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A economia política da inteligência artificial: o caso da Alemanha

The political economy of artificial intelligence: the case of Germany

RESUMO

Introdução:

No início do século XXI, tecnologias digitais - e.g., internet móvel de alta velocidade (5G), inteligência artificial (IA), big data e analytics, e computação em nuvem - vêm causando profundos impactos na economia política internacional. Entre elas, a IA tem gerado efeitos políticos, sociais e econômicos significativos, incluindo reestruturações industriais, modelos de negócios em plataformas, leis de privacidade de dados, transformações no mundo do trabalho, e novos métodos educacionais. Esses efeitos são particularmente sentidos nas democracias ricas, como é o caso da Alemanha, onde a IA é incentivada através de instrumentos como a National Industrial Strategy 2030 e a Artificial Intelligence Strategy. Entretanto, vários desafios caracterizam essa difusão tecnológica. Neste artigo, analiso e interpreto esse fenômeno, investigando as dinâmicas políticas e econômicas que delineiam a difusão da IA na Alemanha.

Materiais e Métodos:

Foram realizadas vinte e uma entrevistas com especialistas representantes do mercado e da academia na Alemanha, entre outubro de 2019 e julho de 2020, e analisados dezesseis 16 relatórios governamentais, além de revisão da literatura sobre o tema.

Resultados:

Os resultados apontam que (1) a IA possui uma variedade de aplicações no país, tanto em pesquisa acadêmica quanto em bens e serviços de mercado, e (2) o governo está se aproximando de universidades e empresas para impulsionar essa tecnologia. Entretanto, (3) vários desafios à difusão da IA e seus impactos foram identificados: riscos à mão-de-obra associados à automação de postos de trabalho, aversão tecnológica por parcelas da sociedade e do empresariado, lacuna empreendedora e número restrito de empresas de tecnologia, oferta insuficiente de recursos humanos qualificados em IA, política de privacidade de dados ainda em adequação, e déficits em infraestruturas digitais.

Discussão:

O estudo contribui com a literatura sobre a economia política da IA em três aspectos. Primeiro, é um dos trabalhos inaugurais no Brasil a investigar a IA através de pesquisa de campo sistemática. Em segundo lugar, a despeito da excelência industrial e tecnológica, a Alemanha enfrenta desafios para se inserir na economia digital, fenômeno que até então tem sido pouco retratado na literatura. Terceiro, apesar de não focarmos o Brasil, o estudo traz luz para potenciais desafios à política industrial e tecnológica brasileiras em cenário global de crescente digitalização.

Palavras-chave
inteligência artificial; Alemanha; política tecnológica; variedades de capitalismo; Indústria 4.0

ABSTRACT

Introduction:

At the dawn of the 21st century, digital technologies - e.g., high-speed mobile internet (5G), artificial intelligence (AI), big data and analytics, and cloud computing - have had profound impacts on the international political economy. Among them, AI has sparked political, social, and economic effects, including industrial restructuring, new business models, data privacy laws, labor transformations, and new educational methods. These effects are particularly evident in rich democracies such as Germany, where AI is incentivized through government plans like the National Industrial Strategy 2030 and the Artificial Intelligence Strategy. However, several challenges characterize this technology diffusion. In this article, I analyze and interpret this phenomenon, investigating which political and economic dynamics outline the spread of AI in Germany.

Materials and Methods:

This research is based on 21 interviews conducted in Germany, with experts from the market and academia, between October 2019 and July 2020, in addition to the analysis of 16 government reports and literature review.

Results:

The results indicate that (1) AI has a variety of applications in the country, both in academic research and market goods and services, and (2) the government is approaching universities and companies to boost AI. However, (3) several challenges to the dissemination of AI and its effects have been identified: risks to the workforce associated with job automation, technological aversion by some social groups and business managers, entrepreneurial gap and limited number of start-ups, few qualified human resources in AI, data privacy policy still in adequacy, and deficits in digital infrastructure.

Discussion:

The study contributes to the literature on the political economy of AI in three aspects. First, it is one of the inaugurals works in Brazil to investigate AI through systematic field research. Second, despite its industrial and technological excellence, Germany faces challenges to enter digital economy, a phenomenon has not been too explored in the literature. Third, although it does not focus on Brazil, the study highlights potential challenges to Brazilian industrial and technological policy in a global scene of increasing digitalization.

Keywords
artificial intelligence; Germany; technology policy; varieties of capitalism; Industry 4.0

I. Introdução1 1 Agradeço ao DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) pelo financiamento que possibilitou a realização desta pesquisa e à CAPES pela bolsa de doutorado, código de financiamento 001. Sou grato também aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos e editores da Revista de Sociologia e Política.

Avanços tecnológicos causaram grandes transformações sociais e econômicas ao longo do século XX e início do XXI, por exemplo, em áreas como medicina, transportes, biotecnologia, engenharias, e tecnologias da informação e comunicação (TICs). Ademais, desenvolvimentos em governo eletrônico têm influenciado a participação política, e a internet tem reestruturado as cadeias de valor produtivas e financeiras globalmente (Wu & Gereffi, 2018Wu, X. & Gereffi, G. (2018) Amazon and Alibaba: internet governance, business models, and internationalization strategies. In: R.A. Tulder, A. Verbeke & L. Piscitello (eds) International business in the Information and Digital Age. Bingley, UK: Emerald Publishing.). Em que pesem esses desenvolvimentos, já vinculados ao paradigma produtivo, a partir da segunda década deste século XXI, o debate tecnológico adquiriu novos contornos.

Esforços de re-industrialização têm se instaurado no cerne do sistema político econômico, via complexas redes científicas-empresariais-governamentais, moldando o futuro da economia global, partindo, até o momento, da ótica e preferências dos países desenvolvidos. Originada em planos como o Ensuring American Leadership in Advanced Manufacturing (USA, 2011USA. (2011) Report to the president on ensuring American leadership in advanced manufacturing. Disponível em: https://obamawhitehouse.archives.gov/sites/default/files/microsites/ostp/pcast-advanced-manufacturing-june2011.pdf. Acesso em: 20 de jan. 2019.
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) e o Industrie 4.0 (Germany, 2014GERMANY. (2014) Industrie 4.0: smart manufacturing for the future. GTAI German Trade and Investment. Disponível em: http://www.inovasyon.org/pdf/GTAI.industrie4.0_smart.manufact.for.future.July.2014.pdf Acesso em: 22 de out. 2019.
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), a quarta revolução industrial (Indústria 4.0) seria um esforço para reverter a estagnação industrial que, desde os fins do século XX, vem assolando as economias avançadas. Esses esforços de retomada industrial mobilizam tecnologias como a Internet das Coisas (IoT), big data, cloud computing, redes 5G, Inteligência Artificial (IA), realidade virtual e aumentada, impressão 3D, blockchain, biologia sintética e nanotecnologia (WEF, 2018WEF. (2018) The future of jobs report 2018. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2018.pdf. Acesso em: 22 de out. 2020.
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; Chen & Shen, 2019Chen, S. & Shen, M. (2019) The fourth industrial revolution and the development of artificial intelligence. In: D. Kwan & T. Yu (eds) Contemporary issues in international political economy. Singapore: Palgrave Macmillan, pp. 333-346.). Ou seja, rearticula-se a atividade produtiva, desde o modo como bens e serviços são produzidos, vendidos e distribuídos (Brun et al., 2019Brun, L., Gereffi, G. & Zhan, J. (2019) The “lightness” of industry 4.0 lead firms: implications for global value chains. In: P. Bianchi, C.R. Durán, & S. Labory (eds) Transforming industrial policy for the digital age. London: Edward Elgar Publishing, pp. 1-23.), até a fusão antes impensável dos paradigmas biológico, físico e digital (Maynard, 2015).

Dentre as tecnologias emergentes, a IA tem despertado crescente interesse. IA refere-se à “teoria e desenvolvimento de sistemas de computador capazes de realizar tarefas que normalmente requerem inteligência humana” (Agrawal et al., 2019Agrawal, A., Gans, J. & Goldfarb, A. (2019) Economic policy for artificial intelligence. Innovation Policy and the Economy, 19(1), pp. 139-159. DOI: 10.1086/699935
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, p. 3). Como “tecnologia de uso geral”, a IA pode ser aplicada em uma variedade de setores à montante e à jusante nas cadeias de suprimentos (i.e., tanto nas etapas produtivas quanto nos bens e serviços finais que chegam ao consumidor). Exemplos incluem robôs industriais, veículos autônomos, respostas automatizadas a clientes e diagnósticos médicos via análise de históricos parametrizados (Miailhe & Hodes, 2017Miailhe, N. & Hodes, C. (2017) The third age of artificial intelligence. Field Actions Science, 17(1), pp. 6-11.; Agrawal et al., 2019Agrawal, A., Gans, J. & Goldfarb, A. (2019) Economic policy for artificial intelligence. Innovation Policy and the Economy, 19(1), pp. 139-159. DOI: 10.1086/699935
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; Zhu & Long, 2019Zhu, Q. & Long, K. (2019) How will artificial intelligence impact Sino-US relations? China International Strategy Review, 1(1), pp. 139-151. DOI: 10.1007/s42533-019-00008-9
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).

A literatura recente nas ciências humanas e sociais tem se concentrado em compreender os riscos sociais relacionados à IA, a exemplo da automação de funções, novas demandas educacionais e treinamento da mão-de-obra, custos sociais associados a reestruturações na cadeia produtiva, e redimensionamentos setoriais levando, ocasionalmente, à extinção de empregos e de algumas modalidades de negócios (Autor, 2015Autor, D. (2015) Why are there still so many jobs? The history and future of workplace automation. Journal of Economic Perspectives, 29(3), pp. 3-30. DOI: 10.1257/jep.29.3.3
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; Pfeiffer, 2018Pfeiffer, S. (2018) The ‘future of employment’ on the shop floor: why production jobs are less susceptible to computerization than assumed. International Journal for Research in Vocational Education and Training, 5(3), pp. 208-225. DOI: 10.13152/IJRVET.5.3.4
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; WEF, 2018WEF. (2018) The future of jobs report 2018. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2018.pdf. Acesso em: 22 de out. 2020.
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). Em países industrializados, a IA tem se propagado de modo circunscrito a uma tensão entre efeitos benéficos às estruturas político-econômicas, e, por outro lado, ameaças a padrões produtivos e socioculturais clássicos, impondo barreiras à difusão tecnológica. A título de exemplo, na Alemanha a IA ameaça dimensões laborais e produtivas em setores manufatureiros em que o país se consolidou como líder global, como o automobilístico e o de equipamentos médicos.

