturar uma sólida trajetória de ativação do Sistema Interamericano (Villarán 2007Villarán, S. 2007. Victims Unsilenced: The Inter-American Human Rights System and Transitional Justice in Latin America. Washington: DPLF.) e de construir um dos movimentos de direitos humanos mais coesos e unificados da América Latina ao longo dos anos 1990 (Youngers 2003Youngers, C. 2003. Violencia política y sociedad civil en el Perú: Historia de la Coordinadora Nacional De Derechos Humanos. Lima: Instituto de Estudios Peruanos.), fatores que contribuíram decisivamente para que o Peru se tornasse o país com mais casos processados pela Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos (Hawkins & Jacoby 2010Hawkins, D.; Jacob, W. 2010. Partial Compliance: A Comparison of the European and Inter-American Courts for Human Rights. Journal of International Law and International Relations, 6(1), pp. 35–85.). No âmbito do sistema judicial, por sua vez, essas decisões e normas do Sistema Interamericano adquiriram grande importância após a queda de Fujimori e foram cruciais para a reabertura de processos criminais. No total, entre 2005 e 2012, foram emitidas 46 sentenças pelo Judiciário peruano em casos de violações de direitos humanos cometidas nos anos 1980 e 1990, das quais 26 foram de absolvição, nove de condenação e as 11 restantes mistas, pois envolviam tanto absolvições quanto condenações. Em termos de indivíduos processados, 113 foram absolvidos, 66 foram condenados e 12 estiveram ausentes durante os julgamentos2 2 Dados produzidos pelo “Human Rights Trials in Peru Project”, coordenado pela professora Jo-Marie Burt (George Mason University). Disponíveis em: http://rightsperu.net. Acesso em: 23 ago. 2013. .

Nesse sentido, ancorando-se na normatividade do Sistema Interamericano e do Direito Internacional Penal e dos Direitos Humanos, o Tribunal Constitucional ordenou a realização de novos julgamentos para todos aqueles que haviam sido sentenciados pela legislação antiterrorista de Fujimori, reconheceu a natureza contínua do crime de desaparecimento forçado, afirmou o direito à verdade e concedeu status constitucional aos tratados de direitos humanos. Ademais, decidiu, em resposta às sentenças da Corte Interamericana, pela inaplicabilidade das leis de anistia e pela falta de validade da competência do foro militar e de argumentos de coisa julgada em casos de graves violações de direitos humanos. Já no plano dos subsistemas judiciais especializados em direitos humanos, corrupção e também no âmbito da Corte Suprema, esferas responsáveis pela realização dos julgamentos, rotas e soluções jurídicas foram encontradas para aplicar as normas internacionais e obrigações decorrentes das condenações do Estado.

Tendo isso em mente, o objetivo deste artigo é abordar as questões teóricas e empíricas relacionadas à influência de normas internacionais de direitos humanos a partir da análise do caso peruano, explorando particularmente como foi possível que o Sistema Interamericano tenha tido esse grau de impacto sobre o processo de judicialização de casos referentes à justiça de transição. Segundo Roht-Arriaza (2006Roht-Arriaza, N. 2006. The New Landscape of Transitional Justice. In: N. Roht-Arriaza; J. Mariezcurrena, eds. Transitional Justice in the Twenty-First Century: Beyond Truth vs. Justice. New York: Cambridge University Press., p. 2), “justiça de transição inclui o conjunto de práticas, mecanismos e preocupações que surgem após um período de conflito, luta civil ou repressão, e que visam diretamente confrontar e lidar com violações dos direitos humanos e do direito humanitário cometidas no passado”. Nesse mesmo sentido, Mezarobba (2009Morales, F.G. 2012. The Progressive Development of the International Law of Transitional Justice: The Role of the Inter-American System. In J. Almqvist; C. Espósito, eds. The Role of Courts in Transitional Justice: Voices from Latin America and Spain. New York: Routledge., p. 121) afirma que a reflexão “envolve, por um lado, graves violações de direitos humanos, e, por outro, a necessidade de justiça que emerge em períodos de passagem para a democracia ou ao final de conflitos”. No caso peruano, em particular, o conceito se refere à forma como, no período posterior à transição democrática do ano 2000, o Estado lidou com as graves violações de direitos humanos resultantes do conflito armado interno e do regime autoritário de Fujimori.

No que tange à relação entre o Sistema Interamericano e o tópico da justiça de transição, desde finais dos anos 1980, a Comissão e a Corte Interamericanas consolidaram uma vasta e clara jurisprudência que bane a validade de leis de anistia, firmando a obrigação de investigar e punir; proíbe a realização de julgamentos de civis por tribunais militares; define os desaparecimentos forçados como um crime continuado e veta a aplicação da jurisdição militar para membros das Forças Armadas acusados de violações de direitos humanos (Morales 2012Morales, F.G. 2012. The Progressive Development of the International Law of Transitional Justice: The Role of the Inter-American System. In J. Almqvist; C. Espósito, eds. The Role of Courts in Transitional Justice: Voices from Latin America and Spain. New York: Routledge.). Tais parâmetros e critérios normativos foram aplicados pelo sistema judicial peruano, de modo que buscamos aqui explicar e compreender como e por que essas mudanças legais foram possíveis3 3 Desse modo, no que diz respeito à judicialização dos casos, não analisamos eventuais obstáculos processuais nem as implicações substantivas dos julgamentos em termos do desempenho do país na proteção dos direitos humanos. Mais do que um balanço dos resultados, interessa-nos entender o próprio processo que tornou possível a realização dos julgamentos. .

Partindo do consenso emergente na literatura de que o “cumprimento não é uma questão de tudo ou nada e que os efeitos dos regimes de direitos humanos, quando e onde eles existem, são condicionados por outras instituições e atores” da política doméstica (Hafner-Burton 2012Hafner-Burton, E. 2012. International Regimes for Human Rights. Annual Review of Political Science, 15, pp. 265–286., p. 275), nossa hipótese tenta delinear como a política doméstica influencia e medeia o impacto potencial de normas internacionais. Para tanto, enfatizamos o papel de grupos da sociedade civil e as respostas da cúpula do Judiciário local, bem como as características específicas desses atores que podem torná-los canais mais ou menos abertos para a influência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Em oposição aos estudos que privilegiam a ação do Executivo para explicar seja a realização de julgamentos no período pós-transicional (Huntington 1991Huntington, S.P. 1991. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century. Norman: University of Oklahoma Press.; Pion-Berlin & Arceneaux 1998Pion-Berlin, D.; Arceneaux, C. 1998. Tipping the Civil-Military Balance: Institutions and Human Rights Policy in Democratic Argentina and Chile. Comparative Political Studies, 31(5), pp. 633–661.; Evans 2007Evans, R. 2007. Treating Poorly Healed Wounds: Partisan Choices and Human Rights Policies in Latin America. Human Rights Review, 8(3), pp. 249–276.; Karl 2007Karl, T.L. 2007. Panel: The Justice Cascade in Latin America. Santa Clara Journal of International Law, 5(2), pp. 345–362.), seja o impacto de normas e pressões internacionais de direitos humanos (Risse & Sikkink 1999Risse, T.; Sikkink, K. 1999. The Socialization of International Human Rights Norms into Domestic Practices: Introduction. In: T. Risse; S.C. Ropp; K. Sikkink, eds. The Power of Human Rights: International Norms and Domestic Change. Cambridge, UK: Cambridge University Press.), defende-se a importância da agência de juízes e ONGs domésticas para explicar a influência do Sistema Interamericano no tema da justiça de transição. Assim, argumentamos que esse regime internacional de direitos humanos adquirirá aderência doméstica se e quando esses atores forem capazes de entendê-lo e instrumentalizá-lo como um mecanismo efetivo para o seu “empoderamento”4 4 Por empoderamento compreendemos o processo através do qual os atores políticos e sociais adquirem e acumulam não só maiores capacidades de poder, mas também recursos materiais e simbólicos adicionais, o que lhes permite impulsionar e maximizar seus interesses e preferências em contextos político-institucionais específicos. .

Ao lidar com graves violações de direitos humanos em contextos de transições políticas, o Sistema Interamericano tem adotado um modelo de justiça de transição de caráter altamente judicializado que privilegia a regra de persecução criminal individual e um enfoque de justiça retributiva, reforçando assim, dentre as várias maneiras possíveis de enfrentar os abusos do passado, exigências de julgamentos e punições bem como respostas e estratégias judiciais e legais que necessariamente envolvem a ação do Judiciário (Huneeus 2013Huneeus, A. 2013. International Criminal Law by Other Means: The Quasi-Criminal Jurisdiction of the Human Rights Courts. The American Journal of International Law, 107(1), pp. 1–44.; Lima 2012Lima, R.C. 2012. A emergência da responsabilidade criminal individual no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Lua Nova, 86, pp. 187–219.; Morales 2012Morales, F.G. 2012. The Progressive Development of the International Law of Transitional Justice: The Role of the Inter-American System. In J. Almqvist; C. Espósito, eds. The Role of Courts in Transitional Justice: Voices from Latin America and Spain. New York: Routledge.). Os direitos à verdade, reparações e medidas de não repetição são sempre invocados tanto pela Comissão quanto pela Corte, mas se insiste particularmente na necessidade de justiça e sanções criminais para graves violações e crimes de lesa-humanidade, negando a possibilidade de que os julgamentos possam ser substituídos por outros mecanismos de justiça de transição ou sacrificados em nome da paz, reconciliação nacional ou estabilidade democrática5 5 A justiça de transição aponta quatro direitos: à justiça, à verdade, à compensação e a instituições reorganizadas que possam ser responsabilizadas (medidas de não repetição) (Mezarobba 2009, p. 117). Assim, ela envolve “uma combinação de estratégias judiciais e não-judiciais” (idem, p. 111), dentre as quais o Sistema Interamericano tem priorizado o elemento de persecução criminal individual. . Nesse sentido, a fim de promover o cânone da justiça penal, exige-se a remoção de leis de anistia e de obstáculos processuais como os regimes de prescrição e os princípios de legalidade, coisa julgada e não irretroatividade da lei penal, restringindo consequentemente a liberdade de ação dos Estados6 6 De maneira sucinta, o Sistema Interamericano fixa o dever internacional de investigar e punir criminalmente os graves abusos de direitos humanos. Por outro lado, os críticos a essa visão argumentam que isso implica desconsiderar o devido processo legal, o princípio de legalidade e as garantias individuais dos acusados, sem mencionar a prerrogativa soberana dos Estados de editar leis de anistia. .

Ademais, outro elemento preconizado pelo sistema em vários contextos de justiça de transição tem sido a inaplicabilidade da jurisdição castrense frente a civis e casos de violações de direitos humanos cometidas por militares, o que gera exigências adicionais para a realização de novos julgamentos de acordo com o devido processo legal. Como resultado, dada a natureza desse modelo de justiça de transição, o posicionamento dos atores judiciais torna-se central, já que o impacto do Sistema Interamericano depende da judicialização de casos concretos e das estratégias, escolhas e decisões jurídico-legais de juízes e promotores durante a tramitação dos processos. Ainda que o Executivo e o Legislativo sejam favoráveis às decisões do Sistema Interamericano, o âmbito privilegiado para dirimir as controvérsias que elas implicam está reservado ao Judiciário e à esfera do Direito, o que torna necessário abrir a caixa-preta dos sistemas judiciais domésticos7 7 As sentenças da Corte Interamericana firmaram três obrigações do Judiciário peruano: dever de investigar e sancionar atos de graves violações dos direitos humanos; necessidade de anular leis de anistia, prescrições e outros obstáculos processuais que impediam investigações e julgamentos; e proibição de utilizar tribunais militares para julgar civis e casos de violações de direitos humanos. .

Por outro lado, o foco nas ONGs se justifica na medida em que elas são responsáveis não só por ativar o Sistema Interamericano, mas também por pressionar o Estado em favor do cumprimento com as sentenças da Corte, usando estrategicamente tais decisões como uma ferramenta para (i) ganhar legitimidade, aliados e atenção da mídia; (ii) amplificar a reverberação doméstica das normas internacionais de direitos humanos; (iii) vigiar o processo de cumprimento e (iv) aumentar, para o Estado, o custo de não cumprimento ou de cumprimento apenas superficial. Dotados de recursos e de uma agenda clara, esses atores formam, por conseguinte, uma rede em favor da consolidação de melhores práticas de direitos humanos e também são fundamentais para o impacto do Sistema Interamericano.

