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A Economia Política nas Ciências Sociais no Brasil: escopo, trajetória e perfil dos artigos

Political Economy in Social Sciences in Brazil: scope, trajectory and profile of papers

RESUMO

Introdução:

O artigo resgata a trajetória da Economia Política, para definir essa área e disciplina. Em seguida, analisa a produção de artigos acadêmicos, no decênio 2009-2018, na subárea de Economia Política nas Ciências Sociais no Brasil. Busca evidenciar o relativo enfraquecimento dessa subárea nas últimas décadas. Os objetivos foram definir critérios de inclusão dos artigos na área de economia política; identificar os temas específicos que têm sido pesquisados e os recursos metodológicos adotados; avaliar os resultados encontrados e sugerir caminhos institucionais e de pesquisa para o desenvolvimento da Economia Política nas Ciências Sociais.

Materiais e Métodos:

A metodologia identifica, quantifica e distingue os conteúdos de artigos de Economia Política publicados em nove periódicos nacionais A1, A2 e B1, conforme a classificação em vigor do Qualis Periódicos da Capes para a Ciência Política e Relações Internacionais.

Resultados:

Conclui que os economistas lideram a produção, especialmente das temáticas do desenvolvimento e da macroeconomia. Na economia política internacional, há uma distribuição equilibrada de artigos entre o periódico diretamente vinculado à subárea analisada e as revistas mais próximas das ciências sociais stricto sensu, nas quais, por outro lado, predominam conteúdos das políticas sociais e das instituições políticas.

Discussão:

O desenvolvimento da subárea passa pela construção de pontes teórico-metodológicas e redes institucionais entre a economia e a política.

PALAVRAS-CHAVE
economia política; ciências sociais; ciência política; artigos; Brasil

ABSTRACT

Introduction:

The article rescues the trajectory of Political Economy, to define this area and discipline. Then, it analyzes the production of academic papers, in the decade 2009-2018, in the subarea of Political Economy in Social Sciences in Brazil. It seeks to show the relative weakening of this subarea in recent decades. The objectives were to define criteria for inclusion of papers in the area of political economy; identify the specific themes that have been researched and the methodological resources adopted; evaluate the results found and suggest institutional and research paths for the development of Political Economy in Social Sciences.

Materials and Methods:

The methodology identifies, quantifies and distinguishes the content of papers of Political Economy published in nine national journals A1, A2 and B1, according to the current classification of Capes Qualis Periodicals for Political Science and International Relations.

Results:

It concludes that economists lead production, especially on the themes of development and macroeconomics; in international political economy, there is a balanced distribution of papers between the journal directly linked to the subarea analyzed and the journals closest to the social sciences stricto sensu, in which, on the other hand, content of social policies and political institutions predominates.

Discussion:

The development of the subarea involves the construction of theoretical-methodological bridges and institutional networks between economics and politics.

KEYWORDS
political economy; social sciences; political science; papers; Brazil

I. Introdução

Em 2015, a ciência política completou seis décadas de institucionalização no Brasil. Na ocasião, a efeméride ensejou eventos e publicações para avaliar a trajetória dessa subárea das ciências humanas. Em uma delas, uma coletânea pluralista na abordagem e na temática, organizada por Avritzer, Milani e Braga (2016)Avritzer, L., Milani, C. & Braga, M. do S. (2016) A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV., todos então diretores da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), principal entidade acadêmica dos politólogos no país, não há nenhum capítulo especificamente dedicado à área temática Política e Economia (ATPE) ou à Economia Política (EP).

No início da década passada, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), principal organização acadêmica das Ciências Sociais (CS), também havia publicado uma obra panorâmica do campo da ciência política (Martins & Lessa, 2010Martins, C. B. & Lessa, R. (orgs) (2010) Horizontes das Ciências Sociais no Brasil: Ciência Política. São Paulo: Barcarola, Discurso Editorial, Anpocs, pp. 163-189.). Nela, a mesma ausência da temática Política e Economia/Economia Política só não se deu por completo por um dos artigos da coletânea abordar as relações entre democracia e Estado de bem-estar social no Brasil, subtema que, nas instituições das ciências sociais, especialmente na Ciência política, transita entre a área de políticas públicas e a interface aqui abordada.

Um rápido exame do percurso institucional da Economia Política nos grupos de trabalho da ANPOCS e da ABCP pode ampliar a evidência de que, desde meados dos anos 2010, ela parece perder importância para outras áreas temáticas. Infelizmente, não temos dados completos sobre os Encontros da ABCP, uma vez que essa entidade não arquivou informações sobre os sete primeiros encontros, apenas dos quatro últimos (8º ao 11º), ocorridos entre 2012 e 2018. Sabemos que a área de Política e Economia existe desde a fundação dessa associação, tendo sido liderada por Eduardo Kugelmas até 2006, mas, nos últimos anos, aparenta ter importância institucional relativamente menor do que já teve no passado.

A ANPOCS foi criada em 1977. Em seu 2º Encontro Anual (1978), já houve o Grupo de Trabalho (GT) Elites Políticas, que, até meados dos anos 1990, abrigou trabalhos e pesquisadores da ATPE, embora seu temário também contemplasse instituições e partidos. Esse GT foi liderado pelos seguintes pesquisadores: Aspásia Camargo (UERJ), Eli Diniz (UFRJ), Maria Antonieta Leopoldi (UFF), Renato Lessa (UFF) e Sergio Micelli (USP). De modo paralelo, mas também com algumas seções conjuntas e circulação de pesquisadores entre um e outro grupo, funcionou, de 1982 a 2000, o GT Política e Economia, liderado por Brasílio Sallum Junior (FESP-SP e USP), Eduardo Kugelmas (USP), José Luiz Fiori (UFRJ) e Lourdes Sola (USP)1 1 A relação de siglas que aparece ao final do artigo não inclui os nomes destas Universidades, visto que são instituições bastante conhecidas pela comunidade acadêmica (N. E.). . Após o ano 2000, esse GT passou por sucessivas mudanças de denominação, até desaparecer em 2016: Empresariado e Ação Coletiva (2002-2003, Eli Diniz e Otávio Dulci); Desenvolvimento, Democracia e Instituições (2005-2006, Eli Diniz, Jorge Tápia [UNICAMP] e Maria Antonieta Leopoldi); Desafios e Dimensões Contemporâneas do Desenvolvimento (2008-2009, Eduardo Condé [UFJF] e Wagner Pralon Mancuso [USP]); Desenvolvimento em Perspectiva – Teorias, Desenvolvimentos e Projetos Políticos (2011-2012, Eduardo Condé e Francisco Fonseca [FGV-SP]); Desenvolvimento: Debate Contemporâneo, Experiências e Projetos (2013, Eduardo Condé e Francisco Fonseca); Desenvolvimento: Caminhos e Descaminhos de um Debate Contemporâneo (2014-2015, Eduardo Condé e Francisco Fonseca). Ou seja, na ANPOCS, a trajetória da ATPE parte, por assim dizer, de uma supersafra (anos 1980 até meados de 1990), para uma safra normal, desde o final dos anos 1990 até a primeira década desse século, até entrar em decadência e desaparecer na segunda década. Por outro lado, constatamos que, desde 1980, temas de EP também aparecem em uma miríade de GTs e STs, como os que tratam de políticas públicas, de sociologia econômica e de trabalho.

Na década atual, no entanto, houve considerável expansão da pós-graduação em Ciência Política e Relações Internacionais no Brasil (Marenco, 2016Marenco, A. (2016) Cinco décadas de ciência política no Brasil: institucionalização e pluralismo. In: L. Avritzer., C. Milani & M. do S. Braga (orgs.). A ciência política no Brasil: 1960- 2015. Rio de Janeiro: FGV, pp. 141-163.). Esse mesmo autor fez um levantamento da produção de artigos da revista Dados por áreas temáticas, desde seu surgimento, em 1966, até 2014. Na década de 1960 (1966-1969), a Economia Política (EP) ocupava a primeira posição (26,8% das publicações), secundada por Atores e Ação Coletiva (AT) e por Instituições Políticas (IP), ambas com 19,5%. Na década de 1970, IP passou à liderança, com 23,5%; EP caiu para a segunda posição, com 21%, vindo logo em seguida a área AT, com 20,2% dos artigos. Nos anos 1980, EP seguiu em queda, descendo para a terceira posição, com 13,8%. Recuperou o segundo posto nos anos 1990, com 17,9%, quando Políticas Públicas (PP) passou a liderar (19,3%). A queda da EP prosseguiu nos anos 2000, alcançando o piso de 8,4%. O último registro fornecido por Marenco é de 2010, quando a EP estava em quinto lugar, com 11,4%.2 2 Apesar do título da tabela de Marenco (2016) referir-se ao período 1966-2014, o último dado fornecido é de 2010.

A expansão do Sistema Nacional de Pós-Graduação tem a ver com as políticas públicas executadas pelo Ministério da Educação entre 2003 e 2016, nas administrações federais encabeçadas pelo PT, visando ampliar o acesso às universidades públicas, melhorar a qualificação dos docentes e aproximar pesquisa científica e setor produtivo.3 3 Consultar Capes (2010). O objetivo governamental com a expansão da pós-graduação foi servir ao desenvolvimento, um tema simultaneamente de política e de economia, um tema de Economia Política. Nesse período, também emergiu, acoplada à perspectiva do desenvolvimento, a questão da justiça social, do combate às desigualdades, que ensejou uma safra inédita de políticas sociais e de direitos, bem como de pesquisas acadêmicas. Apesar da área de EP nas CS ter navegado nessa temática ampliada do desenvolvimento, parece não tê-lo feito com o impacto necessário à sua maior expansão institucional, com exceção do que se passa na economia acadêmica, nos seus cursos, centros de pesquisa e periódicos. A despeito da emergência de uma onda de novos trabalhos relacionando desenvolvimento e Estado, instituições políticas, burocracia e políticas públicas (sobretudo as econômicas e sociais), tal produção, em certa medida, fragmentou-se na ANPOCS e na ABCP.

