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O futebol como meio campo para a política: o jogo além das quatro linhas

Soccer as a midfield for politics: the game beyond the four main lines

RESUMO

Introdução:

Este artigo descreve como o futebol se constituiu em instituição política informal no Brasil.

Materiais e Métodos:

Está fundamentado no neo-institucionalismo histórico e no debate sobre instituições informais. Fizemos a análise bibliográfica, documental e de um caso típico (Sport Club Corinthians Paulista). Realizamos sete entrevistas: (a) entrevistas semiestruturadas com o jornalista Juca Kfouri e com ex-deputado Sílvio Torres (Partido da Social Democracia Brasileira) para apreender as percepções de observadores qualificados e de atores; (b) cinco entrevistas estruturadas com torcedores do Sport Club Corinthians para verificar como os torcedores elaboram o sucesso e insucesso eleitoral de ídolos de seu clube.

Resultados:

O futebol brasileiro funciona como um atalho para recrutamento político por dois fatores: (1) o pertencimento clubístico é um fator de identificação relevante na sociedade brasileira que pode ser mobilizado para impulsionar candidaturas marcadas por forte relação com clubes relevantes nos locais em que concorrem e, com isso, fornece uma base recrutável para o voto; (2) a estrutura atual dos clubes, das federações e da Confederação Brasileira de Futebol conta com ritos que favorecem a socialização política, por ser composta pela disputa contínua de eleições, pelas negociações com o poder público, o relacionamento entre diretoria, conselho, torcedores e imprensa. Por isso, o fato de o “corpo” futebol não estar facilmente visível desde o ponto de vista da política e da ausência de regulamentos, legislações e ordenamentos formais, não anula a capacidade do futebol fomentar práticas políticas de modo regular como algo seguro.

Discussão:

Os atores respondem a incentivos formais e informais. Ignorar os incentivos e normas informais produz uma imagem incompleta do fenômeno político. Assim sendo, é importante superar análises com tendência à lógica “futebol e política não se misturam” ou à interpretação desse esporte como mecanismo monolítico, de alienação das massas, apropriado por líderes políticos e reconhecer a existência de múltiplos interesses, às vezes convergentes, nos atores do futebol e a atuação política regular de atores do futebol.

Palavras-chave
futebol; instituições políticas; instituições informais; recrutamento político; Corinthians

ABSTRACT

Introduction:

This article aims to investigate how soccer became an informal political institution in Brazil.

Materials and Methods:

It is based on historical neo-institutionalism, and the debate about informal institutions. We performed a bibliographical, documentary and a typical case analysis (Sport Club Corinthians Paulista). We conducted seven interviews: (a) semi-structured interviews with journalist Juca Kfouri, and former congressman Sílvio Torres (Brazilian Social Democracy Party) to capture the perceptions of actors and qualified observers; (b) five structured interviews with Corinthians fans to see how they elaborate on the electoral success and failure of their club’s idols.

Results:

Brazilian soccer works as a shortcut to political recruitment for two reasons: (1) club membership is a relevant identification factor in Brazilian society that can be mobilized to boost candidacies characterized by a strong relationship with relevant clubs in places where they compete and, in doing so, it provides a recruitable basis for voting; (2) the current structure of clubs, federations, and the Brazilian Soccer Confederation has rites that favors political socialization, as it is composed of continuous dispute of elections, negotiations with the government, relationship between the board, council, fans, and press. Therefore, the fact that the “body” soccer is not easily visible from the point of view of politics and the absence of regulations, legislation, and formal regulations, does not nullify soccer’s ability to regularly promote political practices as something safe.

Discussion:

Actors respond to formal and informal incentives. Ignoring informal incentives and norms produces an incomplete picture of the political phenomenon. Therefore, it is important to overcome analysis that tend to the logic “soccer and politics do not mix”, or the interpretation of this sport as a monolithic mechanism, of alienation of the masses, appropriated by political leaders and recognize the existence of multiple interests, sometimes converging, in soccer actors and their regular political action.

Keywords
soccer; political institutions; informal institutions; political recruitment; Corinthians

I. Introdução1 1 Agradecemos aos membros do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA) e aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política pelos comentários e sugestões. Agradecemos ainda a equipe de produção editorial, que nos atendeu após a aprovação do artigo, pelo cuidado e atenção no processo. Eventuais limitações são de nossa responsabilidade.

A vida social é constituída por espaços de relações sociais objetivas dotados de uma lógica própria, os campos. Cada campo é um “campo de forças” porque exerce pressão/constrangimento nos agentes envolvidos; e um “campo de lutas” porque os agentes atuam conforme suas posições no campo de forças, conservando ou transformando a estrutura. Os diferentes campos interagem com uma lógica de interpenetração e de inter-relação (Bourdieu, 1996Bourdieu, P. (1996) Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus., p. 50). O futebol e a política são campos e, portanto, se interpenetram e se inter-relacionam.

Este artigo descreve como o futebol se constituiu em instituição política informal no Brasil, dando acesso às arenas políticas ou possibilitando vantagens a políticos que ingressam no campo esportivo. Nelson Rodrigues, fora do empreendimento científico, alertava para as múltiplas relações - sociais, econômicas e políticas - que permeiam esse esporte: “Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”. Por isso, o futebol é muito estudado por historiadores, antropólogos e sociólogos.

O livro organizado por Giglio e Proni (2020)Giglio, S.S. & Proni, M.W. (orgs) (2020) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp. reflete a relação do futebol com outros campos. A Parte I aborda a relação entre futebol e política: no Brasil, na primeira metade do século XX, a relação entre a Ditadura Militar e o futebol, a relação entre a Copa de 1982 e a democratização no Brasil e na Espanha, bem como o papel do F.C. Barcelona na cultura e na política catalã. O livro também demonstra a relação do futebol com História, Sociologia, Antropologia, Comunicação e Literatura, Geografia, Administração/Gestão, Pedagogia e entre futebol e gênero, violência e questão racial.

Há outros estudos sobre a inter-relação entre futebol e política, como a análise da influência da Bancada da Bola na formulação de política públicas (Mendes, 2017Mendes, A.D. (2017) A política da política de esporte: uma análise da Frente Parlamentar do Esporte e da Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados na 54ª legislatura. Tese de Doutorado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná.). Na Ciência Política, há estudos na perspectiva dos grupos de interesse (Belmar, 2016Belmar, T.H. (2016) Grupos de interesse e o processo de modernização do futebol brasileiro: da redemocratização ao Bom Senso Futebol Clube. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo.), na busca por imbricações entre elites políticas e elites do futebol (Coelho, 2017Coelho, J.H. (2017) Futebol e política no Brasil: bases de multinotabilidade e padrões de imbricação. Dissertação de Mestrado. São Luís: Universidade Federal do Maranhão.), sobre o processo de oligarquização em grandes clubes a partir do caso do Corinthians (Couto, 2017Couto C.G. (2017) Oligarquização em um grande clube de futebol: o caso do Sport Club Corinthians Paulista. Organizações & Sociedade, 24(81), pp. 237-260. doi
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) e na análise sobre o processo de institucionalização dos interesses organizados do futebol na agenda do Estado no Brasil e na Argentina (Nascimento, 2022Nascimento, J.F. (2022) A institucionalização de interesses organizados na agenda do Estado no Brasil e na Argentina em perspectiva comparada: o caso do futebol. Tese de Doutorado. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos.).

No município do Rio de Janeiro, entre 2008 e 2012, Silva (2015Silva, T.M. (2015) O futebol como fator de mobilização: a identificação clubística e o engajamento político-eleitoral. Esporte & Sociedade, 10(26), pp. 1-28., pp. 25-26) identificou que, a trajetória ligada ao futebol “[...] articulada com o imaginário clubístico, é capaz de legitimar pretensões a cargos parlamentares”, sendo essencial para o êxito das campanhas “[...] o pertencimento clubístico e a militância em torno de causas esportivas”.

São frequentes as comparações do engajamento gerado pelo futebol com os vínculos produzidos pela religião: é conhecida a expressão “futebol e religião não se discutem”, podendo gerar comparações entre a Bancada da Bola e a chamada Bancada Evangélica. Porém, há diferenças: estudos identificam “bancadas temáticas como núcleo operativo das frentes parlamentares” e, nesse aspecto, o que é popularmente chamado de Bancada Evangélica compõe a Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional. A Bancada da Bola não é um “núcleo operativo” de uma frente parlamentar do futebol, mas da Frente Parlamentar Mista do Esporte operando especificamente para o futebol em detrimento dos demais esportes (Mendes, 2017Mendes, A.D. (2017) A política da política de esporte: uma análise da Frente Parlamentar do Esporte e da Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados na 54ª legislatura. Tese de Doutorado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná., p. 20).

Devemos diferenciar o futebol como instituição política informal do papel político da religião por meio das igrejas. Estudos apontam o crescimento de leigos que se apresentam como representantes do movimento carismático católico nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas no Brasil. Os membros desse movimento convergem com os pentecostais no esforço em torno de pautas morais e na “[...] reação ao avanço do feminismo e do movimento pela diversidade sexual na sociedade” (Machado, 2015Machado, M.D. (2015) Religião e política no Brasil contemporâneo: uma análise dos pentecostais e carismáticos católicos. Religião e Sociedade, 35(2), pp. 45-72. doi
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, p. 46). Por sua vez, a inserção política dos pentecostais se dá, destacadamente, por meio de líderes religiosos (pastores, bispos etc.). Diferente do futebol, esses movimentos religiosos possuem um processo de formação e recrutamento específicos para a atividade política e atuam de modo totalizante com pautas culturais, políticas e econômicas claras. Atuam conforme um projeto de poder, seja entendendo a política como mais um espaço de evangelização (carismáticos), seja entendendo a política como espaço de resistência e ampliação de direitos (pentecostais) (Machado, 2015Machado, M.D. (2015) Religião e política no Brasil contemporâneo: uma análise dos pentecostais e carismáticos católicos. Religião e Sociedade, 35(2), pp. 45-72. doi
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).

Não são as estruturas regulares do movimento carismático e das igrejas pentecostais que socializam politicamente. Entendendo o papel da disputa política para implementar sua visão de mundo, recrutam e formam pessoas para representarem seu projeto formalmente no sistema político. Há, entre eles, coerência ideológica: a dispersão desses atores se concentra em partidos de direita, com viés conservador. Inclusive, com um partido vinculado à Igreja Universal (Republicanos) e a aliança entre o Partido Social Cristão - PSC e a Assembleia de Deus (PSC, ligado à Assembleia de Deus, 2018PSC, ligado à Assembleia de Deus, oficializa apoio a Jair Bolsonaro (2018) Estadão, São Paulo, 11 de out. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,psc-ligado-a-assembleia-de-deus-oficializa-apoio-a-jair-bolsonaro,70002543894 Acesso em: 11 de jul. 2021.
https://politica.estadao.com.br/noticias...
; Mendes, 2020Mendes, G. (2020) Republicanos cresce nas eleições de 2020 e aumenta poder da Universal. Congresso em Foco, 06 de dez. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/bancada-membros-da-universal-em-2020/ Acesso em: 11 de jul. 2021.
https://congressoemfoco.uol.com.br/gover...
).

As organizações do futebol (clubes e federações) possuem estruturas em que a disputa política, o debate, a negociação e a busca por votos são inerentes e não compartilham de um projeto de poder com pautas para toda a vida social. Daí a disposição de figuras ligadas ao futebol em partidos de diferentes ideologias. A base recrutável para o voto das igrejas é forjada a partir de uma visão de mundo; a do futebol é forjada a priori por uma identificação clubística (clubes) ou pela relevância setorial (federações).

O artigo está teoricamente fundamentado no neo-institucionalismo histórico. O novo institucionalismo analisa como as estruturas e organizações influenciam o comportamento individual e busca explicações focalizando a instituição como variável dependente e/ou fenômenos cujas instituições atuem como variável independente (Peters, 2001Peters, B.G. (2001) Las instituciones políticas: lo viejo y lo nuevo. In: R. Goodin & H. Klingeman (eds) Nuevo manual de ciência política. Madrid: Istmo, pp. 304-328.). Os estudos do neo-institucionalismo histórico2 2 O futebol como instituição política informal é fruto de uma institucionalização de longa duração (Nascimento, 2022). Couto (2017, p. 239) indica “condicionantes antigos” para estudar a política recente no futebol. Ademais, o referencial importa na definição de instituição, que franqueia acesso desigual ao poder, e na influência de fatores extra institucionais na política (Hall & Taylor, 2003). “[...] fazem visíveis contextos mais amplos e processos que interagem, dão forma e reformam os Estados, a política e o desenho da política pública (Pierson & Skocpol, 2008Pierson, P. & Skocpol, T. (2008) El institucionalismo histórico en la ciencia política contemporánea. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 17(1), pp. 7-38., p. 7, tradução nossa). Outro referencial é o debate sobre as instituições informais (Helmke & Levitsky, 2006Helmke, G. & Levitsky, S. (2006) Introduction. In: G. Helmke & S. Levitsky (eds) Informal institutions and politics in Latin American. Baltimore: Johns Hopkins University Press, pp. 2-30.; Rothstein, 2001Rothstein, B. (2001) Las instituciones políticas: una visión general. In: R. Goodin & H. Klingeman (eds) Nuevo manual de ciência política. Madrid: Istmo, pp. 199-246.). Para subsidiar o teor explicativo a partir da análise bibliográfica, documental e da apresentação de casos típicos, o modelo de causalidade é a path dependence (Fernandes, 2002Fernandes, A.S. (2002) Path dependency e os estudos históricos comparados. BIB Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, (53), pp. 79-102.; Hall & Taylor, 2003Hall, P.A. & Taylor, R.C. (2003) As três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova, (58), pp. 193-223.; Pierson, 2000Pierson, P. (2000) Increasing returns, path dependence, and the study of politics. American Political Science Review, 94(2), pp. 251-267.; 2004Pierson, P. (2004) Politics in time: history, institutions, and social analysis. Princeton: Princeton University Press.; Mahoney, 2006Mahoney, J. (2006) Analyzing path dependence: lessons from the social sciences. In: A. Wimmer & R. Kössler (eds) Understanding change: models, methodologies, and metaphors. Basingstoke: Palgrave Macmillan, pp. 129-139.; Thelen, 1999Thelen, K. (1999) Historical institutionalism in comparative politics. Annual Review of Political Science, (2), pp. 369-404.).