Os estudos sociais da ciência e da tecnologia (ESCT) também vêm apontando efeitos socioeconômicos e políticos da IA. Por exemplo: a economia política dos robôs e seus impactos produtivos estruturais (Kiggins, 2018Kiggins, R.D. (2018) Political economy of robots. Londres: Palgrave Macmillan.); políticas públicas relacionadas à privacidade de dados, impactos legais e regulação comercial diante da digitalização e suas consequências (Funk, 2017Funk, J. (2017) What does innovation today tell us about the US economy tomorrow? Disponível em: https://issues.org/what-does-innovation-today-tell-us-about-the-us-economy-tomorrow/ Acesso em: 30 de mar. 2020.
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; Agrawal et al., 2019Agrawal, A., Gans, J. & Goldfarb, A. (2019) Economic policy for artificial intelligence. Innovation Policy and the Economy, 19(1), pp. 139-159. DOI: 10.1086/699935
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); impactos setoriais e econômicos de novas aplicações em IA (Boyd & Rolton, 2018Boyd, R. & Holton, R.J. (2018) Technology, innovation, employment and power: does robotics and artificial intelligence really mean social transformation? Journal of Sociology, 54(3), pp. 331-345. DOI: 10.1177/1440783317726591
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; Levy, 2018Levy, F. (2018) Computers and populism: artificial intelligence, jobs, and politics in the near term. Oxford Review of Economic Policy, 34(3), pp. 393-417. DOI: 10.1093/oxrep/gry004
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); consequências nas dimensões laborais da automação de funções (Lewchuk, 2018Lewchuk, W. (2018). The political economy of precariousness in an Era of Artificial Intelligence. HeinOnline. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/canlemj21÷=12&id=&page= . Acesso em: 30 de mar. 2020.
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; Webster & Ivanov, 2020Webster, C. & Ivanov, S. (2020) Robotics, artificial intelligence, and the evolving nature of work. In: G. Babu & J. Paul (eds) Digital transformation in business and society: theory and cases. Londres: Palgrave McMillan, pp. 127-143.); e reflexões geopolíticas acerca da competição tecnológica global, capitaneada por China e Estados Unidos (EUA) (Zhu & Long, 2019Zhu, Q. & Long, K. (2019) How will artificial intelligence impact Sino-US relations? China International Strategy Review, 1(1), pp. 139-151. DOI: 10.1007/s42533-019-00008-9
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).

Entretanto, no Brasil, até o momento poucos estudos abordaram esse fenômeno (Mendes, 2021Mendes, V. (2021) The limitations of International Relations regarding MNCs and the digital economy: evidence from Brazil. Review of Political Economy, 33(1), pp. 67-87.), quer seja da perspectiva das políticas de regulação (Zanatta & Abramovay, 2019Zanatta, R.A. & Abramovay, R. (2019) Dados, vícios e concorrência: repensando o jogo das economias digitais. Estudos Avançados, 33, pp. 421-446.), ou via dimensionamento quantitativo da possível eliminação de empregos diante da automação (Albuquerque et al., 2019Albuquerque, P.H., Saavedra, A., Morais, R., Alves, R. & Yaohao, P. (2019) Na era das máquinas, o emprego é de quem? Estimação da probabilidade de automação de ocupações no Brasil. Texto para discussão IPEA 2457. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9116/1/td_2457.pdf Acesso em: 12 de ago. 2019.
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). Em buscas pela palavra-chave “inteligência artificial”, realizadas nas bases de dados de importantes revistas científicas brasileiras (Dados, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Revista de Sociologia e Política, Revista Brasileira de Política Internacional, Brazilian Political Science Review, e Contexto Internacional), foi obtido somente um artigo (Dwyer, 2001), que analisou impactos da IA nas ciências sociais. Logo, é notória a lacuna sobre o tema na literatura científica brasileira.

Este artigo traz, assim, uma contribuição empírica original para a literatura sobre a economia política da IA. O objetivo é investigar os mecanismos político-econômicos que delineiam a adoção e difusão da IA na Alemanha, o que é feito através de estudo de caso pautado em 10 meses de pesquisa de campo naquele país, de outubro de 2019 a julho de 2020. Este é um dos primeiros esforços nas ciências sociais brasileiras a propor uma análise desse tipo. No artigo, o fenômeno é escrutinado através da análise acerca do modo como a IA vem sendo progressivamente estimulada pelo governo. Também se observa que a difusão dessa tecnologia envolve disputas político-econômicas, ora tencionando em favor de um desenvolvimento gradual, que poderá contribuir para a vitalidade industrial alemã no longo-prazo, ora questionando tal difusão, através de narrativas que enfatizam os custos socioeconômicos relacionados. Optou-se pela Alemanha por ser um dos centros de origem da Indústria 4.0, além de estratégias governamentais recentes visando à difusão da IA. O artigo estrutura-se em quatro seções, além desta introdução. Na próxima, aborda-se a teoria de Variedades de Capitalismo aplicada à Alemanha bem como a literatura sobre economia política da IA. Em seguida, trata-se dos dados e métodos de pesquisa, o que é seguido pela seção de resultados e discussão. Finaliza-se com uma conclusão e recomendações de pesquisas futuras.

II. Referencial teórico

II.1. Variedades de capitalismo e política tecnológica na Alemanha

Segundo Hall (2015Hall, P. (2015) Varieties of capitalism. In: R. Scott & S. Kosslyn (eds) Emerging trends in the social and behavioral sciences. Londres: John Wiley & Sons, pp. 1-15. DOI: 10.1002/9781118900772
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, p. 1), “a estrutura institucional da economia política confere vantagens comparativas, notadamente para a inovação radical ou incremental, o que explica porque as economias não convergiram no contexto da globalização.” É através de alinhamentos e disputas entre diferentes modalidades institucionais (ex.: sindicatos, associações empresariais, trabalhadores, partidos políticos etc.) que a abordagem conhecida como Variedades de Capitalismo (VoC) possibilita interpretar fenômenos político-econômicos partir das especificidades do capitalismo de cada país sob investigação.

Dois arquétipos ilustram as VoC. De um lado, Economias Liberais de Mercado (ELM) são países com arcabouço institucional flexível, liderados pelas instituições do mercado, em modelagens de governança competitiva, racionalismo individualizado, potencialmente centrados em empresas multinacionais e startups, cujo centro dinâmico baseia-se em inovações radicais. Os EUA incorporam essencialmente todas essas propriedades. Por outro lado, Economias Coordenadas de Mercado (ECM) são idealmente balizadas por inovações incrementais, com algumas particularidades típicas em Estados de bem-estar social, como Alemanha, França e países escandinavos.

Na Alemanha, os esforços de reestruturação do pós-guerra originaram uma VoC caracterizada por elevada coesão institucional e cooperação em torno dos seguintes subsistemas: I) governança corporativa, assegurando financiamento de longo prazo às empresas, blindando-as em considerável medida das pressões de curto prazo dos mercados financeiros; II) relações cooperativas entre empresários e trabalhadores, mediadas por fortes sindicatos; III) sistema de educação e treinamento vocacional, alinhando formação teórico-prática com desenvolvimento de competências específicas para cada indústria; IV) relações interempresariais, possibilitando difusão de padrões industriais, facilitando transferência tecnológica e arranjo cooperativo entre firmas; V) previdência e seguro social generosos, garantindo que aposentados e pessoas temporariamente desempregadas, excluídas da esfera produtiva, possam manter certos níveis de consumo (Bathelt & Gertler, 2005Bathelt, H. & Gertler, M. (2005) The German variety of capitalism: forces and dynamics of evolutionary change. Economic Geography, 81(1), pp. 1-9.; Hall & Thelen, 2009Hall, P. & Thelen, K. (2009) Institutional change in varieties of capitalism. Socio-economic Review, 7(1), pp. 7-34. DOI: 10.1093/ser/mwn020
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; Fleckenstein & Lee, 2017Fleckenstein, T. & Lee, S. (2017) The politics of labor market reform in coordinated welfare capitalism: comparing Sweden, Germany, and South Korea. World Politics, 69(1), pp. 144-183.; Thelen, 2019Thelen, K. (2019) Transitions to the knowledge economy in Germany, Sweden, and the Netherlands. Comparative Politics, 51(2), pp. 295-315.).

O modelo de capitalismo alemão caracteriza-se por inovações incrementais, desenvolvidas em corporações hierárquica e organizacionalmente estáveis, verificando-se interdependência funcional entre instituições do mercado, governo e a mão-de-obra sindicalizada. Como resultados, progressivamente entre 1950-1980 o país atingiu posições de liderança global em uma miríade de setores: indústrias de aço, cobre e alumínio, química, engenharia mecânica, automotiva, dispositivos médicos, armamentos e aeroespacial (Guimarães et al., 2014Guimarães, A., Barbosa, F., Costa, G., Natalino, E. & Oliveira Neto, P. (2014) Alemanha: o modelo de capitalismo social e os desafios no limiar do século XXI. Revista de Sociologia e Política, 22(51), pp. 55-75.; Germany, 2019GERMANY. (2019) National industrial strategy 2030: strategic guidelines for a German and European industrial policy. Disponível em: https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publikationen/Industry/national-industry-strategy-2030.html. Acesso em: 22 de out. 2019.
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). O país transformou-se numa das principais potências industriais do mundo, ao mesmo tempo que manteve um “Estado de bem-estar social corporativo conservador (Bismarckiano)” (Fleckenstein & Lee, 2017Fleckenstein, T. & Lee, S. (2017) The politics of labor market reform in coordinated welfare capitalism: comparing Sweden, Germany, and South Korea. World Politics, 69(1), pp. 144-183., p. 2).

Entretanto, desde a década de 1990, o modelo alemão encontra-se sob fortes pressões. Isto se dá por uma série de fatores: competição internacional de baixo custo (em particular da Europa Oriental e Ásia), estrutura populacional em mutação (envelhecimento da mão de obra, população economicamente ativa em declínio), custos da reunificação alemã, baixas taxas de crescimento, elevados níveis de desemprego e crescente impulso do setor de serviços em comparação com a indústria (Bathelt & Gertler, 2005Bathelt, H. & Gertler, M. (2005) The German variety of capitalism: forces and dynamics of evolutionary change. Economic Geography, 81(1), pp. 1-9., p. 1; Hall & Thelen, 2009Hall, P. & Thelen, K. (2009) Institutional change in varieties of capitalism. Socio-economic Review, 7(1), pp. 7-34. DOI: 10.1093/ser/mwn020
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, p. 22). A reunificação da Alemanha, ocorrida em 1990, foi desafiadora em termos fiscais porque o governo não dimensionou bem os custos do processo. “A transição (...) foi bem mais lenta que o esperado, e as empresas do Leste, menos produtivas, enfrentaram dificuldades em consequência dos maiores custos de mão de obra e do câmbio valorizado, de forma que o desemprego subiu significativamente” (Guimarães et al., 2014Guimarães, A., Barbosa, F., Costa, G., Natalino, E. & Oliveira Neto, P. (2014) Alemanha: o modelo de capitalismo social e os desafios no limiar do século XXI. Revista de Sociologia e Política, 22(51), pp. 55-75., p. 59).

Em paralelo aos custos fiscais ao Estado, as pressões advindas da financeirização econômica, catalisada pela crise de 2008, abalaram as relações entre bancos e empresas, dificultando o insulamento institucional das firmas em face às crescentes pressões dos mercados financeiros globais. O próprio modelo industrial passou a sofrer, não apenas pela tendência de desindustrialização enfrentada pela maioria das democracias ricas desde a segunda metade do século XX, mas porque, com baixos níveis de inovações radicais, a Alemanha se mostrou pouco competitiva em alguns setores tecnológicos, como TICs.

Nesse ensejo, Thelen (2019, p. 301) analisou os desafios e impasses da transição alemã para a chamada economia do conhecimento. “Como motor central de crescimento, a indústria desfruta de uma influência desproporcional não apenas na economia, mas também nos círculos de formulação de políticas.” Tanto as grandes firmas quanto o Mittelstand (pequenas e médias empresas) concentram-se em nichos específicos, como engenharia, automobilístico e equipamentos médicos. Arranjos institucionais têm tradicionalmente defendido os interesses destes setores, inclusive direcionando reformas trabalhistas recentes. Por exemplo, a liberalização do mercado de trabalho vem eliminando benefícios a desempregados e flexibilizou modelos de contratação, mas protegeu profissionais industriais especializados. “Embora o emprego na indústria tenha caído para cerca de 20% do emprego total na Alemanha, 80% dos gastos com subsídios trabalhistas são direcionados a trabalhadores do núcleo industrial” (Thelen, 2019Thelen, K. (2019) Transitions to the knowledge economy in Germany, Sweden, and the Netherlands. Comparative Politics, 51(2), pp. 295-315., p. 302).

