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Uso de categorizações políticas e sociais na implementação de políticas: contribuições teóricas e analíticas

Use of political and social categorizations in policy implementation: theoretical and analytical contributions

RESUMO

Introdução:

Ser tratado de forma justa e imparcial por burocratas implementadores de políticas públicas é um componente central da boa qualidade dos governos democráticos. Logo, o tema da implementação de políticas públicas é relevante para compreender como o Estado opera e quais são os resultados que gera para os cidadãos. Neste artigo abordamos teoricamente discussões sobre desigualdades e burocracia de nível de rua, considerando a relevância destes temas para o Brasil.

Materiais e Métodos:

Foi feita uma revisão bibliográfica narrativa. Analisamos a literatura nacional e internacional sobre implementação de políticas públicas, categorias sociais e políticas, estereótipos e burocratas de nível de rua.

Resultados:

A partir do exame da literatura ainda pouco difundida no Brasil, propomos alternativas analíticas para compreender a implementação das políticas públicas na perspectiva dos atores que a realizam e o seu efeito em termos de inclusão e exclusão.

Discussão:

O exercício da discricionariedade dos burocratas de nível de rua tem efeitos alocativos que podem reduzir ou aumentar a inclusão e a desigualdade. Porém, ainda há limites em termos analíticos para compreender esse processo.

PALAVRAS-CHAVE:
implementação de políticas públicas; desigualdades; inclusão social; categorizações; burocracia de nível de rua

ABSTRACT

Introduction:

Being treated fairly and impartially by implementing bureaucrats is a central component of the quality of democratic governments. Therefore, the theme of the implementation of public policies becomes relevant to understand how the state operates and the results it generates for citizens. In this article we aim to theoretically address part of the discussions on inequalities and street-level bureaucracy, considering the relevance of these themes to understand public policies in Brazil.

Materials and Methods:

We analyze national and international literature on the implementation of public policies, social and political categories, stereotypes and street level bureaucrats.

Results:

From an analysis of the literature still not widely disseminated in Brazil we propose analytical alternatives to understand the implementation of public policies from the perspective of the actors who perform it and its effect in terms of inclusion and exclusion.

Discussion:

The exercise of discretion conducted by street-level bureaucrats have allocative effects that can reduce or increase inclusion and inequality, but we still have analytical limits to understand this process.

KEYWORDS:
implementation of public policies; inequalities; social inclusion; categorizations; street level bureaucracy

I. Introdução1 1 Agradecemos à Enap pelo financiamento à pesquisa a partir do programa de Cátedras e agradecemos à Fapesp pelo financiamento à pesquisa sob o processo 2019/13439-7, CEPID CEM.

Há pelo menos quatro décadas, a literatura de políticas públicas tem apontado que parte dos problemas e dificuldades para gerar resultados das políticas é identificada no momento da implementação. Mais do que um erro da implementação, a distância entre quem formula e quem implementa dá espaço para interpretações e adaptações que ressignificam os propósitos iniciais das políticas à luz das condições reais que são encontradas na implementação (Arretche 2001Arretche, M. (2001) Federalismo e democracia no Brasil: a visão da ciência política norteamericana. São Paulo em Perspectiva, 15(4), pp. 23-31. DOI: 10.1590/S0102-88392001000400004
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; Hill 2007Hill, M. (2007) Implementação: uma visão geral. In: E. Saravia & E. Ferrarezi (org). Políticas Públicas. Brasília: ENAP.).

Como demonstra a literatura, estas interpretações e alterações das políticas durante sua implementação podem ter efeitos variados. Por um lado, o momento de implementação pode aumentar a criatividade e capacidade de experimentação na ponta, gerando resultados que dialoguem com necessidades específicas (Matland 1995Matland, R. (1995) Synthesizing the Implementation Literature: The Ambiguity-Conflict Model of Policy Implementation. Journal of Public Administration Research and Theory, 5(2), pp.145-174. DOI: 10.1093/oxfordjournals.jpart.a037242
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). Por outro lado, a implementação pode resultar em não alcance de objetivos, em baixa efetividade das políticas e mesmo em exclusão de públicos que originalmente deveriam ser priorizados no atendimento (Pressman & Vildawsky 1973Pressman, J. & Wildavsky, A. (1973) Implementation. Berkeley: University of California Press.; Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.; Dubois 1999Dubois, V. (1999) La Vie au Guichet: Relation Administrative et Traitement de la Misère, Etudes politiques. Paris: Economica, p. 253-259.; Pires 2019Pires, R. R. C. (org) (2019) Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea.). Estes efeitos são, em geral, atribuídos à atuação dos burocratas de nível de rua, os funcionários que atuam na interação direta com usuários para entrega de serviços. Parte da literatura considera que estes burocratas são considerados policymakers, com grande capacidade de alterar o desenho original das políticas, na medida em que atuam com alta discricionariedade, realizando interações em contextos críticos, imprevisíveis e de escassez de recursos (Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.).

Nos últimos anos, parte da literatura sobre implementação de políticas públicas tem se dedicado a compreender em que medida o processo de implementação pode gerar desigualdades, tratamentos diferenciados ou mesmo exclusão social (Dubois 1999Dubois, V. (1999) La Vie au Guichet: Relation Administrative et Traitement de la Misère, Etudes politiques. Paris: Economica, p. 253-259.; Pires 2019Pires, R. R. C. (org) (2019) Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea.; Maynard-Moody & Musheno 2003Maynard-Moody, S. & Musheno, M. (2003) Cops, Teachers, Counselors: Stories from the Front Lines of Public Service. Ann Arbor: University of Michigan Press.; Møller & Harrits 2013Harrits, G. S. & Møller, M. (2013) Constructing at-risk target groups. Critical Policy Studies, 7(2), p. 155-176. DOI: 10.1080/19460171.2013.799880
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). Esta literatura tem demonstrado que, mesmo políticas voltadas a combater desigualdades e gerar inclusão, podem ter efeito contrário e perverso no momento de implementação (Pires 2019Pires, R. R. C. (org) (2019) Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea.). Isso porque, ao implementar as políticas, os burocratas de nível de rua tomam decisões alocativas (Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.), influenciados por julgamentos, classificações e percepções de merecimento que geram categorias distintas de acesso (Dubois 2010Dubois, V. (2010) La vie au guichet. Relation administrative et traitement de la mise‘re. Paris: Economica Etudes Politiques.; Maynard-Moodie & Musheno 2003, 2015). Essas decisões, por sua vez, resultam em uma desigualdade tanto material como simbólica (Pires 2019Pires, R. R. C. (org) (2019) Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea.). Durante a implementação, as decisões tomadas pelos burocratas de nível de rua podem incorrer “desigualdades já existentes ou até criar novas formas ou nichos de exclusão” (Pires 2019Pires, R. R. C. (org) (2019) Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea., p.20).

Embora esta literatura que analisa a relação entre implementação e desigualdades tenha avançado em nível internacional, ela é ainda bastante recente no Brasil, principalmente, ao abordar os seus efeitos em decorrência da categorização e julgamentos dos burocratas de nível de rua (Pires 2019Pires, R. R. C. (org) (2019) Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea.; Pires et al., 2018Pires, R. R. C. & Lotta, G. S. & Torres, J. & Roberto, D. (2018) Burocracias implementadoras e a (re)produção de desigualdades sociais: perspectivas de análise no debate internacional. In: R. R. C. Pires, G. S. Lotta & V. E. Oliveira (org). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas. Brasília: Ipea: Enap.). No contexto brasileiro ela toma ainda proporções e contornos diferenciados. Isso porque, no Brasil, diferente dos contextos europeus e americanos estudados anteriormente, a implementação de boa parte das políticas públicas tem como expectativa gerar acesso universal em contexto de altas desigualdades e heterogeneidades, combinado com restrição de recursos. Ou seja, cabe aos implementadores enfrentar uma aparente dicotomia entre como gerar acesso a todos em um contexto onde as desigualdades prévias são muito marcantes, o que exige tratar de forma diferente os desiguais. No caso brasileiro, portanto, analisar a relação entre implementação e desigualdades parece ser uma questão crucial.

Em livro publicado recentemente, Roberto Pires (2019) coletou um conjunto de artigos de diferentes autores que analisam a relação entre implementação e desigualdades em distintas políticas. Como resultado da análise dos diversos artigos, Pires (2019) encontra cinco diferentes mecanismos que aumentar desigualdades na implementação de políticas. Enquanto dois deles se referem ao desenho da política, três dizem respeito a como os burocratas atuam: 1. Como resistem a implementar determinadas políticas; 2. Como usam categorias, classificações e julgamentos que excluem determinados grupos do acesso a serviços; 3. Como usam regulação moral em públicos beneficiários que criam efeitos perversos na implementação. O livro é um marco importante nos estudos nacionais para entender a relação entre implementação e desigualdades. No entanto, esta agenda ainda é bastante recente.

Este artigo tem por objetivo apresentar a análise da literatura internacional e nacional sobre implementação de políticas públicas, categorias sociais e políticas, estereótipos e burocratas de nível de rua (BNR) para fundamentar proposições para a agenda de pesquisa no Brasil. Busca-se aqui contribuir para supressão de parte dessa lacuna propondo questões analíticas que permitam compreender em que medida a implementação de políticas públicas potencializa desigualdades existentes e cria novas desigualdades analisando especificamente o segundo mecanismo relatado acima: como os burocratas usam categorias, classificações e julgamentos.