Essas informações evocam um balanço amplo da área de EP nas CS brasileiras. Quais as causas de seu enfraquecimento? Os rumos teóricos e institucionais da especialização ocorrida nas CS e na Ciência política em particular, que têm relação, entre outros, com a influência acadêmica externa, explicam as suas tendências temáticas e metodológicas? Aparentemente, sim. Qual é a influência das exigências das instituições de fomento? Embora essa abordagem do problema seja essencial, ela não será explorada aqui.

Nossa proposta é dar uma contribuição modesta ao referido balanço, analisando a produção recente de EP nas CS no Brasil, com especial foco na Ciência política, na Sociologia e, naturalmente, nos trabalhos de economia situados nessa interface. O procedimento metodológico aqui usado para alavancar essa contribuição ao referido balanço envolve a identificação, a quantificação e a classificação temática de artigos de EP publicados por pesquisadores brasileiros em nove periódicos nacionais de classificação A1, A2 e B1, segundo o Qualis Periódicos da Plataforma Sucupira da Capes correspondente à Ciência Política e Relações Internacionais.4 4 Escolhemos periódicos A1, A2 e B1, pois, pertencendo aos extratos superiores do Qualis, têm especial importância na avaliação da produção científica dos programas de pós-graduação realizada pela Capes. O período selecionado é o decênio 2009-2018, quando temas de EP, em diversas perspectivas teóricas, estiveram no centro do debate público brasileiro (e. g. Lara Resende, 2017Lara Resende, A. (2017) Juros, moeda e ortodoxia: teorias monetárias e controvérsias políticas. São Paulo: Portfolio.; Bresser-Pereira, 2018Bresser-Pereira, L. C. (2018) Em Busca do Desenvolvimento Perdido: um Projeto Novo-desenvolvimentista Para o Brasil. Rio de Janeiro: FGV Editora.). Os A1 são: Revista Dados, Revista de Economia Política, Revista Opinião Pública e Revista de Sociologia Política; A2: Revista Lua Nova, Revista Novos Estudos, Revista Brasileira de Ciências Sociais e Brazilian Political Science Review; por fim, o periódico B1 é a Revista Brasileira de Ciência Política.

Além desta introdução, o artigo está dividido da seguinte forma. Na seção II, delimitamos a área e estabelecemos critérios para a inclusão dos artigos selecionados na referida área temática. Na seção III, identificamos tanto os temas específicos que têm sido objeto de pesquisa como os recursos metodológicos utilizados. Por fim, na seção IV, avaliamos, em termos gerais, os resultados encontrados e sugerimos alguns caminhos institucionais e de pesquisa visando ao desenvolvimento da EP no Brasil.

II. A economia política como disciplina e campo de estudos

II.1 Do surgimento da economia política à cisão metodológica do século XIX

Esta seção faz uma incursão na trajetória da EP, narrando as abordagens que emergiram. Visamos mostrar que, embora a ruptura operada pela revolução marginalista, na segunda metade do século XIX, tenha implicado em que a abordagem original da disciplina passasse a ser uma entre outras perspectivas, ela persistiu e preservou sua relevância com a abertura de novos campos de pesquisa ao longo do século XX.5 5 No processo da revolução marginalista, a disciplina passou a ser chamada de economics (ciência da economia). Isso se explica por que, ao lidar com a interseção da economia e da política, ela investiga questões que a especialização disciplinar e apartada uma da outra não dá conta de fazê-lo. As instituições interligam-se aos processos políticos e econômicos, constituindo uma totalidade, o que justifica seu tratamento inter-relacionado. Mencionaremos aqui diferentes paradigmas teóricos marcantes na EP, para delimitar seu conceito e, na seção seguinte, identificar e classificar os conteúdos temáticos da produção de artigos acadêmicos nessa subárea no Brasil.

O surgimento da EP remonta à obra de Adam Smith (1937)Smith, A. (1937) [1776] The Wealth of Nations New York: The Modern Library. Disponível em: <bit.ly/2TNchIi>. Acesso em: 26 de ago. 2021.
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[1776], que apresentou, de modo sistêmico, integrado e claro, vários dos temas que constituíam, há alguns séculos, o debate sobre economia. Smith mobilizou amplo conhecimento histórico para abordar conceitos e temas fundamentais, incluindo divisão do trabalho, produtividade, capital, moeda, valor, preço, distribuição e comércio. Ele concebe a EP “como um ramo da ciência de um estadista ou legislador” e seus dois objetivos são propiciar “uma renda ou subsistência abundante para o povo”, além de “fornecer ao Estado ou à comunidade uma receita suficiente para os serviços públicos”.6 6 Os autores traduziram as citações, que estão em bit.ly/2TNchIi. Acesso: 26 de ago. 2021.

Em sua obra máxima, Smith dialoga com um conjunto de pensadores, aos quais denomina mercantilistas, que haviam escrito sobre questões práticas, como comércio, tarifas, proteção, moedas e juros. Não compunham uma escola de pensamento. Havia diferenças entre eles, mas todos se preocupavam com o fortalecimento econômico e a riqueza dos reinos, países, nações e, para tanto, propunham intervenção estatal, criação de fábricas e políticas para garantir uma balança comercial positiva (Magnusson, 2003Magnusson, L. (2003) Mercantilism. In: W. Samuels., J. Biddle & J. Davis (eds) A Companion to the History of Economic Thought.Malden: Blackwell. DOI: 10.1002/9780470999059
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).

Por sua vez, Smith enfatiza que a indústria e o trabalho são a base da riqueza. Concebe a divisão do trabalho como essencial para explicar a diferença de riqueza entre as nações, uma vez que, propiciando a produção mais eficiente e barata de bens, torna-os acessíveis às diversas classes sociais. Por isso, um trabalhador inglês vive melhor que um príncipe africano.7 7 A divisão do trabalho põe em primeiro plano a produtividade, considerada essencial, dois séculos depois, pelos modelos de explicação do crescimento econômico.

Influenciado pela física, Smith argumenta que as fontes da prosperidade estão no universo econômico, regido pelo interesse, pelo empreendedorismo e pela divisão do trabalho.8 8 Segundo Domingues (1991), ao buscar entender os princípios responsáveis pelo bom funcionamento do sistema econômico, Smith influenciou-se pelo modelo de ciência de Isaac Newton. Se este encontrou a gravitação universal, Smith viu no interesse individual a força de caução do sistema econômico. Giannetti (1993)Gianetti, E. (1993) Vícios privados, benefícios públicos? São Paulo: Companhia das Letras. enfatiza que a principal contribuição de Smith foi argumentar que a interação das atividades de um grande número de indivíduos e empresas, cada qual buscando defender seu próprio interesse, conduz à formação de uma ordem espontânea, que, ao alocar eficientemente os recursos produtivos (terra, capital e trabalho), gera prosperidade. Cabe ao poder público preservar e, com algumas ações complementares, aperfeiçoar o funcionamento dessa ordem.

Há em Smith uma junção entre a moral e a economia. Rosanvallon (1979)Rosanvallon, P. (1979) Le capitalisme utopique: critique de l’ideologie économique. Paris: Seuil. avalia que o pai da economia política apreende a esfera econômica como a fonte explicativa da ordem social estável, questão cara aos pensadores modernos desde Thomas Hobbes. A economia é uma esfera espontânea e de sociabilidade, pela qual as pessoas alcançam a prosperidade e o bem-estar material. Segundo Cerqueira (2004)Cerqueira, H. (2004) Adam Smith e o Surgimento do Discurso Econômico. Revista de Economia Política, 24(3), pp. 433-453. DOI: 10.1590/0101-35172004-1613
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, tal concepção foi a condição para esta área do conhecimento emancipar-se da moral e da ciência do Estado. A orientação das ações econômicas para o bem da sociedade fornece uma consistente justificativa para a autonomia disciplinar da economia.

Para Gamble (1995)Gamble, A. (1995) The New Political Economy. Political Studies, 43(3), pp. 516-530. DOI: 10.1111/j.1467-9248.1995.tb00320.x
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, o mérito de Smith foi menos ofertar teorias novas do que combinar, com inovação, três diferentes discursos que passarão a constituir o campo da EP. Um discurso científico visando entender o funcionamento do sistema social e econômico. Havia muitos estudos sobre moeda, comércio, fontes da riqueza, mas nenhum aproximou-se da sistematização existente na obra do pensador escocês. Outro discurso de Smith foca nas políticas práticas e reflete sobre o melhor modo de regular e promover a riqueza e de aumentar a arrecadação. Enfim, há o discurso normativo das formas exitosas do sistema social e da relação entre o Estado e o mercado.

A reflexão de Smith delimitou uma linguagem, ideias, conceitos e objetivos para economistas de toda a Europa, estimulando o debate ao longo do século XIX (Screpanti & Zamagni, 2005Screpanti, E. & Zamagni, S. (2005) An Outline of the History of Economic Thought. New York: Oxford University Press. DOI: 10.1093/0199279144.001.0001
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). A EP clássica era abordada a partir das relações socioeconômicas entre os homens e conservava o diálogo entre os três discursos: o entendimento das leis de funcionamento da economia, a identificação dos processos e políticas que tornam os países mais ricos e promovem o bem geral e os contornos que o sistema social deveria ter.

Outro economista clássico importante foi David Ricardo, sendo sua teoria das vantagens comparativas uma das mais conhecidas e influentes em toda a história da ciência econômica. Ela teve grande impacto no acirrado processo decisório de extinção, em 1846, dos protecionismos comerciais das Corn Laws, vigentes desde 1815. O primeiro ministro Robert Peel, do Partido Conservador, assim como o industrial Richard Cobden, de orientação liberal, fizeram explícitas referências a Smith e Ricardo em sua campanha política pela revogação dessa legislação (Irwin, 1989Irwin, D. (1989) Political Economy and Peels Repeal of the Corn Laws.Economics and Politics, 1(1), pp. 41-59. DOI: 10.1111/j.1468-0343.1989.tb00004.x
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). Esse capítulo da história do Reino Unido, que envolveu debate de ideias, conflitos de interesses e decisões do Estado, ilustra a interdependência da relação entre a economia e a política.