Além disso, a manufatura high tech sempre dependeu do treinamento vocacional no interior das firmas, de modo que empresários e sindicatos historicamente trabalharam juntos para manter a qualidade desses treinamentos. Entretanto, “à medida que a produção se torna cada vez mais intensiva em conhecimento, a manufatura avançada requer cada vez mais habilidades teóricas que as empresas não podem fornecer eficientemente” (Thelen, 2019Thelen, K. (2019) Transitions to the knowledge economy in Germany, Sweden, and the Netherlands. Comparative Politics, 51(2), pp. 295-315., p. 302).

Segundo Fleckenstein & Lee (2017, p. 3), as reformas trabalhistas recentes se processaram “mediante fissuras nas coalizões do Estado de bem-estar social,” pondo o trabalhador em particular desvantagem. A partir dos 1990s, os empresários tornaram-se crescentemente hostis ao modelo de bem-estar social, pressionando o governo por reformas neo-utilitárias, sobretudo via redução de benefícios trabalhistas. Essas pressões desafiam o modelo de ECM, segundo o qual empresas e trabalhadores interagiriam em constantes, porém harmônicos, processos de negociação. Diferente disso, os desenvolvimentos que se processam na Alemanha contemporânea apontam para a “redução dos custos trabalhistas não salariais como central para aumento da competitividade das empresas” de tal forma que os “sindicatos foram sucessivamente marginalizados na formulação de políticas trabalhistas” (Fleckenstein & Lee, 2017Fleckenstein, T. & Lee, S. (2017) The politics of labor market reform in coordinated welfare capitalism: comparing Sweden, Germany, and South Korea. World Politics, 69(1), pp. 144-183., pp. 20-2).

Além do aspecto trabalhista, a “transformação digital” no país traz desafios adicionais à coordenação de mercado, conforme retratado na Estratégia Industrial Nacional 2030:

Novas empresas e grandes conglomerados de sucesso global estão surgindo em quase todas as áreas de alta inovação, particularmente aquelas que envolvem digitalização e IA, com enorme capital e força de mercado (....). A falta de sucesso (da Alemanha) até agora nas tecnologias do futuro se tornará um risco direto para o sucesso de longo prazo nas áreas em que o país é tradicionalmente forte. Nossa força nas principais áreas industriais só poderá ser mantida se também formos fortes nas novas áreas tecnológicas do futuro (Germany, 2019GERMANY. (2019) National industrial strategy 2030: strategic guidelines for a German and European industrial policy. Disponível em: https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publikationen/Industry/national-industry-strategy-2030.html. Acesso em: 22 de out. 2019.
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, p. 6).

Foi partindo desses riscos, há muito evidentes nos círculos industrial e político, que emergiram pressões por reformas institucionais, em busca de reafirmar o papel estratégico da indústria no contexto de digitalização. Em paralelo, verificam-se os impasses próprios do modelo de ECM, ou seja, uma espécie de lacuna empreendedora, dificultando o surgimento de inovações disruptivas, o que torna o ambiente de negócios menos propício ao avanço de empresas startups (Germany, 2019GERMANY. (2019) National industrial strategy 2030: strategic guidelines for a German and European industrial policy. Disponível em: https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publikationen/Industry/national-industry-strategy-2030.html. Acesso em: 22 de out. 2019.
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).

Consequentemente, em 2010 foi lançada a política High Tech 2020, da qual a conhecida iniciativa Indústria 4.0 derivou. A Indústria 4.0 pauta-se por esforços de conexão entre indústrias físicas e digitais, através de sistemas produtivos ciberfísicos. O programa ajudou a Alemanha a se posicionar entre os líderes globais em áreas como internet das coisas (IoT) e em comunicação máquina-máquina (M2M), embora não tenha sido suficiente para tornar o país competitivo em IA, conforme trataremos adiante (Thelen, 2019Thelen, K. (2019) Transitions to the knowledge economy in Germany, Sweden, and the Netherlands. Comparative Politics, 51(2), pp. 295-315., p. 303). Apesar disso, quando se observa as entidades envolvidas na elaboração da High Tech 2020, verifica-se que, por mais futurística que essa política possa parecer, ela continuou enraizada nos interesses industriais e manufatureiros. O comitê que a desenvolveu incluía, centralmente, “Associação Comercial de Engenharia Mecânica (VDMA), a Federação da Indústria Alemã (BDI), a Associação de Fabricantes para o Indústria Elétrica (ZVEI), a Associação Alemã da Indústria Automotiva (VDA) e, é claro, a IG Metall2 2 IG Metall é o sindicato dos metalúrgicos da Alemanha, sendo o maior do país e o maior sindicato industrial da Europa. ” (Thelen, 2019Thelen, K. (2019) Transitions to the knowledge economy in Germany, Sweden, and the Netherlands. Comparative Politics, 51(2), pp. 295-315.). Ou seja, instituições tradicionalmente vinculadas ao paradigma manufatureiro.

Destacam-se, no contexto de digitalização recente, tanto a Artificial Intelligence Strategy3 3 Esta estratégia foi atualizada, incluindo pontos de adaptação à Covid-19, por exemplo: incremento dos esforços de aplicação de AI em ciências da saúde e da vida, facilitação do uso da AI em empresas, e esforços para incrementar o acesso a infraestruturas digitais avançadas. (Germany, 2018GERMANY. (2018) Artificial intelligence strategy. The German Federal Government. Disponível em: https://www.ki-strategie-deutschland.de/home.html?file=files/downloads/Nationale_KI-Strategie_engl.pdf Acesso em: 22 out. 2019.
https://www.ki-strategie-deutschland.de/...
) quanto a National Industrial Strategy 2030 (Germany, 2019GERMANY. (2019) National industrial strategy 2030: strategic guidelines for a German and European industrial policy. Disponível em: https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publikationen/Industry/national-industry-strategy-2030.html. Acesso em: 22 de out. 2019.
https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publika...
). Na esteira dos desenvolvimentos narrados até aqui, estas políticas reconhecem os riscos enfrentados pela indústria alemã, e a necessidade de o país se engajar na economia digital, a fim de manter sua competitividade em manufaturas avançadas. Apesar disso, os pressupostos desses dois planos são bem distintos.

O primeiro (Germany, 2018GERMANY. (2018) Artificial intelligence strategy. The German Federal Government. Disponível em: https://www.ki-strategie-deutschland.de/home.html?file=files/downloads/Nationale_KI-Strategie_engl.pdf Acesso em: 22 out. 2019.
https://www.ki-strategie-deutschland.de/...
, p. 32-35) apontou caminhos para o país se tornar um líder global em IA destacando incentivos a: aumento de investimentos em P&D em IA, transformação de pesquisas científicas em aplicações de mercado, apoio a startups, educação digital para os trabalhadores, políticas para atração de profissionais estrangeiros de TICs, acordos de cooperação internacional, e estratégias para facilitar o acesso a big data.

No entanto, o segundo documento (Germany, 2019GERMANY. (2019) National industrial strategy 2030: strategic guidelines for a German and European industrial policy. Disponível em: https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publikationen/Industry/national-industry-strategy-2030.html. Acesso em: 22 de out. 2019.
https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publika...
), que já é considerado um ponto de inflexão histórico (Zettelmeyer, 2019), retomou o espírito nacionalista na política industrial alemã. Numa perspectiva diferente da estratégia para AI, a National Industrial Strategy 2030 adotou um cunho nacionalista e protecionista, centrado em cinco medidas: i) esforço para aumentar ainda mais a participação da manufatura no valor agregado bruto da atividade econômica (de 23% para 25% até 2030); ii) restrição às importações de produtos intermediários de fora da EU; iii) apoio a campeãs nacionais na Alemanha e na União Europeia (UE); iv) defesa contra aquisições de certas empresas alemãs, nos setores de alta tecnologia, por capitais estrangeiros; v) aumento do apoio estatal a tecnologias consideradas estratégicas (Germany, 2019GERMANY. (2019) National industrial strategy 2030: strategic guidelines for a German and European industrial policy. Disponível em: https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publikationen/Industry/national-industry-strategy-2030.html. Acesso em: 22 de out. 2019.
https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publika...
, p. 13-15).

Em essência, o país se vê pressionado pela concorrência global em tecnologias digitais, particularmente a IA, e, assim, busca encontrar um meio-termo entre a proteção da indústria local e o liberalismo respaldado pela abertura de mercados e atração de mão de obra especializada, sobretudo em TICs. Embora citadas como prioritárias, não foram apontadas nesses relatórios políticas específicas de treinamento da mão de obra em competências digitais.

II.2. Inteligência Artificial e efeitos sociais da difusão tecnológica

II.2.1. Conceito, aplicações e difusão da inteligência artificial

Desde a década de 1950, mas particularmente na década de 1970, pesquisas sobre redes neurais artificiais já vinham fornecendo os alicerces para o campo chamado “aprendizado de máquina” (Chen & Shen, 2019Chen, S. & Shen, M. (2019) The fourth industrial revolution and the development of artificial intelligence. In: D. Kwan & T. Yu (eds) Contemporary issues in international political economy. Singapore: Palgrave Macmillan, pp. 333-346.). Na década de 1980, apesar da popularidade do termo IA na literatura acadêmica e ficcional, dificuldades para aplicações práticas e a existência de outras tecnologias já prontas para o mercado (ex., microprocessadores e computadores pessoais), retardaram seu desenvolvimento mais profícuo. Entretanto, a partir da década de 1990, com aumento da capacidade computacional, disponibilidade progressiva de dados, massificação das tecnologias digitais e a internet, a IA adquiriu novo fôlego, que, balizado em décadas de pesquisa científica, finalmente viabilizou aplicações mercadológicas (Agrawal et al., 2019Agrawal, A., Gans, J. & Goldfarb, A. (2019) Economic policy for artificial intelligence. Innovation Policy and the Economy, 19(1), pp. 139-159. DOI: 10.1086/699935
https://doi.org/10.1086/699935...
).

Evidentemente, não podemos ser ingênuos quanto ao potencial efetivo da IA. Miailhe & Hodes (2017Miailhe, N. & Hodes, C. (2017) The third age of artificial intelligence. Field Actions Science, 17(1), pp. 6-11., p. 6) enfatizaram que dentre as variedades de IA fraca (artificial narrow intelligence), em que os modelos de machine learning atuam apenas dentro do cenário para o qual foram programados, e IA forte (artificial general intelligence), em que máquinas autônomas desempenhariam qualquer atividade humana, somente a primeira é atualmente viável, ao passo que os cientistas ainda discordam fortemente sobre a factibilidade e prazo para se chegar à segunda. Apontam, ainda, para a necessidade de diferenciação entre IA e robótica. Enquanto a primeira seria imaterial e virtual, possuindo apenas manifestações funcionais cognitivas, a robótica se relacionaria a funções motoras (que podem ou não incorporar elementos da IA). Outros adotam definição mais ampla. Robôs incluiriam desde drones comerciais e militares e veículos autônomos até bots, vírus e malware; portanto, robôs e IA seriam praticamente sinônimos (Kiggins, 2018Kiggins, R.D. (2018) Political economy of robots. Londres: Palgrave Macmillan.).