Partimos aqui da ideia de que o processo de implementação não é mecanizado ou previamente determinado pelos objetivos do programa, mas depende das interações realizadas entre burocracia e atores sociais, além de habilidades organizacionais para estimular o compromisso dos vários atores na coprodução de serviços (Hupe & Hilll 2007Hupe, P. & Hill, M. (2007) Street-level bureaucracy and public accountability. Public Administration, 85(7), pp. 279-299. DOI: 10.1111/j.1467-9299.2007.00650.x
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). Com estes pressupostos, o artigo busca contribuir com a literatura tentando suprir três lacunas. A primeira é avançar nos estudos de implementação (Lotta 2015Lotta, G. (2015) Burocracia e Implementação de Políticas de Saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.; Pires et al., 2018Pires, R. R. C. & Lotta, G. S. & Torres, J. & Roberto, D. (2018) Burocracias implementadoras e a (re)produção de desigualdades sociais: perspectivas de análise no debate internacional. In: R. R. C. Pires, G. S. Lotta & V. E. Oliveira (org). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas. Brasília: Ipea: Enap.); a segunda é de contribuir para a literatura de desigualdades dando luz a este enfoque da implementação e do olhar sobre atuação dos burocratas em sua (re)produção ou redução; a terceira é de propor uma agenda de estudos sobre implementação que incorpore um olhar de seus efeitos sociais a respeito das desigualdades, inclusão e exclusão (Pires 2019Pires, R. R. C. (org) (2019) Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea.).

Para dar conta destes objetivos, o presente artigo busca fazer um levantamento e aprofundamento bibliográfico internacional e nacional sobre o mecanismo de categorização, classificação e julgamento de usuários operado pelos burocratas (Pires 2019Pires, R. R. C. (org) (2019) Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea.; Maynard-Moody & Musheno 2003Maynard-Moody, S. & Musheno, M. (2003) Cops, Teachers, Counselors: Stories from the Front Lines of Public Service. Ann Arbor: University of Michigan Press.; Møller & Harrits 2013Harrits, G. S. & Møller, M. (2013) Constructing at-risk target groups. Critical Policy Studies, 7(2), p. 155-176. DOI: 10.1080/19460171.2013.799880
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).

Em termos metodológicos, trata-se de uma revisão bibliográfica na modalidade narrativa. Foram selecionadas bibliografia internacional e nacional sobre implementação de políticas, burocracia de nível de rua, categorizações, julgamentos e classificações. A seleção se da literatura internacional se baseou em estudo prévio realizado por Lotta e Pires (2019)Lotta, G. (2019) Práticas, interações, categorização e julgamentos: análise da ação discricionária dos agentes comunitários de saúde. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea. que mapearam as diferentes correntes teóricas que abordaram a relação entre implementação e desigualdades. Nos baseamos nos textos por eles revisados. Para a literatura nacional, buscamos no SciELO artigos com as palavras chave “implementação” e “burocracia de nível de rua” associadas aos termos “desigualdades”; “exclusão”; “diferenças sociais”; “estereótipos”. Foram selecionados 21 estudos empíricos para análise. Essa escolha se justifica por serem estudos que avançaram em utilizar estas abordagens analíticas para compreender a relação entre implementação, desigualdades, categorização e julgamentos em distintas políticas. Nestes artigos buscamos identificar duas contribuições para o campo: 1. Implementação e desigualdade; 2. Categorização e Julgamento dos BNR. Os artigos foram sistematizados com base nestas duas categorias e aqui apresentamos os resultados do que foi encontrado no campo. Importante ressaltar que não pretendemos esgotar toda a literatura existente, mas apresentar um levantamento teórico, analítico e empírico que possa dar suporte para o avanço de pesquisas futuras na intersecção entre os campos de implementação e desigualdades.

O artigo está estruturado em seis seções, com esta Introdução e com as Considerações finais. Na segunda seção debatemos a literatura sobre a atuação do BNR na implementação de políticas públicas. Na terceira seção apresentaremos as dimensões sociais e culturais no exercício da discricionariedade dos BNR. Na quarta seção apresentamos uma análise da literatura que discute o uso dos estereótipos sociais e julgamentos dos BNR na interação com o cidadão. Na quinta apresentaremos exemplos de pesquisas nacionais e internacionais que analisam categorias sociais e estereótipos na implementação de políticas públicas. Finalizamos o artigo com algumas considerações sobre as novas agendas de pesquisa para que apontam a discussão do artigo.

II. Implementação de políticas públicas e burocracia de nível de rua

Embora ainda relativamente recente na literatura brasileira, o campo de estudos sobre implementação de políticas públicas e burocracia traz reflexões pouco exploradas que podem ajudar a explorar elementos relativos às desigualdades.

Internacionalmente, ao longo das últimas quatro décadas, algumas correntes de estudos têm buscado compreender como a execução se efetiva no interior do Estado, seja numa perspectiva prescritiva, na tentativa de trazer aprendizados para melhoria da implementação (visão top down), seja numa perspectiva mais descritiva, buscando compreender como os processos ocorrem sob a perspectiva da base (visão bottom up). Ainda nos anos 1980, a literatura de implementação ganhou contornos importantes com o surgimento de uma corrente de estudos que passou a analisar a atuação dos burocratas executores no processo de implementação. Denominados por Lispky (2010) como street-level bureaucrats (burocratas de nível de rua), esses atores ganharam centralidade nos estudos de implementação, na medida em que são os atores chave responsáveis por materializar as políticas desenhadas e, portanto, gerar seus resultados.

Os burocratas de nível de rua (BNR) são agentes estatais que trabalham diretamente no atendimento aos usuários dos serviços públicos. O que os define não é a posição hierárquica, mas serem o elo de conexão e acesso entre usuários e Estado. São exemplos de BNR os policiais, professores, profissionais da saúde, assistentes sociais, entre outros. Lipsky (2010), em seu trabalho pioneiro em 1980 apontava já algumas razões pelas quais devemos estudar os BNR como categoria analítica. Em primeiro lugar, porque eles são o maior contingente de profissionais do Estado e por eles passa parte considerável dos recursos públicos. Em segundo lugar, porque eles são a face mais visível do Estado para os cidadãos e é a partir deles que os cidadãos acessam, ou não, direitos e benefícios públicos e materializam o olhar sobre a ação estatal. Em terceiro lugar, porque estes atores são a porta de acesso (ou restrição) a direitos sociais, determinando elegibilidade e exercendo poder alocativo. Eles possuem, portanto, grande impacto na vida dos cidadãos. Em quarto lugar, porque, ao estarem em contato direto com os usuários dos serviços, eles são fonte importante de informações para o próprio Estado e para o desenho de políticas públicas (Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.).

No entanto, dada sua natureza de serem o elo entre Estado e usuários, Lipsky (2010) aponta que os BNR vivem cotidianamente a controvérsia do serviço público, já que são duplamente pressionados: pelo Estado, para atingirem metas e terem ganhos de eficiência, e pelos cidadãos para aumentarem seu acesso e efetividade.

O elemento central para analisar a atuação dos BNR é o conceito de discricionariedade - espaço de liberdade para tomada de decisão, dentro do constrangimento colocado pelas regras (Hupe & Buffat 2015Hupe, P. H & Buffat, A. M. (2015) Understanding Street-Level Bureaucracy. Policy Press, University of Bristol.; Lotta & Santiago, 2017Lotta, G. & Santiago, A. (2017). Autonomia e discricionariedade: matizando conceitos-chave para o estudo de burocracia. BIB Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, s/v(83), pp. 21-42.). A discricionariedade é o espaço de racionalidade usado para transformar uma regra geral em uma determinação específica (Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.; Møller 2016Møller, M. Ø. (2016) She isn’t Someone I Associate with Pension—a Vignette Study of Professional Reasoning. Professions and Professionalism, 6(1), p. 1353. DOI: 10.7577/pp.1353
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). Ela é o elemento central para entendimento da ação dos burocratas, visto que é a partir dela que a ação se materializa, as decisões são tomadas e a implementação ocorre.

Lispky (2010) foi um dos pioneiros a considerar que a ação dos BNR é um processo de policymaking, demonstrando como as ações formuladas pelas políticas não são reais até serem materializadas nas práticas discricionárias dos burocratas (Harrits & Møller 2011Harrits, G. & Møller, M. (2011) Categories and categorization: towards a comprehensive sociological framework. Distinktion: Journal of Social Theory, 12(2), p. 229-247. DOI: 10.1080/1600910X.2011.579450
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). A discricionariedade é o poder de exercer escolhas entre um conjunto de alternativas que a lei não pré-determina (Zacka 2017Zacka, B. (2017) When the State Meets the Street: Public Service and Moral Agency Harvard University Press.). A discricionariedade é improvisada e criativa e os burocratas constroem seu exercício baseados em repertórios disponíveis na situação, sejam eles pessoais, profissionais, regulamentados ou não (Harrits & Møller 2011Harrits, G. & Møller, M. (2011) Categories and categorization: towards a comprehensive sociological framework. Distinktion: Journal of Social Theory, 12(2), p. 229-247. DOI: 10.1080/1600910X.2011.579450
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). Compreender os resultados das políticas passa, portanto, pela necessidade de compreender a dimensão improvisada das ações discricionárias dos burocratas de nível de rua. Ou, como aponta Zacka (2017), compreender como os burocratas habitam os espaços de discricionariedade, como negociam compromissos considerando a pluralidade de objetivos e valores aos quais devem ser sensíveis e como encontram recursos para fazer isso em ambientes complexos.