Realizamos sete entrevistas, conforme consta no Apêndice. Para verificar se a imagem produzida na análise se aproxima da percepção de atores e observadores especializados, fizemos entrevistas semiestruturadas com o ex-deputado Silvio Torres (PSDB-SP) e o jornalista Juca Kfouri; e para verificar como os torcedores elaboram as explicações do sucesso e do insucesso eleitoral de ídolos do seu clube, usamos entrevistas estruturadas com cinco torcedores do Corinthians. Analisamos casos de jogadores desse clube devido ao tamanho da torcida - a maior do estado de São Paulo e segunda do Brasil3 3 Leia “Veja a evolução da dimensão das maiores torcidas ...” (2020). - e à sua histórica relação com a política, assinalada pela Democracia Corintiana (Florenzano, 2009Florenzano, J.P. (2009) A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Editora da PUC-SP.).

Na próxima seção, apresentamos o aporte teórico-metodológico. Em seguida desenvolvemos um panorama histórico resumido do futebol, coerente com os objetivos do trabalho, indicando uma trajetória histórica que culmina nos fatores contextuais e institucionais que sustentam nossa argumentação. Encerramos com as considerações finais.

II. Aporte teórico-metodológico: situando o futebol no mundo político4 4 Este artigo analisa como as entidades de futebol ajudam a “abastecer” o sistema político, sobretudo pelas eleições. Enfatiza o papel socializador das disputas políticas internas dessas entidades com caráter majoritariamente associativo e a possibilidade da identidade clubística favorecer a obtenção de voto. Para outros modos de mobilização política associados ao futebol ler Oliveira (2021).

A pergunta que mobiliza essa pesquisa é: como o futebol se constituiu em instituição política informal, seja para acesso às arenas políticas, seja tornando estratégica a entrada de políticos no campo esportivo? Para tal, apresentamos o referencial teórico.

Há uma linha tênue entre a amplitude das definições do conceito de instituição na Ciência Política e a degeneração na identificação dos casos cobertos pelo conceito. Se tudo pode ser instituição política, o termo perde potencial explicativo. O risco aumenta com a urgência em reconhecer que, sem considerar o papel de instituições informais, podemos produzir uma imagem da política distante de sua prática e configuração real. Os desafios estão postos: reconhecer as instituições políticas, formais e informais, é ampliar o conhecimento sobre o funcionamento da política, aproximando a imagem produzida da realidade experimentada pelos atores.

Tal desafio foi explicitado por Blondel (2006) ao identificar a escassez de esforços para definir o conceito de instituições políticas, como se os pesquisadores reconhecessem imediata e intuitivamente tais instituições, dada a obviedade. O autor alerta para a especificidade de “instituição” na Ciência Política e para o equívoco na importação de definições da economia e sociologia. As decisões na política são majoritariamente coletivas e grande parte da política é feita por pessoas que não participam da tomada de decisão. Por isso, regras e procedimentos são insuficientes para definir instituições políticas: a política demanda algum tipo de organização reconhecida pelos indivíduos a ponto de legitimar tais regras e procedimentos. Blondel orienta a pesquisa em torno do:

[...] conceito de corpos capazes de tomar decisões autoritárias, podendo esses corpos desenvolver práticas - ou seja, procedimentos e regras - que aqueles que os reconhecem têm que aceitar como sendo, por assim dizer, os “braços e pernas” dessas organizações (Blondel, 2006Blondel, J. (2006) About institutions, mainly, but not exclusively, political. In: S.A. Binder, R.A. Rhodes & B.A. Rockman. The Oxford handbook of political institutions. Oxford/New York: Oxford University Press Inc., pp. 716-730., p. 723, tradução nossa).

Helmke e Levitski (2006Helmke, G. & Levitsky, S. (2006) Introduction. In: G. Helmke & S. Levitsky (eds) Informal institutions and politics in Latin American. Baltimore: Johns Hopkins University Press, pp. 2-30., p. 2, tradução nossa) alertam que “[...] atores políticos respondem a uma combinação de incentivos formais e informais” e, por isso as instituições informais influenciam na produção dos resultados formais.

Logo, considerar apenas as normas formais provoca “[...] o risco de deixar de lado muitas normas não formalizadas, mas assumidas como algo seguro (‘taken for granted’) que existem em qualquer organização e que determinam a conduta política”. Afinal,

[...] as normas políticas (no sentido de que são estabelecidas mediante um acordo tácito ou explícito) estão incluídas, independente de que tenham sido transcritas ou adotadas através de um procedimento formal (Rothstein, 2001Rothstein, B. (2001) Las instituciones políticas: una visión general. In: R. Goodin & H. Klingeman (eds) Nuevo manual de ciência política. Madrid: Istmo, pp. 199-246., pp. 216-217, tradução nossa).

Partindo da concepção de “corpos” para se referir às organizações e de “braços e pernas” para os procedimentos e regras, a imagem mais adequada para esclarecer o argumento do artigo é que, muitas vezes os corpos podem não ser vistos desde um ponto de vista do campo político, apesar de evidente a partir de outros campos. Assim, o futebol é reconhecido pela sociedade brasileira e seus efeitos políticos são percebidos. Porém, não está claro para muitos observadores que a forma como o futebol se estrutura no Brasil deu origem a uma instituição política.

O futebol é uma instituição política informal, cuja estrutura se relaciona com o processo de socialização política. Suas interações com outros campos da sociedade o consolidam como importante locus para o recrutamento político. Isto é, existem relações consolidadas do futebol com dois “conceitos centrais para a análise dos outputs do sistema político” (Braga & Bolognesi, 2013Braga, M.S. & Bolognesi, B. (2013) Dossiê recrutamento político e seleções de candidatos nas democracias contemporâneas. Revista de Sociologia e Política, 21(46) pp. 5-9. doi
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, p. 5).

Ou seja, no recrutamento intensivo “[...] um partido pode atrair membros já formados em uma instituição exógena [como os dirigentes esportivos] ou então uma figura popular por qualquer razão [como os jogadores], sem nenhuma formação política prévia mais relevante”. A possibilidade de organizações do futebol servirem como atalho para esse tipo de recrutamento político, é uma alternativa que confere “economia de recursos e esforços” porque “[...] exige menor investimento de recursos materiais e de tempo”, além de poder se constituir em “[...] um recrutamento estratégico em face do ambiente político e dos seus objetivos” (Peres & Machado, 2017Peres, P. & Machado, A. (2017) Uma tipologia do recrutamento partidário. Opinião Pública, 23(1), pp. 126-167. doi
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, pp. 143-144). Mesmo os partidos que priorizam o recrutamento extensivo realizando formação e doutrinação, podem recorrer ocasionalmente ao recrutamento intensivo de outsiders e de candidatos formados politicamente em outras instituições; isso depende das estratégias necessárias para se tornarem competitivos em dado contexto.

Em suma, se é indispensável que toda liderança ou quadro burocrático seja um filiado, não segue disso que todos os filiados terão de ser formados politicamente pelo partido ou virão a ser lideranças ou mesmo componentes da burocracia partidária (Peres & Machado, 2017Peres, P. & Machado, A. (2017) Uma tipologia do recrutamento partidário. Opinião Pública, 23(1), pp. 126-167. doi
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, pp. 143-144).

Celebridades, como os jogadores de futebol, agregam ao menos dois importantes recursos estratégicos para os partidos: ampla popularidade e incentivos financeiros. Ao longo do artigo, o conceito de capital político é mobilizado. Como um tipo de capital simbólico, depende do reconhecimento dos pares e se assenta em uma crença socialmente compartilhada sobre sua validade. A popularidade e, portanto, a capacidade de conquistar votos contribui, mas não é determinante dada a exigência de se projetar como porta-voz de um determinado grupo. Bourdieu define o capital político como um capital de reputação e que se relaciona com o acesso ao capital econômico e ao capital cultural para dispor de certo grau de tempo livre e educação (Bourdieu, 1996Bourdieu, P. (1996) Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.; 2011Bourdieu, P. (2011) O campo político. Revista Brasileira de Ciência Política, (5), pp. 193-216.).

A relação entre futebol e política se constituiu historicamente e, apesar de perceptível, nem sempre é compreendida como sistemática. O senso comum produziu a máxima futebol e política não se misturam, revelando o êxito da estratégia de dissimular o papel político do futebol (Ribeiro, 2020Ribeiro, L.C. (2020) Futebol e política. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, pp. 25-43.). Há uma tendência em analisar o futebol e a política como campos distintos e excludentes, “tanto nos estudos acadêmicos quanto no senso comum” porque em muitos momentos era importante para o futebol se distanciar e “negar a política” como estratégia para “se legitimar como prática social” (Ribeiro, 2020Ribeiro, L.C. (2020) Futebol e política. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, pp. 25-43., pp. 25-26). Além disso, as análises políticas das ciências sociais davam ênfase ao protagonismo do Estado em suas relações. No pós-guerra, as ciências sociais passam a admitir a importância de compreender “relações de poderes” e não mais conceber a política como localizada e estática (Ribeiro, 2020Ribeiro, L.C. (2020) Futebol e política. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, pp. 25-43., p. 41).

Outra máxima, o futebol é um mecanismo de alienação das massas, deságua na tese da apropriação passiva do futebol por governantes e regimes autoritários. Essa concepção coloca os atores do futebol como polo passivo no projeto político autoritário, sendo capturados em troca da possibilidade de o futebol render popularidade e controle às lideranças políticas. Além das estratégias de legitimação do futebol e do sentido do desenvolvimento epistemológico nas ciências sociais, é preciso ressaltar: quando as análises admitiam a relação entre futebol e política, inclusive entre Estado e futebol, a tendência era tratar o futebol como objeto coeso, apropriado por lideranças políticas, ignorando os possíveis interesses de atores do campo esportivo (Ribeiro & Souza, 2021Ribeiro, L.C. & Souza, J.U. (2021) O futebol na proposta autoritária e corporativista da Era Vargas (1930-1945). Topoi, 22(46), pp. 160-181. doi
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).

Quanto à primeira máxima, o futebol como um sujeito monolítico escamoteando os interesses dos dirigentes dos clubes e federações dos atletas, dos torcedores, dos patrocinadores e investidores é estratégico. Ao se autorreferir “cidadãos comuns”, os dirigentes omitem “[...] os interesses políticos e sobretudo econômicos das agências que controlam o futebol. A mitificação do futebol como lugar neutro, apolítico, é uma das mais eficazes formas de se fazer política” (Ribeiro, 2020Ribeiro, L.C. (2020) Futebol e política. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, pp. 25-43., p. 42).

No que concerne à segunda, os interesses desses agentes do futebol nos informam a “convergência de diversos agentes” em torno de projetos políticos (Ribeiro & Souza, 2021Ribeiro, L.C. & Souza, J.U. (2021) O futebol na proposta autoritária e corporativista da Era Vargas (1930-1945). Topoi, 22(46), pp. 160-181. doi
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, p. 178). Não existe uma categoria invariável “interesses do futebol” nem os regimes autoritários se reduzem a grupos políticos livres de contradições, cujas práticas fossem decididas em uníssono e descoladas de anseios e demandas da sociedade civil.

Não se trata de apropriação unilateral, são relações marcadas pela convergência de interesses e não são episódicas. Ao contrário da Inglaterra, onde a trajetória do futebol é marcada pela secular privatização dos clubes com a existência de donos e investidores publicamente conhecidos; no Brasil a trajetória do futebol é marcada por clubes que são associações de direito privado majoritariamente sem fins lucrativos, liderados por dirigentes que disputam eleições internas, negociam e dialogam com um conselho. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), contando com uma forte influência política, não é apenas um órgão normativo para o futebol e gestor da seleção, é também a organizadora das principais competições, com processo eleitoral extremamente fechado e forte peso das federações estaduais, cujos interesses nem sempre coincidem com os dos clubes. Em países como Inglaterra e Espanha, as Ligas de Clubes organizam as competições, negociam patrocínios e direitos de transmissões e são independentes das Federações e Associações. Essas especificidades brasileiras na interação entre os diversos atores do futebol geram mecanismos diferentes de outros países para a mediação de interesses (Couto, 2017Couto C.G. (2017) Oligarquização em um grande clube de futebol: o caso do Sport Club Corinthians Paulista. Organizações & Sociedade, 24(81), pp. 237-260. doi
doi...
; Rebelo & Torres, 2001Rebelo, A. & Torres, S. (2001) CBF-NIKE. São Paulo: Casa Amarela.; Giulianotti, 2010Giulianotti, R. (2010) Sociologia do futebol - dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria., Ribeiro, 2020Ribeiro, L.C. (2020) Futebol e política. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, pp. 25-43.).