Outros afirmam que a IA vem se popularizando porque viabiliza “inovações de aprimoramento humano.” Na medicina, a IA não substituiria médicos, mas aumentaria as capacidades humanas de precisão e consistência, por exemplo, em cirurgias auxiliadas por robôs. No caso dos professores, o ensino remoto e assistentes virtuais podem flexibilizar a atividade docente. Eventualmente, até mesmo juízes poderão, em tese, executar suas funções auxiliados por análises de IA (Trajtenberg, 2018Trajtenberg, M. (2018) AI as the next GPT: a political-economy perspective. National Bureau of Economic Research: Working Paper 24245. Disponível em: https://www.nber.org/papers/w24245 Acesso em: 30 de jan. 2020.
https://www.nber.org/papers/w24245...
, p. 8).

Em termos mercadológicos, três principais aplicações encontram-se operantes: veículos autônomos (em situações controladas), bots de respostas automatizadas a clientes, e robótica industrial (Levy, 2018Levy, F. (2018) Computers and populism: artificial intelligence, jobs, and politics in the near term. Oxford Review of Economic Policy, 34(3), pp. 393-417. DOI: 10.1093/oxrep/gry004
https://doi.org/10.1093/oxrep/gry004...
). Se difundidas com sucesso, o autor projeta que em 2024 essas aplicações poderão eliminar, respectivamente, 76.000, 260.000 e 216.000 empregos nos EUA (Levy, 2018Levy, F. (2018) Computers and populism: artificial intelligence, jobs, and politics in the near term. Oxford Review of Economic Policy, 34(3), pp. 393-417. DOI: 10.1093/oxrep/gry004
https://doi.org/10.1093/oxrep/gry004...
, p. 404-409). Particularmente, a expansão dos chatbots gera alta probabilidade de automação de postos de trabalho em call centers e ocupações relacionadas (Webster & Ivanov, 2020Webster, C. & Ivanov, S. (2020) Robotics, artificial intelligence, and the evolving nature of work. In: G. Babu & J. Paul (eds) Digital transformation in business and society: theory and cases. Londres: Palgrave McMillan, pp. 127-143.).

Já as empresas de plataforma (Alphabet, Meta, Amazon, Tencent, Alibaba...), mais visíveis em e-commerce e publicidade, são estruturadas em torno da chamada AI tap, i.e., ferramentas online para coleta de dados de consumidores e uso tanto no treinamento de seus algoritmos quanto em estratégias de marketing (Hamori & Kume, 2018Hamori, S. & Kume, T. (2018) Artificial intelligence and economic growth. In: M. McAleer (ed) Advances in decision sciences. Taiwan: Asia University, pp. 256-278.). Aplicações da IA incluem, ainda: assistentes pessoais virtuais (Alexa, da Amazon; Siri, da Apple etc.), mecanismos de recomendação, sistemas de vigilância e monitoramento remoto, ferramentas de sequenciamento genético e de análise preditiva de safras (Miailhe & Hodes, 2017Miailhe, N. & Hodes, C. (2017) The third age of artificial intelligence. Field Actions Science, 17(1), pp. 6-11.).

A difusão da IA é impulsionada pelos ganhos econômicos prospectivos. Através de robôs e sistemas inteligentes, empregos (e salários) tendem a contribuir cada vez menos para a matriz de custos empresariais (Lewchuk, 2018Lewchuk, W. (2018). The political economy of precariousness in an Era of Artificial Intelligence. HeinOnline. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/canlemj21÷=12&id=&page= . Acesso em: 30 de mar. 2020.
https://heinonline.org/HOL/LandingPage?h...
). Em 2030, estima-se que a contribuição da IA para o PIB global chegará à ordem de US$ 15,7 trilhões. Pela projeção, China e EUA serão os maiores beneficiários, totalizando US$ 10,7 trilhões desse valor (Zhu & Long, 2019Zhu, Q. & Long, K. (2019) How will artificial intelligence impact Sino-US relations? China International Strategy Review, 1(1), pp. 139-151. DOI: 10.1007/s42533-019-00008-9
https://doi.org/10.1007/s42533-019-00008...
, p. 43). Em que pese o fato de que empresas de TICs sejam centrais na economia política da IA (Cox & Wartenbe, 2018Cox, R. & Wartenbe, M. (2018) The politics of global value chains. In: R. Kiggins (ed) The political economy of robots. Cingapura: Palgrave Macmillan, pp. 17-40., p. 18), empresas de diversos outros setores também têm investido em P&D relacionado (Mendes, 2021Mendes, V. (2021) The limitations of International Relations regarding MNCs and the digital economy: evidence from Brazil. Review of Political Economy, 33(1), pp. 67-87.).

Partindo das modalidades de regulação, Agrawal et al. (2019) analisam três políticas que influenciam a difusão da IA: privacidade de dados, comercialização e responsabilização. “Evidências indicam que a maioria das tentativas de regulamentação de privacidade impostas por governos levam a uma adoção tecnológica mais lenta” (Agrawal et al., 2019Agrawal, A., Gans, J. & Goldfarb, A. (2019) Economic policy for artificial intelligence. Innovation Policy and the Economy, 19(1), pp. 139-159. DOI: 10.1086/699935
https://doi.org/10.1086/699935...
, p. 10). Isso é exemplificado pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados Europeu (General Data Protection Regulation, GDPR), que limita o acesso de empresas de IA a grandes volumes de dados (Harhoff et al., 2018Harhoff, D., Heumann, S., Jentzsch, N. & Lorenz, P. (2018) Outline for a German strategy for artificial intelligence. SSRN s/v(s/n). Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?ABSTRACT_id=3222566 Acesso em: 20 de ago. 2020. DOI: 10.2139/ssrn.3222566
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
). Nesse sentido, acordos comerciais poderiam reduzir desalinhamentos nesse sentido, ao especificarem padrões internacionais de privacidade. Sem dúvida isso afetaria a taxa e a direção da inovação, mas de modo a não dar vantagem a nenhum país em particular (Agrawal et al., 2019, p. 12).

Responsabilização diz respeito à aplicação de leis de responsabilidade civil em casos de acidentes ou crimes ocorridos em função da IA. Em veículos autônomos, por exemplo, muitas empresas fazem parte da cadeia de valor (designers de sensores, fornecedores de sistemas, montadoras, desenvolvedores de software etc.). Dessa maneira, a falta de atribuição clara sobre quem seria responsável por um possível desempenho defeituoso do veículo autônomo dificulta investimentos nessa tecnologia, pela dimensão da incerteza. O mesmo se aplica à cirurgia robótica ou diagnóstico baseado em aprendizado de máquina, cuja responsabilização poderia passar do profissional da saúde para o fabricante dos dispositivos autônomos, impondo incerteza ao empresariado e ao investidor com relação aos riscos de investir em IA.

Nessa linha, Boyd & Rolton (2018Boyd, R. & Holton, R.J. (2018) Technology, innovation, employment and power: does robotics and artificial intelligence really mean social transformation? Journal of Sociology, 54(3), pp. 331-345. DOI: 10.1177/1440783317726591
https://doi.org/10.1177/1440783317726591...
, p. 337) discutem como os custos com P&D podem atrasar a adoção tecnológica, bem como a presença ou não de estruturas políticas e econômicas que suportem financeiramente tais atividades. Fatores socioculturais e a própria natureza da tecnologia também tem influência em sua aceitação social. Quando suportam, ou aprofundam, arranjos econômicos e estruturas políticas que privilegiam certos grupos, tecnologias exercem poder sobre a dinâmica social. Por exemplo, via percepção amplamente compartilhada sobre a utilidade tecnológica. Possibilidades anteriormente impensadas de se trabalhar/produzir, trazidas à luz pela nova tecnologia, podem esclarecer por que é (ou não) aceita pelos distintos grupos sociais que avaliam sua viabilidade. Nesse sentido, Compagni et al. (2015)Compagni, A., Mele, V. & Ravasi, D. (2015) How early implementations influence later adoptions of innovation: Social positioning and skill reproduction in the diffusion of robotic surgery. Academy of Management Journal, 58(1), pp. 242-278. analisaram a difusão de robôs cirúrgicos na Itália entre 1999 e 2010, focando em como os discursos de “usuários piloto” ajudaram a superar a incerteza sobre essa inovação. Nesse caso, o ceticismo foi parcialmente superado pela realização de treinamentos que explicitavam os benefícios, modos de uso, e baixos riscos dos robôs cirúrgicos.

II.2.2. Efeitos sociais da inteligência artificial

Projeções quantitativas têm sido enfáticas acerca da possível eliminação de postos de trabalho diante da automação. Webster & Ivanov (2020) projetaram que 47% dos empregos nos EUA são suscetíveis à automação, enquanto Boyd & Rolton (2018Boyd, R. & Holton, R.J. (2018) Technology, innovation, employment and power: does robotics and artificial intelligence really mean social transformation? Journal of Sociology, 54(3), pp. 331-345. DOI: 10.1177/1440783317726591
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) desenvolveram uma escala de vulnerabilidade das ocupações, apontando que nos EUA, Reino Unido, Austrália e Japão, entre 35% e 50% dos postos já poderiam ser automatizados. Albuquerque et al. (2019) projetaram que, em 2017, 55% dos trabalhadores formais no Brasil ocupavam posições com alto ou altíssimo risco de automação. Na Alemanha, estima-se que 60 mil empregos não qualificados e 770 mil vagas especializadas serão perdidas até 2035 devido à digitalização (Weber, 2017Weber, E. (2017) Digitalizing the economy: the future of employment and qualification in Germany. IAB-FORUM, pp. 1-12. Disponível em: https://www.iab-forum.de/en/digitalising-the-economy-the-future-of-employment-and-qualification-in-germany/ Acesso em: 22 de mar. 2020.
https://www.iab-forum.de/en/digitalising...
).

Em que pese a seriedade desses estudos, outros apontam um cenário menos drástico. Relatórios como WEF (2018) apontam que, embora até 2022 a digitalização possa ocasionar declínio global de 980 mil empregos, levará a um ganho de 1,74 milhão de vagas em funções relacionadas à economia digital. A Alemanha, por exemplo, enfrentaria uma digitalização limitada. Perspectivas de demissões em massa estariam superestimadas, apesar de uma ‘atualização’ dos conjuntos de habilidades da mão-de-obra ser realmente necessária (Hirsch-Kreinsen, 2016Hirsch-Kreinsen, H. (2016) Digitization of industrial work: development paths and prospects. J Labour Market Res, 49(1), pp. 1-14. DOI: 10.1007/s12651-016-0200-6
https://doi.org/10.1007/s12651-016-0200-...
).

Dois conjuntos de tarefas têm se mostrado bastante resistentes à automação. Uma categoria inclui tarefas que requerem capacidades de resolução de problemas, intuição, pensamento crítico e persuasão. A outra inclui tarefas que requerem adaptabilidade situacional, reconhecimento visual/linguístico, flexibilidade cognitiva, interações e gerenciamento interpessoal (Autor, 2015Autor, D. (2015) Why are there still so many jobs? The history and future of workplace automation. Journal of Economic Perspectives, 29(3), pp. 3-30. DOI: 10.1257/jep.29.3.3
https://doi.org/10.1257/jep.29.3.3...
, p. 3-4; WEF, 2018WEF. (2018) The future of jobs report 2018. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2018.pdf. Acesso em: 22 de out. 2020.
http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_...
). Assim, mesmo aplicações em etapas de testes levarão tempo para serem implementadas, tanto pela complexidade do desenho de políticas industriais e trabalhistas, quanto pelos desafios técnicos para a comercialização da IA (Levy, 2018Levy, F. (2018) Computers and populism: artificial intelligence, jobs, and politics in the near term. Oxford Review of Economic Policy, 34(3), pp. 393-417. DOI: 10.1093/oxrep/gry004
https://doi.org/10.1093/oxrep/gry004...
).