A teoria sobre BNR aponta que o uso da discricionariedade traz dilemas aos burocratas que são pressionados ao mesmo tempo por conflitos das políticas, padrões profissionais, objetivos organizacionais, gestão e requisitos dos públicos com quem interagem (Hupe & Hill 2007Hill, M. (2007) Implementação: uma visão geral. In: E. Saravia & E. Ferrarezi (org). Políticas Públicas. Brasília: ENAP.; Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.; Maynard-Moody & Musheno 2003Maynard-Moody, S. & Musheno, M. (2003) Cops, Teachers, Counselors: Stories from the Front Lines of Public Service. Ann Arbor: University of Michigan Press.; Winter & Nielsen 2008 apud Møller 2016Møller, M. Ø. (2016) She isn’t Someone I Associate with Pension—a Vignette Study of Professional Reasoning. Professions and Professionalism, 6(1), p. 1353. DOI: 10.7577/pp.1353
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). No uso cotidiano da discricionariedade, os BNR transformam objetivos originais das políticas em ações concretas que podem, ou não, gerar resultados desejados pela política.

A discricionariedade tem diversas fontes, como a ambiguidade e o conflito de regras e objetivos, a limitação de recursos que leva à necessidade de se fazerem escolhas, as incertezas e imprevisibilidades do mundo cotidiano da implementação e a assimetria de informações, entre outros (Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.; Zacka 2017Zacka, B. (2017) When the State Meets the Street: Public Service and Moral Agency Harvard University Press.).

A discricionariedade se manifesta em decisões que os BNR tomam a respeito de diversos elementos da implementação das políticas públicas (Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.). Há quatro funções centrais na implementação de políticas sobre as quais recai a discricionariedade. A primeira é o processo de categorização e alocação dos usuários. Usuários chegam ao serviço público como pessoas únicas, com demandas individualizadas e portadoras de diferentes experiências de vida, expectativas e necessidades. Cabe aos BNR receber sua demanda e classificá-la, enquadrando cada usuário e cada necessidade em categorias de serviço pré-estabelecidas, mas sobre as quais há um espaço considerável de interpretação. Assim, é o BNR, como personificação do Estado, que transforma usuários em clientes, identificáveis e alocáveis em padrões e categorias sociais. E a categorização terá efeito nos demais momentos de uso de discricionariedade. A segunda função dos BNR que se transforma em lócus de exercício da discricionariedade é a distribuição de benefícios e sanções. É quando selecionam quem recebe o que, quando e em que quantidade (Oorschot 2008Oorschot, W. (2008) Solidarity towards immigrants in European welfare states. International Journal of Social Welfare, 17(1), pp. 3-14. DOI: 10.1111/j.1468-2397.2007.00487.x
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), o que tem poder de afetar o bem-estar dos clientes. Um terceiro lócus de exercício da discricionariedade se dá na estruturação dos contextos de interação, na medida em que os burocratas determinam quando, com que frequência e sob quais circunstâncias a interação entre usuário e Estado (e burocratas) ocorrerá (Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.). Por fim, uma última função primordial dos BNR, onde se exerce discricionariedade, é a tarefa de ensinar aos cidadãos como se portarem perante o Estado, ensinando procedimentos, forma de comportamento, grau de deferência esperada, penalidades possíveis, o que esperar dos burocratas e como adquirir informações no sistema (Lipksy 2010).

Embora haja uma expectativa por parte de quem desenha as políticas de que elas sejam implementadas de forma minimamente padronizada e rotinizada, ou ao menos seguindo determinados valores e diretrizes, a literatura tem demonstrado que apenas parte restrita do exercício da discricionariedade pode ser influenciada por fatores organizacionais. Ou seja, a ação concreta dos BNR sofre diversas influências que limitam a capacidade de controle por parte do Estado. Assim, por exemplo, literatura tem provado que fatores de background dos burocratas, como gênero, experiência, educação e formação profissional impactam de forma estrutural e individual pois constrangem as capacidades de uso da discricionariedade (Møller 2016Møller, M. Ø. (2016) She isn’t Someone I Associate with Pension—a Vignette Study of Professional Reasoning. Professions and Professionalism, 6(1), p. 1353. DOI: 10.7577/pp.1353
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; Meier & O’Toole 2006Meier, K. & O’Toole. L. J. (2006) Bureaucracy in a Democratic state: a governance perspective. The Johns Hopkins University Press: Baltimore.; Maynard-Moody & Musheno 2003Maynard-Moody, S. & Musheno, M. (2003) Cops, Teachers, Counselors: Stories from the Front Lines of Public Service. Ann Arbor: University of Michigan Press.; Lipsky 2010Lipsky, M. (2010) [1980] Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Expanded ed. New York: Russell Sage Foundation.; Ellis 2011Ellis, K. (2011) Street-level Bureaucracy Revisited: The Changing Face of Frontline. Social Policy & Administration, 45(3), pp. 221-244. DOI: 10.1111/j.1467-9515.2011.00766.x
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; Evans 2010Evans, T. (2010) Professionals, managers and discretion: Critiquing street-level bureaucracy. The British Journal of Social Work, 41(2), 368-386. DOI: 10.1093/bjsw/bcq074
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). Outros autores têm demonstrado que “características do público alvo”, compreendidas de forma específica pelos burocratas, ajudam a explicar o uso da discricionariedade como um processo social de racionalização sobre os clientes em contexto de regras que limitam a ação (Møller 2016Møller, M. Ø. (2016) She isn’t Someone I Associate with Pension—a Vignette Study of Professional Reasoning. Professions and Professionalism, 6(1), p. 1353. DOI: 10.7577/pp.1353
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). Há ainda pesquisas demonstrando como o exercício da discricionariedade é influenciado por dimensões culturais e sociais (Maynard-Moody & Musheno 2003Maynard-Moody, S. & Musheno, M. (2003) Cops, Teachers, Counselors: Stories from the Front Lines of Public Service. Ann Arbor: University of Michigan Press.; Stone 2005Stone D. (2005) Foreword, State University of New York. In: A. L. Schneider & H. M. Ingram (org) Deserving and entitled: social constructions and public policy. New York: State University of New York; 2005., Riley & Brophy-Baermann 2005Riley, D. D. & Brophy-Baermann B. E. (2005) Bureaucracy and the Policy Process. Lanham: Rowman and Littlefield.), e que a história social do burocrata é importante para construção de seus hábitos e discricionariedade (Harrits & Møller, 2013Harrits, G. S. & Møller, M. (2013) Constructing at-risk target groups. Critical Policy Studies, 7(2), p. 155-176. DOI: 10.1080/19460171.2013.799880
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).

Isso significa que, no processo cotidiano de implementação e interação entre burocratas e usuários, há diversos elementos operando para além daqueles oficiais, esperados pelas regras e gestão do programa. Na interação com usuários, burocratas coordenam seus próprios valores e percepções de mundo com os dos demais atores envolvidos na interação e respondem, da maneira como conseguem, às pressões e demandas que recebem (Zacka 2017Zacka, B. (2017) When the State Meets the Street: Public Service and Moral Agency Harvard University Press.). Eles desenvolvem práticas que têm significados compartilhados e moldam sua identidade e a identidade daqueles que recebem seus serviços (Maynard-Moody & Musheno 2015Maynard-Moody, S. Musheno, M. (2015) Embedded Agency and Inhabited Institutions: Accounting for Patterns in Frontline Worker Judgment In: International Conference on Public Policy (ICPP). Milan, Italy.). E, para implementarem as políticas, os burocratas de nível de rua são impelidos cotidianamente a realizar improvisação pragmática ou mesmo desobediência às regras para responderem às necessidades dos cidadãos atendidos pelo Estado. Como aponta Brodkin (2012)Brodkin, E. (2012) Reflections on street-level bureaucracy: past, present, and future, Public Administration Review, 72(6), pp. 940-949. DOI: 10.1111/j.1540-6210.2012.02657.x
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, a implementação não é sobre o que os burocratas querem fazer, mas sobre o que conseguem de fato fazer.

O que a literatura demonstra, portanto, é que na tentativa cotidiana de conseguirem fazer suas ações, em um contexto crítico, durante processos interativos e carregados de discricionariedade, os burocratas são influenciados por diversos elementos que vão além daqueles gerenciais ou relacionados às políticas. E são estes vários elementos, que criam espaço para que as práticas desenvolvidas no nível da rua muitas vezes sejam permeadas de elementos não oficiais que criam sistemas de construção de merecimento e de acesso diferenciado a determinados públicos, na medida em que é função primordial dos burocratas categorizar os usuários para decidir quem recebe o que.