Mas abre-se na década de 1870 um processo de inflexão na ciência econômica. A economia política clássica, que encontrara seu auge com John Stuart Mill, perde força como paradigma de pesquisa (Deane, 1980Deane, P. (1980) A evolução das idéias econômicas. Rio de Janeiro: Zahar Editores.). O cenário crítico não garantia que o paradigma seria automaticamente substituído por outro e tampouco antecipava o que sucederia. Entretanto, diversos fatores confluíram para a ascensão do pensamento marginalista, que trazia em seus fundamentos o repúdio à teoria clássica e a defesa de uma abordagem subjetiva do valor.

A revolução marginalista destaca-se principalmente pelo método e pela nova forma de se fazer ciência. Edifica-se uma visão diferente da ciência econômica, fundada em uma teoria da escolha e no conceito de equilíbrio, tomado emprestado da física. A economia é abordada a partir do comportamento maximizador dos agentes, vistos como sujeitos inseridos em contextos de restrições. Isso ensejará a sistematização (expressão) das questões em termos matemáticos. A economia torna-se a mecânica da utilidade e do interesse individual, para usar a expressão de Jevons; abstrai as classes e foca nas relações psicológicas entre atores e bens (Deane, 1980Deane, P. (1980) A evolução das idéias econômicas. Rio de Janeiro: Zahar Editores.). Torna-se uma ciência abstrata, que dispensa a história; conflitos de classe e diferenças institucionais são vistos como exógenos e relacionados a disciplinas como a História e a Sociologia econômicas. O centro da investigação é também voltado ao equilíbrio parcial e a economia torna-se essencialmente microeconômica. Apenas com Keynes a macroeconomia emergirá e somente no pós-guerra a estática jevoniana será substituída pela economia do crescimento, também alavancada pelos princípios neoclássicos.

Mesmo abrindo mão de questões-chave, o marginalismo promoveu um avanço considerável na ciência econômica. Ofereceu uma análise estática que, nas palavras de Marshall (1997)Marshall, A. (1997) Princípios de Economia. In: R. Carneiro(org.) Os Clássicos da Economia. Volume 2. São Paulo: Ática., garantiu melhor fixidez às ideias e melhor compreeensão de certas relações ou objetos, sendo um primeiro passo para se entender realidades mais complexas. Mostrou-se também muito útil à formação de profissionais para as empresas que se fortaleciam e forneceu a base teórica nos cursos emergentes de Economia. A nova abordagem tratava de questões com apelo prático; por meio dessa ciência, profissionais dos negócios dialogavam com problemas que desafiavam sua própria empresa (Deane, 1980Deane, P. (1980) A evolução das idéias econômicas. Rio de Janeiro: Zahar Editores.).

A compreensão da particularidade da abordagem neoclássica marginalista e de sua influência no curso da ciência econômica é muito bem ilustrada pelo contraste com outro paradigma, também presente na segunda metade do século XIX, a Escola histórica alemã. Ela possuía uma abordagem metodológica muito diferente, crítica da ciência econômica britânica e da tríade utilitarismo, individualismo, liberalismo. Em contraposição, defendia o historicismo, o institucionalismo, o intervencionismo, o pragmatismo e criticava teorias abstratas. Apoiando-se na história, buscava constatar regularidades, mas atribuía grande importância às instituições existentes, uma vez que também valorizava o contexto. O adequado à Inglaterra poderia não sê-lo à Alemanha. Os alemães dessa escola discordavam da ordem natural harmônica e espontânea imaginada pelo liberalismo inglês. Viam a intervenção estatal como essencial para complementar a economia de mercado e promover o desenvolvimento. Colocavam os homens e suas necessidades no centro da teoria. Seu objetivo normativo central era ampliar a produção e o emprego. Para tanto, rejeitavam as teorias abstratas, como a do livre comércio. Propunham políticas para fomentar a indústria local e ampliar a produção de bens de maior valor agregado (Fonseca, 2000Fonseca, P. (2000) O Pensamento Econômico Alemão no Século 19:Os pensadores alemães dos séculos XIX e XX. Santa Cruz do Sul: EDUNISC.).9 9 Marginalistas (dedutivistas) e históricos (indutivistas) chegaram a travar grande contenda metodológica no final do século XIX, da qual participaram Carl Menger, Max Weber, Gustav Schmoller etc.

O ponto-chave do argumento é que a revolução marginalista causou uma cisão metodológica na disciplina entre uma abordagem mais dedutiva e abstrata, que se tornou dominante; e outra mais histórica e institucional. O termo economia política perdurou até a revolução marginalista. Marshall usa-o para se referir à disciplina. Mas, desde então, ele ganha outro significado, sendo visto como arte e relacionado à política econômica. O nome associa-se a questões aplicadas, ao protecionismo, ao planejamento e às políticas em geral, sendo adotado também por Schumpeter (1986)Schumpeter, J. A. (1986) History of Economic Analysis. Oxford: Oxford University Press. em sua história da análise econômica. Em síntese, o termo economia política sobrevive, mas restrito a contextos específicos (Almeida, 2018Almeida, R. (2018) From ‘What is New Political Economy’ to ‘Why is Everything Political Economy?’ CHOPE Working Paper n. 2018-16 [online]. DOI: 10.2139/ssrn.3271179
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).

A economia mais abstrata ganhou espaço e tornou-se dominante, ocupando os principais departamentos de economia nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. Passou a se desinteressar pela tradição clássica e por sua abordagem integrada entre análise científica e prescrições normativas. Mas a abordagem histórico-institucionalista resistiu, assim como outras, apoiadas em paradigmas que rejeitam a cisão metodológica mencionada acima. Enfim, consolidaram-se abordagens distintas, com pouco diálogo entre si, baseadas em concepções intelectuais adotadas nos distintos departamentos de pesquisa.

Schumpeter, autor com formação ortodoxa, mas que também conhecia e dialogava com outras disciplinas das CS, tentou superar essa cisão.10 10 Schumpeter foi, inclusive, uma referência para teorias de cunho heterodoxo na ciência econômica. Ele via a economia como uma ciência social inseparável da Sociologia e da Ciência política. A teoria econômica não deveria ignorar as condições sociais, políticas e históricas, pelo contrário. Schumpeter também contribuiu para a discussão metodológica da economia, enfatizando a impropriedade de direcionar políticas extraídas de análises abstratas.11 11 Schumpeter cunhou o termo vício ricardiano em referência às exortações de políticas traçadas por David Ricardo a partir de tratamentos extremamente abstratos da teoria das vantagens comparativas. Apesar da importância dos modelos abstratos, a defesa de direções políticas deveria incluir diversas mediações, incluindo as relacionadas às condições específicas dos respectivos países (Silveira, 1991). Não obstante, as disciplinas continuaram separadas. A principal contribuição desse autor foi tornar a Ciência política mais econômica, e não o contrário (Gamble, 1995; Schumpeter, 1986).

II.2 Mudanças no capitalismo e o retorno da economia política

Apesar dos rumos seguidos pela ciência econômica, a necessidade de uma disciplina que tratasse das interações entre a economia e a política e que também fosse científica e normativa sobreviveu. Essa demanda intelectual aumentou com a ampliação do papel econômico do Estado, a partir da Grande Depressão e das transformações ocorridas nos anos 1930. A imensa crise econômica, o desemprego e os riscos que ameaçavam a democracia induziram à ampliação do envolvimento do Estado com a economia, regulando o sistema financeiro, adotando políticas contra o desemprego, propiciando seguridade social etc.12 12 As novas configurações do capitalismo foram respostas à crise de 1930. Um exemplo político importante é a coalizão do New Deal, constituída a partir de Roosevelt (Gourevitch, 1986).

Essa inovadora postura econômica do Estado é indissociável da obra teórica máxima de Keynes (1936)Keynes, J. M. (1985) [1936] A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Nova Cultural. e da defesa do gerenciamento das economias nacionais. Esse autor revolucionou o pensamento econômico do século XX. Fundou a macroeconomia, enfatizou o caráter monetário da economia moderna e criticou a formulação ortodoxa do equilíbrio de longo prazo. A demanda agregada, influenciada pelas políticas monetária e fiscal, foi considerada decisiva para a determinação do nível de emprego e do produto e para o enfrentamento das crises. Keynes também tirou o foco no indivíduo, dirigindo-o às macrovariáveis, e relativizou a racionalidade dos agentes ao incluir as ideias de incerteza e de espírito animal.

Formado na tradição ortodoxa, Keynes foi decisivo por formular ideias que consolidaram uma vertente crítica e alternativa ao mainstream, mas, apesar de atribuir um papel fundamental ao Estado e às politicas econômicas, não desafiou a separação entre economia e política. Devido ao grande impacto de sua teoria, os neoclássicos incorporaram-na, mas subordinando-a aos princípios do marginalismo. Daí resultou a síntese neoclássica, produzida pelo neokeynesianismo e profundamente influente nos estudos de macroeconomia.13 13 Nos anos de 1970, despontaria uma nova geração neokeynesiana, com formulações que, fundadas na microeconomia, incorporaram noções como expectativas racionais, falhas de mercado e competição imperfeita, visando aprimorar o mainstream. Nela, a abordagem de Keynes foi enquadrada como uma condição particular em uma situação mais geral de equilíbrio.