Esse debate tem permeado diversas análises sobre o impacto da Indústria 4.0 no mundo do trabalho. Mudanças tecnológicas estariam acelerando o crescimento de formas de emprego precárias, inseguras e alienantes em setores como o manufatureiro (Dean & Spoehr, 2018Dean, M. & Spoehr, J. (2018) The fourth industrial revolution and the future of manufacturing work in Australia: challenges and opportunities. Labour & Industry, 28(3), pp. 166-181.). As “variedades de capitalismo inteligente”, em ascensão no Leste Asiático e Alemanha, poderiam eliminar o trabalho como o conhecemos, transformando as relações capital-sociedade em cenário de automação (Wei & Peters, 2019Wei, Z. & Peters, M. (2019) ‘Intelligent capitalism’ and the disappearance of labor: Whitherto education? Educational Philosophy and Theory, 51(8), pp. 757-766.; Antunes, 2018Antunes, R. (2018) O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviço na era digital. São Paulo: Boitempo Editorial.). Isso seria agravado por regimes de aprendizado pouco aderentes à realidade social e econômica em mutação, revelando desafios às políticas públicas de educação superior e treinamento vocacional, tanto nas democracias ricas quanto em países em desenvolvimento (Balbachevsky, 2021Balbachevsky, E. (2021). Varieties of learning regimes and their impact on social inclusion. In: H. Eggins, A. Smolentseva & H. Wit. (eds) Higher education in the next decade. Londres: Brill, pp. 115-129.).

Outro efeito diz respeito ao potencial aumento das desigualdades e na diferença de renda entre o topo e a base da pirâmide social (Autor, 2015Autor, D. (2015) Why are there still so many jobs? The history and future of workplace automation. Journal of Economic Perspectives, 29(3), pp. 3-30. DOI: 10.1257/jep.29.3.3
https://doi.org/10.1257/jep.29.3.3...
; Agrawal et al., 2019Agrawal, A., Gans, J. & Goldfarb, A. (2019) Economic policy for artificial intelligence. Innovation Policy and the Economy, 19(1), pp. 139-159. DOI: 10.1086/699935
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; Yu & Kwan, 2019). As disparidades entre classes poderão aumentar, uma vez que diferenças no mercado de trabalho serão mais agudas entre trabalhadores qualificados e aqueles menos qualificados (Webster & Ivanov, 2020Webster, C. & Ivanov, S. (2020) Robotics, artificial intelligence, and the evolving nature of work. In: G. Babu & J. Paul (eds) Digital transformation in business and society: theory and cases. Londres: Palgrave McMillan, pp. 127-143., p. 134). Duas razões explicariam essa tendência: (i) a IA poderá ampliar desproporcionalmente os salários das pessoas com alto nível de educação, podendo até mesmo diminuir os salários dos menos instruídos; e (ii) a IA acarretaria aumentos da participação de capital financeiro na economia, enquanto a participação do trabalho no PIB continuará caindo - conforme já se verifica atualmente (Agrawal et al., 2019, p. 20). Para contornar esse risco, políticas que visem à tributação progressiva de rendimentos, ou mesmo à adoção da renda básica universal, têm sido propostas.

Ressalta-se, ainda, o efeito geopolítico da IA. Configura-se atualmente uma corrida tecnológica internacional, na qual EUA, China, Rússia, Japão, Coreia do Sul, Reino Unido, França, Alemanha e Israel estão emergindo como protagonistas em IA (Miailhe & Hodes, 2017Miailhe, N. & Hodes, C. (2017) The third age of artificial intelligence. Field Actions Science, 17(1), pp. 6-11., p. 6). China e EUA, em particular, fornecem a maior parte dos produtos e serviços em IA atualmente disponíveis (Dafoe, 2018, p. 124-5; Zhu & Long, 2019Zhu, Q. & Long, K. (2019) How will artificial intelligence impact Sino-US relations? China International Strategy Review, 1(1), pp. 139-151. DOI: 10.1007/s42533-019-00008-9
https://doi.org/10.1007/s42533-019-00008...
). Esse diagnóstico é lastreado pelos investimentos recentes desses governos. Nos EUA, relatórios recentes sobre o tema incluem o Preparing for the Future of Artificial Intelligence (USA, 2016aUSA. (2016a) Preparing for the future of artificial intelligence. Disponível em: https://obamawhitehouse.archives.gov/sites/default/files/whitehouse_files/microsites/ostp/NSTC/preparing_for_the_future_of_ai.pdf. Acesso em: 20 de jan. 2019.
https://obamawhitehouse.archives.gov/sit...
) e o National Research & Development Artificial Intelligence Strategic Plan (USA, 2016bUSA. (2016b) National research & development artificial intelligence strategic plan. Disponível em: https://www.nitrd.gov/PUBS/national_ai_rd_strategic_plan.pdf. Acesso em: 20 de jan. 2019.
https://www.nitrd.gov/PUBS/national_ai_r...
). Na China, tanto o Made in China 2025 (China, 2015CHINA. (2015) Made in China 2025. Disponível em http://www.cittadellascienza.it/cina/wp-content/uploads/2017/02/IoT-one-Made-in-China-2025.pdf. Acesso em: 22 de out. 2019.
http://www.cittadellascienza.it/cina/wp-...
), estratégia de digitalização no âmbito industrial, quanto o Development Plan of New Generation AI (China, 2017CHINA. (2017) Development plan of new generation AI. Disponível em: http://www.gov.cn/zhengce/content/2017-07/20/content_5211996.htm Acesso em: 22 de out. 2019.
http://www.gov.cn/zhengce/content/2017-0...
) enfatizam os usos civis e militares da IA. Alguns argumentam que presenciamos uma “guerra fria tecnológica” em torno das tecnologias digitais (The Wall Street Journal, 2020).

III. Dados e métodos

O método de pesquisa foi o estudo de caso. O estudo foi exploratório, pois mapeamos qualitativamente a dinâmica de aplicações, difusão e problemáticas da introdução da IA na Alemanha. O estudo foi descritivo, pois a partir dos cânones teóricos selecionados, desenvolveu-se um questionário semiestruturado de perguntas para a condução de entrevistas com especialistas. O método de abordagem envolveu esforços hipotético-dedutivos (auxiliou no preenchimento de uma lacuna no conhecimento científico via formulação de uma hipótese geral de trabalho, a ser testada no decorrer da pesquisa) e hermenêuticos (os dados primários e secundários foram submetidos à interpretações que, informadas pelas teorias, possibilitaram análise em profundidade da experiência de sujeitos-atores a partir de suas narrativas).

A questão de pesquisa foi: “Quais mecanismos políticos e econômicos e quais desafios vêm delineando a adoção e difusão da Inteligência Artificial na Alemanha?” Com base na literatura selecionada, desenvolvemos uma hipótese de trabalho, alicerçada nas particularidades do país como uma economia coordenada de mercado, e em documentos governamentais sobre a política industrial e tecnológica para IA (Germany, 2014GERMANY. (2014) Industrie 4.0: smart manufacturing for the future. GTAI German Trade and Investment. Disponível em: http://www.inovasyon.org/pdf/GTAI.industrie4.0_smart.manufact.for.future.July.2014.pdf Acesso em: 22 de out. 2019.
http://www.inovasyon.org/pdf/GTAI.indust...
; 2018; 2019). A hipótese foi a de que a IA vem sendo adotada de forma incremental, não disruptiva, impulsionada pelo governo e por setores relacionados, mas sendo parcialmente rechaçada pela mão-de-obra vinculada a estes setores, diante dos riscos de automação e eliminação de postos de trabalho (Agrawal et al., 2019). Em tandem com esses aportes oriundos da teoria das VoC, a abordagem de Boyd & Rolton (2018Boyd, R. & Holton, R.J. (2018) Technology, innovation, employment and power: does robotics and artificial intelligence really mean social transformation? Journal of Sociology, 54(3), pp. 331-345. DOI: 10.1177/1440783317726591
https://doi.org/10.1177/1440783317726591...
) trouxe luz para aspectos socioculturais relativos à natureza da tecnologia, que podem influenciar sua aceitação social. As características específicas da IA (ex.: inexistência de marco regulatório definido, riscos trabalhistas, necessidade de profissionais altamente especializados), quando imersas no contexto sociocultural e político econômico da Alemanha, sugerem uma adoção incremental dessa tecnologia.

Para a coleta de dados, foi realizada pesquisa de campo compreendendo a região metropolitana do Reno-Meno (Frankfurt e Darmstadt) além das cidades de Stuttgart e Bonn. Foram realizadas 21 entrevistas semiestruturadas com especialistas integrantes de dois grupos sociais: mercado e academia. No primeiro grupo, agentes de dois setores foram entrevistados: o de TICs, diretamente relacionado a IA, e o automotivo, uma vez que este é de alta relevância na economia política alemã e gradativamente incorpora a IA em seus produtos e serviços. Foram entrevistados tanto funcionários de grandes empresas (2 gerentes sênior e 3 engenheiros) quanto de empresas startups (7 cientistas de dados). No grupo acadêmico, foram entrevistados professores universitários, pós-graduandos e pesquisadores, todos trabalhando no campo da IA. As grandes empresas foram Volkswagen, Daimler, Continental AG, e Klabin S.A; os pós-graduandos incluíram um mestrando, um doutorando e uma pós-doutoranda; os pesquisadores trabalhavam no Instituto Fraunhofer, no Max Planck, na Universidade Tecnológica de Darmstadt, e no Bosch Center for Artificial Intelligence. Cinco entrevistas foram conduzidas pessoalmente, uma foi realizada via telefone, e quinze foram realizadas por videoconferência. Adotei uma estratégia de anonimização destes entrevistados, na qual não cito os nomes nem cargos de nenhum deles. Todos foram informados do teor da pesquisa, e de sua publicação posterior em formato de artigos científicos, tanto no convite quanto no momento da realização das entrevistas, de modo que não foi preciso assinarem termos de consentimento. A Tabela 1 traz o perfil dos participantes e a duração das entrevistas. Complementarmente, foram coletados e analisados 16 relatórios oficiais do governo, publicados entre 2013-2020, considerados estratégicos para a política tecnológica.

Tabela 1
Perfil dos entrevistados

Quanto à lógica utilizada na seleção das fontes, ponderamos três aspectos: a) sugestões e indicações dos entrevistados através do método snowball, b) setores e locais estratégicos apontados nos relatórios de governo, e c) fatores geográficos (distância aos locais de entrevistas), operacionais (custos de viagens), e o tempo disponível para a pesquisa. Alguns dos relatórios foram indicados pelos próprios entrevistados, e outros por professores da Goethe-Universität Frankfurt am Main, local de trabalho durante a pesquisa. Os setores-foco foram aqueles de grande relevância econômica ao país (automotivo, no qual Alemanha é plataforma global de exportações) e de importância estratégica para investimentos futuros (setor de TICs). As limitações geográficas foram superadas parcialmente por algumas entrevistas online, mas custos de viagem e tempo para a pesquisa limitaram o número de entrevistas que efetivamente conseguiu-se conduzir.

