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Dissuasão criminal incompetente e insegurança social: gastos públicos e determinantes estruturais dos homicídios

Incompetent criminal deterrence and social insecurity: public spending and structural determinants of homicides

RESUMO

Introdução:

No contexto das políticas de segurança pública no Brasil, o conceito de dissuasão criminal sugere que medidas repressivas da polícia reduziriam a taxa de crimes, porque possíveis infratores considerariam a chance de serem detidos. Por outro lado, teorias disposicionais argumentam que a exclusão social e a ansiedade socioeconômica contribuiriam para a criminalidade violenta, causando tensões e enfraquecendo a coesão social. Este estudo investiga como fatores socioeconômicos e gastos públicos em segurança, saúde, educação e assistência social afetam os homicídios intencionais.

Materiais e métodos:

Testamos as duas ideias por meio de modelos de regressão multivariada em painel, analisando o efeito dos gastos públicos por habitante em segurança pública (proxy do policiamento) e em educação, assistência/previdência e saúde (proxy de políticas sociais) sobre a taxa ajustada de homicídios intencionais, controlados pelos dummies macrorregionais, desemprego, desigualdade, renda média, percentual de homens jovens, uso mórbido de drogas e oferta de armas de fogo.

Resultados:

Os investimentos sociais tiveram efeitos estatísticos de redução dos homicídios, enquanto o acesso a armas de fogo, o consumo de psicoativos, a renda média, o desemprego e o investimento em segurança pública provocaram aumento dos homicídios. A desigualdade de renda e a proporção de homens jovens não tiveram resultados consistentes. Dessa maneira, uma combinação de mecanismos situacionais e disposicionais parece a via mais promissora para explicar a incidência de crimes violentos e letais.

Discussão:

As políticas públicas de provisão de educação, saúde e assistência, de geração de emprego, de tratamento e prevenção ao uso de psicoativos e de controle de armas de fogo mostraram-se viáveis para a redução da violência criminal, mas o aumento do gasto no policiamento mostrou-se mais uma reação ineficaz à criminalidade violenta do que um instrumento para seu controle, indicando a ineficiência das políticas de segurança predominantes no Brasil.

Palavras-chave
violência; homicídios; políticas públicas; segurança pública; regressão multivariada

ABSTRACT

Introduction:

In the context of public security policies in Brazil, the concept of criminal deterrence suggests that repressive police measures reduce crime rates insofar as potential offenders take into account the risk of being apprehended. Conversely, dispositional theories argue that social exclusion and socioeconomic anxiety play a pivotal role in contributing to violent crime, leading to heightened tensions and weakened social cohesion. Our research examines the impact of socioeconomic factors and public expenditure on security, healthcare, education, and social assistance on the incidence of intentional homicides.

Materials and methods:

To examine these two ideas, we employed multivariate panel regression models, considering the impact of public spending per inhabitant on public security (as a proxy for policing), as well as on education, social assistance, and health (a proxy for social policies). We controlled for various factors, including macro-regional dummies, unemployment, inequality, average income, the percentage of young men in the population, morbid drug use, and the supply of firearms.

Findings:

Our findings indicate that social investments were statistically associated with a reduction in homicides, while factors such as access to firearms, psychoactive substance use, average income, unemployment, and investment in public security were linked to an increase in homicide rates. The impact of income inequality and the proportion of young men in this context did not yield consistent results. Consequently, it appears that a combination of situational and dispositional mechanisms offers a more promising framework for understanding the incidence of violent and lethal crimes.

Discussion:

Public policies aimed at providing education, healthcare, social assistance, job opportunities, as well as addressing psychoactive substance use and firearm control, have shown to be effective strategies for reducing criminal violence. However, increased spending on policing appeared to be an ineffective response to violent crime, highlighting the inefficiency of current security policies in Brazil.

Keywords
violence; homicides; public policy; public security; multivariate regression

Contexto da pesquisa

O Brasil ostenta, há mais de quatro décadas, altas taxas de homicídios e outros crimes violentos intencionais ligados a conflitos interpessoais, violência policial, mercados ilícitos e crime organizado, atingindo principalmente pobres e negros. Os investimentos em segurança pública cresceram, mas as agressões e confrontos letais persistem. Este estudo analisa os efeitos de fatores socioeconômicos e dos gastos públicos em segurança pública e em saúde, educação e assistência e previdência sobre homicídios intencionais. Conforme o conceito da dissuasão criminal, predominantemente adotado nas estratégias de segurança pública no Brasil, a diminuição da taxa de criminalidade ocorreria devido à efetividade das medidas repressivas da polícia, uma vez que os potenciais infratores ou reincidentes levariam em consideração a probabilidade e a prontidão de serem presos ao tomar decisões relacionadas a atividades criminosas. Mas, segundo as teorias disposicionais, a exclusão social e a ansiedade socioeconômicas seriam fatores importantes para explicar a criminalidade violenta, pois ativariam mecanismos causadores da violência, como a tensão social, e prejudicariam mecanismos protetores, como a coesão social. Por isso, políticas públicas sociais seriam relevantes para o controle social da violência, tanto pela provisão de apoio social, quanto pela redução de outros fatores associados a ela, como o desemprego ou a desigualdade econômica. Numa posição intermediária, as teorias situacionais enfatizam, como mecanismos explicativos, as oportunidades criminais imediatas e a conflitualidade dos mercados ilícitos.

Evidências anteriores ao estudo

Exceto pela Europa e América do Norte, estudos sobre os efeitos de gastos públicos sobre homicídios intencionais têm sido relativamente raros, em especial no Brasil. As análises têm se concentrado sobre o efeito de programas específicos que envolvem tamanho do efetivo policial ou taxas de encarceramento. Há tanto estudos qualitativos sobre o contexto, sentido e práticas associados à violência, ao crime, à punição e ao policiamento, de um lado; quanto estudos quantitativos relativos a fatores sociodemográficos e socioeconômicos associados à vitimização letal, de outro.

Valor agregado do estudo

Este artigo utilizou modelos de regressão log-linear multivariada com dados em painel (empilhado, efeitos fixos e aleatórios), tendo como variável dependente a taxa de homicídios intencionais corrigida pela subnotificação. Os dados cobrem o período de 1985 a 2019 e todas as unidades federativas brasileiras. Os resultados foram favoráveis às hipóteses do apoio social público, desemprego, drogas e armas, mas tiveram efeitos contrários ou insignificantes quanto ao policiamento, à renda média da população, não sendo conclusivos quanto à desigualdade de renda. Dessa maneira, uma combinação de mecanismos situacionais e disposicionais parece ser a via mais promissora para explicar a incidência de crimes violentos e letais no Brasil. As políticas públicas de provisão de educação, saúde e assistência social, de geração de emprego, de tratamento e prevenção ao uso de psicoativos e de controle de armas de fogo mostraram-se viáveis para a redução da violência criminal. O aumento do gasto no policiamento mostrou-se uma reação ineficaz à criminalidade violenta e não um instrumento para o seu controle, indicando a ineficiência das políticas de segurança predominantes no Brasil.

Implicações de todas as evidências disponíveis

Estratégias reativas e unilaterais, pautadas por uma visão de dissuasão militar-policial ao crime, podem se mostrar endógenas à própria criminalidade violenta, tanto por não abordarem os seus determinantes estruturais, quanto por não controlarem de maneira eficiente os próprios autores, situações e instrumentos dos homicídios intencionais. A redução dos crimes violentos intencionais, em especial da sua letalidade, requer uma combinação coordenada de esforços de prestação de políticas socioeconômicas e de controle policial. é preciso atentar sobretudo para a melhoria da qualidade dos gastos em segurança pública, bem como para o controle de variáveis chave, como o acesso a armas de fogo e munições. Os fatores políticos que determinam a melhoria de qualidade do gasto em segurança pública ou inviabilizam a implementação de programas de prevenção e controle da violência precisam, contudo, ser mais bem conhecidos.

I. Apresentação1 1 Agradecemos aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política que ajudaram a aprimorar o texto com valiosas contribuições teóricas, metodológicas e relativas à redação do manuscrito.

No Brasil, a ideia da dissuasão criminal tem dominado as políticas de segurança pública, traduzindo-se na aposta no uso ostensivo e discricionário da força para combater a criminalidade por meio do patrulhamento repressivo, do poderio bélico das polícias e das prisões em flagrante (Cano, 2006Cano, I. (2006) Políticas de segurança pública no Brasil: tentativas de modernização e democratização versus a guerra contra o crime. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos, 3(5), pp. 136-155.; Bittencourt, 2013Bittencourt, M.B. (2013) O paradigma penal-militar no sistema de justiça criminal. Em Tese, 10(1), pp. 93-113. DOI
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). A ideia de dissuasão criminal remonta a Bentham e Beccaria, proponentes do utilitarismo e do iluminismo penal, no século XVIII. Mais recentemente, foi retomada pela “economia do crime”, segundo a qual a criminalidade é produto dos riscos de punição e das recompensas do crime, sendo uma categoria fundamental a expectativa de impunidade e o seu inverso, resultado da sua certeza, rapidez e dureza da punição. Assim, a repressão policial seria o instrumento central de contenção da criminalidade (Campos, 2008; Clemente & Welters, 2007Clemente, A. & Welters, A. (2007) Reflexões sobre o modelo original da economia do crime. Revista de Economia, 33(22), pp. 139-157. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/economia/article/download/9967/6843>. Acesso em: 27 de out. 2021.
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).