Já os keynesianos críticos da ortodoxia neoclássica abrigam-se no pós-keynesianismo. Empenham-se em problemas teóricos como a demanda efetiva, o papel das convenções e o potencial de instabilidade dos mercados. Segundo Oreiro (2012)Oreiro, J. L. (2012) A Economia Pós-Keynesiana e o Mundo Pós-Crise Financeira de 2008. Disponível em: <bit.ly/2ZFepF6>. Acesso: 28 jan. 2019.
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, essa escola é bastante forte e ativa no Brasil; influencia as duas principais correntes de pensamento desenvolvimentistas atuais: o novo-desenvolvimentismo, corrente teórica liderada por Luiz Carlos Bresser Pereira, e o social-desenvolvimentismo, aparentemente menos desenvolvido teoricamente, no qual a perspectiva distributivista e a influência marxista estão mais presentes. Prado (2001)Prado, E. (2001) A ortodoxia neoclássica. Estudos Avançados, 15(41), pp. 9-20. DOI: 10.1590/S0103-40142001000100003
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avaliou haver um grande equilíbrio de orientação teórica na pós-graduação em economia no Brasil, entre, de um lado, os neoclássicos e, de outro, os estruturalistas cepalinos, os marxistas, os heterodoxos keynesianos etc.14 14 Consultar Oreiro (2012), Ferrari Filho & Fonseca (2013) e Prado (2001).

Retomando, a economia e a política continuavam a ser tratadas por disciplinas distintas e abordagens relativamente dissociadas. O termo EP passou a referir-se principalmente a paradigmas alternativos, que rejeitava a separação das duas disciplinas. No entanto, as transformações ocorridas nos países e no mundo desde os anos 1970 e a consolidação da crítica à hegemonia keynesiana e social-democrata, ambas ensejarão a emersão de abordagens que combinam os diferentes discursos originalmente presentes no campo da EP.

É interessante notar que o resgate da abordagem integrada foi em parte efetuado por autores ortodoxos, que, mesmo compartilhando o método neoclássico, incomodavam-se com a incapacidade da teoria econômica prover um tratamento endógeno para a política. Discordavam dos modelos que concebiam o Estado como exógeno e benevolente, pronto para sanar as dificuldades do sistema econômico. Defendiam assim a necessidade de tratar a política como parte do problema econômico (Almeida, 2018Almeida, R. (2018) From ‘What is New Political Economy’ to ‘Why is Everything Political Economy?’ CHOPE Working Paper n. 2018-16 [online]. DOI: 10.2139/ssrn.3271179
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).

Durante a hegemonia keynesiana e a vigência do compromisso histórico do pós-guerra, as críticas liberais perderam força, mas nunca desapareceram (Gamble, 1988Gamble, A. (1988) The Free Economy and the Strong State: the politics of thatcherism. Londres: Palgrave Macmillan. DOI: 10.1007/978-1-349-19438-4
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). Em muitos países, os partidos conservadores também incorporaram os avanços liderados pelos partidos social-democratas ou afins, afastando-se das direções liberais prevalecentes antes de 1930. No pós-guerra, houve uma combinação única entre crescimento econômico, expansão do comércio internacional, aumento da produtividade e dos salários, fortalecimento da democracia e expansão das políticas de bem-estar social (Judt, 2005Judt, T. (2005) Postwar: A history of Europe since 1945. London: Penguin Press.). Esses resultados positivos marcaram uma fase rara na história do capitalismo. Mas tudo começaria a ruir no final dos anos 1960, pela combinação, entre outros, de efeitos internos às economias nacionais e de fatores ligados à regulação do sistema monetário e financeiro internacional (Gamble, 1988Gamble, A. (1988) The Free Economy and the Strong State: the politics of thatcherism. Londres: Palgrave Macmillan. DOI: 10.1007/978-1-349-19438-4
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). A desaceleração econômica dificultaria que os governos nacionais administrassem os substanciais e crescentes estados de bem-estar social, ao passo que mudanças internacionais, destacando-se a desregulamentação dos fluxos de capital financeiro, desafiariam as políticas econômicas dos países, particularmente as que visavam propiciar o pleno emprego.

As dificuldades enfrentadas pelos governos social-democratas favoreceram a emergência de um discurso crítico ao keynesianismo e à intervenção estatal, que resgatou traços aparentemente submersos do Liberalismo. Uma particularidade desse discurso foi a combinação, até então incomum, da defesa da economia de mercado e de um Estado forte, considerado necessário para enfrentar, segundo essa abordagem, os grupos de interesse que teriam se apropriado do Estado. Consolidaria-se um discurso alternativo bem articulado, batizado de the new right, que fornecerá a dois partidos conservadores fundamentais, na Inglaterra e nos EUA, os Tories e os Republicanos, uma base ideológico-argumentativa para empreender, exitosamente, um ataque ao consenso social-democrata do pós-guerra, com impacto internacional.

A emersão com força da New Right é explicável por ela oferecer uma direção de políticas que atendiam interesses-chave insatisfeitos com o referido consenso, começando pelos empresariais (Blaug, 2003Blaug, M. (2003) The formalist Revolution of the 1950s. Journal of the History of Economic Thought, 25(2), pp. 145-156. DOI: 10.1080/1042771032000083309
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). Mas essa força deve-se também à forma como a nova direita combinou, com sucesso, discursos diferentes. A New Right incorporava uma teoria do funcionamento da economia, enraizada no monetarismo e em concepções do supply side economics. Havia nela também uma teoria do funcionamento do Estado e da determinação das políticas públicas, apoiada na aplicação da teoria microeconômica à Ciência política: era a teoria da escolha pública, que visava compreender as decisões coletivas e o sistema político a partir do individualismo metodológico e do mercado econômico. Por fim, a New Right possuía avaliações e prescrições sobre o sistema social e as melhores instituições, que exaltavam o mercado, inclusive em bases morais. Concebia os políticos e os burocratas como agentes motivados por seus próprios interesses e a democracia como um sistema em que os grupos de interesse influenciavam as decisões públicas, causando ineficiência.15 15 O pensamento conservador da New Right também combinava o resgate do nacionalismo, a proteção contra o comunismo e a preservação dos valores da família tradicional contra certas mudanças relacionadas às transformações do Pós-Guerra.

Assim, a New Right retoma as três dimensões dos discursos que acompanharam o nascimento da disciplina EP. Aplicando modelos econômicos aos fenômenos políticos, a teoria da escolha pública, sobretudo, reintroduziu no debate uma versão abrangente e conservadora de EP, que embutia uma teoria de Ciência econômica, um regime alternativo de políticas públicas e um ideal normativo para organizar a economia, fundado na primazia dos mercados desregulados e na limitada intervenção estatal.16 16 O discurso neoliberal penetrou também no debate do desenvolvimento econômico. No pós-guerra, uma geração de economistas defendeu o planejamento e a intervenção do Estado para suprir os limites do mercado. Desde os anos 1970, consolida-se uma nova geração, que critica a intervenção estatal e retoma a defesa dos mercados desregulados. Na teoria da escolha pública, as falhas do Estado são consideradas mais graves que as de mercado (Meier, 2001).

II.3 International Political Economy

O resgate da economia política, chamada por muitos de Nova Economia Política (NEP), não se restringiu ao campo da ortodoxia. É importante enfatizar que o debate sobre as políticas econômicas e as teorias macroeconômicas (keynesianismo versus monetarismo) foi muito influenciado pelo contexto internacional. O keynesianismo funcionou na vigência do sistema de Bretton Woods, que provia grande autonomia para os Estados praticarem políticas de pleno emprego. Mas o colapso desse sistema, o fim do regime de taxas de câmbio fixas e a desregulamentação financeira trouxeram novos constrangimentos aos governos nacionais. A resposta aos efeitos desestabilizadores da volatilidade do capital, que amplificava os riscos de crise no balanço de pagamentos, foi o estabelecimento do controle da inflação como o objetivo essencial da política monetária e macroeconômica em geral, em prejuízo da promoção de políticas de pleno emprego. Esse quadro evoca a necessidade de análises mais abrangentes, que combinem não apenas a política e a economia, mas também aspectos ligados à organização do sistema econômico internacional (Eichengreen, 2008Eichengreen, B. (2008) Globalizing capital: a history of the international monetary system. New Jersey: Princeton University Press. DOI: 10.2307/j.ctt7pfmc
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).17 17 Em outras palavras, a globalização econômica e financeira complicou a chance de Estados soberanos, relativamente insulados, regularem a economia e perseguirem políticas de promoção do pleno emprego.

Com a maior integração econômica e financeira, a dimensão internacional ganhou relevância, ampliando-se o interesse por teorias da ordem econômica global, sobre sua evolução, características e impactos nas economias nacionais. É necessário tanto entender as razões do bom desempenho internacional durante o período da Pax Americana, como os desequilíbrios e desafios inerentes à nova ordem global.

As teorias anteriores, inclusive no campo das relações internacionais, eram muito centradas no papel de Estados relativamente autônomos. Destacava-se o paradigma realista, que enfatizava os cálculos de Estados soberanos visando poder e segurança. O aprofundamento de uma economia global que reduz a margem de autonomia decisória dos Estados fortalece abordagens mais centradas na estrutura, para entender os constrangimentos impostos pelo funcionamento da economia mundial unificada.

Emerge, então, a International Political Economy (IPE), elaborando análises voltadas às interações entre Estado, mercado e relações internacionais, mas que buscam evitar determinismos, como o que marcou algumas abordagens da teoria da dependência.18 18 Na medida em que essa teoria considerava a sorte dos países em desenvolvimento em grande parte determinada pela estrutura e organização da economia internacional, algumas de suas formulações deixaram pouco espaço para a autonomia nacional. A IPE desenvolve teorias que consideram tanto a estrutura como a agência, mas sem submeter uma dimensão à outra. Apesar de o Estado continuar central, é visto como um ator fragmentado, influenciado pelos grupos internos de poder e pelas estruturas de investimento, finanças, produção, inovação e comércio (Gamble, 1995). Incorporam-se outros atores, destacando-se as empresas multinacionais e os agentes do sistema financeiro internacional, e valoriza-se o papel das ideias para a consolidação de uma economia global.19 19 A IPE incorpora o impacto das formas de organização da economia-mundo sobre os Estados nacionais (Wallerstein, 1979), mas deixa também campo aberto para entender o papel das ideias na consolidação de uma hegemonia global. Ao invés de tratar a economia internacional como uma arena de trocas entre Estados soberanos e maximizadores, a IPE a concebe como um sistema global de empresas controlado pelas corporações internacionais e busca compreender o contexto de sua internacionalização, suas decisões e seus impactos nas economias nacionais, bem como a atuação dos Estados nesse ambiente complexo de atores e interesses.