Para análise dos dados, procedeu-se com um misto de técnicas interpretativas e de análise de conteúdo. Os dados foram sistematizados em relatórios, produzidos a partir de notas feitas durante as entrevistas. Todos os entrevistados foram anonimizados, não sendo identificados nomes e nem os cargos ocupados. Não foi construído livro de códigos, e apenas um pesquisador tratou da coleta e análise dos dados e do processo de categorização das entrevistas. Foi utilizado o Microsoft Excel para apoio nestas etapas. Foi aplicada análise de contingência e triangulação, à medida que se verificou a continuidade e repetição de palavras-chave, temáticas e opiniões. Na etapa de redação, foram utilizados os cânones teóricos como alicerce para a criação de categorias analíticas que, posteriormente, foram estruturadas na narrativa de resultados. Os resultados foram agrupados em eixos temáticos considerados os mais relevantes ao longo da pesquisa. Todos esses documentos foram lidos em profundidade, e selecionados os principais excertos de sustentação dos eixos temáticos.

A despeito desses esforços, reconhecemos as limitações dessa abordagem. Malgrado diversas tentativas, não conseguimos entrevistar representantes do governo nem de lideranças sindicais, considerados relevantes para a dinâmica de difusão da IA na Alemanha. Contudo, os relatórios do governo forneceram um bom parâmetro sobre as atividades em torno da política industrial relativa à IA. Segundo, apesar de a escolha dos participantes ter se pautado em documentos governamentais, priorizando locais e setores onde a IA vem se inserindo com maior dinamismo, não descartamos os possíveis vieses de seleção. Entendemos, porém, que essa limitação é típica de pesquisas em ciências sociais. Além disso, reconhecemos a barreira linguística, pois diante da insuficiência de conhecimentos em alemão, as entrevistas foram conduzidas em inglês, o que, muito provavelmente, limitou as respostas. Quatro dos entrevistados eram brasileiros (atuantes no campo da IA), e foram entrevistados em português.

IV. Resultados e discussão

Os resultados são analisados em três vertentes analíticas: 1) clusters produtivos e principais aplicações; 2) política tecnológica e conexões governo-universidades-mercado; e 3) desafios à difusão da inteligência artificial e os riscos trabalhistas.

IV.I. Clusters produtivos e principais aplicações

Apontarei, inicialmente, algumas notas sobre a geografia dos investimentos em IA na Alemanha. Com a Digital Hub Initiative, o Ministério Federal de Assuntos Econômicos e Energia (BMWi) visou posicionar o país como líder global em ecossistemas digitais. Para tanto, 12 hubs foram criados em 2017, onde “diferentes atores com relacionamento direto ou interesse em temas digitais e tecnológicos se reúnem para trocar experiências, informações e trabalharem em projetos conjuntos” (Germany, 2021GERMANY. (2021) Digital Hub initiative. Disponível em: https://www.de-hub.de/en/. Acesso em: 20 de set. 2020.
https://www.de-hub.de/en/...
). Os clusters foram selecionados conforme especificidades regionais: 1) Berlim - IoT e fintech; 2) Dortmund - logística; 3) Dresden/Leipzig - infraestruturas inteligentes; 4) Frankfurt/Darmstadt - fintech e cyber-segurança; 5) Hamburgo - logística; 6) Karlsruhe - IA; 7) Colônia - insurtech (tecnologia para seguros); 8) Mannheim/Ludwigshafen - saúde e química digitais; 9) Munique - mobility e insurtech; 10) Nuremberg/Erlangen - saúde digital; 11) Postdam - mediatech; 12) Stuttgart - indústrias do futuro. Esses hubs são financiados tanto pelo governo, através do ministério da economia e da Agência Alemã de Comércio e Investimentos (GTAI), quanto por empresários e investidores privados.

O governo estabeleceu um hub de IA localizado em Karlsruhe, que abriga uma das universidades alemãs de ciências aplicadas, o Karlsruhe Institute of Technology (KIT). Entretanto, centros privados como o Bosch Center for Artificial Intelligence (BCAI), criado em 2017, localizam-se no Cyber Valley, em Tübingen. O BCAI foca em IA industrial, com laboratórios também na Índia, EUA, Israel e China (Bosch, 2021BOSCH. (2021) BCAI - Bosch Center for Artificial Intelligence. Disponível em: https://www.bosch-ai.com/. Acesso em: 20 de set. 2020.
https://www.bosch-ai.com/...
). Na mesma cidade está situado o Max Planck Institute for Intelligent Systems, especializado em IA. No que tange à localização dos hubs, um cientista de dados entrevistado observou que a região do Reno-Meno (Frankfurt, Darmstadt) é um dos principais clusters de software no país, apesar de o sul alemão ser industrialmente mais avançado. Cidades sulistas como Stuttgart e Munique são polos de setores manufatureiros, químicos e farmacêuticos, mas ainda não se destacam na indústria de software. Sobre o tema, uma pós-doutoranda em ciência da computação na Universidade Tecnológica de Darmstadt pontuou que:

“Berlim, Reino Unido e EUA (Vale do Silício) são centros globais de IA, especialmente em relação ao número de startups. (...) Estão tentando fazer de Darmstadt um centro de IA na Alemanha. Muitos projetos estão acontecendo agora. (...) está começando a haver muitos investimentos. Por exemplo, dizem que 100 cargos de professor efetivo em IA estão sendo criados. Mas no ano passado, apenas 6 vagas foram abertas.”

Verifica-se, assim, que a Digital Hub Initiative situa a cidade de Karlsruhe como principal cluster de IA na Alemanha, porém isso não foi impeditivo para a proliferação de outros hubs no país. Tanto no que tange a organismos privados, como o BCAI, quanto à presença de startups com esse foco, outros polos localizam-se em Darmstadt, Tübingen e Berlim. Além disso, o Fraunhofer Institute for Intelligent Analysis and Information Systems (IAIS), braço do Instituto Fraunhofer4 4 O Fraunhofer é uma organização de pesquisa alemã com 72 institutos espalhados pelo país, cada um com foco em diferentes campos da ciência aplicada. Em paralelo, temos o Max Planck, associação alemã de centros de investigação especializada em ciência básica. dedicado a IA, está localizado em Sankt Agustin, região de Bonn. Quando visitei o IAIS, um gestor de projetos em ciência de dados comentou que os principais trabalhos em andamento envolvem automação de processos de negócios (workflows de documentos); direção autônoma; aplicações industriais (ex.: ferramentas que reconhecem danos em superfícies); e aplicações em tecnologias de voz. Esses projetos alinham-se aos documentos oficiais do governo. Em Germany (2019), por exemplo, pontua-se que aplicações de IA serão incentivadas em setores manufatureiros em que o país é globalmente competitivo e em processos industriais e de negócios.

Outros projetos atualmente levados a cabo pelos entrevistados incluem: a) veículo autônomo para transporte de peças no interior de fábricas automotivas; b) sistema open data, para compartilhamento de dados financeiros com o ecossistema bancário alemão; c) dispositivo físico e software embarcados em freios de veículos para mapeamento de sons e sinalização preditiva da necessidade de reparos; d) aplicativo farmacêutico que analisa perfil histórico de pacientes e informa possíveis tratamentos, horários e dosagens de medicamentos; e) software de detecção de imagem e realidade virtual para reconstrução histórica de ambientes passados ou planejamento preditivo de ambientes futuros (aplicações em museus e gerenciamento remoto de canteiros de obra); f) modelos de análise de padrões aplicados a decisões de marketing endereçadas à seleção de mídias sociais para campanhas e propagandas; g) mineração textual para detecção de comportamento criminoso em redes sociais; h) aplicativo para protocolo de segurança em arranjos máquina-máquina, evitando cíber-ataques em linhas de operação. Esses foram apenas alguns dos projetos citados pelos entrevistados durante a pesquisa de campo, logo, são longe de exaustivos.

Esses dados revelam aspectos importantes das transformações tecnológicas em curso, e sua relação com a ECM alemã. Se por um lado o governo criou programas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico (BMWi, com a Digital Hub Initiative), por outro lado, empresas privadas (Bosch, com o BCAI), universidades (KIT, TU Darmstadt) e associações empresariais (Sociedade Fraunhofer, com o IAIS) vêm levando a cabo projetos aplicados de IA. Quer dizer, a burocracia estatal exerce papel pivô na transformação tecnológica, direcionando esforços, o que abre espaço para uma coordenação de mercado, cujas engrenagens passam a girar de forma relativamente autônoma (Evans, 1995Evans, P. (1995) Embedded autonomy: states and industrial transformation. Princeton: Princeton University Press.; Hall & Thelen, 2009Hall, P. & Thelen, K. (2009) Institutional change in varieties of capitalism. Socio-economic Review, 7(1), pp. 7-34. DOI: 10.1093/ser/mwn020
https://doi.org/10.1093/ser/mwn020...
).

Um dos setores analisados com maior atenção nesta pesquisa foi o automotivo, que gradativamente incorpora a IA em seus processos produtivos. Foram realizadas entrevistas com funcionários da Volkswagen, Daimler (holding da Mercedes-Benz), e startups no setor. Identificaram-se aplicações desde chatbots até sistemas autônomos operando nas linhas de montagem, conforme relata um engenheiro automotivo:

“Já temos algumas iniciativas em andamento na fábrica em relação à manutenção preditiva. Isso nos permitirá agir sobre a falha antes que ela realmente aconteça. (...) Temos também a separação automatizada. A ideia é que um robô identifique as peças e locais do maquinário e os coloque em kits de montagem. O objetivo é tirar os trabalhadores de chão de fábrica dessas atividades de separação.”

A empresa acima distingue entre o carro e o ecossistema digital no entorno. No âmbito do veículo, a empresa considera aplicações relacionadas à direção autônoma. No ecossistema, as tecnologias de IA incluem sistemas que fornecem recomendações para o usuário. Um aplicativo recém desenvolvido pela empresa é uma plataforma chatbot que explica as funcionalidades do veículo ao motorista. Porém, na Volkswagen, um gerente entrevistado manifestou desconfiança quanto à IA, no que tange à percepção dos consumidores, preço final dos veículos, e investimentos que a firma precisa fazer para adoção da tecnologia.

Outras empresas do setor, como BMW, Porsche e a própria Volkswagen, vêm desenvolvendo projetos conjuntos com startups em veículos autônomos, conforme explica uma engenheira de software atuante em uma startup de Berlim:

“Em veículos autônomos, usamos IA para entender o ambiente ao redor dos veículos. As grandes montadoras estão substituindo os sistemas de controle por planejamento via aprendizado de máquina. Algumas estão tentando construir veículos autônomos mais gerais. Por exemplo, para dirigir nas ruas. (...) A startup onde atuo está trabalhando com clientes como BMW, Porsche e Volkswagen, em uma solução de veículo autônomo que funcionará dentro das fábricas.”

Neste caso, vemos ilustrações de um aspecto central da ECM alemã: relações interempresariais cooperativas, para difusão de padrões industriais (Bathelt & Gertler, 2005Bathelt, H. & Gertler, M. (2005) The German variety of capitalism: forces and dynamics of evolutionary change. Economic Geography, 81(1), pp. 1-9.). As firmas automotivas vêm operando em parcerias com startups, cujo maior dinamismo e flexibilidade (propícios ao desenvolvimento da IA) complementam gradativamente as capacidades das primeiras, inserindo a IA em certos processos e produtos, apesar de parte deles ainda em etapas de testes. A seção também apontou formas como o governo tem investido em P&D em IA, considerada tecnologia estratégica (Germany, 2018GERMANY. (2018) Artificial intelligence strategy. The German Federal Government. Disponível em: https://www.ki-strategie-deutschland.de/home.html?file=files/downloads/Nationale_KI-Strategie_engl.pdf Acesso em: 22 out. 2019.
https://www.ki-strategie-deutschland.de/...
; 2019), por exemplo, via criação de cargos docentes nessa área. Os encargos da responsabilização por eventuais falhas em IA também foram observados empiricamente. Atualmente, muitas firmas restringem aplicações, como veículos autônomos, a projetos piloto no interior das fábricas, corroborando as incertezas ainda presentes em torno da regulação desta tecnologia (Agrawal et al., 2019).