A retomada dessa corrente foi favorecida pelas críticas cerradas, à direita e à esquerda, contra outra tradição, a perspectiva criminológica inspirada na Sociologia Clássica, segundo a qual a vulnerabilidade ativa e passiva à violência depende do contexto institucional e socioeconômico dos atores. Por isso, incide desigualmente entre as camadas sociodemográficas, levando a violência criminal a crescer em função da exclusão socioeconômica, e por isso prevenível por políticas públicas sociais (Griza, Tirelli & Schabbach, 2012Griza, A., Tirelli, C. & Schabbach, L.M. (2012) A contribuição dos sociólogos clássicos para a análise da violência e do crime. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 20(94), pp. 277-303.; Currie, 1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
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). Fatores contextuais também estariam ligados à dinâmica dos mercados ilícitos, em especial de drogas ilícitas, e à difusão das “tecnologias da violência”, as armas de fogo (Goldstein, 1985Goldstein, P.J. (1985) The drugs/violence nexus: a tripartite conceptual framework. Journal of Drug Issues, 15(4), pp. 493-506. DOI
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; 2015Currie, E. (2015) The market economy and crime. In F.T. Cullen & P. Wilcox (eds) The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, pp. 424-439.). Nas últimas décadas, diversos governos nacionais e subnacionais têm implementado políticas públicas de controle da violência criminal, inspiradas em combinações variáveis dessas perspectivas, em resposta ao crescimento ou persistência dos crimes violentos (Wacquant, 2005, p. 36).

Neste artigo, apresentamos modelos multivariados para explicar as taxas de homicídios intencionais nos Estados brasileiros, utilizando o gasto em segurança pública como proxy dos recursos alocados no policiamento e inteligência/informação policial, e a despesa em saúde, educação e assistência/previdência como indicador do apoio social público, além de determinantes estruturais como o desemprego, desigualdade, renda média, proporção de homens jovens, e proxies de consumo de drogas e acesso a armas de fogo. Constatamos que o desemprego, a renda média, as drogas, armas e gastos sociais tiveram resultados no sentido esperado, enquanto o gasto em segurança e a proporção de homens jovens tiveram efeito contrário ao esperado ou insignificante, sendo os efeitos da desigualdade de renda não conclusivos.

II. Determinantes sociais, políticas públicas e homicídios intencionais

A sociologia da criminalidade e da violência propõe teorias causais que relativizam o caráter de escolha individual do crime, buscando no contexto institucional e estrutural a explicação da violência criminal. O crime é social e politicamente definido, e a violência é um tipo de conduta socialmente aprendida, motivada e controlada, no âmbito de contexto socioeconômico e institucional, com o qual guarda íntima relação (Griza, Tirelli & Schabbach, 2012Griza, A., Tirelli, C. & Schabbach, L.M. (2012) A contribuição dos sociólogos clássicos para a análise da violência e do crime. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 20(94), pp. 277-303.). Algumas explicações mobilizam a noção de privação relativa, pela qual o ator compara desfavoravelmente a sua própria situação com um padrão idealizado de sucesso, consumo ou masculinidade, geralmente inspirado no estilo de vida das classes dominantes, alimentando a frustração e a desesperança, o cinismo quanto à viabilidade de atingir os fins almejados pelos meios legítimos, e a percepção de que ilegalidades ou violências são vias eficientes para alcançar as metas socialmente válidas de sucesso nos quadros dos fins legítimos da ação em uma dada ordem social (Currie, 1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
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).

Inversamente, as estruturas sociais também podem criar barreiras contra a violência criminal: os laços sociais de reciprocidade, confiança e apoio comunitário podem inibir condutas egoístas e violentas, encorajando atitudes pacíficas e cooperativas. Assim, estruturas e processos sociais que dissolvem essas barreiras sociais contra a criminalidade violenta também concorrem para explicá-la (Lynch & Boggess, 2016Lynch, M.J. & Boggess, L.N. (2016) A radical grounding for social disorganization theory: a political economic investigation of the causes of poverty, inequality and crime in urban areas.Radical Criminology, (6), pp. 11-69. Disponível em: <http://journal.radicalcriminology.org/index.php/rc/article/view/52/html>. Acesso em: 21de set. 2021.
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; Wacquant, 2005; 2008Wacquant, L. (2008) As duas faces do Gueto. São Paulo: Boitempo.). Entre os fatores objetivos que contribuiriam para o aumento da violência criminal, em especial dos homicídios intencionais, estariam: a desigualdade e o desemprego, que bloqueiam oportunidades legítimas no mercado de trabalho, aumentam a ansiedade socioeconômica e a privação relativa (Guimarães, 2011Guimarães, R. (2011) O papel do desemprego nas altas taxas de homicídio entre os jovens no Brasil metropolitano. Justiça e Cidadania, 3(6), pp. 183-204. Disponível em: <http://geni.uff.br/wp-content/uploads/sites/357/2021/02/2011_Dirk_Seguranca-Justica-e-Cidadania_Homicidios-Dolosos-Rio-de-Janeiro.pdf#page=185>. Acesso em: 27 de out. 2021
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; Moura & Cerqueira, 2019Cerqueira, D. & Moura, R.L. (2019) Oportunidades laborais, educacionais e homicídios no Brasil. Texto para Discussão IPEA no 2514. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10419/211463>. Acesso em: 9 de nov. 2020.
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); a pujança de mercados ilícitos que ofereçam fontes alternativas de renda para jovens pobres, mas os expõem à violência usada para o controle da atividade econômica criminalizada, como é o caso do tráfico de drogas ilícitas, que, aliás, são muitas vezes usadas como uma válvula de escape das tensões e sofrimentos sociais (Santos & Kassouf, 2007Santos, M.J. & Kassouf, A.L. (2007) Uma investigação econômica da influência do mercado de drogas ilícitas sobre a criminalidade brasileira. Economia, 8(2), pp. 187-210. Disponível em: <https://econpapers.repec.org/article/anpeconom/v_3a8_3ay_3a2007_3ai_3a2_3ap_3a187-210.htm>. Acesso em: 17 de ago. 2021.
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), embora o tráfico de drogas ilícitas não seja o único negócio ilícito no qual há uso da violência física (Cusson, 2008); a comercialização de “tecnologias da violência”, como as armas de fogo e munições (Hepburn & Hemenway, 2004Hepburn, L.M. & Hemenway, D. (2004). Firearm availability and homicide: a review of the literature. Aggression and Violent behavior, 9(4), pp. 417-440. DOI
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); a estrutura demográfica, especialmente a prevalência da camada mais propensa ao envolvimento passivo e ativo na violência: os homens jovens (Pimenta, 2014Pimenta, M.M. (2014) Violência e vulnerabilidade social. In: J.V.T. dos Santos & L.M. Madeira. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, pp. 217-248.; Manetta & Alves, 2018Manetta, A. & Alves, J.E.D. (2018) A validade da explicação demográfica para a tendência recente do homicídio de homens jovens em quatro regiões metropolitanas brasileiras (2002-2012).Ideias, 9(1), pp. 193-220, 2018. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8652691>. Acesso em 27 de out. 2021.
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).

Esses conceitos estão sob ataque há décadas. Entre as contraposições mais elaboradas, estão aquelas que consideram que a criminalidade não responde às estruturas socioeconômicas, mas apenas ao cálculo subjetivo dos riscos de punição e dos benefícios da consumação do crime, sendo a impunidade a maior causa. Apesar de remeter à filosofia contratualista e utilitarista, a ideia de dissuasão criminal foi hodiernamente reconstruída mediante conceitos microeconômicos, considerando a incidência de crimes como inversamente proporcional à subtração da recompensa do crime pelo produto da probabilidade e da dureza da punição. A chance de condenação depende da eficácia das organizações policiais e judiciárias para capturar, processar e punir, impondo uma retribuição mais rápida e certa o possível para quem cometer crimes. Isso dependeria dos recursos e da eficiência das organizações policiais e judiciárias para realizar tais funções. Ao lado disso, figuraria como estratégia privilegiada o aumento das penas, sejam multas ou tempo de prisão, como uma possível ferramenta para combater o crime (Campos, 2008; Clemente & Welters, 2007Clemente, A. & Welters, A. (2007) Reflexões sobre o modelo original da economia do crime. Revista de Economia, 33(22), pp. 139-157. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/economia/article/download/9967/6843>. Acesso em: 27 de out. 2021.
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DOI...
).

A formulação de políticas públicas de segurança segundo tais ideias foi obra, principalmente, de consultores ligados a think tanks militares, que traduziram a “economia do crime” em estratégias de dissuasão policial-penal (Christie, 2011Christie, N. (2011) Uma razoável quantidade de crime. Rio de Janeiro: Revan., p. 178). Dessa safra saíram ideias como a “tolerância zero”, que propõe o emprego de táticas de policiamento repressivo intensivo em vizinhanças “degradadas”, visando sufocar a percepção de impunidade e desordem pela repressão sistemática até mesmo aos crimes de baixo potencial ofensivo, com o objetivo de restaurar a autoridade punitiva do Estado (Wilson & Kelling, 1982Wilson, J.Q. & Kelling, G.L. (1982) Broken windows: the police and neighborhood safety. Atlantic monthly, 249(3), pp. 29-38. Disponível em: <https://faculty.washington.edu/matsueda/courses/587/readings/Broken%20Windows%20-%20The%20Atlantic.pdf>. Acesso em 20 de ago. 2021.
https://faculty.washington.edu/matsueda/...
). As táticas de policiamento e penalização repressivos teriam impacto dissuasivo, evitando a reincidência não por programas de “ressocialização”, considerados ineficazes, mas pelo prolongamento do tempo de prisão e por táticas policiais agressivas (Wilson, 2013Wilson, J.Q. (2013) Thinking about crime. 3ª Edição. New York: Basic Books.). Essas ideias conheceram uma ampla divulgação internacional (Wacquant, 2012Wacquant, L. (2012) A tempestade global da lei e ordem: sobre punição e neoliberalismo. Revista de Sociologia e Política, 20(41), pp. 7-20. DOI
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), e encontraram no Brasil um terreno propício, o que pode ser observado na tendência, à despeito das iniciativas divergentes, ao recrudescimento da legislação criminal no período pós-autoritário, mesmo sob governos progressistas, levando ao encarceramento massivo (Campos, 2014Campos, M.S. (2014) Crime e Congresso Nacional: uma análise da política criminal aprovada de 1989 a 2006. Revista Brasileira de Ciência Política, 15, pp. 315-347. DOI
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; Azevedo & Cifali, 2015Azevedo, R.G. & Cifali, A.C. (2015) Política criminal e encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma: elementos para um balanço de uma experiência de governo pós-neoliberal. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, pp. 105-127. DOI
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).