Nesse sentido, de acordo com nossa hipótese, duas condições foram necessárias para que a influência se verificasse no caso peruano. Por um lado, o impacto dependeu da organização prévia de grupos locais de direitos humanos, da sua capacidade de articulação transnacional e, em especial, da existência de ONGs profissionalizadas que definiram as ações de litígio estratégico e de mobilização legal das normas do Sistema Interamericano como uma estratégia prioritária para a sua atuação, já que, dessa forma, ampliavam-se os seus instrumentos para pressionar o Estado. Além disso, a influência também dependeu, por outro lado, de um grau de abertura da cúpula do Judiciário local – ou de pelo menos um grupo de seus magistrados – a essa normatividade internacional, cuja utilização foi percebida como uma oportunidade para incrementar e fortalecer seus recursos e argumentos jurídico-legais.

Feita a análise dos dados coletados, assinalamos então, em primeiro lugar, que esse perfil dos grupos de direitos humanos foi essencial para as perspectivas de impacto, já que a expertise e atuação contínua desses atores foi o que lhes permitiu atrair a atenção do sistema e desempenhar o papel de agentes de difusão e de legitimação dessas novas construções e formulações jurídicas e doutrinárias. Já no que diz respeito à receptividade e abertura do Judiciário, argumentamos que foi decisiva a existência, no período pós-transicional, de um grupo de magistrados previamente dissidentes ou de perfil mais progressista e ativista nas principais esferas judiciais responsáveis pelos casos de violações de direitos humanos. Esses magistrados instrumentalizaram, na conjuntura crítica de reconstrução e renovação dos quadros do Judiciário, as decisões do Sistema Interamericano como um mecanismo de “empoderamento” e fortalecimento institucional, contribuindo, por conseguinte, para sua aplicação interna.

Uma vez que a normatividade internacional não é autoaplicável, é preciso entender o processo de mediação doméstica para o seu impacto, e, em particular, como as ONGs foram capazes de se especializar na ativação reiterada do Sistema Interamericano e como os atores judiciais puderam utilizar seus critérios e padrões, atentando especialmente para as formulações e saídas jurídicas específicas encontradas por eles para superar as tensões e desafios inerentes à aplicação dessas normas, sobretudo no que diz respeito ao princípio de legalidade. Além de compreender o processo por meio do qual essas normas se integraram às práticas jurisdicionais internas e ao repertório e estratégias das organizações da sociedade civil, é preciso analisar ainda as estratégias e interesses, bem como as motivações, ideias e visões que nortearam as ações e decisões desses atores, concedendo especial atenção para como o contexto doméstico específico no qual eles estavam inseridos modulou percepções mais favoráveis ao uso do Sistema Interamericano e de suas ferramentas jurídico-legais8 8 A opção metodológica de privilegiar o âmbito doméstico não significa que desconsideremos as influências recíprocas entre as esferas nacional e internacional. Porém, o enfoque se justifica como o mais apropriado para delinear os mecanismos causais e microdinâmicas domésticos que dão sustentação para o impacto de normas internacionais de direitos humanos. .

II. Considerações teóricas

Na linha de pesquisa sobre o tema da justiça de transição se identifica claramente uma perspectiva analítica que enfatiza o papel e a importância das preferências do Executivo para explicar a queda de leis de anistia e a ocorrência de julgamentos de agentes do Estado em casos de violações de direitos humanos cometidas no passado durante regimes autoritários e situações de conflitos armados internos. Para vários autores, representativos tanto das primeiras pesquisas sobre o tema quanto de investigações mais recentes, os resultados de processos de justiça de transição dependem das preferências dos políticos eleitos e/ou do equilíbrio de poder entre essa classe política e as forças armadas (Huntington 1991Huntington, S.P. 1991. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century. Norman: University of Oklahoma Press.; Zalaquett 1992Zalaquett, J. 1992. Balancing Ethical Imperatives and Political Constraints: The Dilemma of New Democracies Confronting Past Human Rights Violations. Hastings Law Journal, 43(6), pp. 1425–1438.; Evans 2007Evans, R. 2007. Treating Poorly Healed Wounds: Partisan Choices and Human Rights Policies in Latin America. Human Rights Review, 8(3), pp. 249–276.; Karl 2007Karl, T.L. 2007. Panel: The Justice Cascade in Latin America. Santa Clara Journal of International Law, 5(2), pp. 345–362.).

Huntington (1991)Huntington, S.P. 1991. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century. Norman: University of Oklahoma Press. e Zalaquett (1992)Zalaquett, J. 1992. Balancing Ethical Imperatives and Political Constraints: The Dilemma of New Democracies Confronting Past Human Rights Violations. Hastings Law Journal, 43(6), pp. 1425–1438. salientam que a distribuição de poder entre a nova coalizão política democrática e a antiga base de sustentação autoritária é o que explica se haverá ou não justiça de transição (Huntington 1991Huntington, S.P. 1991. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century. Norman: University of Oklahoma Press., pp. 142; 228–231; Zalaquett 1992Zalaquett, J. 1992. Balancing Ethical Imperatives and Political Constraints: The Dilemma of New Democracies Confronting Past Human Rights Violations. Hastings Law Journal, 43(6), pp. 1425–1438., pp. 1428–1429; 1431), e não os esforços de litígio de organizações de direitos humanos ou o ativismo judicial de algum grupo de juízes. Já para outros autores como Evans (2007)Evans, R. 2007. Treating Poorly Healed Wounds: Partisan Choices and Human Rights Policies in Latin America. Human Rights Review, 8(3), pp. 249–276. e Karl (2007)Karl, T.L. 2007. Panel: The Justice Cascade in Latin America. Santa Clara Journal of International Law, 5(2), pp. 345–362. é a ascensão ao poder de governos de esquerda que explicaria os resultados recentes mais favoráveis à justiça de transição na América Latina, na medida em que tais políticos, antes perseguidos, seriam agora os responsáveis por abandonar os pactos de compromisso com a velha elite autoritária, implementando, assim, políticas pró-direitos humanos (Evans 2007Evans, R. 2007. Treating Poorly Healed Wounds: Partisan Choices and Human Rights Policies in Latin America. Human Rights Review, 8(3), pp. 249–276., pp. 273–274; Karl 2007Karl, T.L. 2007. Panel: The Justice Cascade in Latin America. Santa Clara Journal of International Law, 5(2), pp. 345–362., pp. 360–362).

Em uma análise sobre o sucesso e fracasso de iniciativas de direitos humanos durante as transições que pretende ser uma crítica à visão estática das instituições defendida por autores como Huntington (1991)Huntington, S.P. 1991. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century. Norman: University of Oklahoma Press., que nas primeiras análises feitas sobre as transições argumentavam que os julgamentos só poderiam ocorrer imediatamente após a transição e apenas naqueles casos onde a mudança de regime tivesse se dado pela ruptura e colapso da antiga ordem autoritária, Pion-Berlin e Arceneaux (1998)Pion-Berlin, D.; Arceneaux, C. 1998. Tipping the Civil-Military Balance: Institutions and Human Rights Policy in Democratic Argentina and Chile. Comparative Political Studies, 31(5), pp. 633–661. argumentam que os resultados observados no que diz respeito às políticas nesse tema e, mais especificamente, no que tange à ocorrência de julgamentos pós-transicionais, não podem ser explicados plenamente pelo equilíbrio transicional de poder entre os atores. Usando evidências empíricas do Chile e da Argentina, os autores salientam a importância explicativa dos desenhos institucionais e processos de tomada de decisão de políticas, mantendo, contudo, a ênfase no papel dos Executivos. Nesse sentido, eles argumentam que

“resultados de políticas estão inseparavelmente ligados a níveis de concentração e autonomia institucionais do Poder Executivo. Ganhos de direitos humanos ocorrem quando a autoridade de formulação de políticas está centrada em poucas mãos e onde o presidente pode utilizar canais institucionais devidamente fechados à influência militar. Baixos níveis de concentração e autonomia resultam em reveses políticos; níveis mistos levam a sucesso moderado”

(idem, p. 633).

O problema dessas análises é que, ao privilegiar as preferências e interesses dos políticos eleitos, elas negligenciam o papel das organizações de direitos humanos e o comportamento dos magistrados, atores centrais não só para a ativação, uso e implementação das normas internacionais e do Sistema Interamericano, mas também para o próprio processo de justiça de transição. Isso porque as ONGs e associações de vítimas são, em geral, por um lado, os principais atores a exigir demandas de verdade, justiça e reparações, enquanto os juízes são finalmente, por outro lado, atores centrais para viabilizar os julgamentos. Assim, todo o peso explicativo recai sobre o papel das elites político-institucionais e, em especial, sobre a ação do Executivo, quando as evidências empíricas de pesquisas mais recentes (Kim 2008Kim, H. 2008. Expansion of Transitional Justice Measures: A Comparative Analysis of its Causes. Tese de Doutorado. Minneapolis: University of Minnesota.; Skaar 2011Skaar, E. 2011. Judicial Independence and Human Rights in Latin America: Violations, Politics and Prosecution. New York: Palgrave Macmillan.) revelam que os Executivos nem sempre são o único ou principal motor por trás seja do cumprimento das normas internacionais, seja da realização de novos julgamentos e da implementação de mecanismos de justiça de transição.

Por outro lado, no que tange à perspectiva dos estudos sobre redes transnacionais de ativismo em direitos humanos, o grande problema é novamente a ênfase dessas pesquisas nos políticos eleitos dos poderes Executivo e Legislativo. Os estudos sobre as táticas de pressão, de mobilização da vergonha e até mesmo sobre as estratégias de litígio legal dos grupos de direitos humanos sempre têm como foco as respostas de governos e parlamentares, sem explicar o mecanismo por meio do qual normas, discursos e processos legais internacionais se difundem e se cristalizam dentro dos Judiciários. Isso é especialmente problemático se recordarmos que são os atores judiciais aqueles que decidem finalmente se mantêm ou não leis de anistias, regimes de prescrição e eventuais outras barreiras processuais que impedem a realização de novos julgamentos e a aplicação das normas internacionais emanadas de organizações como a Comissão e Corte Interamericanas.

Desse modo, tais estudos direcionam sua atenção apenas para o nível das lideranças domésticas e para as pressões exercidas sobre governos locais recalcitrantes ao abordar as etapas de socialização, argumentação e persuasão moral que compõem o modelo bumerangue-espiral de difusão das normas internacionais. Nas palavras de Risse e Sikkink (1999Risse, T.; Sikkink, K. 1999. The Socialization of International Human Rights Norms into Domestic Practices: Introduction. In: T. Risse; S.C. Ropp; K. Sikkink, eds. The Power of Human Rights: International Norms and Domestic Change. Cambridge, UK: Cambridge University Press., p. 5), esses processos ocorrem, num primeiro momento, no nível das estruturas de incentivos dos líderes políticos no campo da política externa (“adaptação instrumental” e “barganha estratégica”) e, posteriormente, estendem-se para o âmbito dos valores e princípios desses mesmos atores governamentais (“tomada de consciência moral” e “habituação”), de tal modo que os efeitos da pressão da rede transnacional de ativismo são sempre avaliados tendo por métrica a capacidade de convencer com êxito as lideranças domésticas sobre o valor intrínseco das normas de direitos humanos.

Mesmo no modelo mais recente de cascata de justiça de Sikkink (2011)Sikkink, K. 2011. The Justice Cascade: How Human Rights Prosecutions are changing World Politics. New York: W.W. Norton and Company., no qual a autora reconhece o papel e importância dos atores judiciais diante da tendência crescente de responsabilização criminal individual de funcionários estatais e chefes de Estado, falta uma compreensão mais pormenorizada dos mecanismos de aplicação doméstica dessa normatividade. Isso ocorre porque o estudo se preocupa mais com as macroforças e tendências propulsoras por trás da difusão e legitimidade crescente dessa norma do que com as microdinâmicas do seu cumprimento por atores estatais concretos.

A autora reconhece, nesse sentido, que o movimento em direção à responsabilização criminal individual incorporou os litigantes de direitos humanos e os tribunais criminais domésticos e internacionais ao conjunto de atores relevantes para entender o fenômeno, concedendo um papel para advogados, juízes e cortes na cascata de justiça (idem, p. 242), na medida em que serão esses atores os responsáveis pela implementação e aplicação dessa norma. Todavia, a autora se resume a dizer que esse papel é complexo, i.e., que embora possamos esperar que tais atores apoiem a responsabilização individual, pois isso poderia contribuir para o poder, riqueza, influência e autonomia do setor judicial, suas ações podem também ser afetadas por fatores domésticos específicos, institucionais e ideológicos, que podem, por sua vez, tornar a abertura de um caso ou julgamento perigosa ou não atrativa (idem, pp. 242–243).