IV.2. Política tecnológica e conexões governo-universidades-mercado

Na maioria dos documentos governamentais analisados há relativo consenso sobre a importância da IA. Por exemplo, 2019 foi o chamado de Ano da IA pelo Ministério Federal de Educação e Pesquisa (BMBF). A estratégia do governo federal para IA (Germany, 2018GERMANY. (2018) Artificial intelligence strategy. The German Federal Government. Disponível em: https://www.ki-strategie-deutschland.de/home.html?file=files/downloads/Nationale_KI-Strategie_engl.pdf Acesso em: 22 out. 2019.
https://www.ki-strategie-deutschland.de/...
, pp. 32-35) apontou algumas políticas para promoção dessa tecnologia: aumento dos investimentos em P&D, incentivos para transformação de resultados de pesquisas científicas em aplicações mercadológicas, apoio a startups, preparação para as mudanças estruturais no mundo do trabalho - educação e treinamento digitais, atração de profissionais de TICs, fomento à cooperação internacional, e facilitação do acesso a big data para fins industriais e de pesquisa. A própria National Industrial Strategy 2030 (Germany, 2019GERMANY. (2019) National industrial strategy 2030: strategic guidelines for a German and European industrial policy. Disponível em: https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publikationen/Industry/national-industry-strategy-2030.html. Acesso em: 22 de out. 2019.
https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publika...
, pp. 9-13) estabelece “pontos de referência” da política industrial, envolvendo soberania tecnológica, cadeias regionais de valor, fortalecimento das médias empresas altamente especializadas (Mittelstand), além de proteção contra fusões e aquisições em setores de alta tecnologia.

Entretanto, alguns entrevistados mostraram-se reticentes com relação às iniciativas governamentais. As falas abaixo, respectivamente de um gerente de empresa multinacional automotiva e de um professor de Ciência da Computação, expressam dúvidas sobre a capacidade de coordenação público-privada para impulsionar a IA de modo socialmente harmônico.

“O governo alemão quer se alinhar com a indústria. Mas a indústria é o agente que realmente faz as coisas. Então, mesmo que o governo queira investir em IA, se a indústria não “comprar essa ideia”, os investimentos não serão feitos.”

“Agora o governo quer que as pessoas (professores, pesquisadores) escrevam propostas de pesquisa sobre IA. (...) O governo está tentando, mas é em termos de políticas públicas, são iniciativas top down. Talvez isso não funcione.”

Outros entrevistados ressaltaram que, a despeito da importância dos institutos de P&D, como o Fraunhofer, há falhas de adequação do seu modus operandi ao cenário de digitalização. A sociedade Fraunhofer é parcialmente financiada pelo governo, além de fundos provenientes de investimentos privados. Os pesquisadores publicam artigos e participam de conferências científicas como na academia, mas precisam criar produtos e serviços com aplicações industriais. Apesar da reconhecida excelência, no curso das entrevistas foram apontadas limitações nestes centros, conforme relata um ex-funcionário, atualmente cientista de dados em uma startup:

“Os institutos Fraunhofer ainda são estritos e conservadores; até mesmo suas soluções e as práticas de P&D são um pouco antiquadas; eles pesquisam do mesmo modo há 20 anos (...). As pessoas ficam sozinhas em salas isoladas, sem falar com ninguém, tentando resolver problemas técnicos (...). Se você se acostuma a ficar trancado em uma sala totalmente desligado do mundo, não dá para resolver problemas práticos na economia digital.”

Essas limitações remetem às dificuldades de adoção tecnológica que podem se processar em função de aspectos culturais (Boyd & Rolton, 2018Boyd, R. & Holton, R.J. (2018) Technology, innovation, employment and power: does robotics and artificial intelligence really mean social transformation? Journal of Sociology, 54(3), pp. 331-345. DOI: 10.1177/1440783317726591
https://doi.org/10.1177/1440783317726591...
). Diversos trabalhos teóricos (Agrawal et al., 2019Agrawal, A., Gans, J. & Goldfarb, A. (2019) Economic policy for artificial intelligence. Innovation Policy and the Economy, 19(1), pp. 139-159. DOI: 10.1086/699935
https://doi.org/10.1086/699935...
; Garbuio & Lin, 2019Garbuio, M. & Lin, N. (2019) Artificial intelligence as a growth engine for health care startups: emerging business models. California Management Review, 61(2), 59-83.), relatórios técnicos e governamentais (WEF, 2018WEF. (2018) The future of jobs report 2018. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2018.pdf. Acesso em: 22 de out. 2020.
http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_...
; Germany, 2018GERMANY. (2018) Artificial intelligence strategy. The German Federal Government. Disponível em: https://www.ki-strategie-deutschland.de/home.html?file=files/downloads/Nationale_KI-Strategie_engl.pdf Acesso em: 22 out. 2019.
https://www.ki-strategie-deutschland.de/...
) vêm apontando que o modelo de negócios flexível/adaptativo das startups é mais propício ao desenvolvimento da IA. Diferentemente, conforme excerto acima, o Fraunhofer possui cultura burocrática e padronizada que, em certos casos, pode tolher o desenvolvimento de aplicações da tecnologia. O próprio governo reconhece que a lacuna empreendedora, evidente pelo limitado número de startups na Alemanha, é um problema que precisa ser contornado. Nesse sentido, algumas políticas vêm sendo adotadas:

Reforço ao orçamento do Programa de Startups na Ciência (EXIST) a partir de 2020; criação de novas oportunidades de financiamento para capital de risco, além do lançamento da Iniciativa do Fundo de Crescimento Tecnológico; instrumentos de financiamento para startups (por exemplo, High-tech Start-up Fund, INVEST - Subsídio para Capital de Risco; nova entidade independente, a KfW Capital5 5 Banco estatal alemão de investimento e desenvolvimento. , que deve aumentar o montante anual de investimento aos fundos de capital de risco e empréstimo de risco em 200 milhões até 2020; incentivo a investimentos em start-ups que desenvolvem modelos de negócios e produtos baseados em IA; nova plataforma lançada pelo governo federal em abril de 2018 (Gründerplattform) para apoiar start-ups desde a ideia inicial até o processo de obtenção de financiamento (Germany, 2018GERMANY. (2018) Artificial intelligence strategy. The German Federal Government. Disponível em: https://www.ki-strategie-deutschland.de/home.html?file=files/downloads/Nationale_KI-Strategie_engl.pdf Acesso em: 22 out. 2019.
https://www.ki-strategie-deutschland.de/...
, pp. 24-25).

Sendo assim, estes desenvolvimentos ocorrem em paralelo à adoção tecnológica incremental, típica da ECM alemã, conforme relatórios de governos (Germany, 2018GERMANY. (2018) Artificial intelligence strategy. The German Federal Government. Disponível em: https://www.ki-strategie-deutschland.de/home.html?file=files/downloads/Nationale_KI-Strategie_engl.pdf Acesso em: 22 out. 2019.
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; 2019). Estimula-se o desenvolvimento da IA através do apoio a startups, mas isso é feito de forma associada aos setores de maior interesse econômico: automotivo e manufatureiro, em alinhamento com Thelen (2019), que pontuou que a digitalização vem sendo coordenada por lideranças das indústrias tradicionais. Assim, políticas de cooperação universidade-indústria, apesar de não serem novas no país, têm sido propostas como parcerias público-privadas para impulsionar a IA. As universidades de ciências aplicadas (Fachhochschule), à medida que visam à formação prática e vocacional, tornam-se cruciais nesse contexto, sobretudo nas regiões onde se concentram os setores automotivo, de máquinas e equipamentos. Outro aspecto ressaltado diz respeito aos estágios de pesquisa em IA dentro de empresas, conforme relata um engenheiro de uma multinacional automotiva alemã:

“Estamos sempre trazendo estagiários, mestrandos, doutorandos para desenvolverem seus projetos aqui, principalmente quando se trata de pesquisa aplicada. Houve um projeto de reconhecimento de objetos por robôs. No caso, o aluno era de Matemática. (...) Temos um programa onde cooperamos com outras empresas e universidades: Cyber Valley, em Stuttgart. Empresas como Daimler, Bosch, Amazon Web Services e algumas universidades muito boas estão envolvidas.”

Deste modo, mantêm-se as características centrais do capitalismo coordenado alemão, mesmo diante do cenário de digitalização e IA. O que ocorre contemporaneamente é uma clara percepção do governo com relação aos riscos de perda de competitividade internacional em manufaturas avançadas, inclusive em setores tradicionalmente fortes, caso tecnologias emergentes não sejam progressivamente incorporadas à indústria. Porém, conforme verifica-se no próximo item, o país enfrenta desafios consideráveis para isso, sendo o trabalhador um dos atores potencialmente mais afetados.

IV.3. Desafios à difusão da inteligência artificial e os riscos trabalhistas

Obstáculos à difusão da IA são reconhecidos pelo governo, conforme relatórios oficiais: lacuna empreendedora, dificuldade para o salto inovador entre pesquisa científica e aplicações mercadológicas, necessidade de requalificação e treinamento da mão-de-obra diante da automação (Germany, 2018GERMANY. (2018) Artificial intelligence strategy. The German Federal Government. Disponível em: https://www.ki-strategie-deutschland.de/home.html?file=files/downloads/Nationale_KI-Strategie_engl.pdf Acesso em: 22 out. 2019.
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; 2019). Além de estes aspectos serem corroborados nas entrevistas, novos elementos foram relatados: dificuldades no treinamento de recursos humanos, limitações das políticas de privacidade de dados, problemas em infraestrutura digital, barreiras culturais da sociedade alemã à digitalização.

A eliminação de funções automatizáveis é um risco crescente no país. Trabalhos de chão de fábrica, limpeza e outros tipos de funções operacionais poderão ser automatizadas a médio-prazo, porém há dúvidas quanto à velocidade dessas transformações. Alguns estimam que, no curto prazo, a IA não substituirá pessoas, sendo apenas ferramenta de apoio (Wef, 2018), por exemplo, em aplicações médicas e cirurgias auxiliadas por computador. A médio-prazo, ao passo que certas funções serão eliminadas, outras serão criadas. “Na Alemanha, temos sindicatos trabalhistas fortes - então, apesar das ameaças e desconfianças quanto à IA, as pessoas sabem que serão apoiadas por tais sindicatos,” relatou gerente de empresa multinacional automotiva. A IA traz incertezas ao trabalhador, particularmente de chão de fábrica, e há muitas razões para isso:

“Se você disser a um trabalhador de chão de fábrica na Alemanha ... ‘você fará uma coisa diferente a cada dia’ ... é um inferno para eles, é totalmente difícil para eles aceitarem. Os trabalhadores ‘à moda antiga’ não se adaptam facilmente. Eles não querem em muitos casos a digitalização. (...) Você não pode digitalizar as coisas com pressão na Alemanha.”

Com forte proteção trabalhista, a Alemanha blinda a mão-de-obra de uma automação disruptiva, sendo os sindicatos organismos essenciais para isso. Por outro lado, as pesquisas vêm diagnosticando gradual queda na filiação e marginalização dos sindicatos no país (Fleckenstein & Lee, 2017Fleckenstein, T. & Lee, S. (2017) The politics of labor market reform in coordinated welfare capitalism: comparing Sweden, Germany, and South Korea. World Politics, 69(1), pp. 144-183.; Guimaraes et al., 2014).