Em coerência com o referencial neo-institucionalista histórico, sustentamos que instituições proporcionam acesso desigual ao poder. Assim, para compreender como a relevância de um ator no futebol se relaciona ao acesso mais direto às instituições políticas estatais, percorremos a seguinte trilha: (1) apresentar uma trajetória histórica a partir de pesquisa bibliográfica e documental; (2) analisar o caso de atores ligados ao Sport Club Corinthians Paulista para apreender em quais condições o pertencimento clubístico se relaciona ao êxito político a partir de entrevistas (semiestruturada com Juca Kfouri e estruturadas com torcedores); (3) compreender como as entidades de futebol contribuem para a socialização política, bem como as interações entre organizações desse esporte e instituições estatais favorecem um duplo fluxo de circulação entre os campos - por meio de pesquisa bibliográfica, análise de materiais jornalísticos e entrevistas semiestruturadas com Juca Kfouri e Silvio Torres. Este percurso evidencia como os torcedores elaboram, como um observador qualificado interpreta o fenômeno para formular uma explicação relativa ao êxito político-eleitoral de pessoas identificadas com clubes importantes e esclarece como o trânsito de atores políticos para o futebol legitima as entidades desse esporte, em seu conjunto, como instituição política informal.

III. Regular e (nem tão) discreto (assim), mas decisivo: gênese e desenvolvimento do futebol como instituição política informal

Imagine a cena:

[...] Romário está conversando com dirigentes do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Quer destronar Ricardo Teixeira, o longevo presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e sua súcia de conspiradores que dominavam e se apropriavam dos recursos do esporte brasileiro havia décadas. Uma das maneiras seria concorrer a uma cadeira de deputado federal nas eleições para a Câmara dali a seis meses. Os políticos têm poder. [...] Os chefões da cartolagem brasileira dão risada. Romário? Ele não passa de mais um playboy, um ex-astro do futebol [...] Que tipo de ameaça esse filho das favelas pode representar para eles, homens poderosos, ricos e com um esquadrão de políticos obedientes em sua folha de pagamento? Em São Paulo, José Maria Marin, um dos queridinhos da ditadura militar - ao lado de seu parceiro, o político Paulo Maluf - é agora vice-presidente da CBF (Jennings, 2014Jennings, A. (2014) Um jogo cada vez mais sujo. São Paulo: Panda Books., pp. 10-11).

Apesar dos toques literários, a citação revela elementos importantes para compreender o futebol como instituição política informal. Primeiro, por ser um esporte com alta visibilidade e com intensa cobertura midiática; ter uma carreira de sucesso em um grande clube e/ou na Seleção Brasileira pode conferir um grande grau de popularidade, constituindo-se em recurso para disputar um cargo eletivo. A passagem revela outro ponto: existe diferença entre ser candidato utilizando-se de um capital político obtido por meio do futebol e ser um político reconhecido pelo comando dos clubes e das federações como representante dos interesses organizados do alto comando do futebol brasileiro (clubes, federações, CBF etc.). Portanto, o segundo elemento a ser mobilizado é que, o futebol não seria aqui entendido como instituição política se a popularidade por ele promovida explicasse, por si só, o êxito político de candidatos eleitos oriundos do esporte - isso o aproximaria de qualquer outro meio que produz celebridades. Esses elementos indicam uma estrutura de poder consolidada, como ilustra o caso de José Maria Marin, ex-jogador, político, dirigente da Federação Paulista de Futebol - FPF e da CBF, aliado de Paulo Maluf e com carreira política relevante durante a Ditadura Militar. Essa estrutura política consolidada não existe por turno da captura do futebol e seus interesses pelos agentes do Estado, mas por uma aproximação recíproca em torno de benefícios mútuos. Do Estado, o futebol pode obter recursos fundamentais (capital, legislação etc.). Do futebol, os agentes e as organizações políticas podem obter recursos estratégicos. Como chegamos aqui?

Pesquisas acadêmicas reconhecem que a prática do futebol no Brasil é anterior à sua estruturação em clubes e federação (Streapco, 2010Streapco, J.P.F. (2010) “Cego é aquele que só vê a bola”. O futebol em São Paulo e a formação das principais equipes paulistanas: S.C. Corinthians Paulista, S.E Palmeiras e São Paulo F.C. (1894-1942). Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo.; Drumond, 2020Drumond, M. (2020) Entre políticos e paredros: as relações políticas do futebol brasileiro na primeira metade do século XX. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, pp. 44-61.; Gambeta, 2015Gambeta, W. (2015) A bola rolou: o velódromo paulista e os espetáculos de futebol. São Paulo: SESI-Editora.; Souza, 2014Souza, J.U. (2014) O jogo das tensões: clube imigrantes italianos no processo de popularização do futebol em Curitiba (1914-1933). Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná.; 2016Souza, J.U. (2016) A “candidatura sportiva” e outras aproximações entre esporte e política na Curitiba da Primeira República. Vozes, Pretérito & Devir - Revista de História da UESPI, 5(1), pp. 122-148.). Apesar das narrativas se concentrarem em personagens da elite (ou próximos dela) como Charles Miller e Oscar Cox, “[...] o esporte foi inicialmente praticado por grupos populares” e chegou ao Brasil por meio “[...] de múltiplas entradas, especialmente em locais de forte presença inglesa, como zonas portuárias e ferroviárias” (Drumond, 2020Drumond, M. (2020) Entre políticos e paredros: as relações políticas do futebol brasileiro na primeira metade do século XX. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, pp. 44-61., p. 44).

A despeito da peculiaridade de cada região do país e com traços populares, a estruturação do futebol em clubes e federações foi encabeçada por clubes, cujos dirigentes eram, majoritariamente, “[...] membros de elites políticas, econômicas e culturais, que por muitas vezes tinham acesso aos mais íntimos círculos de poder” (Drumond, 2020Drumond, M. (2020) Entre políticos e paredros: as relações políticas do futebol brasileiro na primeira metade do século XX. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, pp. 44-61., p. 45). Um exemplo é o Club Athletico Paulistano, um dos precursores do futebol e um dos fundadores da Liga Paulista, formado por famílias de cafeicultores como a Silva Prado (Gambeta, 2015Gambeta, W. (2015) A bola rolou: o velódromo paulista e os espetáculos de futebol. São Paulo: SESI-Editora.).

A origem popular e a estruturação liderada por membros da elite remetem à diferenciação entre o futebol de várzea e o futebol oficial, também à distinção entre futebol informal da elite e de espetáculos. No informal de elite era permitida a presença de pobres, mas apenas os jogadores ricos usavam os símbolos do clube. O de espetáculos era composto por jogos entre clubes, inicialmente restritos à elite (Gambeta, 2015Gambeta, W. (2015) A bola rolou: o velódromo paulista e os espetáculos de futebol. São Paulo: SESI-Editora.).

No entanto, o futebol não se desenvolveu totalmente apartado do Estado. O Estado não controlava, mas os dirigentes esportivos (de clubes ou federações) se relacionavam constantemente com os agentes políticos.

Desde muito cedo, os dirigentes de clubes esportivos, conhecidos no início do século XX como paredros, mantiveram relações estreitas com o campo político, tanto por intermédio de políticos que buscavam utilizar o sucesso esportivo como um meio de aquisição do capital político, como de dirigentes esportivos que buscavam o apoio do Estado visando à obtenção de verbas ou outras vantagens (Drumond, 2020Drumond, M. (2020) Entre políticos e paredros: as relações políticas do futebol brasileiro na primeira metade do século XX. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, pp. 44-61., pp. 44-45, grifo do autor).

Tais relações eram constantes e se assentavam não só em trocas pragmáticas, mas em “[...] rede de camaradagem e mesmo laços familiares” (Souza, 2016Souza, J.U. (2016) A “candidatura sportiva” e outras aproximações entre esporte e política na Curitiba da Primeira República. Vozes, Pretérito & Devir - Revista de História da UESPI, 5(1), pp. 122-148., p. 129). Por isso, os “[...] pedidos, por parte dos clubes, de auxílio financeiro, empréstimos, isenções fiscais e doações de terrenos foram corriqueiros durante todo o período analisado [apresenta registros de 1911 a 1929]” (Souza, 2016Souza, J.U. (2016) A “candidatura sportiva” e outras aproximações entre esporte e política na Curitiba da Primeira República. Vozes, Pretérito & Devir - Revista de História da UESPI, 5(1), pp. 122-148., p. 132). Também, é possível verificar a “[...] aproximação do campo esportivo com o poder público em momentos de intervenções urbanísticas”, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Antônio Prado e Raymundo Duprat, em gestões municipais paulistanas, Washington Luiz no governo estadual paulista e Pereira Passos no Rio de Janeiro são exemplos (Souza, 2016Souza, J.U. (2016) A “candidatura sportiva” e outras aproximações entre esporte e política na Curitiba da Primeira República. Vozes, Pretérito & Devir - Revista de História da UESPI, 5(1), pp. 122-148., p. 135).

Por fim, a candidatura de Antônio Jorge Machado Lima para deputado estadual no Paraná indica que as candidaturas de representantes do futebol também não são recentes. Em 1921, o candidato, filho do presidente estadual Vicente Machado da Silva Lima, recebeu apoio dos presidentes de todos os clubes de Curitiba, dos “[...] cronistas esportivos do Commercio do Paraná e da Gazeta do Povo” que criaram o slogan “Candidatura Sportiva” (Souza, 2016Souza, J.U. (2016) A “candidatura sportiva” e outras aproximações entre esporte e política na Curitiba da Primeira República. Vozes, Pretérito & Devir - Revista de História da UESPI, 5(1), pp. 122-148., p. 141). Antônio Jorge, como era conhecido na política, foi membro do Partido Republicano Paranaense, diretor esportivo do Internacional Football Clube de Curitiba, presidente da Liga Sportiva Paranaense em 1916 e da Associação Sportiva Paranaense - ASP entre 1920-22. Como presidente da ASP, já em campanha, incluiu clubes do interior e do litoral no Campeonato Paranaense de Futebol, até ali restrito aos da capital (Capraro, 2002Capraro, A.M. (2002) Football, uma prática elitista e civilizadora: investigando o ambiente social e esportivo paranaense do início do século XX. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná.; Souza, 2016Souza, J.U. (2016) A “candidatura sportiva” e outras aproximações entre esporte e política na Curitiba da Primeira República. Vozes, Pretérito & Devir - Revista de História da UESPI, 5(1), pp. 122-148.). Antônio Jorge5 5 Depois, apoiou Getúlio Vargas, foi um dos fundadores do Partido Social Democrático (PSD) do Paraná e eleito para a Assembleia Nacional Constituinte, em 1933, e para o Senado, em 1935. Em 1937, apoiou a candidatura à presidência de José Américo de Almeida pelo Partido Social Nacionalista e seu mandato de senador foi encerrado pelo Estado Novo (Lima, 2010). pautou sua campanha no interesse das associações esportivas na declaração de “utilidade pública”, visando isenções fiscais. Não foi eleito na ocasião, mas sua candidatura impulsionou a pauta, apresentada depois pelo deputado estadual Manoel de Oliveira Franco, demonstrando “[...] a força política que não deveria ser desprezada” dos esportistas paranaenses (Souza, 2016Souza, J.U. (2016) A “candidatura sportiva” e outras aproximações entre esporte e política na Curitiba da Primeira República. Vozes, Pretérito & Devir - Revista de História da UESPI, 5(1), pp. 122-148., p. 143).

Exemplificamos ocorrências da fase do incentivo estatal no futebol quando se consolida o regionalismo no futebol brasileiro - ainda perceptível pelo maior apelo dos clássicos regionais e pela relevância dos campeonatos estaduais - exceção entre os países mais tradicionais6 6 A Espanha possui campeonatos regionais, como na Catalunha, mas ocorrem em poucas datas e as equipes da primeira divisão usam atletas em desenvolvimento, não jogadores do elenco principal (Reis, 2021). . Portanto, as relações entre futebol e política são marcadas pela reciprocidade e não pela captura do futebol por agentes políticos.

Na Era Vargas (1930-1945), a relação entre futebol e Estado se torna sistemática, começando pela participação de atores ligados ao governo na profissionalização, em 1933. Depois, no Estado Novo (1937-1945), começa a fase da “participação organizacional-burocrática” do Estado no futebol (Gonçalves, 1985Gonçalves, J.E. (1985) Futebol e poder: algumas reflexões sobre o jogo da política. In: G.K. Dieguez (org) Esporte e poder. Petrópolis: Vozes, pp. 20-30., p. 22). Nela, o Decreto-Lei n° 3.199 de 1941 estabeleceu “as bases da organização dos desportos em todo país” e criou o Conselho Nacional do Desporto (CND), conferindo ao Estado a centralidade na gestão esportiva e o papel de financiador e fiscalizador do esporte. Além disso, a Confederação Brasileira de Desporto (CBD) tornou-se a maior confederação com autoridade sobre o futebol, tênis, atletismo, remo, natação, saltos, polo aquático, vôlei, handebol e outros esportes sem confederação reconhecida pelo CND - composto por cinco membros nomeados pelo presidente da República (Brasil, 1941Brasil (1941) Decreto-Lei n° 3.199, de 14 de abril de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del3199.htm Acesso em: 08 de fev. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Dec...
). Sobre como se deu a inserção dos interesses das organizações de futebol na agenda do Estado, Kfouri resume:

[...] tinha seus cabos, tinha seus políticos, né? Sempre teve. Porque nós tivemos uma ditadura sui generis com eleição para deputado, com eleição para senador - tinha lá seus senadores biônicos. Mas, enfim, a CBF, a CBD sempre tiveram as suas pontas de lança no Congresso Nacional por razões óbvias [...] quando eu me refiro às capitanias hereditárias, veja: a estruturação por meio das federações estaduais antecede [à Ditadura Militar], né? Não se esqueça do seguinte: a nossa legislação esportiva data do Estado Novo, inspirada na Carta del Lavoro [refere-se ao Decreto-Lei n° 3.199 de 1941] (Kfouri, 2021Kfouri, J.C. (2021) Futebol e política na ótica do observador especializado. [videoconferência via Zoom Meetings]. Concedida em 9 de jun. 2021., grifos nossos).