Apesar de programas de governo subnacionais que se baseiam em modelos alternativos de controle criminal, com maior ênfase na prevenção social e situacional do crime violento intencional (Kopittke & Ramos, 2021Kopittke, A.L.W. & Ramos, M.P. (2021) O que funciona e o que não funciona para reduzir homicídios no Brasil: uma revisão sistemática. Revista de Administração Pública, 55, pp. 414-437. DOI
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), estas iniciativas foram relativamente raras nas últimas quatro décadas, pois a ideia da dissuasão criminal veio a dominar as políticas de segurança pública do Brasil, recrudescendo a aposta no policiamento de estilo militar, com uso ostensivo e reativo da força, prisões em flagrante convertidas em provisórias e tipos penais abertos, mas com longas penas de prisão (Zanetic et al., 2016Zanetic, A., Manso, B.P., Natal, A.L. & Oliveira, T.R. (2016) Legitimidade da polícia: segurança pública para além da dissuasão. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 16(4), e148, 2016. DOI
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). Ademais o paradigma tradicional do policiamento, no Brasil, é calcado na guerra do Estado ao inimigo interno via policiamento militarizado e inquisitorial, práticas que exibem uma afinidade eletiva com as ideias da dissuasão criminal e da tolerância zero (Bittencourt, 2013Bittencourt, M.B. (2013) O paradigma penal-militar no sistema de justiça criminal. Em Tese, 10(1), pp. 93-113. DOI
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; Cano, 2006Cano, I. (2006) Políticas de segurança pública no Brasil: tentativas de modernização e democratização versus a guerra contra o crime. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos, 3(5), pp. 136-155.; Pinheiro, 1997Pinheiro, P.S. (1997) Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias. Tempo Social, 9, p. 43-52. DOI
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).

Apesar da aparente convergência entre o conceito de dissuasão criminal e a perspectiva sociológica do monopólio estatal da violência legítima, deve-se recordar que os proponentes da última remetem o processo de redução da violência interpessoal ao longo prazo, e o explicam pela modernização administrativa, o fim das guerras e exércitos feudais e por transformações culturais intergeracionais, que levariam à institucionalização da gestão pública dos conflitos e da autocontenção pessoal. Ou seja, o mecanismo causal, aqui, não é o medo da punição, mas o autocontrole e a confiança nas instituições públicas para a resolução de conflitos (Elias, 1993Elias, N. (1993) O processo civilizador: formação do Estado e Civilização. 2a Edição. Rio de Janeiro: Zahar.; 2011Elias, N. (2011) O processo civilizador: uma história dos costumes. 2a. Edição. Rio de Janeiro: Zahar.; Eisner, 2014Eisner, M. (2014) From swords to words: does macro-level change in self-control predict long-term variation in levels of homicide? Crime and Justice, 43(1), pp. 65-134. DOI
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; Cusson, 2000Cusson, M. (2000) Les homicides d'hier et d'aujourd'hui. In: J. Baechler, F. Chazel & R. Kamrane. L'acteur et ses raisons. mélanges en l'honneur de Raymond Boudon. Paris: Les Presses universitaires de France, pp. 43-58.). Mais do que isso, esse processo socio histórico é socialmente desigual, não funciona apenas pela autoimposição coercitiva do Estado, e está sujeito a limitações, retrocessos e ao outro lado da moeda, que é a multiplicação da capacidade estatal destrutiva, exposta nas guerras e ditaduras modernas (Cusson, 2000Cusson, M. (2000) Les homicides d'hier et d'aujourd'hui. In: J. Baechler, F. Chazel & R. Kamrane. L'acteur et ses raisons. mélanges en l'honneur de Raymond Boudon. Paris: Les Presses universitaires de France, pp. 43-58.; Bauman, 1998Bauman, Z. (1998) Modernidade e holocausto. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar.; Malesevic, 2013Maleševic, S. (2013) Forms of brutality: towards a historical sociology of violence. European Journal of Social Theory, 16(3), pp. 273-291. DOI
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).

Para além da dissuasão criminal, a ação do Estado sobre a violência criminal pode ser mais ampla, correspondendo também às responsabilidades ampliadas que o Poder Público historicamente incorporou em resposta às demandas de diversos movimentos sociais e às crises sistêmicas da economia capitalista. O controle social público da violência passaria por processos sociopolíticos de desmercantilização da força de trabalho, contribuindo tanto para mitigar possíveis fatores de motivação criminal, quanto para fortalecer as redes de confiança e apoio mútuos. Ou seja, para reduzir os impactos socialmente desintegradores e excludentes do mercado autorregulado, ao prover para os cidadãos o acesso a rendas e serviços não mercantis, mediante programas de educação, saúde, previdência e assistência públicas (Messner & Rosenfeld, 1997Messner, S.F. & Rosenfeld, R. (1997) Political restraint of the market and levels of criminal homicide: A cross-national application of institutional-anomie theory. Social Forces, 75(4), pp.1393-1416. DOI
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; Wacquant, 2007Wacquant, L. (2007) Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [a onda punitiva]. 3a Edição. Rio de Janeiro: Revan.; Currie, 1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
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; 2015Currie, E. (2015) The market economy and crime. In F.T. Cullen & P. Wilcox (eds) The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, pp. 424-439.).

Uma categoria fundamental para teorizar os efeitos das políticas públicas sociais sobre a violência criminal é a de apoio social. No sentido amplo, esse pode ser instrumental ou expressivo, formal ou informal, público ou privado, presente em diversas etapas do ciclo de vida, contribuindo para prevenção e para a desistência do crime, com ênfase no apoio social que é exercido na infância e adolescência, como também na recuperação e superação de sequelas e traumas das vítimas de crimes violentos. O Estado aparece como o principal agente de apoio social na sociedade moderna, tanto pela provisão direta dos serviços públicos e de renda, quanto pela construção de capacidades suportivas das famílias, associações e comunidades, em especial entre os grupos mais vulneráveis à violência criminal e policial. O apoio social público teria a possibilidade de não apenas encorajar diretamente as práticas lícitas, cooperativas e não-violentas, como ainda indiretamente fortalecer o apoio social em nível micro, provido por familiares e comunidades (Cullen, 1995Cullen, F.T. (1995) Social support as an organizing concept for criminology: presidential address to the Academy of Criminal Justice Sciences.Justice Quarterly, 11(4), pp. 527-559. DOI
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). Diversas análises empíricas verificaram uma associação negativa, controlada por variáveis demográficas e econômicas, entre o nível de apoio social público ou desmercantilização da força de trabalho e as taxas de homicídios intencionais entre países, ou dentro dos Estados Unidos, apesar do indicador utilizado variar (Messner & Rosenfeld, 1997Messner, S.F. & Rosenfeld, R. (1997) Political restraint of the market and levels of criminal homicide: A cross-national application of institutional-anomie theory. Social Forces, 75(4), pp.1393-1416. DOI
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; Becker & Kassouf, 2017Becker, K.L. & Kassouf, A.L. (2017) Uma análise do efeito dos gastos públicos em educação sobre a criminalidade no Brasil. Economia e Sociedade, 26(1), pp. 215-242. DOI
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; Pratt & Godsay, 2003Pratt, T.C. & Godsey, T.W. (2003) Social support, inequality, and homicide: a cross-national test of an integrated theoretical model. Criminology, 41(3), pp. 611-644. DOI
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; Worrall, 2009Worrall, J.L. (2009) Social support and homicide. Homicide Studies, 13(2), pp. 124-143, 2009. DOI
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).

Dessa maneira, a ação do Estado sobre a violência criminal tem sido prognosticada em duas modalidades: A dissuasão criminal, baseada em premissas utilitaristas, que considera que o crime violento é uma escolha consciente e calculada do agressor, que contrasta, de um lado, o retorno obtido com o crime, e de outro, as chances e a dureza da punição, optando por se abster da prática criminal quando a esperança matemática de perdas supera a dos ganhos do crime. Essa visão considera, por isso, que o policiamento é o instrumento mais eficaz de contenção da criminalidade e tem dominado as políticas de segurança pública no Brasil, se fazendo hegemônica tanto na produção legislativa (Campos, 2014Campos, M.S. (2014) Crime e Congresso Nacional: uma análise da política criminal aprovada de 1989 a 2006. Revista Brasileira de Ciência Política, 15, pp. 315-347. DOI
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) quanto na gestão do policiamento (Zanetic et al., 2016Zanetic, A., Manso, B.P., Natal, A.L. & Oliveira, T.R. (2016) Legitimidade da polícia: segurança pública para além da dissuasão. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 16(4), e148, 2016. DOI
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). E o apoio social público, que embora não suponha necessariamente que o ator é inteiramente produto passivo de determinantes esmagadores, considera que a racionalidade é limitada e condicionada pelo contexto socioeconômico e institucional, o qual impõe constrangimentos e oportunidades de ação que são assimétricas, e ensejam graus variados de vulnerabilidade social à violência, exigindo, por conseguinte, um controle público da violência que incida a partir do próprio tecido social.