Em paralelo, ao passo que algumas funções serão efetivamente automatizadas, políticas de requalificação se tornam cada vez mais importantes. Diante da necessidade de treinamentos em TICs, os entrevistados se mostraram cautelosos com relação a rotinas que envolvem linguagens de programação e habilidades computacionais. “Ensinar técnicas de programação acessíveis aos funcionários de chão de fábrica não é factível, pois programar não é uma habilidade usual,” relatou cientista de dados. No próprio setor automotivo, há problemas nas políticas de treinamentos corporativos:

“temos centros de treinamento, mas aqui (na sede) não funciona muito bem. Eles (os executivos responsáveis) são meio míopes e não ficam muito atentos para ver o que realmente precisam fazer para enfrentar esses novos desafios tecnológicos. Minha impressão é que esse é um problema mais geral na indústria automotiva.”

No que diz respeito às habilidades requeridas pela IA, outros enfatizaram a escassez de recursos humanos especializados. “Um primeiro grande desafio é encontrar pessoas qualificadas, principalmente cientistas de dados. É muito difícil atrair e reter esses funcionários em uma empresa,” relatou o diretor de uma startup. Detalhes técnicos justificam o desafio: há falta de experiência quando se trata de configurar pipelines de aprendizado de máquina. Embora a habilidade de programação seja comum entre cientistas de dados, profissionais com conhecimento aprofundado em IA são raros. “Dificilmente você encontrará um sistema de IA de ponta a ponta totalmente desenvolvido pelo mesmo profissional,” relatou um cientista de dados.

Elementos socioculturais e a infraestrutura para redes digitais também foram apontados como desafios. Por exemplo, o pragmatismo da sociedade e empresas alemãs foram considerados elementos que minam o potencial empreendedor. Há poucas iniciativas nas universidades para estimular que alunos criem suas próprias empresas. Além disso, líderes empresariais são hostis aos potenciais riscos da digitalização. Cria-se, portanto, certa resistência à adoção da IA no âmbito corporativo. “Um grande desafio na Alemanha é o fato de que as pessoas não confiam nos sistemas digitais em um sentido mais amplo. Esta é uma barreira para a comercialização de dispositivos de IA,” apontou cientista de dados.

Em termos culturais, o modelo alemão, que enfatiza processos burocráticos, regras e protocolos industriais, foi considerado excessivo por parcela dos entrevistados. Ademais, a deficiência na infraestrutura de TICs foi apontada como barreira à difusão da IA, conforme relatos, respectivamente, de um cientista de dados e de um professor de Ciência da Computação:

“O sistema de internet do país é mal distribuído e de baixa qualidade no interior. Às vezes, a velocidade é até boa, mas falta estabilidade. Controlar máquinas pela Internet é difícil sem estabilidade. Se, de repente, a internet cair, você não tem como garantir que os processos e máquinas continuarão a ser controlados remotamente. Este é um grande desafio técnico.”

“Não há infraestrutura desenvolvida de TIC em comparação com a China e os EUA, que estão muito à frente. Muito se perdeu nas últimas décadas - e não é fácil recuperar o atraso em termos de fibras ópticas, infraestruturas materiais de redes TICs, em suma, infraestrutura física para suportar desenvolvimentos robustos em tecnologias como IA”

O problema da infraestrutura se associa a um tema ainda mais complexo, a política de dados. A GDPR, lei de regulação de dados da União Europeia (UE), foi trazida à tona em diversas entrevistas. Para alguns, ao regular o acesso e a privacidade, a GDPR dificulta a coleta de grandes volumes de dados estruturados (big data), tanto às empresas quanto aos centros de pesquisa. Nesse sentido, é um empecilho ao desenvolvimento da IA. Observou-se que a lei foi “desenvolvida para um cenário tecnológico muito mais avançado que o atual”, ou que foi “criada por um conjunto de advogados, que na verdade não entendem de IA,” portanto, pode limitar o desenvolvimento tecnológico. Apontou-se, ainda, que uma legislação unitária para todos os países da UE é algo problemático, pois negligencia as particularidades culturais e os distintos ecossistemas tecnológicos de cada país-membro. Para outros entrevistados, a norma tem propósitos benéficos e importantes, mas há limitações:

“A GDPR tem boas intenções, mas no final é uma burocracia a mais. As empresas continuam a coletar dados da maneira que desejam. Depois do GDPR, o que as empresas fazem de diferente é dizer ao cliente: ‘se você não me der seus dados, não vai ter acesso ao meu serviço.’ Cookies, por exemplo, você aceita ou rejeita? Se você recusar, não receberá o serviço.”

As políticas de cookies6 6 Arquivos de texto criados por um dado site, e armazenado no computador do usuário temporariamente para aquela sessão, ou permanentemente no disco rígido (cookie persistente). Os cookies fornecem mecanismos para o site reconhecer o usuário e rastrear suas preferências. são entendidas, assim, como barreira formal, mas pouco efetiva, à captura de dados. Nos setores de pesquisa, fortemente dependentes das normas e padrões, as consequências dessa lei podem ser negativas. “Talvez a GDPR pudesse ser um pouco mais flexível em relação à privacidade dos dados para pesquisa,” apontou um aluno de pós-graduação, após relatar a dificuldade de se acessar grandes volumes de dados estruturados para fins de pesquisa científica.

Evidentemente, essa não é uma grande barreira no caso dos maiores competidores globais em IA: China e EUA. Empresas de tecnologia que se beneficiam de economias de plataforma, como Alphabet, Meta, Amazon, além de Alibaba, Tencent e Huawei, coletam grandes volumes de dados (big data) de seus clientes há anos, construindo e aperfeiçoando bases estruturadas, fundamentais ao desenvolvimento da IA, prática descrita na literatura como AI tap (Hamori & Kume, 2018Hamori, S. & Kume, T. (2018) Artificial intelligence and economic growth. In: M. McAleer (ed) Advances in decision sciences. Taiwan: Asia University, pp. 256-278.). China e EUA não possuem regulações tão restritivas quanto a GDPR, resultando em desenvolvimento e treinamento dos modelos de aprendizado de máquina de modo mais acelerado que a UE. Relatando esse fato, um cientista de dados observou que, em IA, EUA e China estão mais próximos da fronteira tecnológica que a Europa. Outros entrevistados reconheceram que, para efetivamente competir pela IA, a Alemanha terá que se associar com China e/ou EUA, o que poderia desencadear indesejados riscos de dependência tecnológica.

V. Considerações Finais

O caso alemão revela a complexidade envolvida na adoção da Inteligência Artificial. Conforme os Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (Boyd & Rolton, 2018Boyd, R. & Holton, R.J. (2018) Technology, innovation, employment and power: does robotics and artificial intelligence really mean social transformation? Journal of Sociology, 54(3), pp. 331-345. DOI: 10.1177/1440783317726591
https://doi.org/10.1177/1440783317726591...
), uma tecnologia é socialmente aceita quando suporta ou aprofunda determinadas estruturas sociais, políticas e econômicas. Mas a realidade empírica revelou a impossibilidade de se fazer um diagnóstico tão preto-no-branco. Se, por um lado, a IA se insere num contexto propício de digitalização produtiva, importante na conjuntura alemã de busca por recuperar o dinamismo industrial, conforme os planos Indústria 4.0 e National Industrial Strategy 2030, por outro lado, uma série de desafios, e potencialmente barreiras à difusão da IA, foram identificadas.

Os custos associados à eliminação de postos de trabalho, particularmente no chão de fábrica de indústrias manufatureiras, como a automotiva, foram identificados como fatores de risco tanto para trabalhadores quanto empresários. Nessa esteira, políticas de treinamento tecnológico da mão-de-obra, e a disponibilidade de recursos humanos proficientes em IA, foram desafios correlatos. Além disso, não existe alinhamento claro entre os países da UE para desenvolvimento de políticas comerciais de IA, embora o governo alemão reconheça a importância das cadeias regionais de valor e haja regulação de dados compartilhada, a GDPR. Há, ainda, o desafio associado ao salto inovador entre pesquisas científicas e aplicações mercadológicas. “Apesar de bem posicionada em pesquisa em IA, a Alemanha está claramente atrasada em aplicabilidade prática” (Germany, 2019GERMANY. (2019) National industrial strategy 2030: strategic guidelines for a German and European industrial policy. Disponível em: https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publikationen/Industry/national-industry-strategy-2030.html. Acesso em: 22 de out. 2019.
https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Publika...
, p. 9).

Associado a isso, este estudo possibilitou compreender melhor outros desafios da governança da IA na Alemanha, ainda não relatados na literatura especializada. Apesar de o país ser reconhecido pela excelência tecnológica e industrial, isto se refere a setores como transportes, indústrias manufatureiras, químico, médico-farmacêutico e automotivo. No caso das TICs, esta pesquisa revelou deficiências importantes no ecossistema digital alemão. Por exemplo, deficiências em redes de telecomunicações, conexões digitais e fibra ótica, além da resistência cultural ao uso de tecnologias digitais por parte da população. Longe do senso-comum, esses obstáculos não têm sido enfatizados na literatura sobre a temática.

Outro desafio foi a dificuldade de se encontrar profissionais qualificados em IA. Ao passo que os documentos governamentais tratam essa questão de modo tangencial, aqui identificamos que esse desafio é mais grave. Relatou-se dificuldade em se contratar cientistas de dados proficientes em IA, ao passo que os alemães ainda priorizam, em grande medida, carreiras como engenharia e negócios. Observou-se, ainda, que o modus-operandi padrão de institutos de P&D alemães, mesmo aqueles de excelência, como o Fraunhofer, pode ser uma limitação ao desenvolvimento da IA, na medida em que haveria dificuldades de adaptação ao contexto de rápidas mudanças da economia digital, situação para a qual empresas startups estariam melhor preparadas.

Por fim, destaca-se que a economia política da IA é ainda uma enorme caixa preta, o que, por um lado, torna seu estudo uma tarefa razoavelmente complexa, mas, por outro lado, abre múltiplas agendas de pesquisa futuras. Por exemplo, desenvolvimento econômico e digitalização no Brasil/América Latina, impactos socioeconômicos, ambientais e climáticos da IA, e a governança da privacidade de dados, para citar apenas três possibilidades.

  • 1
    Agradeço ao DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) pelo financiamento que possibilitou a realização desta pesquisa e à CAPES pela bolsa de doutorado, código de financiamento 001. Sou grato também aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos e editores da Revista de Sociologia e Política.
  • 2
    IG Metall é o sindicato dos metalúrgicos da Alemanha, sendo o maior do país e o maior sindicato industrial da Europa.
  • 3
    Esta estratégia foi atualizada, incluindo pontos de adaptação à Covid-19, por exemplo: incremento dos esforços de aplicação de AI em ciências da saúde e da vida, facilitação do uso da AI em empresas, e esforços para incrementar o acesso a infraestruturas digitais avançadas.
  • 4
    O Fraunhofer é uma organização de pesquisa alemã com 72 institutos espalhados pelo país, cada um com foco em diferentes campos da ciência aplicada. Em paralelo, temos o Max Planck, associação alemã de centros de investigação especializada em ciência básica.
  • 5
    Banco estatal alemão de investimento e desenvolvimento.
  • 6
    Arquivos de texto criados por um dado site, e armazenado no computador do usuário temporariamente para aquela sessão, ou permanentemente no disco rígido (cookie persistente). Os cookies fornecem mecanismos para o site reconhecer o usuário e rastrear suas preferências.

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Outras fontes

Artigos de jornais

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2020
  • Aceito
    25 Jun 2021
  • Recebido
    27 Jul 2021
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