A participação continuou no período democrático entre 1946-1964 quando “[...] o futebol já era compreendido como manifestação cultural autêntica, embora marcado pela dependência econômica do país e pela legislação corporativista do Estado Novo” (Azevedo, 1999Azevedo, A.A. (1999) Dos velhos aos novos “cartolas”: uma interpretação do poder e suas resistências nos clubes, face ao impacto das relações futebol-empresa. Tese de Doutorado. Brasília: Universidade de Brasília., p. 60). Dutra doou um terreno ao Flamengo e em seu governo ocorreu a construção do Maracanã para a Copa de 1950. O retorno de Vargas à presidência deu sequência à prática, chegando a emprestar dinheiro a juros baixos ao Flamengo. No governo Juscelino Kubitschek, apesar da derrota de Geraldo Starling7 7 Starling, com apoio de JK, foi para o CND. Consta também um encontro em janeiro de 1956 quando JK se comprometeu a ampliar o apoio ao esporte em geral, incluindo à CBD (Pacheco, 2015). para a presidência da CBD, a relação entre governo e confederação foi boa e a gestão da época com Sylvio Pacheco estava entrosada com a lógica de modernização de JK. O sucessor de Pacheco, João Havelange, ex-membro do CND, reforçava esse caráter modernizador - exemplificado pelas inovações na preparação da seleção brasileira para a Copa de 1958 (Azevedo, 1999Azevedo, A.A. (1999) Dos velhos aos novos “cartolas”: uma interpretação do poder e suas resistências nos clubes, face ao impacto das relações futebol-empresa. Tese de Doutorado. Brasília: Universidade de Brasília.; Pacheco, 2015Pacheco, S.L. (2015) Antes de ser campeão. Rio de Janeiro: Editora Vermelho Marinho.; Sarmento, 2006Sarmento, C.E (2006) A regra do jogo: uma história institucional da CBF. Rio de Janeiro: CPDOC.).

Não pretendemos esgotar a história da relação entre futebol e política, apenas assinalar que as relações antecedem à Ditadura Militar. A Ditadura Militar inicia a fase da progressiva “militarização” do futebol (Gonçalves, 1985Gonçalves, J.E. (1985) Futebol e poder: algumas reflexões sobre o jogo da política. In: G.K. Dieguez (org) Esporte e poder. Petrópolis: Vozes, pp. 20-30., p. 22). O exemplo é o modelo de preparação física e supervisão implementado na seleção brasileira para a Copa de 1970, replicado em vários clubes (Florenzano, 2020Florenzano, J.P. (2020) A dimensão política do futebol-arte. In: S.S. Giglio & M.W. Proni (orgs) O futebol nas ciências humanas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, pp. 80-96.). Outro exemplo é a condução do Almirante Heleno de Barros Nunes, ex-presidente da ARENA (Aliança Renovadora Nacional) à presidência da CBD, no lugar de João Havelange, em 1975 (Sarmento, 2006Sarmento, C.E (2006) A regra do jogo: uma história institucional da CBF. Rio de Janeiro: CPDOC.).

Essa militarização não anula o modelo implementado a partir do Estado Novo e não significou uma passividade da sociedade civil. Foi assim na criação do Campeonato Brasileiro, no Planejamento México (preparação para a Copa de 1970 custeada também pelas doações e campanhas de empresas) e na Loteria Esportiva, cuja arrecadação era destinada majoritariamente à CBD (que priorizava o futebol). Mas cumpre destacar o apoio do Congresso Nacional para que o governo militar alterasse as relações políticas internas ao esporte, aprovando a Lei n° 6.251, de 8 de outubro de 1975. A partir dela, “[...] os estatutos das confederações, das federações e das ligas desportivas obedecerão ao sistema de voto unitário na representação das filiadas em quaisquer reuniões dos seus poderes” (Brasil, 1975Brasil (1975) Lei n° 6.251, de 8 de outubro de 1975. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6251.htm Acesso em: 01 de set. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Com isso, os clubes de futebol e agremiações de outras modalidades perderam capacidade decisória e ficaram dependentes dos presidentes das federações. Outro ponto estabelecido:

Art. 22. O Conselho Nacional de Desportos, por iniciativa própria ou mediante proposta da Confederação ou da maioria das federações interessadas, poderá reexaminar o quadro das confederações existentes e propor ao Ministro da Educação e Cultura a criação de uma ou mais confederações e a supressão, desmembramento ou fusão de qualquer das existentes (Brasil, 1975Brasil (1975) Lei n° 6.251, de 8 de outubro de 1975. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6251.htm Acesso em: 01 de set. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).

Foi com essa base legal que em 1979 foram criadas várias confederações esportivas desmembrando a CBD, cuja estrutura passou inteiramente à CBF. De lá para cá, o regulamento mudou pouco. Recentemente, apenas os clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro passaram a votar, mas o vice-presidente mais velho8 8 Em 2021, o presidente Rogério Caboclo foi afastado e substituído por Antônio Carlos Nunes, coronel reformado da Polícia. Foi “prefeito biônico” de Monte Alegre, presidente da Liga Esportiva de Santarém, dirigente do Paysandu, procurador do Tribunal de Justiça Desportiva e presidiu a Federação. Sempre no estado do Pará (Retaliação e tirania na arbitragem paraense, 2015; Vasquez, 2021). ainda substitui o presidente eleito - devendo, desde 2017, o vice mais velho convocar eleições em até 30 dias, caso o presidente não possa retornar (Fernandez, 2017Fernandez, M. (2017) Sem clubes, CBF aprova novo estatuto e mantém cláusula de barreira para eleições. Blog Bastidores F.C., 23 de mar. Disponível em: <http://ge.globo.com/blogs/especial-blog/bastidores-fc/post/sem-clubes-cbf-aprova-novo-estatuto-e-mantem-clausula-de-barreira.html Acesso em: 27 de jun. 2021.
http://ge.globo.com/blogs/especial-blog/...
; Sarmento, 2006Sarmento, C.E (2006) A regra do jogo: uma história institucional da CBF. Rio de Janeiro: CPDOC.)9 9 Em 2021 os vice-presidentes eram: Antonio Aquino Lopes; Castelar Guimarães Neto; Coronel Nunes (mencionado acima); Ednaldo Rodrigues (eleito presidente em 2022); Francisco Noveletto; Fernando Sarney (filho de ex-presidente da República); Gustavo Feijó, prefeito de Boca da Mata - AL; e Marcus Vicente, deputado estadual PP-ES (Neves, 2018). .

Nas subseções seguintes detalharemos os argumentos. Primeiro, a importância do pertencimento clubístico e depois a relevância da estrutura dos clubes e federações para a socialização política.

III.1 O pertencimento clubístico como identidade necessária (e não suficiente) para o êxito político: o caso do Sport Club Corinthians Paulista

Existem fatores na relação do brasileiro com o futebol que precisam ser mobilizados. Um elemento central, segundo Damo (1998)Damo, A.S. (1998) Bons para torcer, bons para se pensar - os clubes de futebol no Brasil e seus torcedores. Motus Corporis, 5(2), pp. 11-48., é o “pertencimento clubístico”: brasileiros gostam do futebol “a partir de um referencial, os ‘clubes de coração’.” Essa é uma das identidades sociais existentes em sociedades complexas e é fator explicativo da identidade brasileira, o clube para o qual torcemos, mobilizar um conjunto de “códigos, valores, e atitudes que dizem muito acerca de quem somos” (Damo, 1998, p. 13).

Giulianotti (2010, p. 53) afirma “[...] são interesses locais e municipais que seguram o jogo no nível básico” enquanto “[...] o nacionalismo emerge periodicamente nos eventos e torneios internacionais”. Isso ocorre porque “os clubes foram criados com propósitos sociais e culturais locais”, o que faz com que os vínculos e a fidelidade da torcida e dos atletas sejam dirigidos “[...] a clubes individuais muito mais do que a nações” (Giulianotti, 2010Giulianotti, R. (2010) Sociologia do futebol - dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria., p. 54).

No Brasil, Damo (1998)Damo, A.S. (1998) Bons para torcer, bons para se pensar - os clubes de futebol no Brasil e seus torcedores. Motus Corporis, 5(2), pp. 11-48. afirma que a fidelidade clubística é parte da identidade, porque a escolha de um clube mobiliza laços de sociabilidade. A mudança de time é exceção e é comum encontrar a relação de uma família com determinado clube por gerações. A liberdade, nesse caso, é marcada pela possibilidade de cada torcedor vivenciar o pertencimento de modo particular, fazendo com que a narrativa sobre a história e a trajetória do clube seja reproduzida com adaptações à visão de mundo do sujeito-torcedor. O torcedor tende a se manter fiel e a reproduzir uma versão sem eventuais contradições entre valores, crenças e outras associações de sua vida social e a trajetória do clube do coração. Por fim, os torcedores valorizam a história do clube de coração porque se veem participantes (Damo, 1998). Essa crença no caráter participativo e a liberdade marcam a fidelidade clubística (Damo, 1998; Giulianotti, 2010Giulianotti, R. (2010) Sociologia do futebol - dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria.).

Essas linhas antropológicas explicam o vínculo “[...] dos torcedores em relação aos símbolos que os identificam com os clubes e a estrutura política-administrativa destes últimos, sugerem um paralelo entre representação êmica de ‘nação’ e a categoria analítica nações-Estados”. Torcedores conferem importância a símbolos (hino, bandeira, camisa) e se referem como membros de uma comunidade (nação), identificam-se com um território/casa (estádio onde o clube manda o jogo), valorizam atletas que defendem as cores com dedicação e valentia/raça (não raro, os chamam de guerreiros), elaboram a importância de heróis em conquistas tidas como históricas, sentem-se impelidos a defender o clube em uma discussão e, às vezes, com violência física; sentem-se autorizados a cobrar a diretoria pelo “direito” de ter bons jogadores e se incomodam com críticas da imprensa (Damo, 1998, p. 31)10 10 Na Antropologia, Toledo (2000; 2013) e Campos e Toledo (2013) adicionam notáveis aportes ao estudo das formas de torcer. O primeiro discute, entre outros, significados, sociabilidade e torcidas organizadas versus torcedor consumidor (Cap. 3); o segundo o impacto da Arena sobre o corintianismo; o último pesquisa sobre sociabilidade torcedora de fãs de times das Séries B e C do Brasileirão 2012. .

Em termos de estratégia eleitoral, o pertencimento a um clube ou federação facilita a organização de uma base eleitoral, pois distingue um “território de caça” (Panebianco, 1988Panebianco, A. (1988) Political parties: organization and power. Cambridge: Cambridge University Press.) onde a conquista do voto é mais provável, desde que presentes os requisitos do pertencimento clubístico ou a representação de interesses setoriais (federação). Isso não significa que o pertencimento clubístico determine escolhas eleitorais, apenas indica quais valores podem ser mobilizados como atalho para dialogar com um grupo determinado.

Isso atende a busca dos partidos brasileiros pelos “puxadores de voto”, que faz parte do “complexo cálculo estratégico” realizado pelos dirigentes partidários para montar a sua lista de candidatos para o Legislativo. Compõe esse cálculo uma “[...] coordenação que envolve o número de candidatos, o espaço geográfico em que competem e seu perfil sócio-ocupacional” (Braga & Amaral, 2013Braga, M.S. & Amaral, O.E. (2013) Implicações do processo de seleção de candidatos na competição partidária: o caso brasileiro. Revista de Sociologia e Política, 21(46), pp. 33-43. doi
doi...
, p. 40). Esse é um tipo de recrutamento intensivo, pois os partidos geralmente não investem na “formação e doutrinação” e buscam um “esforço concentrado, mais pontual e de curta duração, que investe em um - apenas filiação - ou dois aspectos desse processo - filiação e seleção.” (Peres & Machado, 2017Peres, P. & Machado, A. (2017) Uma tipologia do recrutamento partidário. Opinião Pública, 23(1), pp. 126-167. doi
doi...
, p. 143).

A globalização e a crescente mercantilização têm modificado essa relação. Primeiro porque grandes clubes internacionais, cujo poder econômico aumenta a chance de montar equipes competitivas, passaram a ter mecanismos para acessar jovens torcedores em todo mundo. “Em segundo lugar, a globalização traz consigo uma dissolução dos vínculos sociais e políticos locais entre clube e a comunidade” (Giulianotti 2010, p. 55). Além disso, os clubes precisam diversificar os mecanismos de seleção de talentos e os jogadores tendem a permanecer menos tempo em cada clube, enfraquecendo a relação ídolo-torcedor. Isso afeta também as seleções nacionais que convocam cada vez menos jogadores com vínculos fortes com o país, seja pela crescente inserção de imigrantes, seja pela precoce saída de talentos para equipes estrangeiras.

[...] ganhar uma Copa do Mundo virou uma obsessão. Em 1958, ganha-se. Será que foi por acaso? Em 1962, repisa. “Opa! Nós somos bons mesmo nisso aqui!” [simula a fala de um torcedor]. Em 1966, há o fiasco em que João Havelange se mete no trabalho de Paulo Machado de Carvalho. Vai 1970, a ditadura investe o que investiu e o Brasil ganha. A partir daí, já começa um processo de o torcedor estar mais interessado no seu time, no seu clube do que na seleção [...] E isto se avoluma à medida que os ídolos vão embora e que você perde o vínculo da Seleção Brasileira com o torcedor pelos jogadores. Você não discute mais a convocação da Seleção Brasileira que convocou o centroavante do Fluminense e não do Vasco. Porque convoca o do Bayern Munique ou do Paris Saint-Germain (Kfouri, 2021Kfouri, J.C. (2021) Futebol e política na ótica do observador especializado. [videoconferência via Zoom Meetings]. Concedida em 9 de jun. 2021.).