III. Metodologia

Utilizamos dados dos Estados e do Distrito Federal entre 1980 e 2020, coletados do SIM-DATASUS, IBGE e IPEADATA, e os organizamos em painel balanceado. Aplicamos um ajuste à taxa de homicídios intencionais, que foi construída pelos seguintes procedimentos: somamos o número de mortes por agressão ao número de mortes por operações de guerra. Em seguida, somamos a uma proporção das mortes violentas por intenção indeterminada igual à proporção de mortes por agressão e operações de guerra sobre o conjunto das mortes por causas externas com intencionalidade conhecida (agressões, operações de guerra, suicídios e acidentes). E, finalmente somamos com uma proporção das mortes por causas mal definidas igual à proporção das mortes por agressão e operações de guerra sobre o conjunto da mortalidade por causas conhecidas:

T x A j H o m i c i d = ( H i + ( ( H i / M v i d ) × M v i i ) + ( ( H i ÷ M c c ) × M c i d ) ) × 100000 ) ÷ População

Na qual TxAjHomicid é a taxa ajustada de homicídios intencionais por 100 mil habitantes, Hi é o número de mortes por agressão e confrontos militares ou policiais, Mvid é o número de mortes violentas por intenção conhecida (agressões, confrontos, suicídios e acidentes), Mvii é o número de mortes violentas por intenção indeterminada, Mcc é o número de mortes por causas conhecidas, e Mcid é o número de mortes por causas desconhecidas. Para construir os modelos, utilizamos o logaritmo natural da variável dependente.

Para as variáveis independentes, utilizamos:

  • O Produto Interno Bruto (PIB) estadual por habitante para medir a riqueza média, cujos efeitos seriam contraditórios: de um lado, representa maior financiamento para as políticas públicas de segurança e sociais, via arrecadação tributária, e de outro, representa uma profusão de oportunidades criminais, propiciando maior oferta ou demanda nos mercados ilícitos, como tráfico de drogas, roubo e receptação, extorsão, contrabando etc. (Cusson, 2008).

  • índice Gini da distribuição da renda domiciliar per capita indica a concentração de renda pessoal e o acirramento da competição entre os estratos econômicos inferiores, ensejando ainda a “privação relativa”, entendida como um sentimento negativo advindo de uma comparação da própria situação econômica em relação àquela dos estratos superiores, tidos como uma referência de sucesso e padrão de consumo (Agnew, 1992Agnew, R. (1992) Foundation for a general strain theory of crime and delinquency. Criminology, 30(1), pp. 47-88. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.1992.tb01093.x>. Acesso em: 27 de out. 2021.
    https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
    ; 2016Agnew, R. (2016) Strain, economic status, and crime. In: A. Piquero (ed) The handbook of criminological theory. Chichester: Wiley & Sons; pp. 209-229.; Resende & Andrade, 2011Resende, J.P. & Andrade, M.V. (2011) Crime social, castigo social: desigualdade de renda e taxas de criminalidade nos grandes municípios brasileiros. Estudos Econômicos, 41(1), pp. 173-195. DOI
    DOI...
    ; Blau & Blau, 1983; Rufrancos et al., 2013Rufrancos, H., Power, M. & Pickett, K.E. & Wilkinson, R. (2013). Income inequality and crime: A review and explanation of the time-series evidence. Sociology and Crimonology - Open Access, 1(1), e103. DOI
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    ).

  • Taxa de desemprego, medida pela proporção de pessoas que não estão ocupadas e procuram emprego vis-a-vis os que possuem ocupação remunerada. Quem está empregado tem menos tempo para praticar crimes (exceto os ligados à própria ocupação, como os de “colarinho branco”, por exemplo), e tem mais a perder se for preso. O desemprego reduz o poder de barganha dos empregados, o que tende a achatar os salários e endurecer as exigências dos empregadores, tornando o trabalho menos atrativo, em comparação ao crime instrumental. Ademais, aflige mais os jovens (menos experientes), os negros (devido ao preconceito racial) e os menos escolarizados (menor qualificação), categorias que estão sobrerrepresentadas entre os presidiários e as vítimas de homicídios intencionais. Os possíveis impactos do desemprego transcendem os aspectos utilitário e individual, pois o trabalho é uma fonte tanto de renda quanto de estima social e segurança econômica, tanto para o empregado quanto para os seus familiares. A experiência do desemprego frequente ou prolongado representa perda de renda e deterioração da identidade social, levando ao empobrecimento e acentuando a ansiedade socioeconômica. Por fim, e até mesmo por incidir mais entre os negros e menos escolarizados, o desemprego, nas áreas urbanas, tende a se concentrar no espaço, juntamente com a privação de acesso a serviços e equipamentos coletivos, reforçando o processo de sobreposição territorializada das exclusões socioeconômicas, prejudicando a coesão social nas áreas desfavorecidas, e, enfim, facilitando o contato e associação diferencial entre jovens desalentados. Por isso, espera-se que o desemprego exiba um efeito positivo e significativo sobre os homicídios intencionais, motivando tanto agressões instrumentais ou aquisitivas, quanto as expressivas ou passionais (Western et al., 2012Western, B., Bloome, D., Sosnaud, B. & Tach, L. (2012) Economic insecurity and social stratification. Annual Review of Sociology, 38, pp. 341-359. DOI
    DOI...
    ; Guimarães, 2002Guimarães, N.A. (2002) Por uma sociologia do desemprego. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 17(50), pp. 104-121. DOI
    DOI...
    ; Guimarães, 2011Guimarães, R. (2011) O papel do desemprego nas altas taxas de homicídio entre os jovens no Brasil metropolitano. Justiça e Cidadania, 3(6), pp. 183-204. Disponível em: <http://geni.uff.br/wp-content/uploads/sites/357/2021/02/2011_Dirk_Seguranca-Justica-e-Cidadania_Homicidios-Dolosos-Rio-de-Janeiro.pdf#page=185>. Acesso em: 27 de out. 2021
    http://geni.uff.br/wp-content/uploads/si...
    ; Moura & Cerqueira, 2019Cerqueira, D. & Moura, R.L. (2019) Oportunidades laborais, educacionais e homicídios no Brasil. Texto para Discussão IPEA no 2514. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10419/211463>. Acesso em: 9 de nov. 2020.
    http://hdl.handle.net/10419/211463...
    ; Santos & Kassouf, 2007Santos, M.J. & Kassouf, A.L. (2007) Uma investigação econômica da influência do mercado de drogas ilícitas sobre a criminalidade brasileira. Economia, 8(2), pp. 187-210. Disponível em: <https://econpapers.repec.org/article/anpeconom/v_3a8_3ay_3a2007_3ai_3a2_3ap_3a187-210.htm>. Acesso em: 17 de ago. 2021.
    https://econpapers.repec.org/article/anp...
    ; Pimenta, 2014Pimenta, M.M. (2014) Violência e vulnerabilidade social. In: J.V.T. dos Santos & L.M. Madeira. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, pp. 217-248.; Schabbach, 2008Schabbach, L.M. (2008) Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil. Sociologias, 10(20), pp. 48-71. DOI
    DOI...
    ; Cardia & Adorno, 2003Cardia, N., Adorno, S. & Poleto, F. (2003) Homicídio e violação de direitos humanos em São Paulo. Estudos Avançados, 17(47), pp. 43-73. DOI
    DOI...
    ).

  • O percentual de homens entre 15 e 29 anos na população, que são o grupo mais frequentemente envolvido em agressões letais, como autores e vítimas (Pimenta, 2014Pimenta, M.M. (2014) Violência e vulnerabilidade social. In: J.V.T. dos Santos & L.M. Madeira. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, pp. 217-248.; Manetta & Alves, 2018Manetta, A. & Alves, J.E.D. (2018) A validade da explicação demográfica para a tendência recente do homicídio de homens jovens em quatro regiões metropolitanas brasileiras (2002-2012).Ideias, 9(1), pp. 193-220, 2018. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8652691>. Acesso em 27 de out. 2021.
    https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
    ).

  • A mortalidade por consumo de álcool e drogas ilícitas por 1 milhão de habitantes para medir o uso mórbido de psicoativos, e, por conseguinte, os crimes patrimoniais motivados por consumo compulsivo; os interpessoais, precipitados pelo uso dos psicoativos e a violência pelo controle do tráfico de drogas ilícitas, que lucra com a demanda por psicoativos ilegais. Os mecanismos pelos quais o consumo pesado de psicoativos provocam violências criminais, entre os quais os homicídios, referem-se tanto aos efeitos sobre o próprio usuário, que, em uma situação de consumo da substância, pode cometer violências ligadas aos estados emocionais alterados, ou, inversamente, usuários compulsivos podem usar a violência para adquirir a substância, praticando roubos e outros crimes visando o lucro. Em se tratando de substâncias ilegais, mas com forte demanda, desenvolve-se um mercado ilícito, como o tráfico de drogas, no qual os “empreendedores” utilizam a força das armas para eliminar concorrentes e devedores, mas se tornam, também, alvos de outros traficantes e da polícia, o que muitas vezes redunda em disputas territoriais e de vingança que ultrapassam o uso estritamente instrumental da violência para o controle do negócio ilícito (Goldstein, 1985Goldstein, P.J. (1985) The drugs/violence nexus: a tripartite conceptual framework. Journal of Drug Issues, 15(4), pp. 493-506. DOI
    DOI...
    ; Sapori, 2020Sapori, L.F. (2020) Mercado das drogas ilícitas e homicídios no Brasil: Um estudo comparativo das cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL). Dados, 63(4), e20180191. DOI
    DOI...
    ; Misse, 2007Misse, M. (2007) Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro. Estudos Avançados, 21(61), pp. 139-157. DOI
    DOI...
    ; Santos & Kassouff, 2007Santos, M.J. & Kassouf, A.L. (2007) Uma investigação econômica da influência do mercado de drogas ilícitas sobre a criminalidade brasileira. Economia, 8(2), pp. 187-210. Disponível em: <https://econpapers.repec.org/article/anpeconom/v_3a8_3ay_3a2007_3ai_3a2_3ap_3a187-210.htm>. Acesso em: 17 de ago. 2021.
    https://econpapers.repec.org/article/anp...
    ).