III. Dimensões Sociais e Culturais na Implementação de Políticas

Abordagens mais contemporâneas de estudos sobre burocratas têm buscado dar ênfase para as dimensões de interação, valores e julgamentos existentes no exercício da discricionariedade por parte dos BNR, tentando analisar dimensões sociais e culturais presentes na implementação para entender como burocratas agem e como as interações ocorrem (Riley & Brophy-Baermann 2005Riley, D. D. & Brophy-Baermann B. E. (2005) Bureaucracy and the Policy Process. Lanham: Rowman and Littlefield.; Maynard-Moody & Musheno 2003Maynard-Moody, S. & Musheno, M. (2003) Cops, Teachers, Counselors: Stories from the Front Lines of Public Service. Ann Arbor: University of Michigan Press.; Dubois 1999Dubois, V. (1999) La Vie au Guichet: Relation Administrative et Traitement de la Misère, Etudes politiques. Paris: Economica, p. 253-259.). Parte-se da ideia de que direitos sociais não existem à parte dos encontros burocráticos que materializam o acesso e, nestes encontros, interpretações são evocadas e impostas cuja origem remonta a processos sociais mais amplos (Mohr 1994Mohr, J. W. (1994) Soldiers, mothers, tramps and others: Discourse roles in the 1907 New York City charity directory. Poetics, 22 (4), 327-357. DOI: 10.1016/0304-422X(94)90013-2
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).

Møller & Stensota (2019), por exemplo, apontam que a atuação dos burocratas precisa ser explicada em conexão com as estruturas mais gerais do estado e modelos de bem-estar social do país. Estes elementos afetam não apenas os desenhos gerais das políticas, mas também a forma como cotidianamente as políticas são implementadas. Os regimes de bem-estar social são baseados em perspectivas mais gerais de solidariedade e coesão social. E estas perspectivas, por sua vez, influenciam a forma como os burocratas envolvidos na implementação atuam e as escolhas que realizam a respeito de quem deve receber o que, como e quando (Møller & Stensota 2019).

Para Zacka (2017), os encontros que ocorrem na implementação das políticas não são apenas o momento de decisão sobre o que será distribuído, mas também um momento de construção de cidadania e de legitimidade do estado. Isso porque estes momentos são influenciados pela forma como os burocratas entendem e habitam seu próprio papel e como embasam moralmente suas decisões. Durante os encontros com usuários dos serviços, os burocratas carregam consigo uma infinidade de guias normativos e interpretações que precisam ser adaptadas criativamente para encaixar as categorias administrativas em um mundo complexo. E fazem isso, em geral, em contextos de recursos escassos onde devem tomar decisões críticas. A implementação, portanto, traz à tona questões normativas que coloca em jogo os padrões morais dos burocratas, na medida em que eles são pressionados a decidir quem deve receber o que em um contexto crítico, de recursos escassos e pressão tanto por parte da gestão como dos usuários. A dimensão moral se torna central para justificar as escolhas que os burocratas fazem tanto perante os usuários como a seus pares e a si mesmos. Assim, ao longo da interação, os burocratas vão desenvolvendo disposições morais que embasam e justificam as decisões que tomam (Zacka 2017Zacka, B. (2017) When the State Meets the Street: Public Service and Moral Agency Harvard University Press.).

Ainda buscando complexificar o entendimento da ação dos burocratas, autores como Maynard-Moody & Musheno (2003, 2015), Stone (2005), Møller & Harrits (2013)Møller, M. & Harrits, G. S. (2013) Prevention at the Front Line: How home nurses, pedagogues, and teachers transform public worry into decisions on special efforts. Public Management Review, 16(4), pp. 447-480. DOI: 10.1080/14719037.2013.841980
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têm proposto reposicionamento do olhar para os burocratas que os coloca como pessoas que atuam para os cidadãos a partir de posições de poder. Eles são, ao mesmo tempo, influenciados por forças institucionais, por lógicas culturais de merecimento e por determinações coletivas construídas através da troca de histórias entre eles.

Em estudo clássico analisando policiais, professores e assistentes sociais, Maynard-Moody & Musheno (2003) apontam que os burocratas não se veem como executores de regras nem como profissionais do Estado. Eles se veem como pessoas que trabalham para os cidadãos (citizen agents), e descrevem sua ação como: realizar julgamentos e tomar decisões sobre as situações que encontram (Maynard-Moodye & Musheno 2003). Sua função não é, portanto, executar regras, mas sim definir, a partir de cada situação que vivenciam, qual o jeito certo de fazer coisas considerando o que é possível ser feito. Isso porque as regras definem apenas teoricamente o que seria o jeito certo, mas no cotidiano se deparam com tensões entre as regras e a situação real, que os leva a terem que negociar qual é o jeito certo. Esse processo de negociação e de reinterpretação de regras, por sua vez, se dá a partir de julgamentos normativos sobre a realidade. Assim, apontam Møller & Harrits (2013)Møller, M. & Harrits, G. S. (2013) Prevention at the Front Line: How home nurses, pedagogues, and teachers transform public worry into decisions on special efforts. Public Management Review, 16(4), pp. 447-480. DOI: 10.1080/14719037.2013.841980
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, a função central dos BNR é realizar julgamentos rotineiros a respeito das situações que encontram e, a partir deles, encaminhar os usuários para diferentes serviços ou bens sociais. Esta função pode ser exemplificada em um estudo desenvolvido por Lotta (2019)Lotta, G., & Pires, R. (2019). Street-level bureaucracy research and social inequality. In Research Handbook on Street-Level Bureaucracy. London: Edward Elgar Publishing. que, ao analisar atuação dos agentes comunitários de saúde no Brasil, identificou que suas decisões têm relação com as percepções de dentro e fora do contexto do trabalho, mas que ali se reproduzem e impactam nas suas ações. Em geral, tais julgamentos são baseados “no senso comum e em preconceitos e na determinação do que acham certo ou errado.” (Lotta 2019Lotta, G., & Pires, R. (2019). Street-level bureaucracy research and social inequality. In Research Handbook on Street-Level Bureaucracy. London: Edward Elgar Publishing., p.19). Os sistemas classificatórios operados pelos ACS, a partir da interação com os usuários, impactam nos encaminhamentos dados para cada caso, gerando processos includentes ou excludentes.

Como é possível perceber, os julgamentos são ao mesmo tempo baseados em normas sociais do que é aceitável e nos critérios técnicos disseminados pelas políticas. Os burocratas identificam e categorizam as situações baseados em observações implícitas, impressões e sensações que possuem sobre o mundo e sobre as situações, sobre as quais muitas vezes prevalecem o senso comum, estereótipos e preconceitos (Møller & Harrits 2013Harrits, G. S. & Møller, M. (2013) Constructing at-risk target groups. Critical Policy Studies, 7(2), p. 155-176. DOI: 10.1080/19460171.2013.799880
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). Para categorizar situações, eles mobilizam concepções adquiridas em sua vida social e que se transformam em percepções sobre o que é ou não aceitável e, portanto, sobre quais situações têm mais ou menos merecimento (Lotta & Pires 2019Lotta, G., & Pires, R. (2019). Street-level bureaucracy research and social inequality. In Research Handbook on Street-Level Bureaucracy. London: Edward Elgar Publishing.). Constroem, assim, critérios de elegibilidade definindo “quem deve receber o que e por que” (Oorschot 2008Oorschot, W. (2008) Solidarity towards immigrants in European welfare states. International Journal of Social Welfare, 17(1), pp. 3-14. DOI: 10.1111/j.1468-2397.2007.00487.x
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). Schneider e Ingram (2005)Schneider, A. L. & Ingram, H. M. (org) (2005) Deserving and entitled: social constructions and public policy. New York: State University of New York. afirmam que os BNR são atores engajados na construção social do merecimento das políticas públicas e este merecimento se define com base em distintos critérios, como, o status social dos usuários, suas características e a motivação e engajamento deles em relação as políticas (Tummers 2017Tummers, L. (2017) The Relationship between Coping and Job Performance, Journal of Public Administration Research And Theory, 27(1), pp. 150-162. DOI: 10.1093/jopart/muw058
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; Møller & Stone 2012Møller, M. & Stone, D. (2012) Disciplining Disability under Danish Active Labour. Social Policy & Administration, 47(5), pp. 586-604. DOI: 10.1111/j.1467-9515.2012.00835.x
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). Assim, a partir dos julgamentos e categorizações exercidos pelos BNR, eles constroem a ideia de que certos perfis de usuários são moralmente superiores e mais merecedores do que outros. E é nessa perspectiva de julgamentos que o momento da implementação se torna um potencial lócus de reprodução ou redução de desigualdades sociais.

Mohr (1994) aponta que, durante os encontros burocráticos, os atores impõem e evocam diferentes interpretações e significados para alocar as necessidades e demandas dos usuários em campos de significados organizados em projetos classificatórios. Para ele, as categorias sociais operadas pelos burocratas são a base fundante dos sistemas de bem estar social e são construções simbólicas que contêm pressupostos sobre papeis sociais. Assim, a partir das interações cotidianas, os burocratas constituem cidadãos ao localizá-los dentro de estruturas narrativas que os identifica como alguém com certas necessidades, capaz de fazer certas reivindicações e portador de determinados direitos.