II.4 Economia política comparada: neoinstitucionalismo histórico e variedades de capitalismo

Nas últimas décadas, fortaleceram-se também análises comparadas da organização institucional dos países. Elas, em geral, investigam a relação entre Estados ou governos e indústria, recuperando a história das instituições e de políticas específicas. Um importante predecessor é a abordagem institucional pioneira de Thorstein Veblen, o velho institucionalismo, do início do século XX nos EUA, que destacou os aspectos culturais e históricos da evolução da economia.20 20 O estudo das legislações, desenvolvido por John R. Commons foi uma das contribuições dessa escola. Outro predecessor são as análises de história econômica das diferenças nos modelos de industrialização (Gershenrkon, 1962Gerschenkron, A. (1962) Economic backwardness in historical perspective, a book of essays Cambridge, Massachusetts: Belknap Press of Harvard University Press.). No pós-guerra, tais análises foram aprofundadas, buscando explicar os melhores resultados obtidos por países que contaram com um Estado mais forte e com sistemas de planejamento (Shonfield, 1968Shonfield, A. (1965) [1968] Capitalismo Moderno. Rio de Janeiro: Zahar.). A partir de autores como Barrington Moore, Charles Tilly e Theda Skocpol, o institucionalismo histórico renovou-se, tornou-se menos preocupado com as instituições formais e menos normativo, configurando o neoinstitucionalismo histórico. Essa abordagem busca entender por que há variações na configuração de diferentes economias nacionais, nos setores de atividade e nas políticas públicas e quais são suas principais implicações.

Aplicado à economia, o neoinstitucionalismo histórico busca responder a duas questões: por que países reagem diferentemente a desafios econômicos relativamente similares? E por que há padrões nacionais de política econômica? A política econômica não é apenas uma resposta técnica a problemas específicos. Geralmente, as políticas públicas são muito influenciadas por variáveis políticas, incluindo o contexto e o legado institucional do país (Hall, 1986Hall P. (1986) Governing the Economy: the Politics of State Intervention in Britain and France. Oxford: Oxford University Press.). Essa abordagem dedica-se à explicação de diferenças na política econômica, considerando também aspectos destacados por outras teorias, como as ideias, os grupos de interesse e o grau de autonomia do Estado. Enfatizam, no entanto, que tais variáveis são influenciadas e filtradas por elementos institucionais consolidados na trajetória histórica de cada país. As instituições resultam de acordos, competições, conflitos e decisões do passado. Ao se estabilizarem, balizam o curso dos eventos, inclusive a capacidade dos grupos influenciarem a política econômica.

Duas conclusões são essenciais: a política é mais que uma resultante das variadas pressões dos grupos sociais e há consistências estruturais por trás da persistência de padrões nacionais de política econômica. É, pois, fundamental entender o contexto institucional que infuencia o poder de ação dos grupos e suas preferências. Definido por Hall de forma ampla, esse ambiente estrutural, diz respeito, por um lado, à configuração organizacional da sociedade, com destaque para a organização do capital (empresarial e financeiro) e dos trabalhadores (sindicatos). Por outro lado, está também ligado à organização do Estado, ao conflito inter-burocrático e aos instrumentos de promoção das políticas públicas. Por fim, diz respeito aos canais de relação e interação entre Estado e sociedade, destacando-se a natureza e a organização do sistema político e o conjunto dos mecanismos e canais de acesso dos grupos sociais ao poder público. Tal quadro institucional é também muito influenciado pela posição do país na ordem internacional, o que abre o diálogo com as teorias das relações internacionais.

Em Hall, o neoinstitucionalismo histórico explora a interação entre a economia e a política e preocupa-se com o entendimento dos resultados das políticas econômicas, considerados essenciais para explicar a persistência ou não de certa trajetória. Preocupa-se também em entender os determinantes políticos e institucionais de certas políticas. Não raramente, o desenvolvimento não ocorre devido às decisões serem criticamente influenciadas pelas forças e instituições em interação.

Na chave do neoinstitucionalismo histórico, desenvolveu-se a abordagem das variedades de capitalismo (Varieties of Capitalism – VoC). Ela ocupa-se da estrutura regulatória e institucional dos países, que constrange e influencia a ação dos atores econômicos. E enfatiza bastante o papel das empresas, vistas como organizações que estabelecem padrões variáveis de coordenação com os atores-chave para o seu desempenho: trabalhadores, fornecedores, clientes, outras firmas, financiadores e governo. Parte considerável dessas relações ocorre no mercado, na compra de produtos e serviços pelo melhor preço. Mas a coordenação se dá também por meio de hierarquias, como ilustrado pela produção em fábricas ou pela organização das corporações multidivisionais (Coase, 1937Coase, R. (1937) The nature of the firm. Economica, 4(16), pp. 386-405. DOI: 10.1111/j.1468-0335.1937.tb00002.x
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; Williamson, 1975Williamson, O. (1975) Markets and Hierarchies. New York: Free Press.). Esse ponto foi muito explorado pela vertente do institucionalismo econômico, fonte teórica de certos conceitos-chave, como custo de transação, direitos de propriedade, racionalidade limitada, informação assimétrica. Um intuito dessa literatura foi mostrar que significativos avanços organizacionais ocorreram no sentido de reduzir não apenas os custos de produção, mas também as incertezas e os custos de transação.

A rigor, a nova economia institucional é uma linha de pesquisa importante da nova economia política, que usa métodos afins à teoria econômica, incluindo a teoria dos jogos, para investigar a história e a política econômicas. Ela apreende o Estado como o campo de batalha para influenciar o processo de policy making. Instituições que garantem direitos de propriedade e reduzem os custos de transação são vistas como suficientes para promover o desenvolvimento econômico (Almeida, 2018Almeida, R. (2018) From ‘What is New Political Economy’ to ‘Why is Everything Political Economy?’ CHOPE Working Paper n. 2018-16 [online]. DOI: 10.2139/ssrn.3271179
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). Essa abordagem influencia bastante a economia política positiva e o neoinstitucionalismo da escolha racional, que é forte na Ciência política dos EUA e do Brasil.21 21 Consultar Hall & Taylor, 2003; Alt & Alesina, 1996; Weingast & Wittman, 2006; Limongi, 1994.

Uma contribuição central da abordagem das VoC foi evidenciar que, além dos tipos de coordenação pelo mercado e o hierárquico, há também o modelo de networks, com relações baseadas em redes de cooperação, que podem conduzir a resultados positivos. Assim, a concessão de canais de participação aos trabalhadores pode estimular seu engajamento em práticas de treinamento e aumento da produtividade, enquanto a participação dos bancos nos conselhos de decisão das firmas tende a favorecer a oferta de capital mais paciente, disposto à maturação de longo prazo do investimento. Na mesma direção, o fortalecimento de relações de temporalidade estável com os fornecedores tende a favorecer projetos de produção em parceria de peças e componentes e certas interações com outras empresas e com o governo podem estimular práticas conjuntas de inovação e desenvolvimento do produto.

Um ponto central da abordagem é apontar as diferenças entre os países, pois as decisões tendem a ser condicionadas pela estrutura institucional de cada economia, destacando-se a organização do sistema financeiro, a governança corporativa, as relações de trabalho e as práticas educacionais e de treinamento. Esse enfoque comparativo conclui que prevalecem em alguns países formas de coordenação centradas em processos de mercados e em hierarquias, que são qualificadas como economias de mercado liberais. Em outros países, predominam economias de mercado coordenadas, onde, além das estruturas institucionais típicas da coordenação de mercado, há mecanismos de governança por networks (Guimarães et al., 2016Guimarães, A., Oliveira, A., Teixeira, R. & Oliveira Neto, P. (2016) Instituições e Desenvolvimento no Japão: modelos de capitalismo, trajetória pós 1990 e os desafios atuais. Revista de Sociologia Política. 24(60), pp. 3-28. DOI: 10.1590/1678-987316246002
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).

A abordagem das VoC também mostra que há complementaridades entre as instituições. Países que possuem um sistema financeiro mais centrado no mercado de capitais tendem, por exemplo, a ter estruturas de governança corporativa que dão grande autonomia aos gerentes e relações de trabalho menos regulamentadas. Em contraposição, tende também a haver correlação entre sistemas financeiros mais baseados nos empréstimos bancários e uma governança corporativa mais centrada em mecanismos de cooperação e em relações de trabalho com maior regulamentação e direitos (Hall & Soskice, 2001Hall, P. & Soskice, D. (2001) An Introduction to Varieties of Capitalism. In: P. Hall & D. Soskice (eds) Varieties of Capitalism. Oxford: Oxford University Press, pp. 1-68. DOI: 10.1093/0199247757.001.0001
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). A perspectiva das VoC explora também a relevância dessas relações para explicar questões como as fontes de vantagens comparativas, as diferenças nas políticas sociais e o posicionamento dos países em negociações internacionais.

Essa abordagem mostrou-se profícua para explicar o comportamento dos países na ordem internacional dos Trinta Gloriosos (1945-1975), quando havia protecionismo, regulação dos fluxos de capital, insulamento das instituições e maior autonomia dos Estados nacionais. Parte das diferenças institucionais, no entanto, diluiu-se com a intensificação da globalização produtiva, financeira e comercial e da integração regional (União Europeia etc). Mas as diferenças institucionais continuam relevantes; alguns países ainda mantêm parte importante de suas formas de coordenação na governança por networks.

Em anos recentes, a VoC se viu desafiada em duas direções. Uma delas veio da International Political Economy, que destaca como a constituição de uma economia global tende a diminuir as diferenças institucionais entre os países. A outra é a teoria das policy networks, que desagrega o Estado e enfatiza que as diferenças institucionais e em capacidades estatais ocorrem principalmente em nível setorial (Smith, 1993Smith, M. (1993) Pressure, Power and Policy:State Autonomy and Policy Networks inBritain and the United States. Hertfordshire: Harvest Wheatsheaf. DOI: 10.5860/choice.314033
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). Apesar dessas considerações, a abordagem das VoC mostrou-se fértil, formulando tipos ideais que, usados com cautela, serviram como ferramentas analíticas importantes.