  • A circulação e posse de armas de fogo entre a população é reputada como um importante preditor da criminalidade violenta. Nesse quesito, a maioria dos estudos encontrou uma conexão positiva, ou seja, quanto mais armas, mais homicídios e roubos com armas de fogo, afastando a hipótese de uma autodefesa armada dos particulares reduzir os crimes violentos graves. Pelo contrário, as armas de fogo e munições legais são com frequência furtadas, roubadas ou revendidas ilegalmente. E mesmo nas mãos de cidadãos comuns, uma arma de fogo pode transformar uma briga ou rixa banal em um assassinato. Autodefesas contra roubos e agressões são muitas vezes ineficazes devido ao elemento surpresa utilizado pelos assaltantes, e a arma de fogo em um domicílio pode até torná-lo um alvo mais atrativo para roubos e furtos. Armas usadas em homicídios intencionais podem provir das aquisições individuais, como também das polícias, quarteis, empresas de segurança e transporte de valores, caçadores, clubes de tiro e até de contrabando do exterior. Há até mesmo oficinas clandestinas, onde armas de fogo são fabricadas ilegalmente (Teixeira et al., 2019Teixeira, P., Freire, F., Leitão, L., Martins, M.A. & Coelho, H. (2019) Polícia encontra 117 fuzis M-16 incompletos na casa de amigo do suspeito de atirar em Marielle e Anderson Gomes. G1 (Portal de Notícias). Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/03/12/policia-encontra-117-fuzis-m-16-na-casa-de-suspeito-de-atirar-em-marielle-e-anderson-gomes.ghtml>. Acesso 20 de ago. 2021.
    https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/n...
    ; Nascimento, 2021Nascimento, E. (2021) Dois homens são presos em laboratório de fabricação de armas caseiras em Manaus. G1 (Portal de Notícias). Disponível em:<https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/08/24/dois-homens-sao-presos-em-laboratorio-de-fabricacao-de-armas-caseiras-em-manaus.ghtml>. Acesso em: 20 de set. 2021.
    https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia...
    ). Independente da origem, armas de fogo são “tecnologias da violência”, servindo de elemento facilitador dos homicídios intencionais (Hepburn & Hemenway, 2004Hepburn, L.M. & Hemenway, D. (2004). Firearm availability and homicide: a review of the literature. Aggression and Violent behavior, 9(4), pp. 417-440. DOI
    DOI...
    ; Currie, 1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
    DOI...
    ). A proporção de suicídios por arma de fogo numa região está associada à presença ou não delas nos domicílios e, por isso, tem sido o proxy mais habitual para medir a oferta e posse de armas de fogo numa região. Essa medida, entretanto, não informa quantas armas ou munições existem no domicílio, nem a potência delas, nem sobre as armas e munições das forças policiais e militares, empresas de segurança privada ou clubes de caça e de tiro, que também estão sujeitas a furtos, roubos e usos ilícitos etc., sendo uma alternativa, conhecida como índice Cook, à média entre os percentuais de suicídios e de homicídios cometidos por arma de fogo (Cook, 1979Cook, P.J. (1979) The effect of gun availability on robbery and robbery murder. Policy Studies Review Annual, 3, pp. 743-81.; Hepburn & Hemenway, 2004Hepburn, L.M. & Hemenway, D. (2004). Firearm availability and homicide: a review of the literature. Aggression and Violent behavior, 9(4), pp. 417-440. DOI
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    , p. 420; Hemenway et al., 2000).

  • O gasto estadual per capita na função orçamentária segurança pública, que é a soma das subfunções policiamento, informação-inteligência e defesa civil. Como se trata de uma classificação orçamentária funcional, estão excluídas despesas das secretarias de segurança pública em outras atividades, como a gestão prisional. O orçamento estadual empenhado na segurança pública serve aqui como proxy dos recursos alocados no policiamento e inteligência policial que foram estruturados de maneira predominante no período analisado, segundo estratégias de dissuasão criminal com raízes militares e punitivistas (Becker, 1968Becker, G. (1968) Crime and punishment: an economic approach. Journal of Political Economy, 72, pp. 1-54. Disponível em: <https://www.nber.org/system/files/chapters/c3625/c3625.pdf>. Acesso em: 17 de ago. 2021.
    https://www.nber.org/system/files/chapte...
    ; Wilson, 2013Wilson, J.Q. (2013) Thinking about crime. 3ª Edição. New York: Basic Books.; Becker & Kassouf, 2017Becker, K.L. & Kassouf, A.L. (2017) Uma análise do efeito dos gastos públicos em educação sobre a criminalidade no Brasil. Economia e Sociedade, 26(1), pp. 215-242. DOI
    DOI...
    ; Zanetic et al., 2016Zanetic, A., Manso, B.P., Natal, A.L. & Oliveira, T.R. (2016) Legitimidade da polícia: segurança pública para além da dissuasão. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 16(4), e148, 2016. DOI
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    ), sendo os programas de segurança pública orientados por outros modelos relativamente raros, apesar dos seus méritos técnicos (Kopittke & Ramos, 2021Kopittke, A.L.W. & Ramos, M.P. (2021) O que funciona e o que não funciona para reduzir homicídios no Brasil: uma revisão sistemática. Revista de Administração Pública, 55, pp. 414-437. DOI
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    ), e dependentes de fatores políticos locais e conjunturais específicos.

  • Os gastos estaduais e municipais per capita em previdência e assistência sociais, saúde e saneamento e educação e cultura foram usados para medir o financiamento do apoio social público, considerado um mecanismo mitigador dos processos de motivação e aprendizado violentos e fortalecedor da coesão social (Cullen, 1995Cullen, F.T. (1995) Social support as an organizing concept for criminology: presidential address to the Academy of Criminal Justice Sciences.Justice Quarterly, 11(4), pp. 527-559. DOI
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    ; Currie, 1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
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    ; 2015Currie, E. (2015) The market economy and crime. In F.T. Cullen & P. Wilcox (eds) The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, pp. 424-439.; Defronzo & Hannon, 1998Defronzo, J. & Hannon, L. (1998) Welfare assistance levels and homicide rates. Homicide Studies, 2(1), pp. 31-45. DOI
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    ; Worrall, 2009Worrall, J.L. (2009) Social support and homicide. Homicide Studies, 13(2), pp. 124-143, 2009. DOI
    DOI...
    ; Becker & Kassouf, 2017Becker, K.L. & Kassouf, A.L. (2017) Uma análise do efeito dos gastos públicos em educação sobre a criminalidade no Brasil. Economia e Sociedade, 26(1), pp. 215-242. DOI
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    ; Pratt & Godsey, 2003Pratt, T.C. & Godsey, T.W. (2003) Social support, inequality, and homicide: a cross-national test of an integrated theoretical model. Criminology, 41(3), pp. 611-644. DOI
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    ; Messner & Rosenfeld, 1997Messner, S.F. & Rosenfeld, R. (1997) Political restraint of the market and levels of criminal homicide: A cross-national application of institutional-anomie theory. Social Forces, 75(4), pp.1393-1416. DOI
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    ).

As variáveis relativas a gastos públicos foram atualizadas por meio do índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo como base março de 2023. No Quadro 1, as variáveis:

Quadro 1
Descrição das variáveis (Estados e Distrito Federal)

Dados dos anos censitários foram imputados pela média estocástica2 2 Média estocástica é um número aleatório sorteado de uma distribuição normal com média e desvio-padrão dos dados observados. entre o ano anterior e o posterior, enquanto os dados do desemprego entre 1980 e 1991 foram imputados pela média estocástica dos dados estaduais entre 1992 e 2020. Estados criados depois de 1980 tinham apenas dados demográficos disponíveis, e por isso as demais variáveis foram imputadas por meio de regressão linear (PIB e despesas por função), e os demais com regressão estocástica3 3 O método de imputação por regressão estocástica sorteia, para cada dado faltante, um valor de uma distribuição normal com média igual ao valor predito e desvio-padrão igual ao desvio-padrão das diferenças entre os valores preditos e observados. a partir dos dados observados dos Estados dos quais se originaram Amapá com base no Pará, até 1984, Rondônia com base no Mato Grosso, até 1982, Roraima com base no Amazonas, até 1984, e Tocantins com base em Goiás, até 1989), mas mantiveram fortes correlações lineares ainda depois da separação, geralmente superiores a 80% e algumas a 99%. Na prática, apenas os dados imputados a Tocantins, de 1985 a 1988, entraram no modelo multivariado. Os métodos de imputação tiveram o objetivo de evitar a perda de observações e manter as características básicas das distribuições e tendências, sem reduzir as variâncias, nem inflar as correlações.