Isto é, os impactos da globalização afetam a relação do clube com a comunidade e provocam impactos e deslocamentos na fidelidade clubística com a concorrência dos ricos clubes internacionais, sem modificar o fato de que a ligação prioritária do torcedor com o futebol ainda seja algum clube.

O peso da projeção política favorecida pela exposição do esporte não pode ser desprezado, especialmente para compreender a quantidade de atletas que se candidatam. No entanto, essa explicação é insuficiente para esclarecer um fenômeno de longa duração. O ponto crucial é compreender: o que diferencia aqueles jogadores famosos que se elegem daqueles jogadores famosos que perdem?

Normalmente, os jogadores eleitos para cargos políticos possuem forte identificação com algum clube relevante no Estado/município onde concorrem. Danrlei Hinterholz (PSD-RS) está em seu terceiro mandato como deputado federal; é um dos maiores ídolos do Grêmio de Porto Alegre, foi titular da equipe de 1993 a 2003 onde colecionou títulos e polêmicas, mas sempre foi visto como símbolo de dedicação e amor ao Grêmio. Em 2010 foi o ex-atleta mais votado do país com mais de 170 mil votos; em 2014 foi o segundo deputado federal mais votado do Rio Grande Sul com 158 mil votos; ganhou novamente em 2018 com cerca de 102 mil votos e está licenciado para exercer o cargo de Secretário de Esporte do Rio Grande do Sul. Ao contrário de Danrlei, o ex-centroavante Washington Cerqueira, o “Coração Valente”, não obteve êxito eleitoral no mesmo Estado. Washington foi ídolo principalmente no Athletico Paranaense e no Fluminense-RJ. Além de ser artilheiro, campeão em diferentes clubes e convocado para a seleção brasileira, foi considerado exemplo de superação por retornar ao futebol após problemas cardíacos. Após o encerramento da carreira, Washington fixou residência em Caxias do Sul, onde havia jogado pelo Caxias, tornando-se empresário da construção civil e o vereador mais votado do município em 2012. No entanto, Washington não venceu para deputado federal em 2014, ficando como suplente ao obter 33.492 votos (44° mais votado). Assumiu como deputado apenas entre novembro de 2018 e janeiro de 2019, em substituição a Onyx Lorenzoni, que compunha a equipe de transição de Jair Bolsonaro. Washington não concorreu em 2018, mas foi Secretário Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (Snelis) no governo Bolsonaro e ocupa a Diretoria de Desenvolvimento do Futebol Brasileiro na CBF. Washington possuía identificação com o Caxias que, apesar de tradicional, não é um dos grandes do Estado. Famoso, exemplo de superação, vitorioso no futebol e de vínculos com outros campos da vida social (empresário), a popularidade não se converteu em recurso político suficiente para ser eleito. Washington foi candidato pelo PDT-RS, Danrlei concorreu pelo PTB-RS em 2010 e pelo PSD-RS nas eleições seguintes; enquanto o segundo era fortemente vinculado à “nação gremista”, o primeiro foi bem-sucedido em “nações” menos “populosas” no local da competição eleitoral. Apesar de bom trânsito na política, vide as nomeações posteriores, Washington não projetou para o estado a relevância política que possuía em Caxias.

A identificação com um clube de massa não é o único fator para o sucesso. No entanto, é o elemento comum aos ex-jogadores eleitos. Bebeto, ídolo no C.R. Vasco da Gama e no C.R. Flamengo, além de importante jogador da seleção brasileira, foi eleito e reeleito deputado estadual no Rio de Janeiro; Romário, ídolo nos mesmos clubes de Bebeto e na seleção brasileira, foi eleito deputado federal e senador; Bobô, deputado estadual na Bahia, é um dos maiores ídolos do E.C. Bahia; João Leite, ex-goleiro histórico do Atlético-MG, foi eleito e reeleito deputado estadual em Minas Gerais; Deley, ídolo do Fluminense F.C, foi deputado estadual e federal pelo Rio de Janeiro; Jardel, ídolo do Grêmio, foi eleito deputado estadual gaúcho; Marques, ídolo do Atlético-MG, ganhou uma e perdeu outra para deputado estadual em Minas Gerais. Esses exemplos permitem informar que, o pertencimento clubístico não é fator único e nem suficiente para explicar o sucesso, mas a inexistência dele no local de disputa é comum entre os derrotados.

Há ídolos que despertam paixão pela qualidade enquanto atleta, mas nem sempre o sucesso nos gramados confere a licença para “falar pela nação”. O capital político é isso: a condição de falar, de representar determinado grupo. Para isso, o atleta deve de algum modo, mobilizar entre os representados aqueles valores que entendem constituir a identidade clubística. Para ilustrar esse ponto, vamos analisar quatro atletas do Corinthians, a maior torcida do estado de São Paulo e segunda maior do Brasil, cuja forma de torcer é identificada como corintianismo11 11 Segundo Toledo (2013, p. 154), o bordão “Corintiano, maloqueiro e sofredor, graças a Deus!” sintetiza essa forma de torcer ao considerar qualidades distintivas elementos de classe estigmatizados. Essa afirmação da “[...] condição econômica subalterna e de classe”, real ou imaginada, distingue os corintianos dos seus principais rivais. (Toledo, 2013Toledo, L.H. (2013) Quase lá: a Copa do Mundo no Itaquerão e os impactos de um megaevento na socialidade torcedora. Horizontes Antropológicos, 19(40), pp. 149-184.) e o envolvimento com a política é notório desde a Democracia Corintiana e o engajamento nas Diretas Já!

Marcelinho Carioca, apesar da identificação com o Corinthians, não obteve êxito eleitoral em inúmeras tentativas para cargos legislativos diferentes (vereador, deputado estadual e federal) concorrendo por diferentes partidos desde 2010. Atleta de qualidade, muitos gols e títulos, Marcelinho é um ídolo do Corinthians pelo que fez no gramado sem ser visto como representante da “nação corintiana”. Marcelinho era o “Pé de Anjo”, não o anjo. O atleta talentoso teve três passagens pelo Corinthians: a primeira interrompida pela sua venda ao Valência; retornou com a campanha da Federação Paulista de Futebol - “Disque Marcelinho” - ganhou títulos, mas saiu por brigas com outros jogadores, indo ao Vasco; a última participação ocorreu após passagem pelo Santos F.C., futebol do Oriente Médio e por peregrinar em clubes menores; terminou dispensado pelo técnico Emerson Leão. Trocou de clubes, mas o vínculo maior foi com o Corinthians; trocou de partidos, não estabeleceu vínculos políticos sólidos e seu desempenho eleitoral piorou.

Dinei, o “Talismã da Fiel”, é outro ex-atleta corintiano com apelo perante a torcida (só ele e Danilo participaram de três títulos brasileiros pelo clube). Saiu das categorias de base, fez parte do elenco campeão brasileiro de 1990, rodou por clubes no Brasil (Guarani, Portuguesa, Internacional, Cruzeiro e Coritiba) e pelo Grasshoper da Suíça. Retornou ao clube em 1998, participando dos títulos brasileiros de 1998 e 1999, do Paulista de 1999 e do Mundial de 2000. Além de ser um ex-jogador conhecido, sua fama também foi alimentada por outros meios: participou duas vezes do reality show A Fazenda da Record. Apesar da exposição não obteve sucesso eleitoral: foi derrotado para vereador em 2008 e 2012 e para deputado estadual em 2010 e 2014. Entrou na política pelo PDT-SP, por intermédio do deputado Paulinho da Força. Dinei é admirado pelos corintianos por ser, antes de jogador, um torcedor fanático, por frequentar estádio, participar de eventos de torcedores e ser filiado à Gaviões da Fiel, a maior torcida organizada do clube; além disso, seu pai, Ney, foi jogador de sucesso do Corinthians nos anos 1960.

Nem o “Pé de Anjo” e nem o “Talismã da Fiel” eram Zé Maria ou Biro-Biro. Vejamos a diferença.

Zé Maria, além de atleta do Corinthians, disputou duas Copas do Mundo pela seleção (1970 e 1974). O lateral direito fez parte do histórico título do Campeonato Paulista de 1977 que encerrou o jejum de 23 anos sem títulos. Super Zé ou Cavalo de Aço, além de outros três títulos paulista, disputou 598 partidas pelo time e ficou famoso pela frase: “No Corinthians, eu jogo até de graça”. O lateral ficou marcado pela dedicação (“raça”) com a camisa alvinegra. Foram 13 anos de clube, fez parte da Democracia Corintiana e a imagem mais famosa é a volta ao gramado na partida da final do Paulista de 1979 com a camisa cheia de sangue após o corte no supercílio. Zé Maria, antes de ser político, foi eleito pelos companheiros de Democracia Corintiana para se tornar o técnico do Corinthians em 1983. Aposentado, em 1982, dizia que o Corinthians era a “sua própria vida”. Foi eleito vereador ainda em 1982 no último ano de carreira pelo MDB. Biro-Biro foi eleito vereador pelo PDS de Paulo Maluf em 1989 - indicado por Vicente Matheus, folclórico presidente corintiano. Disputou 590 partidas pelo time, sendo o quinto atleta com mais jogos; era ídolo da equipe e atuou na época da Democracia Corintiana; é o volante com mais gols pelo clube e ficou marcado pela dedicação (“raça”). A contradição de um atleta da Democracia Corintiana ser filiado ao PDS se desfez durante o mandato o qual se licenciou diversas vezes porque ainda era atleta profissional; na fase final, foi mais ativo e, por se recusar a votar com o partido, trocou o PDS pelo PMDB (Salvadori Filho, 2014Salvadori Filho, F. (2014) Políticos de chuteira. Apartes - Revista da Câmara Municipal de São Paulo, (7). Disponível em: <https://www.saopaulo.sp.leg.br/apartes-anteriores/revista-apartes/numero-7-maio2014/politicos-de-chuteiras/ Acesso em: 05 de nov. 2021.
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).

Para analisar o descrito acima, entrevistamos cinco torcedores do Corinthians. O objetivo não foi obter uma amostragem de como pensam os corintianos, mas compreender como membros da torcida corintiana elaboram a diferença dos casos citados a partir da forma como enxergam o clube. Dois disseram não saber os motivos do voto e não voto em ídolos do clube. Marcos Fátima respondeu não saber por não misturar torcida e voto. Wellington Leite disse serem boas questões para pensar. Apenas Reinaldo e Mateus possuem proximidade - são primos. Todos foram entrevistados individualmente.

Segundo Reinaldo Tronto, a relação de Marcelinho com o torcedor corintiano era restrita ao campo e, fora dele, não havia uma comunicação efetiva nos discursos e entrevistas do atleta. Para Reinaldo, a comunicação era maior da torcida com o Marcelinho do que o oposto. Ainda, as campanhas do Marcelinho erraram na publicidade porque suas estratégias partiam do pressuposto de possuir essa identificação consolidada com a torcida. Reinaldo lembra ainda: Andrés Sanchez, ex-presidente do clube, apesar das polêmicas e denúncias, possuía essa relação com a torcida construída como torcedor e dirigente do clube. Em contrapartida, como um torcedor que vivenciou a Democracia Corintiana, ressalta: Zé Maria e Biro-Biro concorreram um momento histórico em que a soma de fatores “reabertura democrática e Democracia Corintiana” os projetava e dava um ponto-de-partida eleitoral interessante. Descreve Dinei como um “torcedor-jogador e jogador-torcedor marcado pelo humor e descontração nas entrevistas”, sem projeção como representante da torcida para fins político. Marcelinho, segundo Reinaldo, nunca fez uma defesa radical do Corinthians, colocando-se em primeiro plano na imagem construída como atleta e relaciona esse personalismo à dança feita pelo ex-jogador por diferentes partidos. Por fim, lembra que a causa não é Marcelinho ter jogado em outros clubes, Neto (apresentador da Band) jogou nos quatro grandes do Estado (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo) e, mesmo assim, por sua defesa radical ao clube e à torcida construiu essa “identidade corintiana”, utilizada na imprensa e nas pretensões de ser presidente do clube.

Renato Mazer lembra a importância de Marcelinho no Corinthians como jogador, mas “a torcida não aprovava as atitudes dele” e ‘passou pano’ [apoiou] para os erros e polêmicas porque ele resolvia dentro de campo”. Renato usa afirmar: “ele nunca representou a instituição, a história de fundação do Corinthians, a história dos trabalhadores, acho que ele nunca representou isso. Ele sempre representou dentro de campo. Mas fora teve atitudes reprováveis”. Por isso, ex-jogadores do Corinthians, como Rincón e o ex-treinador Vanderlei Luxemburgo, não mantêm relações pessoais, assumindo as divergências com ele. Logo, a expressão “A camisa do Corinthians é minha segunda pele” só teve sentido dentro de campo. Quanto ao Dinei, “a falta de instrução dele é notória”, segundo Renato, causando a impressão de não reunir condições para representar politicamente os torcedores do clube; além disso, as escolhas políticas de Dinei seriam contraditórias à sua pretensa representação, contando como padrinho político Paulinho da Força, ex-PDT e um dos fundadores do partido Solidariedade.