Há assim, em outras palavras, de acordo com a autora, a emergência de um sistema de accountability descentralizado e interativo, no qual “a aplicação [da norma] é muitas vezes fragmentada e casual; se um funcionário estatal é processado ou não por violações dos direitos humanos depende, principalmente, de se litigantes domésticos determinados e empoderados estão pressionando a favor da responsabilização” (idem, p. 18). Nesse sentido, continua Sikkink, “Como o sistema é descentralizado, a qualidade da aplicação [da norma] varia de acordo com a qualidade dos sistemas de justiça criminal em diferentes países” (idem, p. 19).

Reconhece-se, portanto, o papel dos atores judiciais, mas não há qualquer indicação das circunstâncias e condições locais desses sistemas criminais nacionais que os predisporiam mais ou menos ao cumprimento efetivo da norma de responsabilização criminal individual de agentes estatais responsáveis por violações de direitos humanos. A autora reúne evidências empíricas convincentes sobre a emergência e difusão da cascata de justiça, mas não oferece nenhum mecanismo causal para explicar as condições ou fatores específicos que tornariam certos contextos políticos e sistemas judiciais mais ou menos favoráveis a essa normatividade, o que torna necessário investigar de maneira mais detalhada tanto o papel desempenhado pelos magistrados locais quanto pelas organizações domésticas litigantes de direitos humanos.

Por outro lado, as mais recentes análises sobre o impacto do regime internacional de direitos humanos têm buscado estabelecer as dinâmicas políticas e os mecanismos causais domésticos necessários para a influência e cumprimento de normas internacionais nessa matéria no âmbito interno dos Estados (cf. Simmons 2009Simmons, B.A. 2009. Mobilizing for Human Rights: International Law in Domestic Politics. New York: Cambridge University Press.; Hafner-Burton 2012Hafner-Burton, E. 2012. International Regimes for Human Rights. Annual Review of Political Science, 15, pp. 265–286.). Nesse sentido, em um trabalho sobre as sentenças e decisões do Sistema Interamericano, Hillebrecht (2012)Hillebrecht, C. 2012. The Domestic Mechanisms of Compliance with International Human Rights Law: Case Studies from the Inter-American Human Rights System. Human Rights Quarterly, 34(4), pp. 959–985. oferece uma tese para explicar o processo de compliance que privilegia a ação do Executivo como responsável pelo processo de formulação de políticas, enfatizando o papel dos seus incentivos e preferências na articulação de coalizões domésticas favoráveis ao cumprimento, sem, no entanto, desconsiderar a importância da estrutura de incentivos de legisladores e juízes. Em suas palavras, “o cumprimento com as decisões do tribunal interamericano de direitos humanos depende da vontade política dos Executivos pelo cumprimento e de sua habilidade de construir coalizões pró-cumprimento com juízes e legisladores” (idem, p. 959).

O foco da autora está em demonstrar como o cumprimento pode se tornar uma importante ferramenta para as elites políticas domésticas. Os Executivos podem possuir incentivos para aceitar e até mesmo defender o cumprimento de normas e sentenças, instrumentalizando-as para estabelecer, impulsionar, justificar ou até mesmo cristalizar (locking in) sua agenda doméstica de políticas e de reformas em temas de direitos humanos e democracia. Além disso, podem usar o cumprimento para legitimar e dar saliência às suas políticas preferidas, ou ainda para sinalizar a credibilidade de seu compromisso no tema dos direitos humanos com vistas à obtenção de ganhos materiais e de reputação diante de audiências domésticas e internacionais (idem, pp. 966–969).

Em tais contextos, nos quais as sentenças ecoam ou impulsionam as reformas de direitos humanos preferidas pelos Executivos, esses atores levarão a questão do cumprimento para a agenda do Legislativo e a utilizarão ainda para ativar o Judiciário, visando a formação de coalizões domésticas pró-cumprimento necessárias à implementação das medidas exigidas pela Corte. Para os juízes, por sua vez, as sentenças podem servir como novos recursos legais para legitimar e apoiar suas estratégias judiciais e para impulsionar suas iniciativas frente a outros atores e instituições. De modo similar, as sentenças podem ser ferramentas para que legisladores não só emendem ou anulem leis existentes, ou ainda para que façam avançar políticas específicas, mas também podem conferir legitimidade e apoio para que tomem decisões difíceis ou impopulares (idem, pp. 970–971).

Com base nesse tipo de abordagem, a qual analisa o papel de outros atores que não só o Executivo, examinaremos, nas próximas seções, o caso peruano. Como ficará claro no decorrer da argumentação, embora tenha havido uma coalizão pró-cumprimento no período pós-transicional envolvendo o Executivo e o Legislativo, as decisões fundamentais necessárias para a aplicação do modelo de justiça de transição do Sistema Interamericano dependiam essencialmente da ação dos atores judiciais por envolverem a realização de novos julgamentos e remoção de barreiras processuais, de tal modo que era limitado o alcance das medidas tomadas pelos políticos eleitos bem como seu poder de incidência para pôr em marcha esse processo na esfera do Direito. Em outras palavras, dadas as exigências da Corte Interamericana, o Judiciário teve mais peso para a influência do sistema regional, pois a aderência dessa normatividade internacional passava pela judicialização de casos concretos. Como bem lembra Hillebrecht, “embora os executivos desempenhem um papel importante na definição da agenda de cumprimento, o cumprimento depende em última instância de um espectro mais amplo de suporte institucional. Isso em boa medida tem a ver com a própria natureza do cumprimento” (idem, pp. 969–970).

III. As ONGs de direitos humanos

O movimento de direitos humanos no Peru surgiu no final da década de 1970, marcado pela atuação de setores progressistas da Igreja Católica e membros dos partidos de esquerda, então preocupados com a questão da pobreza, marginalização social e ainda com os efeitos da repressão do governo do general Francisco Morales Bermúdez (1975–1980) contra as greves ocorridas em 1977 e 1978 no país. Essa atuação se pautava por um tipo de trabalho social que era percebido por esses atores como parte integral de uma luta muito mais ampla para transformar a sociedade peruana como um todo, a fim de pôr fim às injustiças econômicas, políticas e divisões de classe (Drzewieniecki 2002Drzewieniecki, J. 2002. La Coordinadora Nacional de Derechos Humanos de Perú: un estudio de caso. In: A. Panfichi, ed. Sociedad civil, esfera pública y democratización en América Latina: Andes y Cono Sur. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú., p. 521; Youngers 2003Youngers, C. 2003. Violencia política y sociedad civil en el Perú: Historia de la Coordinadora Nacional De Derechos Humanos. Lima: Instituto de Estudios Peruanos., p. 37).

Tal entendimento mais focado na dimensão coletiva dos direitos sociais e econômicos progressivamente se encaminhou para a defesa e promoção dos direitos humanos mais tradicionais, i.e., os direitos individuais civis e políticos, à medida que a violência do conflito armado interno se alastrou pelo país depois do surgimento do Sendero Luminoso, em 1980, quando então a gravidade dos massacres, desaparições e execuções extrajudiciais levaram o movimento a redirecionar sua agenda. Desse modo, novos grupos de direitos humanos criados a partir dos anos 1980, como a Associação Pró Direitos Humanos (APRODEH), Comissão Andina de Juristas (CAJ), Seção Peruana da Anistia Internacional (AI) e Instituto de Defesa Legal (IDL), focaram violações aos direitos à vida e à integridade física, utilizando cada vez mais as normas e tratados internacionais em seus esforços de documentação e denúncia dos abusos, o que inaugurou, por conseguinte, um tipo de discurso diferente e novas formas de atuação dos grupos de direitos humanos9 9 Na década seguinte, nos anos 1990, a utilização de normas internacionais e do Sistema Interamericano se voltaria contra o governo Fujimori, especialmente no que dizia respeito às leis de anistia, aos inocentes presos sob a legislação antiterrorista e à subversão da institucionalidade democrática no país, temas que mantiveram o foco da agenda das ONGs nos direitos individuais civis e políticos. .

Frente à inatividade e cumplicidade das autoridades estatais e tribunais domésticos nos casos das graves violações que começaram a se avolumar nesse período, as ONGs peruanas de direitos humanos passaram a recorrer de maneira mais intensa e contínua à atuação no âmbito transnacional. Como resultado, a partir de meados dos anos 1980, inicia-se um consistente processo de crescente utilização de vários mecanismos internacionais de direitos humanos, ao que se soma ainda o adensamento e construção de novos vínculos com ONGs internacionais, tendências que atingirão seu ápice na década seguinte, durante as campanhas de pressão contra o governo Fujimori10 10 Em 1984, por exemplo, advogados peruanos de direitos humanos já apresentavam casos documentados de violações para o Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários da ONU (Youngers 2003, p. 201), dando início a um processo de aprendizado do sistema legal internacional e de apresentação rotineira de casos às instâncias da ONU e da OEA. . A documentação de casos e a produção de informações e denúncias a respeito das violações de direitos humanos passaram cada vez mais a ser feitas por equipes de ativistas treinados e, em especial, advogados, dentro de um processo de profissionalização crescente que seguia os padrões normativos e narrativas empregados tanto pelos organismos intergovernamentais das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos (OEA) quanto pelos ativistas de organizações aliadas como Anistia Internacional (AI), Human Rights Watch (HRW), Washington Office on Latin America (WOLA) e, posteriormente, Center for Justice and International Law (CEJIL).

No que diz respeito a algumas das ONGs de maior destaque para a consecução dessa estratégia, embora as regras da Anistia Internacional não permitissem que seus grupos locais trabalhassem com casos dos seus próprios países, a seção peruana dessa organização contribuiu de maneira decisiva para a formação de quadros de ativistas e para a difusão tanto dos mecanismos internacionais de direitos humanos quanto das normas que tipificavam legalmente as violações nessa temática. Desse modo, converteu-se em um ator-chave devido à sua contribuição para a estruturação e desenvolvimento profissional de grupos locais de direitos humanos, “estabelecendo diretivas e padrões claros para documentar imparcialmente os casos de violações dos direitos humanos dentro do marco das normas internacionais” (Youngers 2003Youngers, C. 2003. Violencia política y sociedad civil en el Perú: Historia de la Coordinadora Nacional De Derechos Humanos. Lima: Instituto de Estudios Peruanos., p. 90).

A CAJ, por sua vez, vinculada à Comissão Internacional de Juristas (CIJ), oferecia o conhecimento especializado na área jurídico-legal necessário para a internacionalização das estratégias de pressão das ONGs peruanas, moldando assim o debate sobre o tema e, em especial, sobre os caminhos e possibilidades de uso dos tratados e mecanismos internacionais de direitos humanos. Ainda que não apresentasse litígios, tratava-se de um centro irradiador de expertise legal, que não só articulava juristas, juízes, professores de Direito e advogados renomados e progressistas dos vários países andinos, como Diego García-Sayán e Gustavo Gallón, mas que também conectava esses atores tanto com a projeção política e as importantes redes internacionais da CIJ quanto com as mais recentes discussões legais e doutrinárias em questões relativas à aplicação do Estado de Direito e respeito aos direitos humanos11 11 Ao longo dos anos 1980, aproveitando-se da janela de oportunidade aberta pela promulgação da Constituição democrática de 1979 que concedia status supralegal aos tratados de direitos humanos, a CAJ ofereceu cursos de capacitação e de apoio técnico a centenas de juízes e promotores com a finalidade de difundir a aplicação dos instrumentos internacionais de direitos humanos. .

Outra organização-chave de direitos humanos formada nesse período foi o Instituto de Defesa Legal (IDL). Com o passar do tempo, o IDL começou a se dedicar à apresentação de casos ao Sistema Interamericano, convertendo-se em uma das organizações mais especializadas e reconhecidas no tema de litígios internacionais, com uma importante equipe de advogados. Desse modo, ademais da ativação dos tribunais domésticos, buscava ainda a ativação da Comissão e Corte Interamericanas, tática à qual também se somavam ações de advocacy, coordenação e incidência política frente a ONGs internacionais, governos e outros fóruns e organismos intergovernamentais de direitos humanos.