Analisar as categorias operadas pelos burocratas é, portanto, uma das formas de compreender a política pública no seu everyday life (Møller 2009Møller, M. (2009) Solidarity and Categorization Solidarity Perceptions and Categorization Practices among Danish Social Workers. PhD Aarhus University.) e de compreender como os sistemas sociais organizam, na prática, os discursos sobre quem recebe o que (Mohr 1994Mohr, J. W. (1994) Soldiers, mothers, tramps and others: Discourse roles in the 1907 New York City charity directory. Poetics, 22 (4), 327-357. DOI: 10.1016/0304-422X(94)90013-2
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). Møller aponta que a categorização é um processo de construção de identidades institucionais que determinam quem está apto a receber o que. Há dois tipos de categorização: a de merecimento, que descreve uma avaliação moral e individual sobre os usuários, baseada em critérios como necessidade, responsabilidade, reciprocidade; e a de direito, que descreve uma dimensão grupal ou coletiva baseada na lei e suportada por critérios como equidade e direito. A categorização tem efeitos importantes no sistema político por dois motivos. O primeiro é permitir ao sistema racional burocrático agir humanamente baseado em regras e na distribuição de direitos políticos. Como aponta Weber, os burocratas são desumanizados e tratados como peças de uma máquina dentro da burocracia. Mas a categorização tem poder de re-humanizá-los. O segundo motivo é que a categorização tem o potencial de selecionar entre indivíduos legalmente iguais (Møller 2009Møller, M. (2009) Solidarity and Categorization Solidarity Perceptions and Categorization Practices among Danish Social Workers. PhD Aarhus University.). Ela gera, portanto, benefícios e sanções que permitem dar a alguns em detrimento de outros, representando parte importante das relações formais e informais entre estado e sociedade que se concretizam no nível da rua (Møller 2009Møller, M. (2009) Solidarity and Categorization Solidarity Perceptions and Categorization Practices among Danish Social Workers. PhD Aarhus University.).

Os processos de categorização criados pelas regras ou pelas decisões cotidianas de burocratas só se materializam e ganham consequências reais quando encontram as ruas – consequências estas não apenas para os cidadãos diretamente, mas também para a sociedade em geral, na medida em que as práticas de categorização representam padrões mais gerais de funcionamento da sociedade (Møller 2009Møller, M. (2009) Solidarity and Categorization Solidarity Perceptions and Categorization Practices among Danish Social Workers. PhD Aarhus University.). A este respeito, Harrits & Møller (2011) fazem uma diferenciação entre o que denominam categorias sociais e categorias políticas. As primeiras são formas de ordenamento utilizadas pela sociedade de forma geral, são criadas na interação entre autoidentificação e identificação do outro, bem como na relação com a sociabilidade primária, família, medicina e relações de mercado. A segunda são as formas de ordenamento operadas pelas políticas públicas e que podem ser, ou não, repercussão da primeira. Isto é, são aquelas que aparecem na operação do Estado, sejam elas comuns às categorias sociais ou diferentes delas. Embora possuam certa independência, não é possível desvincular a produção de categorias políticas das categorias sociais e vice-versa. Segundo Harrits & Moller (2011), ambas são contextualizadas em uma complexa rede de processos distributivos, discursivos e morais que se influenciam mutuamente.

É neste sentido que os burocratas de nível de rua, em suas interações cotidianas, mobilizam diferentes categorias políticas e sociais, ordenando o mundo dos usuários que encontram e determinando elegibilidade e merecimento (ou ilegibilidade e não merecimento).

O processo de categorização, portanto, é uma prática que precede a discricionariedade e está ligada à reprodução de certas práticas sociais ou política sobre como tratar os cidadãos (Møller 2009Møller, M. (2009) Solidarity and Categorization Solidarity Perceptions and Categorization Practices among Danish Social Workers. PhD Aarhus University.). Elas podem ser tanto formais, baseadas nas categorias políticas oficiais, como informais, inspiradas em outros tipos de categorias sociais não formalizadas pelas políticas. As categorias informais (ou taxonomias nas palavras de Zacka (2017)), são desenvolvidas nos encontros cotidianos quando os burocratas precisam distinguir entre tipos de cidadãos e casos de forma mais granulada do que as regras permitem. Estas categorias, portanto, buscam preencher o gap entre as regras e as situações reais não previstas e elas costumam ser disseminadas e legitimadas entre os pares por meio de casos exemplares. Elas não são aberrações isoladas, mas precisam ser entendidas como respostas sensíveis a problemas reais relacionados ao desencontro entre as regras e sua aplicação prática (Zacka 2017Zacka, B. (2017) When the State Meets the Street: Public Service and Moral Agency Harvard University Press.).

Compreender como se constroem e operam as categorizações formais e informais é, portanto, um objeto importante para entender como o estado materializa as políticas públicas e constrói práticas de inclusão e exclusão.

Já na perspectiva dos usuários, o processo de categorização tem diferentes efeitos. O primeiro é a determinação do acesso e da elegibilidade, como apontado acima. O segundo efeito é simbólico em termos de construção de estigmatizações vinculadas às categorias operadas (Rothstein 1998Rothstein, B. B. (1998) Just Institutions Matter: The Moral and Political Logic of the Universal Welfare State. Cambridge: Cambridge University Press; Møller & Harrits 2013Harrits, G. S. & Møller, M. (2013) Constructing at-risk target groups. Critical Policy Studies, 7(2), p. 155-176. DOI: 10.1080/19460171.2013.799880
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). Tão importante quanto o que alguém recebe é como ele é tratado durante a implementação (Zacka 2017Zacka, B. (2017) When the State Meets the Street: Public Service and Moral Agency Harvard University Press.). Os encontros geram efeitos cumulativos que se refletem na percepção que o usuário tem sobre si mesmo e nas mensagens que os atores do estado passam a ele (Maynard-Moody & Musheno 2015Maynard-Moody, S. Musheno, M. (2015) Embedded Agency and Inhabited Institutions: Accounting for Patterns in Frontline Worker Judgment In: International Conference on Public Policy (ICPP). Milan, Italy.). Um terceiro efeito do processo de categorização para os usuários se relaciona com as percepções de justiça e legitimidade construídas pelos cidadãos a respeito do Estado. Para que os cidadãos legitimem a ação estatal, eles devem, entre outras coisas, considerar que a implementação das políticas é baseada em procedimentos justos com os quais concordam, em categorias de justiça e merecimento que respaldam e legitimam (Rothstein 1998Rothstein, B. B. (1998) Just Institutions Matter: The Moral and Political Logic of the Universal Welfare State. Cambridge: Cambridge University Press). É por isso que Rothstein (1998)Rothstein, B. B. (1998) Just Institutions Matter: The Moral and Political Logic of the Universal Welfare State. Cambridge: Cambridge University Press aponta que, quanto mais uma política é seletiva (focalizada) e precisa construir categorias restritivas de acesso (contrárias ao universal), mas ela tende a gerar sensações de injustiça e diminuir a legitimidade do Estado. Afinal, a necessidade de operar categorias excludentes – por meio da burocracia – amplia a sensação de que o estado tem poder discricionário para escolher quem recebe o que. Assim, aponta o autor, é muito difícil justificar políticas seletivas sem violar o princípio de que o estado deve tratar a todos da mesma maneira.

Embora o autor esteja falando estritamente da dicotomia entre políticas seletivas e universais, podemos traçar um paralelo entre as políticas universais com ou sem restrição de recursos. Quanto maior a restrição de recursos, maior a pressão para os burocratas decidirem quem terá ou não acesso, seja via categorização por merecimento, seja por direitos. A questão é que políticas universais em contextos de restrição de recursos pressionam os burocratas a tomarem decisões alocativas que geram, na prática, programas seletivos. E, como aponta a literatura, programas seletivos apresentam problemas na implementação na medida em que aumentam discricionariedade na ponta e têm dificuldade de encontrar critérios viáveis de seleção de usuários que não sejam questionáveis pela sociedade (Rothstein 1998Rothstein, B. B. (1998) Just Institutions Matter: The Moral and Political Logic of the Universal Welfare State. Cambridge: Cambridge University Press). Outro paralelo que se pode realizar são as políticas seletivas em contexto de grande desigualdade, na qual é necessário aplicar o princípio da equidade. Nestes casos, exige-se novamente dos burocratas receber a demanda do usuário, classificar e oferecer o atendimento de acordo com sua necessidade distinta. Cabe a discricionariedade dos burocratas definir como aplicar esse princípio e, portanto, diminuir a desigualdade.

IV. Os estereótipos sociais e os julgamentos

Lipsky (2010) e Maynard-Moody & Musheno (2003), discutem que um mecanismo importante que molda os julgamentos dos BNR é o uso dos estereótipos sociais que envolvem possível introdução de preconceitos nos encontros entre o Estado e os cidadãos. Estereótipos são uma ferramenta possível aplicada no raciocínio discricionário e, portanto, são visíveis nas maneiras pelas quais os BNR interpretam informações, dão sentido e justificam seu exercício de discricionariedade (Harrits 2019Harrits, G. S. (2019) Stereotypes in Context: How and When Do Street-Level Bureaucrats Use Class Stereotypes? Public Administration Review, 79(1), p. 93-103. DOI: 10.1111/puar.12952
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).