Mateus Tronto, membro de torcida organizada, ressalta que todos gostavam do Marcelinho atleta, mas fora de campo nunca teve aprovação (“arrumava muito rolo”). Segundo Mateus, a torcida percebia uma contradição entre o discurso religioso do atleta, vinculado à organização Atleta de Cristo, e os atos fora de campo. Ressaltou, “ele não para em partido” e afirmou que o clube e sua torcida têm a tradição de se posicionar contra o sistema. Por isso, o recente ato de Marcelinho com Jair Bolsonaro piorou ainda mais sua imagem perante a torcida. Quanto ao Dinei, reforçou o fato de ser um atleta brincalhão, marcado pelo humor e brincadeiras e, por isso, a torcida gosta e se identifica com ele, mas “não vê seriedade nele para ser político e formular projetos”.

Para aprofundar a análise, entrevistamos o jornalista esportivo Juca Kfouri. Além da importante trajetória no jornalismo, Kfouri é declaradamente corintiano.

[...] eu acho que tanto o Super Zé quanto o Biro-Biro tiveram uma participação política que nem Marcelinho nem Dinei tiveram. Então, Dinei e Marcelinho são, digamos, dois paraquedistas que tentaram, em função, da popularidade por terem sido jogadores do Corinthians, ídolos do Corinthians, se elegerem. O Super Zé e o Biro-Biro tinham essas duas características também de serem ex-jogadores e ídolos, mas tinham uma participação política que dava ao eleitor um argumento a mais para votar neles (Kfouri, 2021Kfouri, J.C. (2021) Futebol e política na ótica do observador especializado. [videoconferência via Zoom Meetings]. Concedida em 9 de jun. 2021.).

Cumpre ressaltar: vitórias eleitorais de ex-jogadores não são tão comuns em São Paulo, como no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em São Paulo, eleitos com vínculos com o futebol têm ocorrido mais frequentemente por meio de dirigentes12 12 Marco Aurélio Cunha, ex-vereador (DEM) e dirigente do São Paulo; Andres Sanchez, ex-deputado federal (PT) e presidente do Corinthians; Arnaldo Faria de Sá, ex-deputado federal (oito mandatos por PTB, PRN, PFL, PPB, PTB e PP), radialista, presidiu (1990-1993) e é ativo na política da Portuguesa de Desportos; além de Marco Antônio e Nabi Abi Chedid, ex-deputados e vinculados ao Bragantino e à CBF. e políticos aliados à CBF e à FPF; ex-atletas venceram em algumas eleições legislativas municipais. Além de Zé Maria e Biro-Biro, Ademir da Guia, ídolo do Palmeiras, também foi vereador na Capital. Da Guia, o “Divino”, craque da “Academia” palmeirense (apelido dos elencos vitoriosos nos anos 1960-1970) e jogador da Seleção Brasileira, venceu em 2004 pelo PCdoB com apoio de Aldo Rebelo, com mais de 27,5 mil votos, fazendo campanha principalmente nos jogos do Palmeiras. Da Guia saiu do PCdoB para o PR, respondeu acusações de apropriação de parte dos salários dos assessores e não se reelegeu (Salvadori Filho, 2014Salvadori Filho, F. (2014) Políticos de chuteira. Apartes - Revista da Câmara Municipal de São Paulo, (7). Disponível em: <https://www.saopaulo.sp.leg.br/apartes-anteriores/revista-apartes/numero-7-maio2014/politicos-de-chuteiras/ Acesso em: 05 de nov. 2021.
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).

A exposição, apesar de necessária, não é fator suficiente para se converter em capital político por meio do futebol e, obviamente, contextos eleitorais e características pessoais contam para o sucesso e insucesso. Porém, cumpre ressaltar que atletas de futebol vencedores em eleições têm em comum o fato de conseguirem suscitar a solidariedade grupal por intermédio do pertencimento clubístico. A partir dessas constatações, a obtenção de capital político por meio do futebol tende a ser cada vez mais difícil para atletas, permanecendo geralmente menos tempo em cada clube, tornando mais complexa a relação de idolatria e de representação de uma certa “nação” ou torcida (a ser avaliada nos próximos anos). Restará, para eles, a via da celebridade nacional ou internacional, como em outros campos.

Como temos visto, uma das estratégias dos partidos para encontrar candidatos com o potencial de “puxador de votos” é selecionar celebridades e atletas famosos. No entanto, a relação do brasileiro com o futebol possui especificidades que distinguem a relação com atletas e dirigentes de futebol das demais celebridades. Dentre essas especificidades está a pequena probabilidade de eleição de algum atleta sem forte identidade com determinada torcida ou “nação”. Vimos que a busca por uma justificativa a mais para votar em determinado atleta seria identificá-lo como alguém apto a falar por aquele clube. Para ser mais específico, a idolatria por um jogador de futebol não pode ser restrita a um bom desempenho em campo, mas deve conter elementos que façam os torcedores vê-lo como alguém cuja trajetória esportiva e a imagem pública guarde coerência com a identidade clubística, alimentada pelo imaginário do torcedor. A estratégia dos partidos precisa avaliar se há esse vínculo e se esse vínculo é com um clube cuja torcida é significativa no local da competição, porque torcedores rivais terão resistência para votar nele.

Além do exposto, o futebol permite a ampliação do capital de políticos e famílias tradicionais, como a relação entre a família Sarney e a CBF, a família Collor, a de PC Farias, João Lyra e Geraldo Bulhões e o Centro Sportivo Alagoano - CSA, no passado; o pecuarista Leomar Quintanilha e a Federação Tocantinense, a família Perondi e a Federação Gaúcha, entre outros.

Coelho (2017) analisou 43 pessoas que ocuparam cargos eletivos e foram presidentes de clubes de futebol. Desses, 25 começaram a sua trajetória pela política, tendencialmente em cargos eletivos menores do que aqueles que vão do futebol para a política. Por outro lado, a maioria daqueles que começaram por cargos políticos, permaneceram 13 anos ou mais em cargos eletivos (52%), 20% deles permaneceram nos mandatos entre 9 e 12 anos, 16% entre 5 e 8 oito anos e apenas 12% estiveram na política por um mandato ou menos. Diferente daqueles que saíram do futebol para a política - 66,6% permanecem quatro anos ou menos (Coelho, 2017Coelho, J.H. (2017) Futebol e política no Brasil: bases de multinotabilidade e padrões de imbricação. Dissertação de Mestrado. São Luís: Universidade Federal do Maranhão.).

No universo de presidentes e ex-presidentes analisados, é mais comum políticos que se tornaram dirigentes de futebol que o contrário. Isso indica a busca pela consolidação de um capital político usando a estratégia de ampliar a influência por meio do futebol e fortalecer os laços com determinado segmento da sociedade, a saber: a torcida de determinado clube. Essa operação tende a ser mais profícua, porque um político com certa trajetória pode estabelecer uma base eleitoral por outros feitos durante o mandato, portanto a trajetória no clube pode significar que o pertencimento clubístico é um incremento nas vantagens competitivas.

Coelho (2017) não mapeou todos os casos de pessoas ocupantes de cargos diretivos no futebol com mandatos na política. Os casos analisados são restritos a presidentes e ex-presidentes de clubes da Série A (primeira divisão) do Campeonato Brasileiro entre 1971 e 2015. Por conseguinte, não foram analisados dirigentes com outros cargos na diretoria e nem dirigentes de clubes de outras divisões nacionais, excluindo clubes importantes em sua região e dirigentes com vínculos em federação. Por exemplo, mesmo entre os dirigentes de clubes, a amostra não analisa casos relevantes como o do ex-deputado Arnaldo Faria de Sá, vinculado à Portuguesa de Desportos, Marco Aurélio Cunha, ex-diretor do São Paulo F.C, o ex-deputado Jovair Arantes, dirigente do Atlético Goianiense, casos recentes como do prefeito de Belo Horizonte e ex-presidente do Atlético Mineiro, Alexandre Kalil, do vereador carioca e vice-presidente de futebol do Flamengo, Marcos Braz. Além dos políticos como Leomar Quintanilha, Gustavo Feijó, Marcus Vicente e outros vinculados às federações.

Na seção seguinte, veremos como a estrutura dos clubes e federações atuam na socialização política, sugerindo economia de recursos para recrutar potenciais candidatos.

III.2 A estrutura dos clubes da federação como elemento de socialização política

Desde cedo há proximidade entre dirigentes esportivos e agentes políticos com interesses mútuos favorecendo a circulação de atores entre os campos. A proximidade e o constante diálogo com autoridades políticas na representação do clube/federação auxiliam na socialização e abrem portas para a política. Ademais, as organizações esportivas perceberam que, para além da influência devido às relações pessoais, a articulação eleitoral ampliava a capacidade de pressionar os atores políticos para reconhecerem a legitimidade das demandas do futebol. Clubes e federações são constituídos por associados, conselhos deliberativos, assembleias e eleições internas.

Em busca de maior sucesso na atuação legislativa e, quiçá, executiva, partidos podem optar por recrutar dirigentes de futebol. Ao “[...] atrair membros já formados em uma instituição exógena”, os partidos renunciam a “[...] que todos sejam formados politicamente no interior da organização com vistas à ocupação posterior de alguma posição de liderança ou no quadro burocrático” (Peres & Machado, 2017Peres, P. & Machado, A. (2017) Uma tipologia do recrutamento partidário. Opinião Pública, 23(1), pp. 126-167. doi
doi...
, p. 143). No caso do futebol, salvo exceções de jogadores com formação específica, trajetória familiar ou características pessoais favoráveis, a escolha de dirigentes de clubes tende a ser uma aposta mais segura para, além de sucesso eleitoral (favorecido pelo pertencimento clubístico), um bom desempenho no mandato. Isto é, similar a outras organizações, como sindicatos, clubes e federações expõem as pessoas a ritos políticos, do qual o processo, em alguma medida, se aproxima da trajetória de lideranças partidárias. Vejamos:

Na maioria das nações europeias, os clubes de futebol são organizações de propriedade privada, em que um pequeno número de acionistas controla a diretoria. No entanto, na Península Ibérica e na América Latina, os clubes são organizados como associações de esportes privadas, controladas pelos sócios que pagam uma mensalidade ou anuidade. Com isso, os clubes mantêm uma forte, ainda que arcaica, tradição de democracia econômica e política. Os sócios elegem os diretores do clube (inclusive o presidente) anualmente ou de dois em dois anos, e destituem os que relutam em satisfazer suas demandas. Por isso, os clubes raramente beneficiam-se de grandes investimentos pessoais, feitos por proprietários em outros sistemas. Em vez disso, os diretores eleitos frequentemente usam sua posição no clube como trampolim para eleições políticas mais convencionais (Giulianotti, 2010Giulianotti, R. (2010) Sociologia do futebol - dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria., p. 117).

A gestão dos clubes brasileiros ainda não é totalmente profissionalizada e/ou empresarial, como em parte da Europa e Estados Unidos. Desde a Lei Zico, passando pela Lei Pelé até o PROFUT - Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, a questão vem sendo pautada no Congresso e, com forte articulação da chamada Bancada da Bola, as leis aprovadas não alteraram significativamente a estrutura organizacional dos clubes (Freitas Junior & Hirata, 2014Freitas Junior, M.A. & Hirata, E. (2014) Bastidores do jogo: as interferências na elaboração da Lei Pelé. Projeto História, (49), pp. 119-155.; Oliveira et al., 2018Oliveira, M.C., Borba, J.A., Ferreira, D.D. & Lunkes, R.J. (2018) Características da estrutura organizacional dos clubes brasileiros: o que dizem os estatutos. Revista de Contabilidade e Organizações, 11(31), pp. 47-57. doi
doi...
)13 13 Em junho de 2021, o Senado aprovou o PL 5516/2019 que “cria o Sistema de Futebol Brasileiro, mediante tipificação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF)”, cuja constituição é facultativa. Para saber mais, leia “Veja os principais pontos do projeto que viabiliza o clube-empresa” (2021). . Além disso, cumpre ressaltar:

Nos clubes da primeira divisão [...] a governança está estruturada em seis conselhos, sendo eles a Assembleia Geral, o Conselho Deliberativo, o Conselho Fiscal, a Diretoria, o Conselho Administrativo e o Conselho Consultivo. Estes dois últimos são substitutos entre si, alternando-se na estrutura dos clubes. Assim, via de regra, há semelhança nas estruturas organizacionais dos clubes [...]

Depreende-se dos resultados que a Assembleia Geral é o órgão máximo de deliberações do clube para assuntos específicos, contudo, como sua finalidade é limitada, o Conselho Deliberativo se torna o principal órgão de atuação interna do clube, com poder de deliberação sobre todos os assuntos relevantes [...] Como principais achados têm-se as omissões estatutárias capazes de instaurar diversos conflitos de interesses entre órgãos sociais e conselheiros/diretores, em que as questões políticas tendem a se sobressair [...] Embora, todos os órgãos da estrutura organizacional dos clubes tenham a competência de discutir as alterações no Estatuto Social, órgãos políticos como o Conselho Deliberativo e Consultivo, exercem influência sobre os demais, de forma que suas exigências podem se sobrepor (Oliveira et al., 2018Oliveira, M.C., Borba, J.A., Ferreira, D.D. & Lunkes, R.J. (2018) Características da estrutura organizacional dos clubes brasileiros: o que dizem os estatutos. Revista de Contabilidade e Organizações, 11(31), pp. 47-57. doi
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, pp. 55-56, grifos nossos).

A preponderância das questões e dos órgãos políticos confirma a avaliação de Giulianotti (2010) e corrobora com o argumento: os ritos vivenciados na administração dos clubes favorecem a socialização política, sendo um adendo ao pertencimento clubístico e ajudam a compreender o recrutamento de dirigentes de clubes de futebol para a carreira política. É também o que conclui Couto:

Clubes esportivos e outras associações de adesão voluntária (como partidos) são propensos à oligarquização. O controle de recursos de patronagem por dirigentes, a possibilidade de mudarem as regras organizacionais em seu favor e a cooptação de membros dos órgãos de controle contribuem para isso [...] Reside aí o paradoxo apontado já na introdução do artigo: mesmo em um contexto de futebol cada vez mais profissionalizado e rico, a prosaica vida associativa interna ainda é fator político central (Couto, 2017Couto C.G. (2017) Oligarquização em um grande clube de futebol: o caso do Sport Club Corinthians Paulista. Organizações & Sociedade, 24(81), pp. 237-260. doi
doi...
, p. 256).