Nesse sentido, as atividades de mobilização legal do Direito e de escolha de casos emblemáticos tanto nos tribunais domésticos quanto perante o Sistema Interamericano eram orientadas, segundo De la Jara (2005)De la Jara, E. 2005. Incidencia desde la sociedad civil para impulsar cambios en el sistema de justicia: la experiencia del Instituto de Defensa Legal (IDL) y de Justicia Viva. In: Due Process of Law Foundation (DPLF); National Center for State Courts (NCSC), eds. Sociedad Civil y Reforma Judicial en América Latina. Washington: DPLF/NCSC., pelo princípio clássico de litígio estratégico das ONGs de direitos humanos. De acordo com esse princípio,

“a partir de um caso individual se expressa uma situação geral, um padrão de condutas ou uma tendência que possa assim ser percebida pela opinião pública. Assim, o caso de “fulano de tal”, importante e dramático por si só, era também revelador de muitos casos similares, o que nos permitiria oferecer depois medidas gerais de solução, porque se fossem um ou dois casos não haveria sentido em fazê-lo, já que bastaria resolver tais casos”

(De la Jara 2005De la Jara, E. 2005. Incidencia desde la sociedad civil para impulsar cambios en el sistema de justicia: la experiencia del Instituto de Defensa Legal (IDL) y de Justicia Viva. In: Due Process of Law Foundation (DPLF); National Center for State Courts (NCSC), eds. Sociedad Civil y Reforma Judicial en América Latina. Washington: DPLF/NCSC., p. 172).

A APRODEH, por seu turno, era outro importante grupo que já havia começado a interagir com o Sistema Interamericano desde muito cedo, ainda na fase inicial do conflito armado. Segundo Francisco Soberón, fundador da APRODEH, “a partir de 85 que começamos a conhecer algumas das atividades da Comissão Interamericana. Começamos a estabelecer contato, a explorar como funcionava o mecanismo, a investigar o que podíamos realizar” (informação verbal)12 12 Entrevista concedida ao autor por Francisco Soberón, em 29 de agosto de 2012, Lima, Peru. Todas as seguintes referências e citações dizem respeito a essa entrevista. A relação com as entrevistas segue ao final, no Apêndice 1. . Nesse sentido, ele destaca que “começamos a enviar informação sobre os temas que nos preocupavam pelo contexto do conflito armado interno e da violência política, sobretudo a prática do desparecimento forçado que no Peru começou no ano de 83” (informação verbal).

Com o passar dos anos, a APRODEH e as demais ONGs peruanas de direitos humanos se familiarizaram com o funcionamento do sistema e com o da Comissão Interamericana (CIDH), em particular, mas o número de casos individuais aceitos era ainda relativamente pequeno porque a estratégia da CIDH de advocacia política (political advocacy) por meio da realização de visitas in loco predominava sobre o sistema de casos (Villarán 2007Villarán, S. 2007. Victims Unsilenced: The Inter-American Human Rights System and Transitional Justice in Latin America. Washington: DPLF., pp. 97–98; Goldman 2009Goldman, R.K. 2009. History and Action: The Inter-American Rights System and the Role of the Inter-American Commission on Human Rights. Human Rights Quarterly, 31(4), pp. 856–887.). Em 1989, a CIDH promoveu sua primeira visita ao Peru, quase dez anos depois de iniciado o conflito armado entre as forças de segurança do Estado e o Sendero Luminoso. A esse respeito, Soberón recorda que a APRODEH acompanhou, junto de outras organizações, essa visita in loco da CIDH, “mas ainda sem muitas expectativas de resultados” (informação verbal). De modo similar, no que se refere ao envio de casos à CIDH, ele afirma que, nesse período, “na Comissão não tínhamos muitas expectativas de que necessariamente os casos chegassem à Corte” (informação verbal).

A demora do Sistema Interamericano para dirigir sua atenção à situação do país e emitir relatórios se somava ao arquivamento de casos e à falta de respostas frente às denúncias, o que alimentava até finais dos anos 1980 entre a APRODEH e outras ONGs peruanas essa ausência de expectativas sobre o impacto potencial positivo que as ações da Comissão poderiam produzir. Uma grande frustração se uniria, porém, nessa mesma época, a essa percepção, quando, pela primeira vez, a CIDH resolveu enviar um caso do Peru à Corte Interamericana. Assim como no que dizia respeito à sua relação com a CIDH, a primeira experiência da APRODEH de fazer um caso chegar até a Corte ocorreu também de modo muito rápido, em finais da década de 1980, com o caso Cayara, um massacre ocorrido na região de Ayacucho no primeiro governo de Alan García (1985–1990). Tratava-se de um caso apresentado com o apoio da Anistia Internacional e Human Rights Watch entre os anos de 1988 e 198913 13 Segundo Soberón, “Era nossa primeira experiência e de alguma maneira a Human Rights Watch estando em Washington tinha maior acesso ao sistema. A Anistia Internacional também tinha uma equipe de juristas com experiência de Direito Internacional. Então sem dúvidas que foi um suporte decisivo a colaboração”. A esse respeito, consultar OEA (1993). , mas que, segundo Soberón, “foi uma experiência frustrante, porque a Comissão [Interamericana] cometeu um erro de manejo no caso” (informação verbal). Depois de enviá-lo à Corte, a CIDH o retirou e quando voltou a apresentá-lo o Estado peruano questionou tal decisão, o que fez que a Corte o rechaçasse.

Apesar dessa frustração inicial, do fato de que a CIDH tenha sido um autor praticamente ausente durante o auge do conflito armado e de outros problemas, como a demora da Comissão para emitir informes sobre vários casos acumulados, a decisão tomada pelas ONGs foi a de não desistir de recorrer ao Sistema Interamericano. Pelo contrário, a experiência com o caso Cayara foi aproveitada como um momento de aprendizagem, a fim de que erros na condução dos litígios não se repetissem14 14 Sobre esse caso, Gloria Cano, diretora da APRODEH, diz que “o que aconteceu nesse caso marcou muito por ser um caso tão importante [a tal ponto] que nos organismos se decidiu ir olhando com maior seriedade o tema da preparação do litígio internacional, e surge [depois] a aliança com CEJIL” (informação verbal; entrevista concedida ao autor por Gloria Cano em 14 de setembro de 2012, Lima, Peru). . Desse modo, Soberón assinala de modo enfático que

“Persistimos. Isso é creio o que sim nos tem caracterizado: persistir. E de fato então é depois de muitos anos que conseguimos apresentar o caso Barrios Altos que demorou tanto desde que os fatos ocorreram em 91 até conseguir que o caso ingresse à Corte e emita a sentença em 2001. Foram dez anos, mas creio que valeu a pena essa demora, essa espera, pelo significado que até hoje tem o caso Barrios Altos

(informação verbal).

Em 1985, esses grupos de direitos humanos e muitos outros organismos similares tomaram a decisão de formar uma coalizão única, a Coordenadora Nacional de Direitos Humanos, e o Peru se tornaria, assim, o único país da América Latina onde todas as principais ONGs de direitos humanos se agruparam em uma mesma organização, formando o movimento de direitos humanos mais institucionalizado e coerente da região. Do mesmo modo que suas organizações afiliadas, a Coordenadora deu sempre prioridade para o trabalho no âmbito internacional desde a sua fundação, por entender seu papel-chave na produção de pressões contra o Estado peruano, tanto de parte de ONGs internacionais quanto dos governos estrangeiros e organizações intergovernamentais. Em pouco tempo, em vez de apenas enviar denúncias às suas principais aliadas internacionais, a Coordenadora começou a realizar o seu próprio trabalho internacional de advocacy, que era acompanhado ainda pelas ações individuais das ONGs mais importantes de Lima que nunca deixaram de lado sua própria atuação internacional. Essa dinâmica de trabalho conjunto, em rede, mas também de ações específicas por certas organizações, multiplicou as experiências de incidência internacional e gerou um processo de compartilhamento de conhecimentos e habilidades entre os distintos grupos, produzindo assim um rápido processo de aprendizagem.

Dessa forma, em suma, o histórico prévio de profissionalização e internacionalização das ONGs peruanas e sua expertise legal permitiram que elas se aproveitassem dos espaços internacionais e, em especial, da janela de oportunidade aberta pelo Sistema Interamericano a partir de finais dos anos oitenta, quando tanto a CIDH quanto a Corte aumentaram seu perfil em termos de projeção política e de recebimento e processamento de casos (Goldman 2009Goldman, R.K. 2009. History and Action: The Inter-American Rights System and the Role of the Inter-American Commission on Human Rights. Human Rights Quarterly, 31(4), pp. 856–887.). A OEA sempre foi um espaço privilegiado de atuação desses grupos, cuja percepção de que era necessário investir recursos e tempo na preparação de equipes legais emergiu já em meados dos anos 1980, com uma visão muito clara de que era preciso levar os casos até a Corte Interamericana, dado o caráter vinculante de suas sentenças. Esse trabalho apenas se intensificaria ainda mais durante o governo Fujimori, quando as relações com as ONGs internacionais e com o CEJIL, em especial, intensificaram-se.

A utilização do Sistema Interamericano ampliou a estrutura de oportunidades políticas do movimento e funcionou, em primeiro lugar, como um ponto focal para a exigência de direitos, formulação de demandas e mobilização estratégica em torno dessas plataformas. O acesso ao sistema aumentava as chances de sucesso da pressão desses grupos e oferecia narrativas e enquadramentos interpretativos em torno dos quais era possível articular e imbuir de legitimidade – moral e legal – os discursos e críticas contra a ação do Estado, o que não só facilitava a ação coletiva desses grupos, mas também atraía mais aliados e recursos, nacionais e internacionais, para a causa.

Ademais, serviu ainda para alterar a agenda nacional de políticas ao introduzir exigências e padrões internacionais de direitos humanos que constrangiam as opções de políticas legítimas do governo. Por fim, o sistema foi usado também como uma ferramenta para a construção de litígios, nacionais e internacionais, cujo objetivo era se opor à persistência da impunidade e ao flagrante desrespeito frente aos direitos humanos no país. Como resultado, a apresentação consistente de casos bem documentados em temas como as leis de anistia e a legislação antiterrorista aumentou a pressão contra o governo Fujimori e produziu um importante conjunto de decisões, sentenças e jurisprudência que seria decisivo para os tribunais peruanos no período pós-transicional, quando os governos Paniagua (2000–2001) e Toledo (2001–2006) reintegraram o país ao Sistema Interamericano e restabeleceram a autonomia do Judiciário.

IV. O papel do Judiciário

Na década de 1980, as ineficiências do Judiciário não resultavam apenas na prisão de inocentes submetidos a longos processos judiciais, mas também na impunidade reiterada de agentes do Estado e na libertação de pessoas efetivamente vinculadas aos grupos subversivos (Dargent 2006Dargent, E. 2006. Judicial Reform in Peru: 1980–2005. In: J. Crantree, ed. Making Institutions Work in Peru: Democracy, Development and Inequality since 1980. London: Institute for the Study of the Americas.; CVR 2003CVR. 2003. Informe final. V. 3. Lima: Comisión de la Verdad y Reconciliación., p. 258). Tais problemas foram agravados com o autogolpe de Estado de 1992, quando o fujimorismo interveio nesse poder por meio de uma série de reformas que puseram fim a qualquer possibilidade de independência e de funcionamento autônomo do sistema judicial. A decisão de Fujimori de dar o golpe com o apoio das Forças Armadas levou ao fechamento das principais instituições democráticas do país, como o Legislativo e o Tribunal de Garantias Constitucionais, e gerou ainda um processo de reorganização do Judiciário com o fim de que o regime pudesse controlá-lo.

Assim, houve um expurgo massivo em que cerca de 80% dos magistrados peruanos perderam seu trabalho (De Belaunde 2008De Belaunde, J. 2008. El Poder Judicial: la reforma siempre pendiente. In: L. Pásara, ed. Perú en el siglo XXI. Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú., p. 129), o que levou à expulsão dos “juízes que eram independentes e que tinham atraído críticas das forças armadas por decisões que eles tinham tomado em defesa dos direitos humanos” (Dargent 2006Dargent, E. 2006. Judicial Reform in Peru: 1980–2005. In: J. Crantree, ed. Making Institutions Work in Peru: Democracy, Development and Inequality since 1980. London: Institute for the Study of the Americas., p. 140). Para ocupar os cargos dos juízes destituídos, o governo nomeou então uma série de novos magistrados provisórios que, em razão do status de seus cargos, eram mais vulneráveis às pressões e manipulações políticas.