Enfim, outra abordagem similar é a dos diferentes modelos de welfare state, que também capta semelhanças e regularidades entre tipos de países, resultantes de diferentes condições políticas e de processos distintos de nation building (Esping-Andersen, 1990Esping-Aandersen, G. (1990) The Three Worlds of Welfare Capitalism. New Jersey: Princeton University Press.). Destacam-se também análises comparativas que exploram, por exemplo, a maior capacidade do Estado para guiar programas bem-sucedidos de desenvolvimento (Amsden, 1989Amsden, A. (1989) Asia’s Next Giant. Oxford: Oxford University Press. DOI: 10.1093/0195076036.001.0001
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; Evans, 1995Evans, P. (1995) Embedded Autonomy. Princeton: Princeton University Press.; Chang, 2002Chang, H-J. (2002) Chutando a Escada. São Paulo: Editora Unesp.).

II.5 O campo da economia política: distintos paradigmas e a abordagem do artigo

No percurso aqui resgatado, a EP passou por diferentes fases e abordagens, exibindo uma pluralidade de perspectivas teóricas e metodológicas (indução, dedução, comparação, estatística etc). Nós a abordamos como área de estudos interdisciplinar e de interseção entre economia e política, que examina a influência da política e da sociedade na economia e a influência da economia e da sociedade na política.

Uma dificuldade apontada por Almeida (2018) é que a NEP, usando o termo desse autor, pode significar várias coisas. Devido ao grande número de referências cruzadas entre as duas disciplinas, ela possui diferentes nomes e definições. Algumas abordagens surgiram visando endogeneizar o político e adotaram, para tanto, a abordagem utilitarista do pensamento marginalista. O referido autor vê a NEP como uma síntese imperfeita de vários approaches, que usam a metodologia da economia para a análise do comportamento político e das instituições. Como destacado nesse artigo, essa definição, apesar de reunir várias e importantes linhas de estudos, não esgota o campo da Economia Política.

Assim, na delimitação do campo da EP aqui proposta, não adotamos uma concepção exclusivamente metodológica, que a define como “the methodology of economics applied to the analysis of political behavior and institutions” (Weingast & Wittman, 2006Weingast, B. & Wittman, D. (2006) The Reach of Political Economy. In: B. Weingast & D. Wittman (eds) The Oxford Handbook of Political Economy. New York: Oxford University Press. DOI: 10.1093/oxfordhb/9780199548477.001.0001
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, p. 3). Nosso critério de delimitação é temático, abarca trabalhos com diferentes perspectivas teóricas e métodos, que abordam temas de interseção entre a economia e a política, incluindo o enfoque sociológico.

Compreendemos então EP como uma área interdisciplinar com dois vetores focais, que abarcam tanto a economia da política quanto a política da economia. A EP estuda relações entre, por um lado, a produção e a distribuição e, por outro lado, o Estado ou o governo, as leis, os interesses e os costumes. Por implicarem em alocação de recursos nos setores privados e público mediante mecanismos não exclusivamente de mercado e por interferirem nos resultados da ordem social competitiva, as decisões do Estado sobre política econômica e outras áreas de política mobilizam um complexo jogo de interesses e visões ideológicas, cuja análise é um dos principais objetos da EP.

Nessa direção, Gamble (1995)Gamble, A. (1995) The New Political Economy. Political Studies, 43(3), pp. 516-530. DOI: 10.1111/j.1467-9248.1995.tb00320.x
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aborda algumas possibilidades abertas por esses distintos paradigmas. Destaca, por exemplo, o potencial do neokeynesianismo, que, para entender as políticas, incorpora aos modelos econômicos as assimetrias de informação. Esse paradigma pode fazer pontes com a economia institucional, com a teoria dos jogos e com a literatura sobre cooperação entre governos e relações industriais.22 22 A teoria dos jogos estuda os diferentes resultados das escolhas, institucionalmente mediadas, dos agentes econômicos em interação nos mercados, conforme suas preferências (utilidades). Tudo isso reforça a importância de um programa de pesquisa interdisciplinar de EP, que mobilize as CS, para evitar o tratamento fragmentado de uma totalidade multidimensional.

Gamble destaca também a relevância que a teoria da escolha pública pode ter para a EP, por contribuir para esclarecer a agência. Ela oferece microfundamentos que outras abordagens da EP não possuem. Mas, para isso, essa teoria precisaria liberar-se da rigidez do laissez faire; em outras palavras, o método da escolha racional pode ser útil, ainda que seus pressupostos devam ser revistos.

Em síntese, a EP permite pensar conceitos e processos pertinentes à interação entre Estado e mercado, reflexão que a especialização em disciplinas isoladas não pode dar conta. Um grande potencial é sua diversidade metodológica, que inclui análises mais micro e centradas no agente, como a escolha racional, e análises mais gerais, centradas nas instituições nacionais ou nos impactos que a economia global tende a ter sobre os governos e as economias. Combinando a análise histórica e institucionalista da estrutura à análise racional da agência, a EP talvez possa superar as velhas disputas metodológicas. Paradigmas como a international political economy, as teorias do Estado, o neomarxismo, as análises comparativas dos governos e das relações industriais e a escolha pública podem não ser excludentes, mas combinarem-se, quando necessário e de modo apropriado, para a construção de análises mais abrangentes e fidedignas.

A seção seguinte identifica, mensura e classifica o temário de artigos acadêmicos sobre EP publicados no Brasil, no último decênio, por cientistas sociais (incluindo economistas).

III. Artigos de Economia Política nas ciências sociais no Brasil

De 2009 a 2018, publicaram-se 2541 artigos nos nove periódicos selecionados (Tabela 1). Desse total, consideramos 332 (13%) como trabalhos de Economia Política, sendo que 45,5% (151) estão na REP, periódico mais importante dessa área temática. Apesar desses artigos da REP terem sido escritos por pesquisadores de várias áreas das CS, predomina a autoria dos economistas, que lideram a publicação acadêmica de EP no universo das revistas selecionadas, todas representativas e qualificadas. O predomínio da REP manifesta-se, também, na proporção de seus artigos na amostra: 35% são de EP. Ela é secundada à distância pela BPSR (19,8%).

Tabela 1
Total de artigos da amostra, artigos de Economia Política por periódico e metodologia utilizada (2009-2018)

O dado mais relevante é que apenas 13% das publicações são de EP. Se excluíssemos a REP da amostra, por não ser uma publicação das CS no stricto sensu, teríamos, em um universo de 2110 artigos, apenas 181 (8,6%) pertinentes à EP. Esse dado confirma a percepção, abordada na introdução, de que essa área tem perdido fôlego entre os cientistas políticos e sociólogos. Vimos, por exemplo, que, nos anos 1960, 26,8% das publicações da Dados eram de EP. Por fim, em relação à metodologia utilizada, 63% dos artigos são Quali-Quanti (Qualitativos e Quantitativos) e 37%, exclusivamente qualitativos. O critério quali-quanti aqui adotado é bem elástico. Consideramos como quantitativos artigos que recorrem minimamente a dados quantitativos, sem levar em conta a sofisticação do tratamento desses dados.

A Tabela 2 é um esforço de identificação e classificação intratemática dos objetos de pesquisa em EP no decênio analisado. Usamos o termo esforço devido ao inelutável empenho de contraposição à fragmentação, único meio de propiciar, ao preço de alguma agregação excessiva, a visualização, no ecossistema da EP, de suas principais temáticas, as vegetações arbóreas basilares da floresta. A metodologia usada para a classificação envolveu dois grandes passos: a leitura dos títulos, resumos e da conclusão dos 2541 artigos e, em vários casos, também de trechos do corpo dos trabalhos, visando sanar dúvidas; e a indexação de duas palavras-chave, em regra, para cada artigo.23 23 Quando isso não foi possível, atribuiu-se ao menos uma palavra-chave. Ademais, em várias situações, o procedimento contra a fragmentação implicou em sacrificar a indexação dos artigos com múltiplas palavras-chave possíveis, para que, no máximo, duas prevalecessem para a definição do conteúdo temático.

Tabela 2
Temas de Economia Política Definidos por Palavras-chave

Assim, definimos 12 subtemas, aos quais, para fins didáticos e generalizadores, nos referiremos agora com base na primeira palavra-chave mencionada na primeira coluna à esquerda na Tabela 2, e em ordem decrescente de freqüência na amostra: 1) Desenvolvimento; 2) Política Macroeconômica; 3) Economia Política Internacional; 4) Instituições Políticas; 5) Políticas Sociais; 6) Competição Política; 7) Modelos de Capitalismo; 8) História do Pensamento Econômico; 9) História Econômica; 10) Opinião Pública; 11) Relações Trabalhistas; 12) Outros. Faremos um breve comentário sobre cada um desses grupos temáticos.

O temário mais freqüente, o de desenvolvimento, envolve a política industrial, a industrialização, as políticas de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e o desenvolvimento regional. O carro-chefe é a palavra-chave desenvolvimento, que foi atribuída em 110 casos, em um total de 144, correspondendo a 73,4%. As outras duas palavras-chave mais freqüentes foram política de P&D (16) e política industrial (15), seguidas por desenvolvimento regional (2) e industrialização (1). Quanto à distribuição desse temário nos periódicos selecionados, secundados à distância pela prevalência da REP (86), estão a NE (21) e a RSP (16). 59,7% desse temário foram publicados na REP.

O segundo grupo temático, capitaneado pela palavra-chave política macroeconômica, totalizou 85 atribuições, das quais 65 (76,4%) estão na REP. O fato desse temário ser mais tecnicamente dependente de conhecimento de ciência econômica explica essa distribuição concentrada na REP, pouco presente nos demais periódicos.

O temário sobre economia política internacional (EPI) apresenta um equilíbrio distributivo menos desfavorável às publicações mais afins às CS stricto sensu. Do total de 80 palavras-chave relacionadas à EPI, 41 situam-se na REP e 39 nas demais publicações, destacando-se a BPSR, onde elas aparecem em 23 casos.