Em entrevista concedida a nós, o jornalista Juca Kfouri comenta sobre a eleição de Andrés Sanchez para deputado federal em 2014:

Lembremos: o Márcio Braga fez essa trajetória também no Flamengo, o Macri virou o presidente da Argentina depois de ser presidente do Boca Juniors, né? Mas, diferentemente, do Macri e menos - mas também diferentemente - do Márcio Braga, o Andrés foi eleito pelo PT, no momento em que o PT estava no governo, surfou na onda da popularidade do Lula e foi pensado para ser um substituto do José Genoíno, mas, não teve a votação esperada. Embora ele tenha tido uma votação, digamos, importante, ficou muito longe daquilo que imaginavam que ele teria [...] nem se candidatou à reeleição. Então eu acho que é também um forasteiro da política [...] que, de fato, gozava da confiança da torcida do Corinthians, era responsabilizado por uma virada na vida corintiana (Kfouri, 2021Kfouri, J.C. (2021) Futebol e política na ótica do observador especializado. [videoconferência via Zoom Meetings]. Concedida em 9 de jun. 2021., grifos nossos).

Sanchez, antes de deputado federal pelo PT, foi presidente do Corinthians e diretor de Seleções da CBF, empresário e um dos fundadores da torcida organizada Pavilhão 9. Ele revelou ter sido o responsável pela articulação que desmontou o Clube dos 1314 14 Oficialmente chamado de União dos Grandes Clubes Brasileiros (1987-2011) nasceu para organizar o Campeonato Brasileiro e “representar os interesses das agremiações”. No entanto, a organização acabou conciliando com a CBF e o projeto da Liga não decolou, permanecendo na maior parte dos seus 24 anos como o órgão responsável pela negociação dos direitos de transmissão (Souza, 2019). em conluio com Ricardo Teixeira, então presidente da CBF15 15 Ver “Em livro, Andrés revela que implodiu Clube dos 13 após promessa da CBF” (2021). . O sucesso na gestão do Corinthians inclui a adequação do clube ao “[...] contexto do marketing esportivo moderno”, a recondução à elite do futebol nacional e aos títulos (Toledo, 2013Toledo, L.H. (2013) Quase lá: a Copa do Mundo no Itaquerão e os impactos de um megaevento na socialidade torcedora. Horizontes Antropológicos, 19(40), pp. 149-184., p. 151). Segundo Couto (2017), é possível identificar nessa trajetória a capacidade de sustentar uma política de patronagem disponibilizando recursos para grupos internos e associados relevantes na área social e de modificar regras institucionais para manter seu grupo no poder do clube. Esses feitos e os êxitos em embates nas outras entidades de futebol (CBF e Clube dos 13) favoreceu a avaliação de que Sanchez pudesse tornar-se uma importante liderança político-partidária.

Sanchez não é o único. Coelho (2017) identificou 18 casos de pessoas que foram presidentes de clubes de futebol e partiram para uma trajetória política, incluindo o próprio Sanchez. Desses, 11 já começaram como deputado: seis como deputado estadual e cinco como federal. A perspectiva dos partidos de obtenção de maior sucesso no recrutamento de dirigentes possibilita debutar em cargos relativamente mais altos. Porém, entre presidentes de clubes, cuja maioria se identificou como empresário, não se traduziu necessariamente em continuidade ou profissionalização na política - dois em cada três permaneceram um mandato, o terço restante se divide igualmente entre aqueles que ficaram por dois mandatos e os que estiveram em cargos eletivos por 13 anos ou mais. A conclusão de Coelho (2017) ajuda a compreender o esforço no financiamento de campanha de políticos profissionais pela CBF até a proibição desse expediente (Rebelo & Torres, 2001Rebelo, A. & Torres, S. (2001) CBF-NIKE. São Paulo: Casa Amarela.; Gabardo & Oliveira, 2015Gabardo, E. & Oliveira, R. (2015) Coronéis do Futebol: as doações eleitorais e a formação da Bancada da Bola. Rádio Gaúcha, 25 de jun. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/noticia/2015/06/coroneis-do-futebol-as-doacoes-eleitorais-e-a-formacao-da-bancada-da-bola-cj5vzw5yf13x4xbj0arphfzh2.html Acesso em: 18 de nov. 2021.
https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes...
). Soma-se a esse esforço, a permanência na política por mais mandatos de inúmeros dirigentes de clubes que não chegaram à presidência e dirigentes de federações estaduais.

A explicação acerca da estrutura dos clubes deveria igualmente descrever as federações e a CBF, mas a maioria das federações estaduais e da CBF tendem a ter disputas eleitorais menos acirradas e maior pactuação entre os grupos concorrentes, possibilitando maior longevidade dos dirigentes no cargo.

Os cartolas da CBF, na gestão de Teixeira, aproveitaram-se desse momento político de implantação de uma nova ordem constitucional para estabelecer um conjunto de conciliações com as forças e grupos de poder do futebol brasileiro, garantindo, assim certa estabilidade (Silva, 2020Silva, B.C. (2020) “Futebol-bandido”: os cartolas da CBF e a corrupção no Brasil. In: L.P. Silvestre (org) Ciências sociais aplicadas [recurso eletrônico]: necessidades individuais & coletivas. Ponta Grossa: Atena, pp. 155-167. doi
doi...
, p. 161, grifo do autor).

Ricardo Teixeira foi eleito em 1989, e essa conciliação seguiu sem abalos até a CPI CBF/Nike, entre 1999-2001, revelando diversas irregularidades na gestão da CBF e em seus contratos de patrocínio, irregularidades nas federações estaduais e a existência de mecanismos de lobby, como a Embaixada de Brasília (mansão da CBF usada para negociações com parlamentares) e de financiamento de campanha (Rebelo & Torres 2001)16 16 A CPI indiciou 34 pessoas, incluindo Teixeira, dirigentes e empresários (ver Rebelo & Torres, 2001). . Mas esse abalo não foi suficiente para derrubar Ricardo Teixeira. Apenas em 2015, depois de Teixeira emplacar dois sucessores (Marco Polo Del Nero e José Maria Marin), essa conciliação foi interrompida pelo FIFAGate, escândalo vindo à tona a partir de investigações lideradas pelo FBI e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos em convênio com autoridades suíças (Chade, 2015Chade, J. (2015) Política, propina e futebol: como o “Padrão FIFA” ameaça o esporte mais popular do planeta. Rio de Janeiro: Objetiva.; Silva, 2020Silva, B.C. (2020) “Futebol-bandido”: os cartolas da CBF e a corrupção no Brasil. In: L.P. Silvestre (org) Ciências sociais aplicadas [recurso eletrônico]: necessidades individuais & coletivas. Ponta Grossa: Atena, pp. 155-167. doi
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)17 17 Estudar a corrupção no futebol é importante. Silva (2020) trata do FIFAGate. Com mais detalhes, Chade (2015) reflete sobre como o descontentamento dos Estados Unidos e da Inglaterra, junto ao descrédito da FIFA, impulsionaram as investigações e analisa a ligação da Copa de 2014 com o FIFAGate. .

Além deles, outros dirigentes de confederações nacionais e da FIFA foram afetados. No entanto, especificamente em relação à CBF, os desdobramentos das investigações identificaram a permanência de práticas constatadas na CPI de 2001.

[...] as relações históricas dos cartolas da CBF, como Havelange, Marin, Teixeira e Del Nero, com o patronato político nacional, tanto em épocas democráticas como nos períodos ditatoriais, são demonstrações de que, apesar de se apresentar como uma entidade privada em sua gênese e atualidade e, a despeito de períodos que esteve sob a tutela do estado brasileiro, as articulações políticas da entidade e de seus dirigentes junto a partidos políticos e grupos empresariais são notórias.

A entidade nas últimas décadas financiou campanhas eleitorais de deputados federais, como pode ser observado e constatado nas declarações oficiais da justiça eleitoral de doações da CBF [...] Tais condições articuladas com o fato de muitos presidentes de clubes e federações estaduais terem sido eleitos deputados federais nas últimas três décadas propiciaram a formação da denominada “Bancada da Bola” (Silva, 2020Silva, B.C. (2020) “Futebol-bandido”: os cartolas da CBF e a corrupção no Brasil. In: L.P. Silvestre (org) Ciências sociais aplicadas [recurso eletrônico]: necessidades individuais & coletivas. Ponta Grossa: Atena, pp. 155-167. doi
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, p. 163, grifo do autor).

Sobre a versão de que a origem da Bancada da Bola seja na tramitação da Lei Zico (Lei n° 8.672 de 1993), Silvio Torres comenta:

Os presidentes de clubes, diretores, o pessoal ligado ao futebol já tinha uma influência política no Congresso [antes da referida lei], seja diretamente com os próprios dirigentes sendo eleitos, como através de terceiros que tinham o apoio do mundo do futebol nas eleições e com isso retribuía (Torres, 2021Torres, S.F. (2021) Futebol e política na percepção de atores políticos. [videoconferência via Zoom Meetings]. Concedida em 10 de mar. 2021.).

A aproximação com as lideranças políticas não é exclusividade de membros das federações e da CBF e nem se restringe à forma descrita anteriormente. Há também uma aproximação necessária para encaminhamento de questões rotineiras (por exemplo, cessão de serviços de segurança realizado pela PM nos jogos). Também, dirigentes de grandes clubes e de federações mantêm negociações com o poder público buscando vantagens em forma de legislação; vantagens materiais diretas como terrenos e isenções fiscais; vantagens materiais indiretas, como o pleito por linhas de transporte coletivo, obras de mobilidade urbana e outros. Essas negociações frequentes tendem a contar com a boa vontade dos políticos pela visibilidade proporcionada pelo futebol. Nesse caso, vários exemplos podem ser mencionados: no primeiro caso, a proximidade do Flamengo e o Governo Bolsonaro que resultou na MP n° 984/2020, conhecida como MP do Mandante ou MP do Flamengo18 18 A MP não foi votada e perdeu validade. Porém, foi reapresentada com algumas modificações (PL 2336/2021), aprovada e sancionada como Lei n° 14.205/2021. (Brasil, 2020Brasil (2020) Medida Provisória n° 984. Disponível em: <https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/142594 Acesso em: 26 de ago. 2021.
https://www.congressonacional.leg.br/mat...
; Lopes, 2020Lopes, P. (2020) MP do Flamengo: por que ela gera tanta divergência no futebol brasileiro. UOL, 22 de jun. Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2020/06/22/mp-do-flamengo-por-que-ela-gera-tanta-divergencia-no-futebol-brasileiro.htm Acesso em: 30 de ago. 2021.
https://www.uol.com.br/esporte/futebol/u...
); no segundo, praticamente todos os Centros de Treinamentos dos grandes clubes foram construídos em terrenos concedidos na cidade de São Paulo; no último, foi inaugurada em 2018 uma estação de Metrô próximo ao Estádio do Morumbi, pleito antigo do São Paulo F.C.

As formas de aproximação descritas permitem o movimento contrário ao recrutamento intensivo: a extensão da liderança de políticos saídos da competição eleitoral. José Maria Marin, ex-deputado, vice-governador e governador de São Paulo, após a carreira política aliada ao Governo Militar, passou à Federação Paulista de Futebol e presidiu a CBF. Walter Feldman19 19 Eleito vereador pelo PMDB, foi um dos fundadores do PSDB - onde permaneceu até 2011. No período, ocupou secretarias na capital e no governo estadual paulistas em gestões tucanas. Ingressou no PSB em 2013, onde coordenou a campanha presidencial de Marina Silva em 2014, e participou da fundação do partido Rede Sustentabilidade. , ex-vereador na capital paulista (1983-1992), ex-deputado estadual (1995-2002) e federal (2003-2015) por São Paulo, após ter sido indicado para representar a capital paulista junto ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), foi Secretário-Geral da CBF até junho de 2021, realizando a articulação institucional e a representação externa da confederação. Há exemplos de ocupantes de cargos políticos e não eletivos, como Luiz Gonzaga Beluzzo, que esteve na área econômica do presidente Sarney, nas gestões estaduais paulistas de Fleury e Quércia e depois presidiu o Palmeiras. Esse movimento, além de ser viabilizado pela proximidade, é um importante recurso aos clubes e federações, atraindo pessoas com trânsito na política partidária e na gestão pública, ampliando as possibilidades de obtenção de vantagens, intensificando a aproximação de dirigentes esportivos e autoridades políticas e retroalimentando a socialização política.