Como afirma Lipsky (2010) [1980], a diferenciação é intrínseca à burocracia do nível de rua. No entanto, quando este processo se constrói em situações de alta desigualdade, as clivagens podem institucionalizar tendências de estereotipização que refletem processos sociais mais amplos. Os burocratas, como qualquer outro indivíduo da sociedade, pode operar clivagens baseado em diversas formas de preconceitos. Assim, nestes casos, “o estereótipo é cultivado em um contexto no qual se transforma em instrumento para dividir a população atendida em segmentos” (Lipsky 1980, p. 115, tradução nossa).

Tal como as análises das categorias sociais e políticas, os estereótipos existem não apenas como categorias cognitivas individuais, mas também como categorias coletivas que estão embutidas em discursos mais amplos e culturas compartilhadas (Harrits & Møller 2011Harrits, G. & Møller, M. (2011) Categories and categorization: towards a comprehensive sociological framework. Distinktion: Journal of Social Theory, 12(2), p. 229-247. DOI: 10.1080/1600910X.2011.579450
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). Isto reforça a hipótese de que os estereótipos são usados não apenas para reduzir a incerteza cognitiva, mas também para se relacionar com diferentes identidades sociais e grupo.

Ao analisar os estereótipos de classe, Harrits (2019), afirma que podem ser ativados e aplicados com mais força quando os BNR e usuários são de diferentes classes sociais. Em uma pesquisa sobre a atuação de agentes de saúde e professores de pré-escola na Dinamarca, a autora identificou que a ativação de estereótipo é semelhante em contextos sociais com diferença de classe social. No entanto, a aplicação de estereótipos nas decisões finais está condicionada pelo contexto social heterogêneo para os enfermeiros de saúde pública e os professores de pré-escola que trabalham no cuidado da criança. A ativação de estereótipos está relacionada à classe social, entretanto, a aplicação de estereótipos está relacionada tanto a classe social quanto ao contexto social (heterogêneo ou homogêneos). Um contexto social heterogêneo reduz a tendência ao uso de estereótipos, devido ao aumento da flexibilidade mental em contextos mais diversos (Harrits, 2019).

Estereótipos são usados não apenas para interpretar situações concretas, mas também para categorizar usuários e, portanto, influenciar no julgamento sobre merecimento. Ao estigmatizar os usuários, os BNR podem praticar violência simbólica, reproduzir processos estigmatizantes ou mesmo reforçar desigualdades.

A compreensão do uso de categorias e estereótipos como processos sociais também aparece nas obras de Dubois (1999) e outros autores da denominada “sociologia do guichê” francesa. Para estes autores, a atuação dos burocratas precisa ser vista como um processo social mais abrangente, no qual os burocratas atuam ao mesmo tempo como agentes do estado (responsáveis pela materialização das políticas das normas existentes) e como agentes sociais individuais (responsáveis por trazer identidades distintas aos encontros). Eles, portanto, deixam de ser atores impessoais para serem vistos como “agentes sociais com personalidades individuais que, sob certas condições e limites, devem atuar no papel de burocratas impessoais e padronizados”.

Neste processo, e considerando as decisões tomadas no nível da rua, Dubois afirma que os usuários não são passivos, embora tenham menos poder e autoridade do que burocratas. À medida que procuram estratégias para ganhar poder, usam os critérios e categorias dos próprios burocratas para proporem novas formas de obter acesso aos serviços aos quais eles se sentem merecedores. Nesta concepção, a ideia de discricionariedade não aparece apenas nas decisões organizacionais ou individuais dos burocratas, mas sim surge em uma lógica interativa baseada em identidades e posições sociais que criam situações de encontros dramáticos em que cada ator (burocracia e usuário, ou mesmo outros atores burocráticos) têm papéis diferentes, baseados em sentimentos e pensamentos para descobrir quem é o indivíduo na frente deles (Dubois 1999Dubois, V. (1999) La Vie au Guichet: Relation Administrative et Traitement de la Misère, Etudes politiques. Paris: Economica, p. 253-259.).

Dubois demonstra, assim, como os vários usos da discricionariedade, incluindo os julgamentos e categorizações, têm um impacto importante nas formas de acesso dos usuários e, ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo, estes elementos devem ser vistos à luz da posição social dos atores, suas trajetórias e fatores organizacionais, que se tornam inseparáveis para compreender como e por que os burocratas exercem a discricionariedade na construção de práticas que tem impactos includentes ou excludentes.

V. Exemplos de pesquisas empíricas sobre implementação, desigualdades, categorização e julgamento

A partir do levantamento bibliográfico, foram selecionados vinte e um artigos empíricos que trataram da relação entre implementação e BNR. Foram cinco artigos internacionais, três artigos selecionados na base de dados SciELO e treze artigos que fazem parte do livro organizado por Roberto Pires (2019), Implementando Desigualdades. Na base de dados SciELO foram encontrados oito artigos brasileiro com os descritores implementação, política e BNR, sendo apenas três de pesquisas empíricas com foco na análise dos efeitos da atuação dos BNR na implementação da política. Não foram encontrados artigos brasileiros com as palavras-chaves estereótipos, julgamentos, categorização, BNR e desigualdades. Nos 21 artigos (ver o Quadro 1 no apêndice deste artigo) selecionados buscamos identificar duas contribuições para o campo: 1. Implementação e desigualdade; 2. Categorização e Julgamento dos BNR.

Dos treze artigos analisados, sete tiveram como campo de análise políticas da assistência social, cinco da saúde, quatro da educação e outros seis distribuídos entre habitação, desenvolvimento agrário, segurança e justiça. A distribuição demonstra uma concentração no campo da assistência social, saúde e educação, que são áreas estratégicas no combate à desigualdade, mas que trazem dilemas aos implementadores em um contexto que tratar de forma diferente os desiguais.

No que se refere à contribuição sobre a implementação e desigualdade, Møller & Stone (2012)Møller, M. & Stone, D. (2012) Disciplining Disability under Danish Active Labour. Social Policy & Administration, 47(5), pp. 586-604. DOI: 10.1111/j.1467-9515.2012.00835.x
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; Møller & Harrits (2013)Møller, M. & Harrits, G. S. (2013) Prevention at the Front Line: How home nurses, pedagogues, and teachers transform public worry into decisions on special efforts. Public Management Review, 16(4), pp. 447-480. DOI: 10.1080/14719037.2013.841980
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; Harrits & Møller (2013); Møller (2016); Harrits (2019); Milanezi & Silva (2019)Milanezi, J. & Silva, G. M. (2019) Silêncio – reagindo à saúde da população negra em burocracias do sus. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea.; Jaccoud & Abreu (2019)Jaccoud, L. & Abreu, M. C. (2019) Entre o direito e a culpabilização das famílias: o que pensam os trabalhadores do sistema único de assistência social (suas) sobre as ofertas e os beneficiários. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea, Lotta (2019)Lotta, G., & Pires, R. (2019). Street-level bureaucracy research and social inequality. In Research Handbook on Street-Level Bureaucracy. London: Edward Elgar Publishing., Oliveira & Carvalho (2019)Oliveira, B. R. de & Peixoto, M. do C. L. P. (2019) Trazendo à tona aspectos invisíveis no processo de implementação de políticas públicas: uma análise a partir do programa oportunidades. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea, Ferreira et al. (2019)Ferreira, H. R. S.; Natalino, M. A. C. & Santos, M. P. G. (2019) Produção e reprodução de desigualdades pela política criminal. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea., Eiró (2019)Eiró, F. (2019) A “boa implementação” do programa bolsa família: a interação entre assistentes sociais e beneficiárias para além das regras burocráticas. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea., Oliveira e Peixoto (2019)Oliveira, M. M. & Carvalho, C. P. (2019) Enfrentando o fracasso escolar no nível local: a atuação discricionária de professores e diretores escolares na implementação de uma política educacional. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea., e Marins (2019)Marins, M. T. A. (2019) Estigma e repercussões do status de beneficiária. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea., demonstraram como a discricionariedade dos BNR impactam na implementação da política podendo reproduzir ou gerar novas formas de desigualdades. Destes, Ferreira et al. (2019)Ferreira, H. R. S.; Natalino, M. A. C. & Santos, M. P. G. (2019) Produção e reprodução de desigualdades pela política criminal. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea., Oliveira e Peixoto (2019)Oliveira, M. M. & Carvalho, C. P. (2019) Enfrentando o fracasso escolar no nível local: a atuação discricionária de professores e diretores escolares na implementação de uma política educacional. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea., e Marins (2019)Marins, M. T. A. (2019) Estigma e repercussões do status de beneficiária. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea., discutem que além da prática discricionária, o próprio desenho da política pode gerar práticas excludentes, seja nas condicionalidades da política, seja ao reforçar estigmas nos usuários. Já Møller & Stone (2012)Møller, M. & Stone, D. (2012) Disciplining Disability under Danish Active Labour. Social Policy & Administration, 47(5), pp. 586-604. DOI: 10.1111/j.1467-9515.2012.00835.x
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; Harrits & Møller (2013); Møller & Harrits (2013)Møller, M. & Harrits, G. S. (2013) Prevention at the Front Line: How home nurses, pedagogues, and teachers transform public worry into decisions on special efforts. Public Management Review, 16(4), pp. 447-480. DOI: 10.1080/14719037.2013.841980
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; Møller (2016); Harrits (2019); Milanezi & Silva (2019)Milanezi, J. & Silva, G. M. (2019) Silêncio – reagindo à saúde da população negra em burocracias do sus. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea.; Jaccoud & Abreu (2019)Jaccoud, L. & Abreu, M. C. (2019) Entre o direito e a culpabilização das famílias: o que pensam os trabalhadores do sistema único de assistência social (suas) sobre as ofertas e os beneficiários. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea, Lotta (2019)Lotta, G., & Pires, R. (2019). Street-level bureaucracy research and social inequality. In Research Handbook on Street-Level Bureaucracy. London: Edward Elgar Publishing., Oliveira & Carvalho (2019)Oliveira, B. R. de & Peixoto, M. do C. L. P. (2019) Trazendo à tona aspectos invisíveis no processo de implementação de políticas públicas: uma análise a partir do programa oportunidades. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea e Eiró (2019)Eiró, F. (2019) A “boa implementação” do programa bolsa família: a interação entre assistentes sociais e beneficiárias para além das regras burocráticas. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea. avançam nas discussões sobre como os valores individuais dos BNR impactam na implementação da política na ponta, podendo gerar efeitos contrários do esperado no desenho da política. Viana (2019)Viana, R. (2019) Programa Minha Casa Minha Vida-Entidades e sem-tetos “não merecedores”: a atuação da burocracia federal na diminuição de resistências locais. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea e Penna (2019)Penna, C. (2019) Parceria e construção do “perfil de cliente da reforma agrária” como estratégias para a implementação de políticas públicas pelo Incra. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea. demonstraram como arranjos organizacionais de multiníveis contribuíram para constranger práticas excludentes dos BNR. Worcman & Morganti (2019)Worcman, N. & Morganti, R. (2019) O proibicionismo introjetado: a reprodução da violência e exclusão entre os usuários de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea demonstra como o desenho de uma política pautada por valores morais podem perpetuar práticas excludentes. Por fim, Pessoa (2019)Pessoa. O. A. G. (2019) Interações no juizado especial cível: quem fala com quem? In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea. evidencia como o desenho de uma política que não prevê mudanças no comportamento nos profissionais da linha de frente tende a não produzir o efeito desejado.