Em 1995, foi criada a Comissão Executiva do Poder Judicial, formada por dois membros nomeados pelo Executivo, cujas atividades significaram uma redução das atribuições e competências ordinárias do Judiciário, facilitando, desse modo, a implementação dos projetos do governo e a perseguição aos opositores do regime (Tanaka & Vera 2010Tanaka, M.; Vera, S. 2010. Perú: la dinámica ‘neodualista’ de una democracia sin sistema de partidos. In: M. Cameron; J.P. Luna, eds. Democracia en la Región Andina: diversidad y desafíos. Lima: Instituto de Estudios Peruanos., p. 219), o que contrariava de maneira flagrante as disposições da nova Constituição de 1993, promulgada depois das críticas internacionais e, sobretudo, da OEA, ao autogolpe de 1992. Em outras palavras, “Sob o regime pós-1992, membros do Judiciário foram coagidos, intimidados e subornados para levar adiante os objetivos políticos do presidente e do seu núcleo de assessores” (Morón & Sanborn 2006Morón, E.; Sanborn, C. 2006. The Pitfalls of Policymaking in Peru: Actors, Institutions and Rules of the Game. Research Network Working Paper #R-511. Washington, D.C.: Inter-American Development Bank., p. 51), de tal modo que “a fraqueza do judiciário e a facilidade com a qual ele pôde ser manipulado ficaram manifestas” (Dargent 2006Dargent, E. 2006. Judicial Reform in Peru: 1980–2005. In: J. Crantree, ed. Making Institutions Work in Peru: Democracy, Development and Inequality since 1980. London: Institute for the Study of the Americas., p. 147).

No ano seguinte, em 1996, o Congresso de maioria governista aprovou a “lei de interpretação autêntica da Constituição” que permitia a segunda reeleição de Fujimori, contrariando assim o texto constitucional que permitia apenas a eleição para dois mandatos presidenciais consecutivos. Em resposta, três juízes do Tribunal Constitucional decidiram declarar essa lei inconstitucional em janeiro de 1997, o que provocou a reação dos outros magistrados fiéis ao governo que anularam essa decisão e mantiveram a vigência da lei. Meses depois, em maio de 1997, os três juízes que haviam aprovado a inconstitucionalidade da lei foram destituídos pelo Congresso e com apenas quatro membros o Tribunal Constitucional não pôde mais completar o quórum necessário para decidir sobre a constitucionalidade das leis, o que eliminava qualquer tipo de controle sobre as ações do Congresso e do Executivo, deixando o caminho livre para que Fujimori se reelegesse.

Esse caso revelava mais uma vez a natureza autoritária do regime fujimorista e suas táticas de manipulação e controle do sistema judicial. No que diz respeito especificamente à aplicação do Direito penal e à judicialização de casos de violações de direitos humanos, ampliou-se ainda mais a escala tanto dos instrumentos de impunidade quanto do desrespeito ao devido processo legal, problemas já presentes desde os anos 1980. Nesse sentido, a legislação antiterrorista estabeleceu tribunais de juízes sem rosto e civis eram julgados por cortes castrenses. Além disso, duas leis de anistia foram promulgadas em 1995, o que imediatamente beneficiou os acusados por violações de direitos humanos cometidas entre 1980 e 1995, com atenção especial para os membros do grupo Colina que haviam sido sentenciados no caso do massacre La Cantuta.

No ano 2000, determinado a permanecer no poder, Fujimori disputou seu terceiro mandato em um processo eleitoral repleto de irregularidades e fraudes. No entanto, a legitimidade já muito abalada do regime sofreria um golpe fatal com a divulgação de uma série de vídeos que mostravam o assessor presidencial Vladimiro Montesinos comprando o apoio de congressistas opositores, dando instruções a juízes da Corte Suprema e subornando políticos locais e dirigentes de empresas e meios de comunicação. Os “vladivideos” desataram uma crise política de grande repercussão e rapidamente a estrutura de poder montada durante uma década por Fujimori e Montesinos se desmoronou, fazendo com que o então presidente reeleito fugisse do país em direção ao Japão, de onde renunciou ao poder por fax em novembro de 2000.

Valentín Paniagua, parlamentar e membro do partido Ação Popular (AP), foi então declarado presidente provisório com a tarefa de liderar um governo de transição até a realização de novas eleições que transfeririam o poder em julho de 2001 para um novo presidente democraticamente eleito. O ambiente político deixado pelo colapso do regime fujimorista era então extremamente favorável ao tema dos direitos humanos, com os ativistas das ONGs participando do governo de transição e exercendo um papel crucial na criação e também durante os trabalhos da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR). Assim, defensores de direitos humanos e políticos de oposição que haviam sofrido com o regime fujimorista foram alçados a posições-chave durante o período de transição política, e reintegraram o país ao Sistema Interamericano com vistas a impedir que novos retrocessos autoritários voltassem a se repetir no Peru (Root 2009Root, R.K. 2009. Through the Window of Opportunity: The Transitional Justice Network in Peru. Human Rights Quarterly, 31(2), pp. 452–473.; 2012_______. 2012. Transitional Justice in Peru. New York: Palgrave Macmillan.; Youngers, 2003Youngers, C. 2003. Violencia política y sociedad civil en el Perú: Historia de la Coordinadora Nacional De Derechos Humanos. Lima: Instituto de Estudios Peruanos.)15 15 Alejandro Toledo sustentaria, em seu governo (2001–2006), essa agenda democrática bem como os vínculos estreitos com o Sistema Interamericano e o clima político favorável às demandas das ONGs de direitos humanos, mantendo ainda seu apoio aos trabalhos da CVR e uma postura de respeito à independência e autonomia dos tribunais durante o processamento dos casos de abusos de direitos humanos. .

Em janeiro de 2001, o governo Paniagua reconheceu novamente a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana e pouco tempo depois aceitou a responsabilidade do Estado em uma série de violações cometidas durante o governo Fujimori16 16 Em 22 de fevereiro de 2001, o Ministro da Justiça do Peru, Diego García Sayán, emitiu um comunicado de imprensa conjunto com a CIDH no qual o governo anunciou uma ampla proposta para solucionar de maneira amistosa 165 casos em distintas etapas de tramitação na Comissão. . Essas ações e a interação resultante do Estado com o Sistema Interamericano permitiam aos governos Paniagua e Toledo não só trancar (lock in) e ancorar a recente transição democrática por meio do vínculo com as normas internacionais (Moravcsik 2000Moravcsik, A. 2000. The Origins of Human Rights Regimes: Democratic Delegation in Postwar Europe. International Organization, 54(2), pp. 215–252.), mas também impulsionar sua agenda democrática e de direitos humanos no âmbito nacional frente a opositores e atores recalcitrantes, como as forças armadas.

No entanto, apesar disso, “Paniagua enfrentava enormes desafios, e buscar justiça para crimes cometidos durante os governos anteriores não era sua maior prioridade” (Root 2012_______. 2012. Transitional Justice in Peru. New York: Palgrave Macmillan., p. 42). Seu governo estava ocupado com as complexas tarefas de desmontar as redes fujimoristas de corrupção dentro do Estado e de conduzir novas eleições presidenciais e legislativas, sem mencionar o fato de que tais investigações exporiam, por um lado, o governo do seu próprio partido durante a presidência de Belaúnde (1980–1985), e, por outro, atrairiam ainda críticas de outra importante força política, o APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana), partido do ex-presidente Alan García. Porém, “a decisão não estava nas mãos dos políticos” (idem, p. 104), e em março de 2001, uma semana após a emissão da sentença da Corte Interamericana no caso Barrios Altos, a Suprema Corte decidiu anular as leis de anistia da era fujimorista. Desse modo, em meio aos constrangimentos políticos que limitavam as inclinações pró-direitos humanos do Executivo, as dinâmicas do sistema judicial e, em particular, o seu contexto de reestruturação e recomposição de quadros seriam finalmente os fatores responsáveis por impulsionar esse processo de judicialização que então se abria com as sentenças do Sistema Interamericano.

Nesse sentido, por um lado, com o estabelecimento do governo de transição desmontaram-se os principais mecanismos estruturais de controle do Judiciário e se iniciou um processo de reversão da “provisionalidade” dos magistrados, de desativação da Comissão Executiva a cargo do poder judicial, e de reconstrução do sistema judicial para garantir sua independência e autonomia, o que afetaria de maneira decisiva o impacto potencial das normas internacionais. Por outro lado, a fim de cumprir com a sentença condenatória da Corte Interamericana no caso Tribunal Constitucional, e também como uma resposta a um episódio tão emblemático que havia galvanizado a oposição contra Fujimori, o Congresso deu início ao processo de recomposição de quadros do Judiciário ao restituir ao Tribunal Constitucional, em 17 de novembro de 2000, os três juízes que haviam sido expulsos de suas funções em 1997, medida essa que, ao ser complementada posteriormente com a entrada de outros novos magistrados, também seria fundamental para a incorporação da normatividade do Sistema Interamericano.

Delia Revoredo, Guillermo Rey Terry e Manuel Aguirre Roca foram reintegrados ao Tribunal junto dos quatro outros juízes do período fujimorista que haviam permanecido na Corte e estavam vinculados em maior ou menor grau com o regime autoritário. Esse grupo de juízes dissidentes tinha uma agenda democrática muito clara em razão da experiência de ataque ao Tribunal realizada pelo fujimorismo, da qual haviam sido vítimas diretas. Além disso, o próprio fato de que tivessem buscado sua reposição junto ao Sistema Interamericano assinalava a sua maior abertura a esse tipo de jurisdição internacional e à sua jurisprudência.

Em setembro de 2001, José García Marcelo, um dos juízes do período fujimorista, renunciou ao seu cargo em meio a um escândalo de corrupção, e em 2002 os três outros juízes do Tribunal ainda restantes da conformação inicial da corte finalmente terminaram os seus mandatos de cinco anos. Assim, um novo conjunto de magistrados teve então de ser designado para se unir aos juízes anteriormente exonerados que haviam retomado suas posições. No Congresso, responsável pela nomeação dos magistrados do Tribunal, houve uma negociação política com relação ao preenchimento das vagas envolvendo quatro das bancadas legislativas mais fortes nesse momento – Peru Possível, APRA, PPC (Partido Popular Cristão) e AP (Dargent 2009_______. 2009. Determinants of Judicial Independence: Lessons from Three ‘Cases’ of Constitutional Courts in Peru (1982–2007). Journal of Latin American Studies, 41(2), pp. 251–278.).

Nesse contexto, “havia um incentivo político que unia os membros do Congresso a adotar uma posição inicialmente agressiva em favor de investigações completas das ilegalidades do Estado” (Root 2012_______. 2012. Transitional Justice in Peru. New York: Palgrave Macmillan., p. 43). A oportunidade para desacreditar a era fujimorista estava posta e essas bancadas parlamentares que haviam estado antes na oposição denunciando os abusos do Estado sabiam que sua legitimidade bem como seus futuros políticos “dependiam de sua habilidade de estabelecer distinções éticas claras entre eles e os aliados de Fujimori” (ibidem). Esse clima político influenciou decisivamente o processo de escolha dos magistrados e a futura composição do Tribunal, a qual seria essencial, por sua vez, para a aderência do Sistema Interamericano. A fórmula alcançada foi permitir que cada uma dessas agrupações políticas indicasse seu próprio candidato, o que, de fato, assegurou a eleição quase por unanimidade no plenário dos quatro nomes propostos durante as votações realizadas em 30 de maio de 2002. Como resultado desse processo de seleção, todos os novos integrantes do Tribunal tinham tido algum tipo de passagem pela academia, eram advogados de formação ou então mais propriamente juristas. Entretanto, além disso, exibiam ainda outro traço em comum, qual seja, sua vinculação com partidos políticos e uma clara vocação democrática.

O Presidente do Tribunal entre 2002 e 2005, Javier Alva Orlandini, afiliado e dirigente histórico do partido Ação Popular, era advogado e havia sido segundo vice-presidente durante o segundo mandato de Belaúnde (1980–1985), senador pela AP até o golpe fujimorista de 1992 e congressista opositor ao governo entre 1995 e 2000. Víctor García Toma, por sua vez, era um advogado e jurista que havia sido secretário geral da Presidência do Conselho de Ministros no governo de Alan García (1985–1990) e havia participado da Comissão de plano de governo do APRA durante a campanha eleitoral de 2001. Já Juan Bardelli Lartirigoyen era membro do escritório de advocacia de Antero Flores-Aráoz, advogado, político e presidente do PPC, enquanto Magdiel Gonzales tinha um passado de militância marxista, vínculos com a esquerda e foi apoiado pela bancada governista do partido Peru Possível do presidente Alejandro Toledo.

Desse modo, esses quatro novos integrantes do Tribunal Constitucional não eram magistrados de carreira do sistema judicial tradicional e tinham ligações com os partidos políticos duramente golpeados durante o período autoritário, quando o sistema partidário peruano se colapsou e teve seu espaço político ocupado pela liderança personalista e pelo discurso antipartidos e antipolítica de Fujimori. Assim como os três juízes destituídos, esses novos magistrados haviam passado, portanto, pelo trauma autoritário dos governos fujimoristas e tinham, como consequência, uma abertura grande à agenda de recuperação da institucionalidade democrática e de proteção dos direitos fundamentais, com vistas a que subversões à democracia não voltassem a se repetir no país.