Começamos pelas medidas descritivas, e em seguida, modelos multivariados, usando o software GRETL, para estimar os efeitos de cada variável explicativa, mantendo o resto constante, segundo os métodos dos mínimos quadrados ordinários, efeitos fixos e efeitos aleatórios, usando erros-padrão robustos PCSE (Beck & Katz, 1995Beck, N. & Katz, J.N. (1995) What to do (and not to do) with time-series cross-section data. American Political Science Review, 89(3), pp. 634-647. DOI
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) para controlar a heterocedasticidade. A forma funcional log-log foi validada pelo RESET de Ramsey (ver Anexo 1). O teste FIV não detectou problemas graves de colinearidade, apesar de mostrar um problema moderado quanto ao PIB per capita (ver Anexo 2). Os modelos autorregressivos foram descartados devido a problemas de sobre ajuste. Devido aos resultados dos gastos públicos em segurança, adicionamos também modelos com despesas públicas defasadas no ano anterior.

IV. Resultados e discussão

O ajuste da taxa de homicídios intencionais resultou, em média, no aumento da taxa em 6 por 100 mil habitantes, ou 24,59% de aumento. Soares (2008)Soares, G.A.D. (2008) Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios. Rio de Janeiro: FGV. suspeitava que as mortes por intenção indeterminada são em sua maioria homicídios por ação policial, que são registrados dessa maneira pela ineficácia institucional do controle interno e externo da polícia e da investigação criminal, enquanto as mortes por causas mal definidas incluiriam várias causas naturais e violentas mal classificadas, incluindo assassinatos, seja por viés policial ou por precariedade dos serviços médicos e forenses. O método de ajuste que propomos foi relativamente cauteloso, pois faz uma redistribuição proporcional entre as categorias de homicídios, suicídios e acidentes dentro das mortes violentas com intenção indeterminada, sem viés “a favor” dos homicídios intencionais, como Soares (2008)Soares, G.A.D. (2008) Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios. Rio de Janeiro: FGV. sugeriu. O Quadro 2 descreve as variáveis utilizadas:

Quadro 2
Estatísticas Descritivas de variáveis socioeconômicas, sociodemográficas e de mortalidade dos Estados brasileiros

A Figura 1 é uma matriz de correlação entre as variáveis independentes. Notemos que as despesas públicas sociais são fortemente correlacionadas entre si, e a previdência/assistência, com o PIB per capita, reforçando a necessidade de somá-las, usando como um só indicador sintético de apoio social público, além de mostrarem uma moderada correlação negativa com o índice Gini de desigualdade de renda. A matriz também revela possibilidades de mediação causal, do PIB por habitante pelos gastos sociais e em segurança, e das despesas em educação e saúde pelo índice de desigualdade:

Figura 1
Matriz de correlações entre variáveis independentes

Nas análises multivariadas (Quadro 3), tiveram efeitos significativos e de acordo com a hipóteses, em todos os modelos: o desemprego, o acesso a armas de fogo e o gasto social público. O consumo de drogas teve resultado significativo e positivo, como esperado, exceto no modelo MQO, no qual foi não significativo. Tiveram efeito significativo, mas contrário às hipóteses: o gasto per capita em segurança pública, que foi positivo e significativo, exceto quando defasado. A proporção de homens jovens foi não significativa na maioria dos modelos, sendo negativa quando significativa, ao contrário do que era esperado. O índice Gini foi significativo, e no sentido esperado, apenas no modelo MQO, enquanto o PIB foi significativo e positivo em todos os modelos, corroborando a hipótese de que, à maior riqueza, mantendo o resto constante, corresponde maior taxa de homicídios intencionais, em razão do efeito de oportunidades criminais. Dentre as macrorregiões, o Sul foi o único com efeitos significativos em todos os modelos, com sinal negativo, assim como o Distrito Federal. O Norte e Nordeste, quando significativos, tiveram sinal positivo, enquanto o Sudeste foi negativo.

Quadro 3
Modelos de regressão múltipla em painel.Variável dependente: Taxa ajustada homicídios

O resultado contrário ao esperado, quando significativo, para a proporção de homens jovens e o gasto público em segurança e policiamento podem indicar possíveis efeitos perversos ou causalidade reversa. No caso da proporção de homens jovens, é provável que um Estado com taxas altas de homicídios de homens jovens, ao longo do tempo, apresente distorção da pirâmide etária em desfavor deste grupo na população, sem que isso impacte a taxa de homicídios intencionais, o que poderia ocorrer quando há uma redução “natural” do grupo, devido ao envelhecimento da população e redução da natalidade, no longo prazo.

Para o efeito positivo e significativo dos gastos em segurança sobre os homicídios, são possíveis quatro explicações complementares. A primeira é que a associação positiva e significativa seria produzida pela maior capacidade administrativa de produção policial de informações criminais, aumentando, assim, a taxa de homicídios pelo melhor registro de vítimas de mortes violentas (Soares, 2008, p. 136). Se a correção da variável dependente foi eficaz para eliminar este problema, ademais controlado indiretamente pela renda média, pode-se descartar ou considerá-la pouco relevante.

A segunda explicação é que o aumento do poderio bélico das polícias, aparelhadas com armas de guerra e treinamento militar para combater o crime, levaria ao crescimento da letalidade policial, do medo da polícia e desconfiança na justiça, vitimizando diretamente mais pessoas pela violência policial e minando a confiança nas instituições de justiça e segurança, o que pode exacerbar ainda mais os fatores contextuais da violência, estimulando a resolução violenta de conflitos interpessoais, em especial por esses excessos e abusos serem dirigidos, em proporção esmagadora, contra grupos que já são vulneráveis à violência por fatores socioeconômicos (Cano, 2006Cano, I. (2006) Políticas de segurança pública no Brasil: tentativas de modernização e democratização versus a guerra contra o crime. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos, 3(5), pp. 136-155.; Bittencourt, 2013Bittencourt, M.B. (2013) O paradigma penal-militar no sistema de justiça criminal. Em Tese, 10(1), pp. 93-113. DOI
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; Pinheiro, 1997Pinheiro, P.S. (1997) Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias. Tempo Social, 9, p. 43-52. DOI
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).

A terceira explicação é que o gasto em segurança pública é que acompanhou o nível de homicídios intencionais, como uma tentativa de resposta governamental repressiva à violência criminal, mas sem sucesso. Ou seja, mais policiais, aumentos salariais para a polícia, compra de mais equipamentos policiais etc., não teriam o efeito dissuasivo esperado contra a criminalidade violenta, mas não necessariamente a aumentariam, no curto prazo. Para testar essa hipótese, fizemos do gasto em segurança pública a variável dependente, a ser explicada pela taxa de homicídios do ano anterior, controlada pelo PIB per capita do mesmo ano. O resultado, na Figura 2, corroborou a hipótese de que os governadores respondem ao crescimento da violência criminal aumentando os gastos em segurança pública:

Figura 2
Efeito da taxa de homicídios do ano anterior (Taxa homicídios 1) e do PIB per capita do mesmo ano no gasto estadual per capita em segurança pública (Seg. pub. estadual)

No entanto, quando defasamos em um ano o gasto público nos modelos multivariados, tanto na função segurança pública quanto nas funções sociais (educação, saúde, previdência e assistência), os resultados são menos conclusivos. Os gastos sociais defasados mantiveram o sinal e significância, e as despesas defasadas em segurança perderam a significância no modelo MQO, mantendo-o nos modelos de efeitos aleatórios e fixos (Quadro 3). Assim, mesmo confirmando a hipótese da “reação orçamentária” dos governadores à escalada dos homicídios, a hipótese dos efeitos perversos letais diretos e indiretos da própria repressão policial não é inteiramente descartável, sendo claro que, na média, o gasto em segurança pública tem sido ineficiente no controle dos homicídios intencionais.

Assim, diante do crescimento das taxas de homicídios e de outros crimes violentos, os governadores respondem aumentando o gasto em segurança pública, recrutando mais policiais, investindo em equipamentos etc. No entanto, isso não tem resultado em redução da violência criminal. é possível que os recursos de um efetivo policial maior, mais bem pago ou mais equipado não sejam canalizados de maneira eficiente e eficaz para o controle dos homicídios intencionais contra as principais vítimas (jovens, pobres, de baixa escolaridade e negros), ou que os possíveis efeitos dissuasivos do incremento dos recursos para a segurança pública sejam compensados ou até superados pelo incremento da letalidade policial no sentido contrário. De toda maneira, aumentos no orçamento da segurança pública não têm levado à redução dos homicídios intencionais.

O conceito da dissuasão criminal, que predomina nas políticas de segurança pública no Brasil, no período analisado (Zanetic et al., 2016Zanetic, A., Manso, B.P., Natal, A.L. & Oliveira, T.R. (2016) Legitimidade da polícia: segurança pública para além da dissuasão. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 16(4), e148, 2016. DOI
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), não permite compreender que os estratos dominantes podem se segregar voluntariamente, protegidos por aparelhos públicos e privados de segurança, e cultivar uma atitude dupla: de negociação e civilidade entre os pares, e de autoritarismo e indiferença com o restante da população. O “processo civilizador”, então, ficaria restrito aos reduzidos círculos de privilegiados e poderosos, autossegregados nos enclaves fortificados particulares, muito capazes de dialogar entre si, mas excluindo as demais classes de qualquer respeito e consideração, e inclusive do direito à vida (Caldeira, 2000Caldeira, T.P.R. (2000) Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34.). é o que Cusson (2000) chamou à atenção quando escreveu que o efeito “civilizador” da formação do Estado moderno leva à redução da violência, principalmente, entre grupos proprietários e dominantes, primeiros beneficiários da administração legal de conflitos, não explicando as trajetórias das violências domésticas, nem entre classes baixas, o que o torna cego à “marginalização do homicídio”, no sentido de se tornar menos legitimado e mais repudiado entre as classes médias e altas, mas não quando cometidos contra grupos moral e economicamente marginalizados.