Na segunda etapa da análise, buscamos identificar nos artigos contribuições para o campo da categorização e julgamento dos BNR. Dos vinte e um artigos analisados, nove contribuem para o avanço no campo, oito contribuem indiretamente e cinco não contribuem. Destes nove que contribuem, cinco são artigos internacionais e quatro brasileiros, o que demonstra que este recorte analítico ainda é bastante incipiente no Brasil.

Nos últimos oito anos, autoras da Dinamarca têm se destacado em pesquisas sobre categorização e julgamentos dos BNRs, principalmente no que tange ao uso de estereótipos. Møller & Stone (2012)Møller, M. & Stone, D. (2012) Disciplining Disability under Danish Active Labour. Social Policy & Administration, 47(5), pp. 586-604. DOI: 10.1111/j.1467-9515.2012.00835.x
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analisaram como os assistentes sociais dinamarqueses que administram benefícios social e licenças médicas julgam e definem, com base na concepção de deficiência, os cidadãos que são elegíveis para a política. Foram selecionadas histórias em que os assistentes sociais categorizaram os usuários em bons e maus cidadãos, bons e maus clientes e bons e maus assistentes sociais. As autoras identificaram que os BNR buscam disciplinar os cidadãos com base nas normas gerenciais.

Já em uma análise comparativa da política preventiva dinamarquesa nas áreas de saúde e educação, Møller & Harrits (2013)Møller, M. & Harrits, G. S. (2013) Prevention at the Front Line: How home nurses, pedagogues, and teachers transform public worry into decisions on special efforts. Public Management Review, 16(4), pp. 447-480. DOI: 10.1080/14719037.2013.841980
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objetivaram compreender como ocorre a identificação de grupos que são considerados de risco. Pesquisaram documentos das políticas em busca das relações entre categorias políticas, categorias sociais, percepções de normalidade e risco. As autoras identificaram que as categorias sociais e o senso comum desempenham um papel importante na construção de grupos-alvo a partir de padrões sobre normalidade julgados pelos profissionais.

Møller & Harrits (2013)Møller, M. & Harrits, G. S. (2013) Prevention at the Front Line: How home nurses, pedagogues, and teachers transform public worry into decisions on special efforts. Public Management Review, 16(4), pp. 447-480. DOI: 10.1080/14719037.2013.841980
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analisam o impacto do estilo de vida e percepções de normalidade quando os BNRs (pedagogos, enfermeiros e professores) têm que transformar preocupações públicas não especificadas em esforços preventivos. Segundo as autoras, os BNRs responsáveis pela implementação de políticas preventivas não se vêm como “seguidores de regras”, ou seja, agentes estatais, mas sim como agentes-cidadãos e, embora altamente estruturadas, as práticas discricionárias diárias são frequentemente baseadas no raciocínio intuitivo e nos julgamentos pessoais, referindo-se a uma concepção de normalidade social.

Em uma nova pesquisa com assistentes sociais dinamarqueses, Møller (2016) buscou compreender o que direciona a discricionariedade dos BNRs em ambientes com regras limitadas. A autora identificou que a identidade profissional, as regras e os estereótipos influenciam a discricionariedade na categorização dos clientes. Por fim, constatou que a categorização pode ser realizada com baseada empírica ou em normas.

Harrits (2019), por sua vez, em um estudo sobre os BNRs identificou que os estereótipos estão relacionados a incertezas cognitivas e sociais. A pesquisa constatou que o uso do estereótipo é condicionado pelas diferenças de classes e pelos contextos sociais. Por fim, o autor sugeriu que para diminuir os estereótipos utilizados pelos BNR, deve-se aumentar a heterogeneidade social.

Lotta (2019)Lotta, G., & Pires, R. (2019). Street-level bureaucracy research and social inequality. In Research Handbook on Street-Level Bureaucracy. London: Edward Elgar Publishing., em uma pesquisa sobre a atuação dos agentes comunitários de saúde (ACS) no Brasil, também identificou mecanismos de construção e uso decategorização e julgamento dos usuários. Por sua vez, a autora destaca que a discricionariedade dos BNRs pode gerar consequências em termos de inclusão e exclusão no acesso aos serviços de saúde. A pesquisa identificou que a inclusão ocorre quando o BNR adapta suas ações ao território, em contrapartida, a exclusão ocorre quando as decisões são baseadas apenas em sistemas de julgamento normativo segmentando os usuários.

Oliveira & Carvalho (2019)Oliveira, B. R. de & Peixoto, M. do C. L. P. (2019) Trazendo à tona aspectos invisíveis no processo de implementação de políticas públicas: uma análise a partir do programa oportunidades. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea e Camargo & Carvalho (2019)Camargo, F. P. de & Carvalho, C. P. (2019) O Direito à Educação de Alunos com Deficiência: a Gestão da Política de Educação Inclusiva em Escolas Municipais Segundo os Agentes Implementadores. Revista Brasileira de Educação Especial, 25(4), pp. 617-634. DOI: 10.1590/s1413-65382519000400006
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baseiam suas análises em Maynard-Moody & Musheno (2003). Ambas as pesquisas identificaram critérios informais nos julgamentos e classificações de alunos no que tange às decisões de diretores e professores em alocar os alunos em turmas especiais. As pesquisas afirmam que os julgamentos do que seria o perfil ideal de aluno e a estigmatização dos maus alunos, define sua trajetória dentro da escola. Isto é, uma atenção especial aos merecedores, alocando-os em turmas especiais, e uma atenção inferior aos não merecedores, reforçando sua dificuldade de aprendizado. Desta maneira, a pesquisa deixa claro que a percepção que o BNR tem da política pode alterar significativamente o curso de ação que resolve seguir.

Camila Penna (2019)Viana, R. (2019) Programa Minha Casa Minha Vida-Entidades e sem-tetos “não merecedores”: a atuação da burocracia federal na diminuição de resistências locais. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea analisa os esforços dos agentes da reforma agrária de um assentamento na região Norte do Brasil na adaptação da legislação às situações locais no processo de certificação da ocupação dos lotes. Segundo a autora, as informações muito abrangentes fornecidas pelos BNR classificam se a família é merecedora de permanecer no lote ou se deve ser expropriada. Apesar também de não utilizar os conceitos de categorização, a autora desenvolve sua análise com base na teoria do guichê de Dubois (1999) ao discutir o “perfil de cliente da reforma agrária”.