IV. Considerações Finais

O objetivo foi demonstrar como o futebol no Brasil se constituiu em instituição política informal, dando acesso às arenas políticas ou possibilitando vantagens a políticos debutantes no campo esportivo. Como vimos, o futebol brasileiro funciona como atalho para o recrutamento político porque: (1) o pertencimento clubístico é um fator de identificação relevante na sociedade brasileira, podendo ser mobilizado para impulsionar candidaturas de políticos (de carreira ou outsiders) vinculados aos clubes relevantes nos locais de competição eleitoral e, com isso, identificar um território de caça ao voto mais favorável; (2) a estrutura dos clubes, até o momento das federações e confederações, conta com ritos sugerindo um processo de socialização política, quais sejam, a disputa contínua de eleições, as negociações com o poder público, o relacionamento entre diretoria, conselho, torcedores e imprensa. Sobre esses pontos, o ex-deputado federal Silvio Torres (PSDB-SP) afirma:

[...] a proximidade com o futebol, com os clubes, a ligação com os torcedores, era um estímulo para dirigentes e outras pessoas entrarem na política, ou continuarem nela. Agora, para quem era contra isso, era ruim. Uma pessoa como eu era boicotada. A minha atitude e de outros que tivessem essa postura não tinha ganho eleitoral. Ao contrário, corria muito risco de ser considerado inimigo do futebol e o torcedor, se não fosse informado pela mídia, nunca iria sentir o efeito do trabalho. Estou contando porque acho que isso desanimava as pessoas, os companheiros de bancada, em geral, na Câmara, de entrar nessa luta. Eles falavam: “Ah! Esse negócio do futebol não vamos mexer, né? Vamos largar!” Acho que foi um espírito corporativo que prevalecia sobre o interesse público, que se transformou numa corporação dentro do Estado, tanto no Legislativo, como nos Executivos e até no Judiciário (Torres, 2021Torres, S.F. (2021) Futebol e política na percepção de atores políticos. [videoconferência via Zoom Meetings]. Concedida em 10 de mar. 2021., grifos nossos).

Nesse depoimento, temos alguns pontos a destacar: (1) a proximidade com o futebol como estímulo ao ingresso e/ou permanência na política; (2) a existência de normas informais que constrangem os atores políticos a agir em um determinado sentido; e (3) apesar de não ser reconhecido publicamente como instituição política, os efeitos políticos são sentidos e percebidos pelos atores políticos a ponto de calcularem suas ações considerando o risco de certas sanções.

A fala do ex-deputado ilustra nosso argumento, e a impressão de um ator político se aproxima da imagem produzida pela análise. O “corpo” futebol é visto por observadores situados em muitos campos, como no esporte, na cultura, na economia, entre outros, mas frequentemente os efeitos políticos do futebol são reduzidos a desdobramentos dos impactos socioculturais e econômicos gerados pelo esporte no Brasil. O não reconhecimento desse “corpo” como parte da estrutura política no contexto brasileiro é compreensível porque, formalmente, esse esporte não é inscrito no rol das instituições políticas como o é no rol das instituições econômicas pela movimentação de capital. Não ser formalmente inscrito não anula a existência de acordos tácitos celebrados no interior da estrutura futebolística brasileira que engendram práticas políticas. Portanto, o “corpo” futebol não está facilmente visível desde o ponto de vista da política e está ausente em regulamentos, legislações e ordenamentos formais, mas é capaz de fomentar práticas políticas de modo regular, como algo seguro e não esporádico.

  • 1
    Agradecemos aos membros do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA) e aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política pelos comentários e sugestões. Agradecemos ainda a equipe de produção editorial, que nos atendeu após a aprovação do artigo, pelo cuidado e atenção no processo. Eventuais limitações são de nossa responsabilidade.
  • 2
    O futebol como instituição política informal é fruto de uma institucionalização de longa duração (Nascimento, 2022). Couto (2017, p. 239) indica “condicionantes antigos” para estudar a política recente no futebol. Ademais, o referencial importa na definição de instituição, que franqueia acesso desigual ao poder, e na influência de fatores extra institucionais na política (Hall & Taylor, 2003Hall, P.A. & Taylor, R.C. (2003) As três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova, (58), pp. 193-223.).
  • 3
    Leia “Veja a evolução da dimensão das maiores torcidas ...” (2020)Veja a evolução da dimensão das maiores torcidas do Brasil entre 1998 e 2020 (2020) Lance!, 18 de maio. Disponível em: <https://www.lance.com.br/galerias/veja-a-evolucao-do-dimensao-das-maiores-torcidas-do-brasil-entre-1998-e-2020/ Acesso em: 31 de ago. 2021.
    https://www.lance.com.br/galerias/veja-a...
    .
  • 4
    Este artigo analisa como as entidades de futebol ajudam a “abastecer” o sistema político, sobretudo pelas eleições. Enfatiza o papel socializador das disputas políticas internas dessas entidades com caráter majoritariamente associativo e a possibilidade da identidade clubística favorecer a obtenção de voto. Para outros modos de mobilização política associados ao futebol ler Oliveira (2021)Oliveira, E.F. (2021) O ópio do povo? O futebol e as manifestações políticas no Brasil entre 2013 e 2020. Revista Sociedade e Cultura, 24(e65892), DOI:doi
    doi...
    .
  • 5
    Depois, apoiou Getúlio Vargas, foi um dos fundadores do Partido Social Democrático (PSD) do Paraná e eleito para a Assembleia Nacional Constituinte, em 1933, e para o Senado, em 1935. Em 1937, apoiou a candidatura à presidência de José Américo de Almeida pelo Partido Social Nacionalista e seu mandato de senador foi encerrado pelo Estado Novo (Lima, 2010Lima, Antônio Jorge Machado (verbete) (2010). In: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - Pós-1930. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/lima-antonio-jorge-machado Acesso em: 25 de ago. 2021.
    http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionari...
    ).
  • 6
    A Espanha possui campeonatos regionais, como na Catalunha, mas ocorrem em poucas datas e as equipes da primeira divisão usam atletas em desenvolvimento, não jogadores do elenco principal (Reis, 2021Reis, R. (2021) Catalunha também tem “Estadual”, mas Barcelona não vence há sete anos. UOL, 27 de fev. Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rafael-reis/2021/02/27/catalunha-tambem-tem-estadual-mas-barcelona-nao-vence-ha-sete-anos.htm Acesso em: 31 de ago. 2021.
    https://www.uol.com.br/esporte/futebol/c...
    ).
  • 7
    Starling, com apoio de JK, foi para o CND. Consta também um encontro em janeiro de 1956 quando JK se comprometeu a ampliar o apoio ao esporte em geral, incluindo à CBD (Pacheco, 2015).
  • 8
    Em 2021, o presidente Rogério Caboclo foi afastado e substituído por Antônio Carlos Nunes, coronel reformado da Polícia. Foi “prefeito biônico” de Monte Alegre, presidente da Liga Esportiva de Santarém, dirigente do Paysandu, procurador do Tribunal de Justiça Desportiva e presidiu a Federação. Sempre no estado do Pará (Retaliação e tirania na arbitragem paraense, 2015Retaliação e tirania na arbitragem paraense (2015) Apito Nacional, 24 de fev. Disponível em: <https://www.apitonacional.com.br/noticias/retaliacao-tirania.html Acesso em: 27 de jun. 2021.
    https://www.apitonacional.com.br/noticia...
    ; Vasquez, 2021Vasquez, L. (2021) Substituto de Caboclo na CBF, Coronel Nunes serviu à ditadura e foi prefeito biônico no Pará. Revista Fórum, 06 de jun. Disponível em: <https://revistaforum.com.br/noticias/substituto-de-caboclo-na-cbf-coronel-nunes-serviu-a-ditadura-e-foi-prefeito-bionico-no-para/ Acesso em 27 de jun. 2021.
    https://revistaforum.com.br/noticias/sub...
    ).
  • 9
    Em 2021 os vice-presidentes eram: Antonio Aquino Lopes; Castelar Guimarães Neto; Coronel Nunes (mencionado acima); Ednaldo Rodrigues (eleito presidente em 2022); Francisco Noveletto; Fernando Sarney (filho de ex-presidente da República); Gustavo Feijó, prefeito de Boca da Mata - AL; e Marcus Vicente, deputado estadual PP-ES (Neves, 2018Neves, M. (2018) Políticos, Coronel, Cartolas ligados à CBF: quem são os oito vices da CBF. Lance!, 23 de abr. Disponível em: <https://www.lance.com.br/futebol-nacional/cbf-elege-seus-novos-vice-presidentes-confira-perfil.html Acesso em: 27 de jun. 2021.
    https://www.lance.com.br/futebol-naciona...
    ).
  • 10
    Na Antropologia, Toledo (2000Toledo, L.H. (2000) Lógicas no futebol: dimensões simbólicas de um esporte nacional. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.; 2013Braga, M.S. & Amaral, O.E. (2013) Implicações do processo de seleção de candidatos na competição partidária: o caso brasileiro. Revista de Sociologia e Política, 21(46), pp. 33-43. doi
    doi...
    ) e Campos e Toledo (2013)Campos, F. & Toledo, L.H. (2013) O Brasil na arquibancada: notas sobre a sociabilidade torcedora. Revista USP (99), pp. 123-138. doi
    doi...
    adicionam notáveis aportes ao estudo das formas de torcer. O primeiro discute, entre outros, significados, sociabilidade e torcidas organizadas versus torcedor consumidor (Cap. 3); o segundo o impacto da Arena sobre o corintianismo; o último pesquisa sobre sociabilidade torcedora de fãs de times das Séries B e C do Brasileirão 2012.
  • 11
    Segundo Toledo (2013, p. 154), o bordão “Corintiano, maloqueiro e sofredor, graças a Deus!” sintetiza essa forma de torcer ao considerar qualidades distintivas elementos de classe estigmatizados. Essa afirmação da “[...] condição econômica subalterna e de classe”, real ou imaginada, distingue os corintianos dos seus principais rivais.
  • 12
    Marco Aurélio Cunha, ex-vereador (DEM) e dirigente do São Paulo; Andres Sanchez, ex-deputado federal (PT) e presidente do Corinthians; Arnaldo Faria de Sá, ex-deputado federal (oito mandatos por PTB, PRN, PFL, PPB, PTB e PP), radialista, presidiu (1990-1993) e é ativo na política da Portuguesa de Desportos; além de Marco Antônio e Nabi Abi Chedid, ex-deputados e vinculados ao Bragantino e à CBF.
  • 13
    Em junho de 2021, o Senado aprovou o PL 5516/2019 que “cria o Sistema de Futebol Brasileiro, mediante tipificação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF)”, cuja constituição é facultativa. Para saber mais, leia “Veja os principais pontos do projeto que viabiliza o clube-empresa” (2021)Veja os principais pontos do projeto que viabiliza o clube-empresa (2021) Agência Senado, 10 de jun. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/06/10/veja-os-principais-pontos-do-projeto-que-viabiliza-o-clube-empresa Acesso em 26 de jun. 2021.
    https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
    .
  • 14
    Oficialmente chamado de União dos Grandes Clubes Brasileiros (1987-2011) nasceu para organizar o Campeonato Brasileiro e “representar os interesses das agremiações”. No entanto, a organização acabou conciliando com a CBF e o projeto da Liga não decolou, permanecendo na maior parte dos seus 24 anos como o órgão responsável pela negociação dos direitos de transmissão (Souza, 2019Souza, F.S. (2019) Como surgiu o Clube dos 13: da ascensão à queda de um sonho frustrado. Trivela, 25 de out. Disponível em: <https://trivela.com.br/brasil/como-surgiu-o-clube-dos-13/ Acesso em: 26 de jun. 2021.
    https://trivela.com.br/brasil/como-surgi...
    ).
  • 15
    Ver “Em livro, Andrés revela que implodiu Clube dos 13 após promessa da CBF” (2021)Em livro, Andrés revela que implodiu Clube dos 13 após promessa da CBF (2021) UOL, 31 de maio. Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2021/05/31/em-livro-andres-revela-que-implodiu-clube-dos-13-apos-promessa-da-cbf.htm Acesso em: 26 de jun. 2021.
    https://www.uol.com.br/esporte/futebol/u...
    .
  • 16
    A CPI indiciou 34 pessoas, incluindo Teixeira, dirigentes e empresários (ver Rebelo & Torres, 2001Rebelo, A. & Torres, S. (2001) CBF-NIKE. São Paulo: Casa Amarela.).
  • 17
    Estudar a corrupção no futebol é importante. Silva (2020)Silva, B.C. (2020) “Futebol-bandido”: os cartolas da CBF e a corrupção no Brasil. In: L.P. Silvestre (org) Ciências sociais aplicadas [recurso eletrônico]: necessidades individuais & coletivas. Ponta Grossa: Atena, pp. 155-167. doi
    doi...
    trata do FIFAGate. Com mais detalhes, Chade (2015) reflete sobre como o descontentamento dos Estados Unidos e da Inglaterra, junto ao descrédito da FIFA, impulsionaram as investigações e analisa a ligação da Copa de 2014 com o FIFAGate.
  • 18
    A MP não foi votada e perdeu validade. Porém, foi reapresentada com algumas modificações (PL 2336/2021), aprovada e sancionada como Lei n° 14.205/2021.
  • 19
    Eleito vereador pelo PMDB, foi um dos fundadores do PSDB - onde permaneceu até 2011. No período, ocupou secretarias na capital e no governo estadual paulistas em gestões tucanas. Ingressou no PSB em 2013, onde coordenou a campanha presidencial de Marina Silva em 2014, e participou da fundação do partido Rede Sustentabilidade.

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Jornais e notícias

Apêndice: nota metodológica

1. Entrevistas semiestruturadas (Quadros 1 e 2): os entrevistados não tiveram conhecimento prévio das hipóteses e autorizaram gravação e identificação.

Quadro 1
Juca Kfouri
Quadro 2
Silvio Torres

2. Entrevistas estruturadas: buscamos relatos de como o torcedor interpreta e quais os aspectos daquela identidade serão mobilizados para justificar a vitória e a derrota eleitoral dos atletas. As respostas não são generalizáveis para o conjunto dos torcedores corintianos, mas servem para avaliar em que medida a interpretação, à luz de Damo (1998), encontra eco na realidade. Ver Quadro 3.

Quadro 3a
Torcedores Corintianos, em ordem de aparição
Quadro 3b
Torcedores Corintianos, em ordem de aparição

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2021
  • Revisado
    27 Maio 2022
  • Aceito
    12 Jul 2022
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