O temário quatro é o das instituições políticas, conteúdo caro às CS no sentido estrito, nas quais tem havido nas últimas décadas, sobretudo na Ciência política, uma presença crescente das abordagens neoinstitucionalistas, que focam nas instituições com visões lastreadas nas três variantes do neoinstitucionalismo: o da escolha racional, o histórico e o sociológico (Hall e Taylor, 2003Hall, P. A. & Taylor, R. C. R. (2003) As três versões do neoinstitucionalismo. Lua Nova, s/v(58), pp. 193-223. DOI: 10.1590/S0102-64452003000100010
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). A palavra-chave instituições políticas aparece 58 vezes em um total de 73. As demais palavras-chave desse temário – Federalismo (2), Direito e Economia (1), Estado Nacional (1), Capacidades Estatais (1), Partidos (1), Reforma Administrativa (1), Instituições Participativas (1) e Política Regulatória (1) – foram atribuídas, no máximo, em dois casos, com exceção de Participação Política (5). Quando se considera o total de palavras-chave desse grupo temático, a REP abriga apenas 20,5% delas, expressando a maior importância relativa das instituições políticas no temário das CS stricto sensu, presente nos demais periódicos pesquisados. Ademais, a distribuição desse tema no conjunto dos periódicos é menos díspare, mais equilibrada.

Uma proporção e uma distribuição semelhantes também ocorrem no temário cinco, sobre as políticas sociais, palavra-chave que, isoladamente, aparece 43 vezes e que foi agrupada junto com desigualdade (12), Estado de bem-estar social (8), economia solidária (4) e distribuição de renda (2). Somadas, alcançam 69 menções, sendo que apenas 11 delas (16%) situam-se na REP. Nos demais periódicos, as palavras-chave desse temário destacam-se na NE (20,3%) e na BPSR (14,5%). Isso expressa a importância das políticas sociais nas pesquisas das CS stricto sensu, destacando-se a área de políticas públicas, que, conforme mencionado na introdução, vem crescendo desde os anos 1990 (Marenco, 2016Marenco, A. (2016) Cinco décadas de ciência política no Brasil: institucionalização e pluralismo. In: L. Avritzer., C. Milani & M. do S. Braga (orgs.). A ciência política no Brasil: 1960- 2015. Rio de Janeiro: FGV, pp. 141-163.; Marques & Souza, 2016Marques, E. & Souza, C. (2016) Políticas públicas no Brasil: avanços recentes e agenda para o futuro. In: L. Avritzer., C. Milani & M. do S. Braga (orgs.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV Editora, pp. 321-345.).

O grupo temático seis, capitaneado pela palavra-chave Competição Política (10), abrange um conteúdo que, na classificação do temário da Ciência Política brasileira presente em Marenco (op. cit.), denomina-se Atores e Ação Coletiva. As demais palavras-chave que formulamos e incluímos nesse grupo foram: Elites (8), Coalizões (6), Movimentos sociais (4), Interesses (3), Sindicalismo (3) e Protestos de Rua (1). Com exceção da RBCP (ver nota 23), onde esse temário não apareceu em nenhum artigo, sua distribuição nos periódicos também foi equilibrada.

O temário sete aborda os Modelos de Capitalismo e de Desenvolvimento, assunto que emergiu em reação às reformas do Consenso de Washington, ensejando abordagens institucional-comparativas críticas ao modelo neoliberal e nas quais a perspectiva histórica é importante (Evans, 1995Evans, P. (1995) Embedded Autonomy. Princeton: Princeton University Press.). Das 28 palavras-chave sobre esse tema, modelos de capitalismo,10 estão na REP e 11 na RSP (totalizando três quartos da temática), certamente por essas revistas aderirem mais que as outras ao temário clássico da EP.

Os temas oito e nove, respectivamente liderados pelas palavras-chave história do pensamento econômico e história econômica, apareceram quase que exclusivamente na REP. Já o tema 10, encabeçado pela palavra-chave opinião pública, não consta na REP, predominando, como esperado, na revista OP, especializada nesse conteúdo. O temário 11, encimado pela palavra-chave relações trabalhistas, totaliza, tal como o anterior, apenas 12 ocorrências. É curioso que um conteúdo tão central para a EP ocupe espaço tão limitado nos periódicos selecionados, sobretudo considerando o período histórico de precarização das condições de trabalho vigente na economia internacional.

Por fim, o temário 12, que denominamos “Outros”, agrupa uma miscelânea de palavras-chave, totalizando 33 ocorrências, entre elas, políticas urbanas (9), política de infraestrutura (3), política microeconômica (3), estrutura fundiária (3), teoria social (3), teoria da modernidade/modernidade (2) etc. Apesar de agregar temas com frequência minoritária, essa categoria reforça o caráter diversificado dos objetos de pesquisa no campo da EP no Brasil e a complexidade interdisciplinar da área.

O uso do software Iramuteq como recurso metodológico para analisar conteúdo, discurso e produzir lexicometria evidenciou que as palavras mais destacadas em segmentos de texto dos resumos dos artigos amostrais (Figura 1) remetem aos assuntos e vocabulário clássicos da EP, como “política(o), econômico/economia, desenvolvimento, governo, público, social, internacional, crescimento, mercado, instituição”, entre outros. Tais termos aludem à preocupação da obra originária da EP clássica, A riqueza das nações, que delimitou a disciplina.

Figura 1
Nuvem de palavras de todos os resumos amostrais

Por outro lado, desagregando os resumos da REP dos demais e formando duas nuvens distintas (Figura 2 e Figura 3), alcança-se um maior detalhamento analítico sobre as distintas especificidades da produção, por um lado, de artigos de EP nesse periódico, mais organicamente vinculado à ciência econômica, e, por outro lado, nos oito periódicos restantes, todos eles mais afins às demais CS.

Figura 2
Nuvem amostral da REP
Figura 3
Nuvem amostral sem a REP

Na Figura 2, que retrata segmentos de texto dos resumos amonstrais da REP, destacam-se palavras como econômico/economia, política(o), desenvolvimento/crescimento e Brasil(eiro). Na Figura 3, correspondente aos demais periódicos, as palavras sobressalentes são política(o), Estado/Governo, Brasil(eiro) e Econômico/Economia.

A Tabela 3 permite comparar a ênfase distinta contida nesses dois agregados, elucidando as diferentes especificidades temáticas. Obtivemos os índices calculando a razão entre a incidência das palavras sobressalentes nas nuvens e o número de resumos do agregado em questão. Nota-se que, no agregado dos periódicos das CS stricto sensu, a presença de segmentos de texto onde há palavras caras à Ciência política, como Política(o), Estado/Governo, Social e Instituição, é maior que na REP. Por outro lado, a REP lidera os segmentos de texto mais consagrados no campo acadêmico da economia, a começar pelo tema Desenvolvimento/Crescimento, conforme já havia sido observado.

Tabela 3
Índices de palavras predominantes em dois agregados amostrais de resumos

IV. Considerações finais

Diante do relativo desprestígio da Economia Política nas organizações acadêmicas (ANPOCS e ABCP) e publicações das CS, em comparação com os trinta anos de 1960 a 1990, o principal objetivo desse artigo foi, mirando no esforço de construção institucional dessa subárea temática, avaliar a sua produção em nove periódicos nacionais no decênio 2009-2018.

Nesse sentido, procuramos identificar e delimitar o campo de estudos da EP, explorando momentos importantes de sua trajetória, desde Adam Smith, e as diferentes abordagens surgidas. Trata-se de uma disciplina cuja existência se explica e justifica pela interdependência do fenômeno econômico-político e cuja apreensão extrapola os limites das disciplinas mais especializadas que constituíram as CS desde o século XIX. Argumentamos que a EP é uma área de estudos pluralista, com várias teorias e metodologias; seu temário desenrola-se na interseção entre a economia e a política e mobiliza conceitos, processos e argumentos pertinentes ao entendimento da interação entre Estado, mercado e sociedade.

Uma primeira constatação é que, em relação ao passado das CS no Brasil, conforme evidencia Lynch (2016)Lynch, C. (2016) Ciência política 1966-1970: o desenvolvimento em pauta. Insight Inteligência (Rio de Janeiro), 75(s/n), pp. 106-121., aumentou a concentração da produção da EP no campo acadêmico dos economistas, pois, como evidenciado, ela perdeu espaço, fragmentou-se e diluiu-se no temário geral da Ciência Política e da Sociologia. Isso indica que a contribuição do conjunto das CS para o processo de desenvolvimento, apreendido amplamente, ou seja, nas dimensões econômica, social, política e de sustentabilidade, retrai-se e especializa-se regressivamente. A segmentação do conhecimento e o déficit em abordagens que lidem mais prontamente com fenômenos de dimensões simultaneamente políticas, econômicas e sociológicas, tal como o olhar da economia política busca abarcar, tende a limitar a pesquisa sobre questões e temas-chave das CS.

Tal tendência contrasta com o ocorrido nas décadas de 1960 e 1970, quando a modernização industrial do Brasil era significativa, mesmo tendo sido acompanhada da concentração de renda, fato, contudo, identificado, analisado e criticado por cientistas sociais de então. Naquela época, a temática do desenvolvimento impactava com mais consistência as CS como um todo. A trajetória neoinstitucionalista da ciência política, que, em parte, a afasta da sociologia e da economia, parece relacionar-se com sua mudança temática. Como é possível escapar de determinismos e considerar a autonomia da política, mas sem apartá-la das demais ciências sociais (Almeida et al., 2016Almeida, M. H. T., Limongi, F. & Freitas, A. (2016) Da sociologia política ao (neo) institucionalismo: 30 anos que mudaram a ciência política no Brasil. In: L. Avritzer., C. Milani & M. D. S. Braga. (orgs). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: Editora FGV,pp. 61-92.)? Já mencionamos na introdução que essa discussão é necessária.