Por fim, Eiró (2019)Eiró, F. (2019) A “boa implementação” do programa bolsa família: a interação entre assistentes sociais e beneficiárias para além das regras burocráticas. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea. discute que os esforços dos assistentes sociais para melhor aplicar os recursos do programa estão enraizados em suas representações da pobreza, que distinguem pobres “merecedores” e “não merecedores” da assistência social. Apesar da análise de categorização não ser o objetivo central do artigo, o autor deixa claro a necessidade de romper a reprodução de formas implícitas de classificação social em sua própria estrutura, as quais põem em risco o acesso irrestrito de cidadãos aos seus direitos sociais. Tal como Pena, utiliza como base a teoria do guichê de Dubois (1999).

Encontramos ainda pesquisadores nacionais que contribuem indiretamente nos estudos sobre categorização. Neste sentido, alguns autores têm analisado como os valores individuais dos BNR interferem na sua atuação durante a interação com os usuários. Milanezi e Silva (2019) e Jaccoud e Abreu (2019) analisam com base na falta de dissonância entre a política e os valores e práticas individuais dos BNR. O primeiro trabalho discute o silêncio dos profissionais do SUS em relação ao racismo e à saúde da população negra. A prática do silêncio é considerada resistência, desconhecimento e ausência de expedientes estatais. O segundo trabalho reconhece que a interação entre os BNR e os usuários é atravessada por categorias discursivas, percepções e valores heterogêneos, e, em alguns casos, divergentes ou em disputa. Desta maneira, ambos consideram que os valores que atravessam a atuação dos BNR na sua interação com os usuários têm o potencial de afetar suas decisões e influir na execução da política.

Ferreira et al. (2019)Ferreira, H. R. S.; Natalino, M. A. C. & Santos, M. P. G. (2019) Produção e reprodução de desigualdades pela política criminal. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea. discute a prática de julgamento envolvidos pelos BNR. Apesar de contribui empiricamente ao reforçar que a discricionariedade aplicada na ação dos agentes é condicionada por certos atributos do cidadão, não dialoga teoricamente com este tema. Embasa a sua análise em Lipsky (2010) e na teoria criminológica. Isto é, não avança na análise sociológica de como estes valores sociais e individuais ativam as categorizações dos BNR.

Oliveira & Peixoto (2019) e Marins (2019)Marins, M. T. A. (2019) Estigma e repercussões do status de beneficiária. In. R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea. e Bega e Santos (2019)Bega, M. T. S. & Santos, V. V. Pe. dos. (2019) Famílias “da fila” versus famílias “da ocupação”: a reprodução institucional de status diferenciado entre famílias atendidas pelo programa Minha Casa Minha Vida em Curitiba. In. Pires, R. R. C. (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea., analisam as bases da regulação moral nas interações em torno da manutenção ou exclusão do usuário. O primeiro trabalho deixa claro que questões morais e ideologias influenciam nas relações com os agentes de base alinhados aos princípios do liberalismo econômico, dentre os quais se destacam a individualização do acesso a bens públicos e a provisão privada. Já o segundo discute os estigmas que as beneficiárias dos programas de transferência de renda sofrem por parte da sociedade e dos cadastradores. O terceiro trabalho demonstra como o contexto do trabalho social pode reproduzir desigualdades e reforçar estigmas. Desta maneira, tais pesquisas contribuem para o campo de categorização ao avançar nas discussões sobre os BNR como agentes que carregam consigo conhecimentos, valores sociais e individuais, vivências profissionais e institucionais anteriores que permeiam suas relações com os usuários.

Por fim, Lotta (2018)Lotta, G. (2018) Burocracia, redes sociais e interação: uma análise da implementação de políticas públicas. Revista de Sociologia e Política, 26(66), pp.145-173. DOI: 10.1590/1678-987318266607
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, apesar de não trabalhar com o conceito de categorização e julgamento, avança neste debate indiretamente mostrando que a atuação discricionária dos BNR é altamente influenciada por suas trajetórias profissionais e perfil relacional.

Em uma síntese da literatura nacional e internacional sobre BNR, Cavalcanti et al. (2018)Cavalcanti, S. & Lotta, G. S. & Pires, R. R. C. (2018) Contribuições dos estudos sobre burocracia de nível de rua. In: R. Pires, G. Lotta & V. E. Oliveira Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas. Brasília: Ipea. sugerem que os pesquisadores têm produzidos diferentes recortes analíticos em estudos sobre BNR, como: análise das interações; análise dos indivíduos; análise das organizações; análise de diferentes políticas; análise da atuação de burocratas de diferentes profissões, análise das políticas em diferentes países e estados. Como é possível perceber na análise dos vinte e um artigos aqui realizada, as maiores contribuições para o campo da implementação e desigualdade estão primeiramente dentro do recorte analítico das interações entre burocratas e usuários e em segundo lugar a no recorte das organizações. No que tange às contribuições para o campo da categorização e julgamentos, as pesquisas possuem recortes analíticos mistos (atuação, indivíduo e interação), visto que a literatura demonstra que a atuação do BNR é determinada no momento da interação e passa pelo filtro de sua história individual. Neste caso, um recorte analítico único não seria suficiente para compreender a atuação do BNR. Desta maneira, propomos a inserção de mais um recorte analítico na lista de Cavalcanti et al. (2018)Cavalcanti, S. & Lotta, G. S. & Pires, R. R. C. (2018) Contribuições dos estudos sobre burocracia de nível de rua. In: R. Pires, G. Lotta & V. E. Oliveira Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas. Brasília: Ipea., que seria a própria “categorização e o julgamento”. Este recorte seria composto pela junção da análise da atuação, do indivíduo e da interação.

Por fim, foi possível identificar que as pesquisas realizadas reforçam a afirmação de Lipsky (1980) de que os BNRs são indivíduos que podem reproduzir estereótipos. Dessa forma, é possível perceber que, mesmo na implementação de políticas destinadas à compensação de desvantagens de grupos historicamente desfavorecidos, diversos são os fatores que podem contribuir para uma eventual (re)produção de desigualdade. Tendo em vista que as ações dos BNR podem promover processos includentes ou excludentes que afetam a (re)produção ou redução de desigualdades, a compreensão dos fatores que influenciam nas decisões e ações discricionárias dos BNR é essencial para o campo de implementação de políticas públicas, principalmente em um país marcado por tantas desigualdades e heterogeneidades.

VI. Considerações finais: novas agendas de pesquisa

Este artigo teve como objetivo apresentar dimensões teóricas e analíticas que permitam conectar a discussão sobre implementação de políticas públicas às questões sobre desigualdades, inclusão e exclusão social na atuação dos BNR.

Considerando a recente experiência brasileira de acesso universal aos serviços sociais e o enfrentamento das desigualdades, entendemos que é essencial avançar em uma literatura de análise de políticas públicas que permita compreender os efeitos da implementação das políticas para além dos resultados previstos e de sua dimensão material. A compreensão de como os usuários são tratados e em que medida há justiça e imparcialidade no tratamento, como proposto por Rothstein &Theorell (2008)Rothstein, B. O. & Teorell, J A. N. (2008) What Is Quality of Government? A Theory of Impartial Government Institutions. Governance, 21(2), pp.165–90. DOI: 10.1111/j.1468-0491.2008.00391.x
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, é parte fundamental da construção de estados democráticos de direito. Desta maneira, propomos aqui um avanço na agenda de pesquisa sobre implementação de políticas públicas que tenham a categorização e o julgamento dos BNR como recorte analítico. Estamos falando desde pesquisas que visam compreender como os profissionais realizam essas categorizações e até as estratégias gerenciais que visem minimizar e alinhar a atuação do burocrata aos objetivos da política, tal como a proposta do aumento do perfil da diversidade dos burocratas (Eiró 2019Eiró, F. (2019) A “boa implementação” do programa bolsa família: a interação entre assistentes sociais e beneficiárias para além das regras burocráticas. In: R. R. C. Pires (org). Implementando Desigualdades: Reprodução de Desigualdades na Implementação de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ipea.). Como foi identificado, as pesquisas já produzidas se concentram no campo da saúde, assistência social e educação. Sendo assim, consideramos ser necessário o avanço em políticas de inserção no mercado de trabalho, políticas raciais, migração etc. A compreensão de como os BNR categorizam os usuários, dos fatores que influenciam este processo de categorização e de seus efeitos em termos de desigualdade de acesso e construção de identidades são elementos centrais para o avanço das pesquisas sobre implementação de políticas no Brasil com foco em desigualdades.

Neste artigo, buscamos contribuir com esta agenda, demonstrando como várias abordagens teóricas têm compreendido e analisado este fenômeno a partir da ótima dos julgamentos e uso de categorizações sociais e como, por uma análise mais sociológica da implementação, podemos compreender os efeitos materiais e simbólicos produzidos por políticas cuja intenção original era diminuir desigualdades.

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    Agradecemos à Enap pelo financiamento à pesquisa a partir do programa de Cátedras e agradecemos à Fapesp pelo financiamento à pesquisa sob o processo 2019/13439-7, CEPID CEM.
  • A produção desse manuscrito foi viabilizada através do patrocínio fornecido pelo Centro Universitário Internacional Uninter à Revista de Sociologia e Política.

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Apêndice

Quadro 1
Artigos sobre BNR, implementação, categorização e desigualdades

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2019
  • Aceito
    03 Set 2020
  • Recebido
    09 Out 2020
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