Assim, nessa conjuntura crítica de reconstrução do Tribunal Constitucional e de renovação de seus quadros, na qual eram ainda patentes os efeitos do longo processo de submissão do Judiciário ao poder político, galgaram maior poder tanto os juízes dissidentes pró-democráticos exonerados durante o governo Fujimori quanto um grupo de novos juízes de perfil mais político e com uma forte agenda democrática. Tais atores judiciais puderam então se valer, por sua vez, dos recursos jurídico-legais do Direito Internacional oferecidos pelo Sistema Interamericano e difundidos pelas ONGs tanto como uma ferramenta de segurança, a fim de “trancar” (lock in) a nova situação democrática e impedir regressões autoritárias, quanto como um canal de “empoderamento”, o qual poderia recuperar a autonomia de um Judiciário tradicionalmente enfraquecido, cooptado e sem legitimidade. Nesse sentido, como bem assinala César Landa, ex-magistrado do Tribunal Constitucional (2005–2010), o processo de fortalecimento da justiça nacional tinha como um dos seus pilares a incorporação da jurisprudência e dos compromissos internacionais sobre direitos humanos (informação verbal)17 17 Entrevista concedida ao autor por César Landa em 9 de outubro de 2012 em Lima, Peru. Todas as seguintes referências e citações dizem respeito a esta entrevista. .

Dessa forma, tendo em vista a afirmação de sua independência e o afastamento definitivo do seu passado de submissão a um poder autoritário, sentenças e decisões de grande impacto foram proferidas pelo tribunal, nas quais os juízes se utilizavam aberta e explicitamente das formulações, argumentações e construções jurídicas fornecidas tanto pela Comissão quanto pela Corte Interamericanas. Tamanha era a decomposição do sistema judicial e a falta de credibilidade das cortes peruanas que não havia espaço para que outros atores judiciais eventualmente se opusessem ao Sistema Interamericano, ainda mais diante da forte pressão social e de um Executivo que possuía uma clara agenda democrática de vínculo com o regime internacional de direitos humanos. Pelo contrário, o caminho adotado por esses magistrados foi antes o de seguir os direcionamentos da Comissão e Corte, e, como resultado, o padrão de aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos na jurisprudência constitucional peruana passaria por uma importante alteração, afastando-se da interpretação judicial anteriormente dominante durante os governos fujimoristas, quando o Tribunal Constitucional havia assinalado que os tratados de direitos humanos tinham apenas status de lei infraconstitucional, i.e., de legislação ordinária.

Assim, valendo-se dos instrumentos internacionais de direitos humanos e de decisões do Sistema Interamericano, os juízes puderam então usar novos argumentos, tipologias legais e formulações jurídicas como a imprescritibilidade de graves violações de direitos humanos, ilegalidade de leis de anistia, inaplicabilidade do princípio da coisa julgada para crimes de lesa-humanidade e invalidez de julgamentos militares de civis a fim de condenar e declarar como inconstitucionais várias das práticas do regime autoritário. Com isso eles buscavam se afastar da imagem até então prevalecente de um poder omisso, subordinado ou conivente para afirmar uma nova postura de guardiões da Constituição. Em outras palavras, os pronunciamentos e decisões do Sistema Interamericano convertiam-se em uma ferramenta fundamental do processo mais amplo de recuperação institucional e afirmação da independência do Tribunal.

Em dezembro de 2004, dois novos magistrados foram eleitos para o Tribunal Constitucional. Os juízes César Landa Arroyo e Juan Vergara Gotelli, propostos, respectivamente, pelas bancadas dos partidos Peru Possível (PP) e APRA, em coordenação com o PP, ocuparam as posições de Guillermo Rey Terry e Manuel Aguirre Roca, que haviam falecido. Landa, em particular, havia sido vice-ministro de Justiça em 2004, juiz ad hoc da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2003 e era um renomado especialista em Direito Constitucional, com estudos de pós-graduação na Espanha e pós-doutorado na Alemanha. Próximo ao ex-congressista Henry Pease, ele tinha um perfil mais acadêmico e em sintonia com as discussões mais recentes no campo da doutrina legal, podendo então apresentar e convencer os outros juízes da possibilidade e legitimidade da interpretação que concedia status constitucional aos tratados de direitos humanos. Nesse sentido, Landa recorda que seus argumentos tinham certo grau de influência, pois não se tratava da “palavra de mais um professor, mas sim de um que fez pós-doutorado” (informação verbal). Ele reconhece que alguns dos juízes de idade mais avançada eram mais tradicionais e conservadores, o que fazia com que tivessem maiores dificuldades para “engolir assim pedaços muito grandes de novas ideias” (informação verbal). No entanto, de modo geral, Landa salienta que “eles escutavam. Os políticos [juízes com passado de ativismo político] escutavam os técnicos [juízes mais acadêmicos] e daí tiravam sua conclusão, mas não era qualquer decisão inovadora, de um jovem ativista. Ademais, havia experiências em outras partes” (informação verbal). Nesse sentido, ele ressalta, em particular, que Alva Orlandini, o mais idoso de todos os juízes e presidente do Tribunal até 2005, era especialmente aberto, “uma pessoa muito liberal que facilmente recebia novas ideias. Não fazia questão de Estado. Idoso, mas sim tinha uma boa vocação, um político muito dúctil, muito flexível” (informação verbal).

Assim, foram validadas em definitivo as aplicações do Direito Internacional que os juízes já vinham fazendo de maneira mais ou menos explícita desde 2002 por meio da utilização da Quarta Disposição Final e Transitória da Constituição18 18 De acordo com a Quarta Disposição Final e Transitória da Constituição, “As normas relativas aos direitos e liberdades que a Constituição reconhece se interpretam em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com os tratados e acordos internacionais sobre as mesmas matérias ratificados pelo Peru” (Peru 1993). . Segundo Landa, a conformação do tribunal naquele momento foi um fator essencial para que as sentenças e normas emanadas pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos pudessem ter tamanha recepção no Direito interno. A esse respeito, ele afirma:

“Na composição do Tribunal Constitucional da transição democrática havia um bom equilíbrio de juízes que haviam sido autoridades políticas democráticas, acadêmicos que vínhamos da academia com a especialidade de [Direito] Constitucional, outros [eram] advogados, mas todos com um ânimo democrático [...] e isso permitiu então que houvesse um diálogo fluido com o Sistema Interamericano [...] Então creio que isso ajudou muito, porque não era um demérito ter uma vocação política. Pelo contrário, era antes um plus para poder entender que há mudanças como, por exemplo, incorporar os direitos humanos”

(informação verbal).

Além da importância dessa composição do tribunal, Landa ressalta que a fraqueza política dos setores e interesses antes aliados ao regime fujimorista foi também essencial para que os juízes pudessem se valer tão extensivamente dos tratados de direitos humanos e das decisões do Sistema Interamericano. Nas suas palavras, “pudemos avançar pela derrota do fujimorismo, e todos os setores conservadores desde o ponto de vista jurídico-constitucional se retraíram” (informação verbal). A queda abrupta do regime e a fraqueza desses atores impediam que eles defendessem, como no passado, a prevalência do Direito interno sobre os tratados e, desse modo, “estando escondidos ou escanteados é que se pôde avançar com maior flexibilidade e com o apoio da doutrina internacional” (informação verbal).

Toda essa nova doutrina constitucional formada pelo Tribunal Constitucional após a transição democrática se disseminaria em direção a outros tribunais responsáveis pela esfera penal. Nesse sentido, a influência das normas internacionais e da jurisprudência do Sistema Interamericano, em particular, refletir-se-iam também na atuação da Corte Suprema e dos subsistemas especializados em violações de direitos humanos e delitos de corrupção, tribunais centrais para o processo de justiça de transição porque eram eles os responsáveis pela reabertura dos processos e realização dos julgamentos, tanto de novos casos quanto daqueles que haviam sido arquivados, extintos, anistiados ou julgados incorretamente no passado em razão da aplicação do foro militar e dos tribunais de juízes sem rosto.

São três as esferas judiciais de cúpula encarregadas pelos processos criminais. Por um lado, no subsistema especializado para casos de terrorismo e violações de direitos humanos, encontra-se a Sala Penal Nacional, enquanto que os casos de corrupção e abusos de direitos humanos cometidos durante o governo Fujimori são julgados pelas Salas Penais Especiais Anticorrupção da Corte Superior de Lima. Depois que esses tribunais emitem suas sentenças, a Corte Suprema de Justiça pode ainda ratificar ou não essas decisões nos casos em que os réus, Ministério Público ou as partes civis apelem das sentenças. Por fim, é possível ainda levar os casos até o Tribunal Constitucional que, apesar de não poder se pronunciar em temas de aplicação do Direito Penal, pode avaliar se foram respeitadas as garantias constitucionais e o devido processo legal nas instâncias judiciais competentes. No julgamento do ex-presidente Fujimori, nem a Sala Penal Nacional nem as Salas Penais Especiais Anticorrupção foram as responsáveis pelo processo criminal. Nesse caso, um painel de três juízes da Corte Suprema foi montado para conduzir o julgamento, enquanto outro painel de juízes dessa mesma Corte atuou como tribunal de apelação.

Nesses espaços judiciais, como resultado novamente do processo de renovação de quadros, abertura de concursos e reconstrução do Judiciário, novos juízes mais progressistas e receptivos ao Direito Internacional dos direitos humanos foram incorporados à magistratura. Na Corte Suprema, por exemplo, isso se verificou no caso dos magistrados Victor Prado Saldarriaga e César San Martín, dois dos juízes que, anos mais tarde, em 2009, condenariam Fujimori por graves violações contra os direitos humanos. Alguns desses juízes haviam sido expulsos do Poder Judicial pelo governo fujimorista quando do autogolpe de 1992, enquanto que outros magistrados independentes haviam permanecido e resistido em suas posições no sistema de justiça mesmo nos momentos de maior pressão e controle governamental durante os anos 1990, e puderam, então, ser resgatados e alçados à Corte Suprema e outras instâncias judiciais com a saída, quando não prisão, dos magistrados fujimoristas.

Por outro lado, um processo semelhante ocorria na Corte Superior de Lima e nos subsistemas especializados para casos de corrupção e violações de direitos humanos, para os quais foram designados alguns dos mais destacados e capacitados juízes de então, como Inés Villa Bonilla, Inés Tello, Pablo Talavera e Jimena Cayo. Tais magistrados demonstraram também rapidamente uma abertura à aplicação dos padrões internacionais e critérios do Sistema Interamericano nesses dois subsistemas que, ao concentrarem as competências nos temas de terrorismo e direitos humanos, foram os responsáveis pelos julgamentos dos membros do Sendero Luminoso, MRTA, do grupo Colina e de emblemáticos casos de desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais, torturas e massacres das décadas de 1980 e 1990. Havia assim, portanto, em outras palavras, tanto na Corte Suprema quanto nos subsistemas especializados, uma minoria comprometida de juízes com perfil mais progressista e ativista, que seriam centrais para aplicar e pôr em marcha, no andamento prático dos julgamentos e processos, os novos entendimentos do Tribunal Constitucional e os critérios da Corte Interamericana19 19 Vale destacar que no âmbito do Ministério Público se formou também uma massa crítica de tendência mais progressista e permeável aos padrões internacionais de direitos humanos, com figuras destacadas como Avelino Guillén, Victor Cubas Villanueva e Pablo Sanchéz Velarde. .

Segundo De Belaunde (2008)De Belaunde, J. 2008. El Poder Judicial: la reforma siempre pendiente. In: L. Pásara, ed. Perú en el siglo XXI. Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú., havia três setores de magistrados durante os anos 1990 no Peru: o primeiro “tornou possível e participou na captura do Poder Judicial” e seus integrantes teriam se unido a “um sistema corrupto organicamente”; o segundo se manteve na indiferença ou participou passivamente dos mecanismos de controle estabelecidos; e, por fim, um “terceiro setor, minoritário [...] foi dissidente, não só emitindo resoluções judiciais contestatórias, mas também chegando à denúncia” (idem, p. 140). Esse setor de juízes dissidentes compunha, de acordo com Pásara (2010Pásara, L. 2010. Tres Claves de la Justicia en el Perú: Jueces, justicia y poder en el Perú; La enseñanza del derecho; Los abogados en la administración de justicia. Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú., p. 192), um conjunto de atores relativamente novos no cenário jurisdicional peruano, o qual, com a transição democrática, foi justamente aquele a assumir então um papel de maior protagonismo na condução dos processos criminais.