Aplicando tal raciocínio às nossas evidências, o incremento de recursos na segurança pública pode levar a maior segurança subjetiva e objetiva para a vida e propriedades dos mais ricos, que se sentem ameaçados pelo aumento da criminalidade violenta, mas sem impactar significativamente a violência contra os pobres, as principais vítimas dos homicídios, e também os tradicionais alvos da repressão policial e penal. Tal processo é a consequência prática de políticas públicas de segurança baseadas quase exclusivamente no policiamento repressivo, especialmente nas sociedades fortemente desiguais e excludentes. Pode-se dizer, por conseguinte, que o paradigma tradicional e dominante na segurança pública no Brasil está intimamente ligado ao próprio contexto social que produz a vulnerabilidade social e a violência.

As políticas públicas alternativas, e que exibem alguma efetividade para o controle da violência, baseiam-se em alterações qualitativas da governança, gestão e controle da ação policial, bem como na sua focalização e complementação por ações de prevenção social e situacional, e não apenas em aumentos de gastos em segurança pública (Kopittke & Ramos, 2021Kopittke, A.L.W. & Ramos, M.P. (2021) O que funciona e o que não funciona para reduzir homicídios no Brasil: uma revisão sistemática. Revista de Administração Pública, 55, pp. 414-437. DOI
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). A expansão quantitativa do orçamento público do policiamento, muitas vezes, pode apenas entregar “mais do mesmo”, sem resultar em ganhos de qualidade no controle social da violência criminal. Ademais, deve-se considerar que a formulação, adoção, implementação e continuidade de tais programas governamentais dependem de fatores políticos que não estão explicitamente incluídos nos modelos: ciclos eleitorais, coalizões, lideranças, circulação de ideias, apoio popular etc. Estas mudanças qualitativas na segurança pública podem estar associadas a peculiaridades conjunturais, locais ou regionais.

Já para as despesas estaduais e municipais em saúde, educação e assistência ou previdência, os efeitos observados corresponderam ao esperado: exibiram sinais negativos e significativos, ou seja, dado o aumento percentual da despesa, constatou-se a redução percentual dos homicídios intencionais, mantendo o resto constante. O mecanismo que liga a despesa social pública à redução da criminalidade violenta é o apoio social (Cullen, 1995Cullen, F.T. (1995) Social support as an organizing concept for criminology: presidential address to the Academy of Criminal Justice Sciences.Justice Quarterly, 11(4), pp. 527-559. DOI
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), que teria a propriedade de atuar tanto na compensação ou alívio das fontes da motivação criminal quanto de fortalecer a coesão social. O período sob análise foi marcado pela construção do Sistema único de Saúde, dos Planos Nacionais de Educação e do Fundeb, do Sistema único de Assistência Social, processos institucionais que foram liderados pelo governo federal, mas contaram com um esforço de coordenação e descentralização que envolveu os Estados e os Municípios. Dessa maneira, constatamos que as políticas públicas sociais formam uma organização institucionalizada e coordenada nos parâmetros do federalismo brasileiro (Souza, 2018Souza, C. (2018) Coordenação de políticas públicas. Brasília: ENAP.; Hochman, Arretche & Marques, 2007Hochman, G., Arretche, M. & Marques, E. (2007) Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: SciELO-Editora FIOCRUZ.). Constata-se uma divergência entre os processos de políticas públicas associados às áreas sociais (educação, saúde e assistência social), de um lado, e à segurança pública e justiça criminal, de outro. Nessa última, a aposta mais consistente foi na manutenção do modelo tradicional de policiamento militarizado e inquisitorial, no endurecimento penal, com tipos penais indefinidos, penas de prisão mais longas e flexibilização de garantias individuais, e uso da força policial ostensiva, implicando letalidade policial e encarceramento em massa por prisões em flagrante, principalmente sob a gestão dos governos estaduais, com uma participação secundária da União e dos Municípios (Bittencourt, 2013Bittencourt, M.B. (2013) O paradigma penal-militar no sistema de justiça criminal. Em Tese, 10(1), pp. 93-113. DOI
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; Campos, 2014Campos, M.S. (2014) Crime e Congresso Nacional: uma análise da política criminal aprovada de 1989 a 2006. Revista Brasileira de Ciência Política, 15, pp. 315-347. DOI
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, Azevedo & Cifali, 2015Azevedo, R.G. & Cifali, A.C. (2015) Política criminal e encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma: elementos para um balanço de uma experiência de governo pós-neoliberal. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, pp. 105-127. DOI
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, Zanetic et al., 2016Zanetic, A., Manso, B.P., Natal, A.L. & Oliveira, T.R. (2016) Legitimidade da polícia: segurança pública para além da dissuasão. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 16(4), e148, 2016. DOI
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).

O contraste entre os efeitos da segurança pública e das políticas sociais sobre a taxa de homicídios pode ser atribuída a uma atuação preventiva, coordenação federativa mais arrojada, além da priorização dos mais vulneráveis, especialmente pelas políticas de assistência social, e das crianças e jovens, pelas políticas de educação pública. Deve-se considerar, ainda, que a educação, a saúde, a previdência e a assistência social públicas não possuem como objetivo a redução da criminalidade violenta: esses efeitos são benefícios secundários, que não estavam entre as metas dos programas, cujos focos primordiais eram a garantia de direitos sociais constitucionais, a capacitação da população e a redução da vulnerabilidade socioeconômica entre diversas categorias, como idosos, crianças, desempregados, acidentados ou enfermos, pessoas com deficiência, famílias de baixíssima renda etc. Pode-se considerar, por isso, que em parte as despesas públicas sociais lograram fortalecer o apoio social público e comunitário, mediante a provisão direta ou indireta de serviços e renda, em alguma medida obtendo efeitos de desmercantilização da força de trabalho, mitigando as fontes das disposições e vulnerabilidades sociais à violência, ao capacitar e amparar segmentos socioeconômicos que não só dependem de um emprego para viver, mas que acabam, muitas vezes, ocupando apenas as franjas menos valorizadas do mercado de trabalho e dos territórios urbanos, sendo, assim, muitas vezes excluídas da proteção social ligada ao emprego formal ou residência em localidades valorizadas, e alvos do recrutamento por grupos criminais (Cullen, 1995Cullen, F.T. (1995) Social support as an organizing concept for criminology: presidential address to the Academy of Criminal Justice Sciences.Justice Quarterly, 11(4), pp. 527-559. DOI
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; Currie, 1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
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; 2015Currie, E. (2015) The market economy and crime. In F.T. Cullen & P. Wilcox (eds) The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, pp. 424-439., Messner & Rosenfeld, 1997Messner, S.F. & Rosenfeld, R. (1997) Political restraint of the market and levels of criminal homicide: A cross-national application of institutional-anomie theory. Social Forces, 75(4), pp.1393-1416. DOI
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; Cullen, 1995Cullen, F.T. (1995) Social support as an organizing concept for criminology: presidential address to the Academy of Criminal Justice Sciences.Justice Quarterly, 11(4), pp. 527-559. DOI
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; Defronzo & Hannon, 1998Defronzo, J. & Hannon, L. (1998) Welfare assistance levels and homicide rates. Homicide Studies, 2(1), pp. 31-45. DOI
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; Becker & Kassouf, 2017Becker, K.L. & Kassouf, A.L. (2017) Uma análise do efeito dos gastos públicos em educação sobre a criminalidade no Brasil. Economia e Sociedade, 26(1), pp. 215-242. DOI
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; Pratt & Godsey, 2003Pratt, T.C. & Godsey, T.W. (2003) Social support, inequality, and homicide: a cross-national test of an integrated theoretical model. Criminology, 41(3), pp. 611-644. DOI
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; Schabbach, 2008Schabbach, L.M. (2008) Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil. Sociologias, 10(20), pp. 48-71. DOI
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).