A especialização regressiva, à custa da apreensão interdisciplinar das CS, expressa-se no amplo predomínio da REP sobre os temas do desenvolvimento e da política macroeconômica, que são essenciais para a compreensão das relações entre Estado, economia e interesses em geral, particularmente no Brasil, onde os fatos, processos e conflitos políticos dos últimos anos revelam a centralidade dessas áreas decisórias na realidade nacional.

Observamos também que a presença relativa das políticas sociais é maior nos oito periódicos de CS stricto sensu do que na REP. Essa aparente divisão do trabalho entre, de um lado, o desenvolvimento econômico e, de outro, o desenvolvimento social é problemática. Na medida em que os cientistas sociais stricto sensu especializam-se em políticas sociais e nas instituições do Estado por elas responsáveis, tendem a isolá-las da produção material, que, no limite, fornece a sustentabilidade intertemporal da redistribuição de renda pelo poder público. Por outro lado, o predomínio da abordagem do desenvolvimento pelos economistas implica, na perspectiva do mainstream, em limitar esse processo fundamental a um fenômeno de mercado, desconsiderando a dinâmica política e social que lhe é inerente, e/ou em atribuir a causa dos insucessos ao Estado e à classe política. Mas cabe enfatizar que a maioria da produção de EP na REP diverge da ortodoxia de raiz neoclássica.24 24 Selecionamos esse periódico por ele possuir um padrão editorial afim à tradição interdisciplinar da EP, tanto que abre espaço para autores não economistas. As principais revistas nacionais do mainstream neoclássico são: Estudos Econômicos (FEA-USP), Pesquisa e Planejamento Econômico (PPE-IPEA) e a Revista Brasileira de Economia (FGV-RJ).

Por outro lado, em relação à EPI, a distribuição mais igualitária entre a produção desse conteúdo na REP e nos demais periódicos parece explicar-se pelo atual processo de fortalecimento acadêmico das relações internacionais na Ciência política brasileira.25 25 Não levantamos dados sobre a economia política na Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI).

A opção metodológica aqui adotada poderá ser complementada com avaliações da área de EP que incorporem outros dados e fontes das CS, como teses, dissertações, livros, financiamento, instituições de pesquisa, perfis dos pesquisadores, um período de tempo mais amplo etc.

Por fim, o desenvolvimento da pesquisa em EP no Brasil requer o empenho das organizações acadêmicas, grupos de pesquisa e pesquisadores das CS lato sensu na construção de pontes teórico-metodológicas e redes institucionais entre a economia e a política, ou seja, entre, de um lado, as instituições e os processos sociais e econômicos e, de outro, as instituições e processos políticos. Essa aproximação já ocorre nos EUA há algumas décadas, mas em uma perspectiva de subordinação da Ciência política aos pressupostos do individualismo metodológico e do homo economicus, que tem restringido a expansão de abordagens alternativas. Quanto às referidas pontes e redes, as pós-graduações, organizações e eventos acadêmicos precisariam apostar em renovação temática, curricular e bibliogrática, parcerias e diálogos interdisciplinares, grupos e projetos de pesquisa, publicações, enfim.

  • 1
    A relação de siglas que aparece ao final do artigo não inclui os nomes destas Universidades, visto que são instituições bastante conhecidas pela comunidade acadêmica (N. E.).
  • 2
    Apesar do título da tabela de Marenco (2016) referir-se ao período 1966-2014, o último dado fornecido é de 2010.
  • 3
    Consultar Capes (2010)CAPES. (2010) Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020. [online].Brasília: CAPES. Disponível em: <https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/livros-pnpg-volume-i-mont-pdf>. Acesso em: 27 de Jul. 2021.
    https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-...
    .
  • 4
    Escolhemos periódicos A1, A2 e B1, pois, pertencendo aos extratos superiores do Qualis, têm especial importância na avaliação da produção científica dos programas de pós-graduação realizada pela Capes.
  • 5
    No processo da revolução marginalista, a disciplina passou a ser chamada de economics (ciência da economia).
  • 6
    Os autores traduziram as citações, que estão em bit.ly/2TNchIi. Acesso: 26 de ago. 2021.
  • 7
    A divisão do trabalho põe em primeiro plano a produtividade, considerada essencial, dois séculos depois, pelos modelos de explicação do crescimento econômico.
  • 8
    Segundo Domingues (1991)Domingues, I. (1991) O grau zero do conhecimento: o problema da fundamentação das ciências humanas. São Paulo: Loyola., ao buscar entender os princípios responsáveis pelo bom funcionamento do sistema econômico, Smith influenciou-se pelo modelo de ciência de Isaac Newton. Se este encontrou a gravitação universal, Smith viu no interesse individual a força de caução do sistema econômico.
  • 9
    Marginalistas (dedutivistas) e históricos (indutivistas) chegaram a travar grande contenda metodológica no final do século XIX, da qual participaram Carl Menger, Max Weber, Gustav Schmoller etc.
  • 10
    Schumpeter foi, inclusive, uma referência para teorias de cunho heterodoxo na ciência econômica.
  • 11
    Schumpeter cunhou o termo vício ricardiano em referência às exortações de políticas traçadas por David Ricardo a partir de tratamentos extremamente abstratos da teoria das vantagens comparativas. Apesar da importância dos modelos abstratos, a defesa de direções políticas deveria incluir diversas mediações, incluindo as relacionadas às condições específicas dos respectivos países (Silveira, 1991Silveira, A. M. (1991) A Indeterminação de Senior. Revista de Economia, 11(4), pp. 70-88. DOI: 10.5380/re.v23i0.1979
    https://doi.org/10.5380/re.v23i0.1979...
    ).
  • 12
    As novas configurações do capitalismo foram respostas à crise de 1930. Um exemplo político importante é a coalizão do New Deal, constituída a partir de Roosevelt (Gourevitch, 1986Gourevitch, P. (1986) Politics in Hard Times: Comparative Responses to International Economic Crises. New York: Cornell University Press.).
  • 13
    Nos anos de 1970, despontaria uma nova geração neokeynesiana, com formulações que, fundadas na microeconomia, incorporaram noções como expectativas racionais, falhas de mercado e competição imperfeita, visando aprimorar o mainstream.
  • 14
    Consultar Oreiro (2012), Ferrari Filho & Fonseca (2013)Ferrari Filho F. & Fonseca, P. C. D. (2013) Qual Desenvolvimentismo? Uma Proposição à la Wage-Led Keynesiano-Institucionalista. In: 41º Encontro Nacional da ANPEC. Foz do Iguaçu. e Prado (2001).
  • 15
    O pensamento conservador da New Right também combinava o resgate do nacionalismo, a proteção contra o comunismo e a preservação dos valores da família tradicional contra certas mudanças relacionadas às transformações do Pós-Guerra.
  • 16
    O discurso neoliberal penetrou também no debate do desenvolvimento econômico. No pós-guerra, uma geração de economistas defendeu o planejamento e a intervenção do Estado para suprir os limites do mercado. Desde os anos 1970, consolida-se uma nova geração, que critica a intervenção estatal e retoma a defesa dos mercados desregulados. Na teoria da escolha pública, as falhas do Estado são consideradas mais graves que as de mercado (Meier, 2001Meier, G. M. (2001) The old generation of development economists and the new. In: G. Meier & Stiglitz, J. E. (eds) Frontiers of development economics: the future in perspective. Washington: The World Bank, pp. 13-50.).
  • 17
    Em outras palavras, a globalização econômica e financeira complicou a chance de Estados soberanos, relativamente insulados, regularem a economia e perseguirem políticas de promoção do pleno emprego.
  • 18
    Na medida em que essa teoria considerava a sorte dos países em desenvolvimento em grande parte determinada pela estrutura e organização da economia internacional, algumas de suas formulações deixaram pouco espaço para a autonomia nacional.
  • 19
    A IPE incorpora o impacto das formas de organização da economia-mundo sobre os Estados nacionais (Wallerstein, 1979Wallerstein, I. (1979) The Capitalist World Economy. Cambridge: Cambridge University Press.), mas deixa também campo aberto para entender o papel das ideias na consolidação de uma hegemonia global.
  • 20
    O estudo das legislações, desenvolvido por John R. Commons foi uma das contribuições dessa escola.
  • 21
    Consultar Hall & Taylor, 2003; Alt & Alesina, 1996Alt, J. & Alesina, A. (1996) Political Economy: An Overview. In: R. Goodin & H-D. Klingemann (eds). A New Handbook of Political Science. Oxford: Oxford University Press, pp. 645-674. DOI: 10.1093/0198294719.001.0001
    https://doi.org/10.1093/0198294719.001.0...
    ; Weingast & Wittman, 2006Weingast, B. & Wittman, D. (2006) The Reach of Political Economy. In: B. Weingast & D. Wittman (eds) The Oxford Handbook of Political Economy. New York: Oxford University Press. DOI: 10.1093/oxfordhb/9780199548477.001.0001
    https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199...
    ; Limongi, 1994Limongi, F. (1994) O Novo Institucionalismo e os Estudos Legislativos: A Literatura Norte-Americana Recente. BIB Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, s/v(37), pp. 3-38..
  • 22
    A teoria dos jogos estuda os diferentes resultados das escolhas, institucionalmente mediadas, dos agentes econômicos em interação nos mercados, conforme suas preferências (utilidades).
  • 23
    Quando isso não foi possível, atribuiu-se ao menos uma palavra-chave.
  • 24
    Selecionamos esse periódico por ele possuir um padrão editorial afim à tradição interdisciplinar da EP, tanto que abre espaço para autores não economistas. As principais revistas nacionais do mainstream neoclássico são: Estudos Econômicos (FEA-USP), Pesquisa e Planejamento Econômico (PPE-IPEA) e a Revista Brasileira de Economia (FGV-RJ).
  • 25
    Não levantamos dados sobre a economia política na Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI).

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Outras Fontes

Glossário de siglas

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  • ABRI  Associação Brasileira de Relações Internacionais
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2019
  • Aceito
    14 Set 2020
  • Recebido
    14 Dez 2020
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