Dessa forma, terminada a etapa de controle e submissão do Judiciário, a recuperação e transição democráticas empreendidas pelos governos Paniagua e Toledo abriram espaço para a atuação desse grupo minoritário de juízes que havia se oposto à manipulação do sistema de justiça pelo governo Fujimori. Assim, a despeito de conformarem um contingente de tamanho relativamente pequeno, eles adquiriram legitimidade e maior poder dentro do Judiciário nesse contexto de reestruturação e depuração institucionais, e se valeram da aplicação do Direito Internacional dos direitos humanos justamente como um mecanismo para se afastar e se diferenciar do passado e das práticas que haviam corroído a credibilidade da justiça peruana. Como consequência, mais uma vez, tal qual ocorria no plano do Tribunal Constitucional, os critérios internacionais e do Sistema Interamericano constituíam-se num recurso de recuperação, fortalecimento e “empoderamento” nas mãos de um conjunto de magistrados que se deparava com uma justiça nacional totalmente desacreditada como resultado das ineficiências e dos incontáveis escândalos que a haviam marcado por décadas.

Desse modo, em meio ao contexto da transição democrática, no qual tanto os setores mais conservadores e tradicionais dentro do Judiciário quanto os juízes e promotores previamente leais ao governo foram enfraquecidos, destituídos ou simplesmente presos, a existência desse conjunto de juízes mais progressistas e ativistas foi o que permitiu finalmente a emissão de uma série de sentenças emblemáticas em casos de direitos humanos. Para tanto, eles se baseavam não só na normatividade internacional, mas também nas reiteradas sentenças do Tribunal Constitucional que reafirmavam as linhas interpretativas e entendimentos jurídicos da Corte Interamericana e outros mecanismos internacionais de direitos humanos.

Ao se referir a essas sentenças e à tendência de aplicação dos padrões internacionais, o juiz Victor Prado Saldarriaga, da Corte Suprema de Justiça, conclui que as decisões do Sistema Interamericano foram “uma fortaleza que se obteve” e que o papel do Direito Internacional foi determinante, portanto, para o “empoderamento” do Poder Judicial naquele momento, “porque permitiu participar de instrumentos e estratégias de fortalecimento justamente da independência judicial, de modo que foi muito bem aproveitado pelo processo transicional no Poder Judicial. Deu uma nova visão e gerou, ademais, uma consistência nas apreciações dos juízes” (informação verbal)20 20 Entrevista concedida ao autor por Victor Prado Saldarriaga em 20 de setembro de 2012 em Lima, Peru. Todas as seguintes referências e citações dizem respeito a esta entrevista. .

Para o juiz, o Sistema Interamericano e, posteriormente, o Direito Penal Internacional, exerceram um papel importante na conjuntura de reestruturação judicial após a queda de Fujimori, ajudando um grupo de magistrados a recuperar a legitimidade e credibilidade do sistema judicial. Na sua avaliação, o contexto de crise institucional contribuiu para que essa normatividade internacional gozasse de maior aceitação, já que “em uma conjuntura de reconstrução e de recuperação de instituições este referente internacional deu muita legitimidade às decisões e alterou, se se quer, a visão dos juízes. Tirou-a de uma atitude fechada no interno” (informação verbal), com uma mudança “no papel [do juiz] e o reconhecimento do poder que se tem em uma democracia. Isso é o fundamental, poder resolver com verdadeiro sentido de justiça material as coisas, ser ator da recuperação da memória histórica do país” (informação verbal).

Ainda segundo ele, apesar das críticas que as sentenças condenatórias da Corte Interamericana endereçam aos órgãos do Estado e ao sistema judicial, em particular, “os juízes não podem estar fora do contexto internacional no qual se desenvolvem estas tendências e práticas internacionais” (informação verbal), e “o contexto internacional não pode ser ignorado pela judicatura interna” (informação verbal). Isso porque o eventual rechaço pela judicatura peruana das decisões e normas emanadas pelo Sistema Interamericano e outras fontes do Direito Internacional implicaria não reconhecer os avanços e tendências da doutrina legal internacional de afirmação do indivíduo como sujeito autônomo na esfera internacional, o que posicionaria o Judiciário peruano no out-group dos países que ainda resistem em reconhecer o papel das cortes supranacionais de direitos humanos. Nas suas palavras,

“Casos como Guerrilha do Araguaia, caso Gellman, o do Chile [...], o caso chileno equivalente [Almonacid Arellano] são puxões de orelha, obviamente, da Corte Interamericana, mas é preciso entender que são pertinentes. Claro, se os juízes desestimam este tipo de reflexões que faz a Corte Interamericana sobre a judicatura e sobre o papel que compete ao juiz em uma conjuntura transicional [isso] mostra uma falta de localização histórica”

(informação verbal).

No entanto, por mais que um grupo de magistrados reconhecesse a importância das normas e decisões do Sistema Interamericano e enxergasse no Direito Internacional um mecanismo de fortalecimento e de recuperação da legitimidade e credibilidade do sistema judicial peruano, os esforços de aplicação da normatividade internacional não estiveram isentos de tensões, obstáculos e críticas. Ao processar os casos de violações de direitos humanos, os dois subsistemas judiciais especializados enfrentaram desafios como a tipificação legal dos crimes e a proibição da aplicação de prescrições, das leis de anistia e das exceções de coisa julgada. Novamente, no entanto, a maneira utilizada pelos atores judiciais peruanos para lidar com esses problemas jurídicos revelou uma mudança qualitativa de comportamento e um maior grau de cumprimento das sentenças e jurisprudência da Corte Interamericana.

De acordo com o princípio de legalidade, não seria possível aplicar aos processos penais domésticos figuras derivadas do Direito Internacional dos direitos humanos como execução extrajudicial, tortura ou desaparecimento forçado, pois tais tipos penais nunca foram incorporados formalmente à legislação interna peruana ou foram reconhecidos legalmente apenas depois da ocorrência dos crimes. Diante desse desafio, a engenhosa saída encontrada pelos atores judiciais foi a de tipificar essas condutas como crimes comuns já previstos legalmente quando da ocorrência das violações para fins de aplicação das sanções penais correspondentes. No entanto, para além de processar e condenar os acusados por assassinatos, sequestros ou lesões, aplicavam-se ainda qualificações complementares derivadas do Direito Internacional, como as categorias de graves violações ou crimes de lesa-humanidade, as quais permitiam que esses crimes comuns não fossem suscetíveis de anistias, prescrições ou quaisquer outros obstáculos processuais contra os julgamentos, com o que se respeitavam as decisões do Sistema Interamericano.

Nesse sentido, Pablo Talavera, ex-presidente da Sala Penal Nacional, lembra:

“Então nós tínhamos que respeitar o princípio de legalidade [...] Mas qual era a combinação? É que, segundo as regras gerais do nosso código penal, estes casos haviam prescrito pela passagem do tempo porque eram casos de 82, 83, 84. Nós, para continuar recebendo-os, lhes dávamos a conotação de grave violação de direitos humanos e com isso dizíamos que não haviam prescrito e removíamos o obstáculo [...] Aplicávamos os delitos e as penas [comuns] vigentes no momento dos fatos, mas no âmbito processual nós removíamos obstáculos”

(informação verbal)21 21 Entrevista concedida ao autor por Pablo Talavera, em 26 de setembro de 2012, em Lima, Peru. Todas as seguintes referências e citações dizem respeito a essa entrevista. .

Desse modo, os atores judiciais foram capazes de traduzir e compatibilizar os tipos penais internacionais e os termos do Direito Internacional às categorias legais já pré-existentes no ordenamento jurídico interno peruano a fim de preservar o princípio de reserva da lei e a irretroatividade da legislação penal. Não houve assim, portanto, uma aplicação automática das normas internacionais, mas antes um processo de mediação que passava pela atuação dos tribunais peruanos e pela agência e ação motivada dos seus atores judiciais.

Frente aos argumentos dos processados que afirmavam já terem sido julgados e absolvidos por tribunais militares, o que impediria que fossem acusados novamente de acordo com o princípio da coisa julgada, os juízes assinalaram que as sentenças emitidas no foro militar sobre violações de direitos humanos haviam desrespeitado os princípios do devido processo legal e, portanto, careciam de validade, o que permitia novos julgamentos. Nos casos em que os acusados invocaram as leis de anistia e os prazos de prescrição, os juízes também declararam, de modo similar, que esses mecanismos eram infundados em razão do pronunciamento da Corte Interamericana no caso Barrios Altos, segundo o qual são inadmissíveis as disposições de anistia, prescrição e quaisquer outros obstáculos processuais que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos.

A respeito desses casos, Pablo Talavera comenta:

“Esses problemas tivemos em razão da perspectiva, digamos, do princípio de legalidade, mas também tivemos problemas que, pela passagem do tempo, alguns fatos já haviam supostamente prescrito, ou que se haviam dado resoluções que haviam passado em autoridade de coisa julgada, ou que se haviam dado anistias, suspensão de processos etc. Então nestes casos a Sala Penal Nacional adotou um critério geral de remoção dos obstáculos processais seguindo a tradição da doutrina da Corte Interamericana no caso Velásquez Rodríguez. Se considerou que havia um dever do Estado de investigar, julgar e sancionar com seriedade os casos de violações de direitos humanos”

(informação verbal).

V. Conclusões

Nos últimos anos, uma literatura emergente tem ressaltado que os tratados e normas de direitos humanos só são consequentes quando observadas certas condições locais nos países-alvo que medeiam seu impacto (Hafner-Burton 2012Hafner-Burton, E. 2012. International Regimes for Human Rights. Annual Review of Political Science, 15, pp. 265–286.; Simmons 2009Simmons, B.A. 2009. Mobilizing for Human Rights: International Law in Domestic Politics. New York: Cambridge University Press.). Em geral, tais trabalhos sugerem que, a menos que as condições domésticas sejam propícias, a pressão internacional não produzirá muitos efeitos. Argumenta-se, dessa forma, que um aumento de políticas e pressões internacionais no âmbito dos direitos humanos não reduz as violações por si sós, e que elas só podem afetar o comportamento estatal indiretamente e em conjunção com muitas outras condições domésticas.

No caso do Peru, nossa análise demonstra que as decisões do Sistema Interamericano foram importantes e exerceram influência sobre o tema da justiça de transição não só como uma plataforma de pressão e shaming das ONGs peruanas contra o Estado, mas também durante o processo de judicialização dos casos de direitos humanos, “empoderando” assim os grupos de direitos humanos e, posteriormente, um conjunto de magistrados dissidentes ou de perfil mais progressista e ativista, atores que funcionaram, portanto, como os canais de mediação doméstica para o impacto do sistema. Contrariamente ao argumento mais disseminado na literatura especializada, segundo o qual poderes judiciais fortes e independentes são condições necessárias para o cumprimento de normas internacionais (Powell & Staton, 2009Powell, E.J.; Staton, J.K. 2009. Domestic Judicial Institutions and Human Rights Treaty Violation. International Studies Quarterly, 53(1), pp. 149–174.), o que o caso do Peru mostra é que o regime internacional também pode ter impacto e ser instrumentalizado como uma alavanca por certos atores judiciais mesmo em contextos de maior debilidade do Judiciário sempre e quando tais atores o entendam como um mecanismo não só para o seu próprio “empoderamento”, mas que também poderia ajudá-los ainda a fortalecer o sistema judicial e reverter suas falhas. Assim, em meio à fraqueza das constituencies pró-violações depois da queda abrupta de Fujimori, um grupo de magistrados às voltas com a necessidade de reconstrução do Judiciário encontrou no Direito Internacional as ferramentas para o fortalecimento do poder judicial, de modo que a debilidade histórica desse poder não foi um impeditivo, mas antes um impulso para tal instrumentalização.

Embora tenha havido uma coalizão doméstica pró-cumprimento durante os governos Paniagua e Toledo envolvendo o Executivo e o Legislativo e um contexto político favorável para a agenda da justiça de transição, as decisões fundamentais envolvendo a realização de novos julgamentos dos violadores de direitos humanos e dos civis condenados por cortes militares não estavam nas mãos e ao alcance dos políticos eleitos, o que confirma nossa hipótese sobre a centralidade do perfil de ONGs e Judiciário para a influência do Sistema Interamericano em dois momentos-chave, quais sejam, respectivamente, sua ativação e implementação. Nesse sentido, os resultados observados não podem ser explicados apenas como um reflexo da ação e preferências do Executivo, já que a realização de novos julgamentos passava obrigatoriamente pela mobilização de uma normatividade internacional que não pode ser entendida de maneira divorciada da agência de ONGs e magistrados. Por um lado, a atuação das ONGs foi o que incitou o Sistema Interamericano a fixar padrões e regras como a invalidez das leis de anistia, enquanto que a aderência dessa normatividade à prática jurisdicional interna dependeu da atuação de juízes que tiveram que desenvolver novas formulações e saídas jurídicas para levar a cabo essa incorporação em distintas esferas judiciais. Porém, cumpre assinalar que o fato de que esses dois atores tenham sido capazes de entender e instrumentalizar o Sistema Interamericano como um mecanismo efetivo para o seu “empoderamento” foi apenas uma condição necessária, e não suficiente, para o impacto, já que também foram importantes para os resultados observados o papel do Executivo na reintegração do país ao Sistema Interamericano e na restauração da independência do Judiciário; o contexto de debilidade das constituencies pró-violações após a queda abrupta do regime autoritário, com especial atenção para os grupos políticos fujimoristas e setores das Forças Armadas; e, finalmente, o papel do Legislativo na recomposição do Tribunal Constitucional.

Entretanto, o que poderia ter ocorrido caso não houvesse havido esse entendimento e instrumentalização? O processo de ativação do Sistema Interamericano é custoso, o trâmite e a resolução dos casos são lentos e muitas vezes os impactos e resultados finais são incertos. Além disso, a judicialização crescente dos procedimentos e as exigências cada vez mais elevadas tanto na fase de admissão dos casos quanto na etapa de avaliação e imputação das responsabilidades dos Estados impõem altos custos de entrada às ONGs de direitos humanos, de modo que apenas as organizações com recursos e incentivos suficientes e que dispõem de equipes de advogados treinados e com expertise em direito internacional são capazes de acionar o sistema de maneira exitosa. Se as ONGs peruanas não tivessem definido o Sistema Interamericano como uma prioridade para sua atuação, especializando-se em atividades de litígio e de mobilização legal de normas internacionais, seus casos muito provavelmente não teriam adquirido o caráter paradigmático de que gozam hoje em todo o hemisfério, sem mencionar a influência que tiveram domesticamente para assegurar a realização de novos julgamentos para civis condenados em cortes castrenses e derrogar as normas e obstáculos processuais que garantiam a impunidade dos violadores de direitos humanos.

Por outro lado, de modo similar, se os juízes e promotores dissidentes tivessem entendido as ações do Sistema Interamericano não como um mecanismo e uma oportunidade para incrementar e fortalecer seus recursos e argumentos jurídico-legais, mas antes como uma ameaça e incursão indevida no seu terreno legal que usurpava suas competências e distorcia a hierarquia do ordenamento jurídico nacional, então as determinações das sentenças da Corte Interamericana seriam rechaçadas e seus princípios reitores jamais guiariam a reabertura e posta em marcha de inúmeros processos criminais. Mesmo um Executivo e Legislativo favoráveis à agenda da justiça de transição enfrentariam sérias dificuldades para vencer essas resistências do aparato judicial e muito provavelmente prevaleceriam os obstáculos processuais, a aplicação da jurisdição militar e o uso dos princípios clássicos do direito penal interno, impossibilitando assim o avanço de julgamentos e a aplicação de sanções penais. Desse modo, ainda que restritas em seu poder de generalização, tais conclusões derivadas da análise do caso peruano apontam para a necessidade que a agenda de pesquisa sobre impacto de normas internacionais e justiça de transição atente mais para o papel e perfil dos atores judiciais e organizações litigantes de direitos humanos.

  • 1
    Pesquisa realizada com suporte financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio de bolsas de Doutorado e de Estágio de Pesquisa no Exterior. Agradecemos aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política pelas sugestões e ao Instituto de Democracia e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Peru pelo apoio durante a pesquisa de campo.
  • 2
    Dados produzidos pelo “Human Rights Trials in Peru Project”, coordenado pela professora Jo-Marie Burt (George Mason University). Disponíveis em: http://rightsperu.net. Acesso em: 23 ago. 2013.
  • 3
    Desse modo, no que diz respeito à judicialização dos casos, não analisamos eventuais obstáculos processuais nem as implicações substantivas dos julgamentos em termos do desempenho do país na proteção dos direitos humanos. Mais do que um balanço dos resultados, interessa-nos entender o próprio processo que tornou possível a realização dos julgamentos.
  • 4
    Por empoderamento compreendemos o processo através do qual os atores políticos e sociais adquirem e acumulam não só maiores capacidades de poder, mas também recursos materiais e simbólicos adicionais, o que lhes permite impulsionar e maximizar seus interesses e preferências em contextos político-institucionais específicos.
  • 5
    A justiça de transição aponta quatro direitos: à justiça, à verdade, à compensação e a instituições reorganizadas que possam ser responsabilizadas (medidas de não repetição) (Mezarobba 2009Mezarobba, G. 2009. De que se fala, quando se diz “Justiça de Transição”? BIB, 67, pp. 111–122., p. 117). Assim, ela envolve “uma combinação de estratégias judiciais e não-judiciais” (idem, p. 111), dentre as quais o Sistema Interamericano tem priorizado o elemento de persecução criminal individual.
  • 6
    De maneira sucinta, o Sistema Interamericano fixa o dever internacional de investigar e punir criminalmente os graves abusos de direitos humanos. Por outro lado, os críticos a essa visão argumentam que isso implica desconsiderar o devido processo legal, o princípio de legalidade e as garantias individuais dos acusados, sem mencionar a prerrogativa soberana dos Estados de editar leis de anistia.
  • 7
    As sentenças da Corte Interamericana firmaram três obrigações do Judiciário peruano: dever de investigar e sancionar atos de graves violações dos direitos humanos; necessidade de anular leis de anistia, prescrições e outros obstáculos processuais que impediam investigações e julgamentos; e proibição de utilizar tribunais militares para julgar civis e casos de violações de direitos humanos.
  • 8
    A opção metodológica de privilegiar o âmbito doméstico não significa que desconsideremos as influências recíprocas entre as esferas nacional e internacional. Porém, o enfoque se justifica como o mais apropriado para delinear os mecanismos causais e microdinâmicas domésticos que dão sustentação para o impacto de normas internacionais de direitos humanos.
  • 9
    Na década seguinte, nos anos 1990, a utilização de normas internacionais e do Sistema Interamericano se voltaria contra o governo Fujimori, especialmente no que dizia respeito às leis de anistia, aos inocentes presos sob a legislação antiterrorista e à subversão da institucionalidade democrática no país, temas que mantiveram o foco da agenda das ONGs nos direitos individuais civis e políticos.
  • 10
    Em 1984, por exemplo, advogados peruanos de direitos humanos já apresentavam casos documentados de violações para o Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários da ONU (Youngers 2003Youngers, C. 2003. Violencia política y sociedad civil en el Perú: Historia de la Coordinadora Nacional De Derechos Humanos. Lima: Instituto de Estudios Peruanos., p. 201), dando início a um processo de aprendizado do sistema legal internacional e de apresentação rotineira de casos às instâncias da ONU e da OEA.
  • 11
    Ao longo dos anos 1980, aproveitando-se da janela de oportunidade aberta pela promulgação da Constituição democrática de 1979 que concedia status supralegal aos tratados de direitos humanos, a CAJ ofereceu cursos de capacitação e de apoio técnico a centenas de juízes e promotores com a finalidade de difundir a aplicação dos instrumentos internacionais de direitos humanos.
  • 12
    Entrevista concedida ao autor por Francisco Soberón, em 29 de agosto de 2012, Lima, Peru. Todas as seguintes referências e citações dizem respeito a essa entrevista. A relação com as entrevistas segue ao final, no Apêndice 1 Apêndice 1 Relação de Entrevistas Francisco Soberón. Fundador da Associação Pró-Direitos Humanos (APRODEH) e Secretário Executivo da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos (2003–2006). Entrevista realizada em Lima, 29 de agosto de 2012. Miguel Jugo. Secretário Adjunto da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos. Entrevista realizada em Lima, 31 de agosto de 2012. Gloria Cano. Advogada litigante no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e Diretora da APRODEH. Entrevista realizada em Lima, 14 de setembro de 2012. César Landa Arroyo. Juiz do Tribunal Constitucional do Peru (2005–2010). Entrevista realizada em Lima, 9 de outubro de 2012. Victor Prado Saldarriaga. Juiz da Corte Suprema de Justiça do Peru. Entrevista realizada em Lima, 20 de setembro de 2012. Pablo Talavera. Membro do Conselho Nacional de Magistratura. Juiz Superior Titular da Corte Superior de Lima e Presidente da Sala Penal Nacional (2002–2010). Entrevista realizada em Lima, 26 de setembro de 2012. .
  • 13
    Segundo Soberón, “Era nossa primeira experiência e de alguma maneira a Human Rights Watch estando em Washington tinha maior acesso ao sistema. A Anistia Internacional também tinha uma equipe de juristas com experiência de Direito Internacional. Então sem dúvidas que foi um suporte decisivo a colaboração”. A esse respeito, consultar OEA (1993)OEA. 1993. Demanda e Informes Sobre el Caso Cayara – Perú. OEA/Ser.L/V/II.83. Disponível em: http://www.cidh.org/countryrep/cayarasp/indice.htm. Acesso em: 21 abr 2015.
    http://www.cidh.org/countryrep/cayarasp/...
    .
  • 14
    Sobre esse caso, Gloria Cano, diretora da APRODEH, diz que “o que aconteceu nesse caso marcou muito por ser um caso tão importante [a tal ponto] que nos organismos se decidiu ir olhando com maior seriedade o tema da preparação do litígio internacional, e surge [depois] a aliança com CEJIL” (informação verbal; entrevista concedida ao autor por Gloria Cano em 14 de setembro de 2012, Lima, Peru).
  • 15
    Alejandro Toledo sustentaria, em seu governo (2001–2006), essa agenda democrática bem como os vínculos estreitos com o Sistema Interamericano e o clima político favorável às demandas das ONGs de direitos humanos, mantendo ainda seu apoio aos trabalhos da CVR e uma postura de respeito à independência e autonomia dos tribunais durante o processamento dos casos de abusos de direitos humanos.
  • 16
    Em 22 de fevereiro de 2001, o Ministro da Justiça do Peru, Diego García Sayán, emitiu um comunicado de imprensa conjunto com a CIDH no qual o governo anunciou uma ampla proposta para solucionar de maneira amistosa 165 casos em distintas etapas de tramitação na Comissão.
  • 17
    Entrevista concedida ao autor por César Landa em 9 de outubro de 2012 em Lima, Peru. Todas as seguintes referências e citações dizem respeito a esta entrevista.
  • 18
    De acordo com a Quarta Disposição Final e Transitória da Constituição, “As normas relativas aos direitos e liberdades que a Constituição reconhece se interpretam em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com os tratados e acordos internacionais sobre as mesmas matérias ratificados pelo Peru” (Peru 1993Peru. 1993. Constitución Política del Perú. Lima.).
  • 19
    Vale destacar que no âmbito do Ministério Público se formou também uma massa crítica de tendência mais progressista e permeável aos padrões internacionais de direitos humanos, com figuras destacadas como Avelino Guillén, Victor Cubas Villanueva e Pablo Sanchéz Velarde.
  • 20
    Entrevista concedida ao autor por Victor Prado Saldarriaga em 20 de setembro de 2012 em Lima, Peru. Todas as seguintes referências e citações dizem respeito a esta entrevista.
  • 21
    Entrevista concedida ao autor por Pablo Talavera, em 26 de setembro de 2012, em Lima, Peru. Todas as seguintes referências e citações dizem respeito a essa entrevista.

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Apêndice 1 Relação de Entrevistas

  1. Francisco Soberón. Fundador da Associação Pró-Direitos Humanos (APRODEH) e Secretário Executivo da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos (2003–2006). Entrevista realizada em Lima, 29 de agosto de 2012.

  2. Miguel Jugo. Secretário Adjunto da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos. Entrevista realizada em Lima, 31 de agosto de 2012.

  3. Gloria Cano. Advogada litigante no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e Diretora da APRODEH. Entrevista realizada em Lima, 14 de setembro de 2012.

  4. César Landa Arroyo. Juiz do Tribunal Constitucional do Peru (2005–2010). Entrevista realizada em Lima, 9 de outubro de 2012.

  5. Victor Prado Saldarriaga. Juiz da Corte Suprema de Justiça do Peru. Entrevista realizada em Lima, 20 de setembro de 2012.

  6. Pablo Talavera. Membro do Conselho Nacional de Magistratura. Juiz Superior Titular da Corte Superior de Lima e Presidente da Sala Penal Nacional (2002–2010). Entrevista realizada em Lima, 26 de setembro de 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2013
  • Aceito
    19 Fev 2014
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