Se as políticas públicas sociais podem reduzir a violência criminal por meio da compensação ou controle de uma vulnerabilidade social gerada pelo mercado de trabalho, é de se esperar que o grau de concorrência e de ansiedade econômica entre trabalhadores, em razão do desemprego percebido ou experimentado direta ou indiretamente, seja proporcional à prevalência de crimes letais intencionais. Isso é corroborado pelas evidências. O emprego reduz o tempo disponível para a prática de crimes (exceto os associados à ocupação), e aumenta o seu custo de oportunidade, pois a captura e condenação levará à perda tanto da liberdade quanto da renda e dos direitos associados ao trabalho. Como mecanismo de acirramento da competição entre trabalhadores, o desemprego contribui para reduzir o poder de barganha dos empregados, induzindo o achatamento de salários e piora das condições laborais, o que pode tornar o trabalho menos atrativo em comparação com atividades nos mercados ilícitos que são mais lucrativas, mas expõem à violência. Dessa maneira, a percepção de um desemprego massivo, bem como a experiência direta ou indireta do desemprego frequente ou prolongado, terá impactos dramáticos na renda e na autoestima, induzindo à difusão de sentimentos de ansiedade e desesperança socioeconômicas, tanto para o indivíduo quanto para as pessoas próximas (familiares, amigos, vizinhos etc.). Esses efeitos serão mais intensos para os trabalhadores menos demandados, ou seja, os menos escolarizados, com menos experiência e contatos profissionais e alvos de discriminação (racial, religiosa, territorial etc.). A associação entre taxas de desemprego e de homicídios intencionais é consistente com os padrões de vitimização e encarceramento, indicando a ligação entre as vulnerabilidades econômica e à violência (Guimarães, 2011Guimarães, R. (2011) O papel do desemprego nas altas taxas de homicídio entre os jovens no Brasil metropolitano. Justiça e Cidadania, 3(6), pp. 183-204. Disponível em: <http://geni.uff.br/wp-content/uploads/sites/357/2021/02/2011_Dirk_Seguranca-Justica-e-Cidadania_Homicidios-Dolosos-Rio-de-Janeiro.pdf#page=185>. Acesso em: 27 de out. 2021
http://geni.uff.br/wp-content/uploads/si...
; Moura & Cerqueira, 2019Cerqueira, D. & Moura, R.L. (2019) Oportunidades laborais, educacionais e homicídios no Brasil. Texto para Discussão IPEA no 2514. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10419/211463>. Acesso em: 9 de nov. 2020.
http://hdl.handle.net/10419/211463...
; Santos & Kassouf, 2007Santos, M.J. & Kassouf, A.L. (2007) Uma investigação econômica da influência do mercado de drogas ilícitas sobre a criminalidade brasileira. Economia, 8(2), pp. 187-210. Disponível em: <https://econpapers.repec.org/article/anpeconom/v_3a8_3ay_3a2007_3ai_3a2_3ap_3a187-210.htm>. Acesso em: 17 de ago. 2021.
https://econpapers.repec.org/article/anp...
; Pimenta, 2014Pimenta, M.M. (2014) Violência e vulnerabilidade social. In: J.V.T. dos Santos & L.M. Madeira. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, pp. 217-248.; Schabbach, 2008Schabbach, L.M. (2008) Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil. Sociologias, 10(20), pp. 48-71. DOI
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).

Os efeitos do desemprego e dos gastos sociais sobre os homicídios intencionais, porém, contrastam com a não significância da distribuição de renda, medida pelo índice Gini (exceto no modelo MQO), o que também contraria achados em outros estudos (Resente & Andrade, 2011; Blau & Blau, 1982Blau, J.R. & Blau, P.M. (1982) The cost of inequality: metropolitan structure and violent crime. American Sociological Review, 47, pp. 114-129. Disponível em: <http://users.soc.umn.edu/~uggen/Blau_ASR_82.pdf>. Acesso em: 31 de out. 2023.
http://users.soc.umn.edu/~uggen/Blau_ASR...
), e a própria ideia de que a privação relativa, entendida como sentimento negativo decorrente da comparação da própria situação com a do topo da pirâmide social, seja um motivador das violências criminais (Currie, 1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
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; 2015Currie, E. (2015) The market economy and crime. In F.T. Cullen & P. Wilcox (eds) The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, pp. 424-439.; Agnew, 1992Agnew, R. (1992) Foundation for a general strain theory of crime and delinquency. Criminology, 30(1), pp. 47-88. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.1992.tb01093.x>. Acesso em: 27 de out. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
). à respeito desta última, como já dito, não é possível tirar tal conclusão, tendo em vista que não é consistente com outros estudos, qualitativos ou quantitativos. Mas é possível dizer que os efeitos da desigualdade de renda sejam restringidos pelo próprio indicador: trata-se de uma distância relativa entre a renda monetária familiar, correspondente, por isso, a uma diferenciação da capacidade de consumo individual. Mas o padrão de consumo e sucesso almejado não é necessariamente o da elite econômica local, com a qual, muitas vezes, os pobres possuem pouco contato direto, por causa da auto segregação dos ricos. O padrão de comparação pode muito bem ser aquele que é vendido pela publicidade comercial. Tanto o desemprego quanto os gastos sociais médios, com efeitos positivos e negativos sobre os homicídios, respectivamente, possuem correlação moderada com a taxa de homicídios, presumivelmente no sentido do desemprego e dos gastos sociais sobre a desigualdade de renda, além de indicarem fatores de inclusão e exclusão institucional, mais amplos, por isso, que a renda individual. Por fim, podemos ressaltar que a variação da desigualdade foi baixa, o que podemos constatar dividindo o desvio-padrão pela média, e que o efeito da privação relativa assuma formas diferentes em função de outras variáveis.

A ligação da violência criminal com a juventude e a masculinidade (Pimenta, 2014Pimenta, M.M. (2014) Violência e vulnerabilidade social. In: J.V.T. dos Santos & L.M. Madeira. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, pp. 217-248.; Manetta & Alves, 2018Manetta, A. & Alves, J.E.D. (2018) A validade da explicação demográfica para a tendência recente do homicídio de homens jovens em quatro regiões metropolitanas brasileiras (2002-2012).Ideias, 9(1), pp. 193-220, 2018. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8652691>. Acesso em 27 de out. 2021.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
) sugeriria que o aumento percentual da proporção de homens jovens na população induziria ao crescimento das taxas de homicídio intencional, mas o resultado foi contrário ou não significativos: não verificamos que a proporção dos homens jovens na população aumente os crimes letais intencionais. Alguns modelos mostraram o contrário: quanto menor a proporção, mantendo o resto constante, maior a taxa de homicídios. é possível que tal se dê em função de as altas taxas de homicídios sobre esse grupo deformarem a pirâmide demográfica ao longo do tempo, devido às grandes taxas de mortes violentas (incluindo suicídios e acidentes), e que a prevalência de motivações e ausência de controles da violência não sejam constantes entre homens de 15 a 29 anos, ou seja, que não são redutíveis à juventude em sentido psicobiológico, e sim que as características próprias da idade e do gênero em questão sejam ativadas ou refreadas pelo contexto institucional e socioeconômico mais ou menos propício à criminalidade violenta (Pimenta, 2014Pimenta, M.M. (2014) Violência e vulnerabilidade social. In: J.V.T. dos Santos & L.M. Madeira. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, pp. 217-248.).

Conforme Goldstein (1985) e Sapori (2020), o nexo entre drogas e violência se dá tanto pelos efeitos psicossociais do consumo, que favorecem, a depender da substância, do consumidor e da situação de uso, as violências interpessoais, ou a compulsão psicofísica que motiva o usuário a praticar crimes contra o patrimônio para adquirir as drogas, quanto ao próprio comércio ilegal de drogas. O último é o mais complexo, pois está ligado tanto à ausência de mediação judicial e legal, quanto à própria repressão policial, produzindo violências cometidas e sofridas por traficantes, usuários e policiais. No tráfico, a violência armada é instrumental para o controle territorial e hierárquico da venda de drogas, além de intimidar ou eliminar competidores, devedores e delatores, servindo para impor um monopólio forçado do comércio, o que contribui para a maior lucratividade. Já policiais podem ser incentivados organizacional ou situacionalmente a usar a violência contra usuários e traficantes para suprimir o tráfico de drogas, ou usar o seu poder para extorqui-los. Em ambos os casos, os policiais podem enfrentar resistência armada ou vingança dos traficantes, tornando-se também vítimas da “guerra às drogas”. Na medida em que jovens pobres aderem a gangues de traficantes tanto para obter renda quanto para adquirir prestígio local, proteção ou se vingar de membros das gangues rivais, e que policiais podem agir por vingança ou ódio, os motivos “instrumentais” e “expressivos” da violência ligada às drogas ilícitas facilmente se sobrepõem e reforçam mutuamente, especialmente em contextos socialmente excludentes (Sapori, 2020Sapori, L.F. (2020) Mercado das drogas ilícitas e homicídios no Brasil: Um estudo comparativo das cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL). Dados, 63(4), e20180191. DOI
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; Misse, 2007Misse, M. (2007) Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro. Estudos Avançados, 21(61), pp. 139-157. DOI
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).

O efeito da renda média sobre os homicídios intencionais vai no mesmo sentido: a maior riqueza regional e local implica na maior disponibilidade de bens e dinheiro, que podem ser extraídos da economia formal local por meio da ilegalidade e da violência. Com maior prosperidade, os negócios ilícitos também são mais lucrativos. Mercados de drogas ilícitas, armas de fogo, contrabando, produtos roubados, extorsão ou corrupção podem se beneficiar de uma economia local mais próspera, com um mercado consumidor maior, o que também, indiretamente, contribui para despertar a cobiça e motivar a “pilhagem” dos bens e a disputa armada pelo controle da oferta de produtos ilegais (Cusson, 2008). Se o contraste entre riqueza e exclusão muitas vezes é associado à violência criminal, é porque ambas lhes dão condições propícias, sendo o efeito maior quando estão juntas no mesmo contexto.

A análise empírica também corrobora a ideia de que a difusão das armas de fogo pode favorecer uma dinâmica situacional de violência, na medida em que encoraja o sentimento de poder do possuidor, o que pode levar os desentendimentos banais a resultarem em homicídios por impulso ou retaliação. Além disso, a profusão de armas de fogo e munições facilita a sua aquisição por grupos violentos, que fazem um uso instrumental da violência armada, por exemplo, em roubos, extorsão ou controle territorial de negócios ilícitos. O impacto do consumo de drogas ilícitas caminha no mesmo sentido: o tráfico de drogas ilícitas é uma alternativa atraente de renda ilícita, pois propicia retornos rápidos e alta margem de lucro, sem exigir diplomas e experiência prévia, e ao mesmo tempo algumas drogas, como álcool e cocaína/crack, podem se ligar a dinâmicas situacionais que favorecem as violências expressivas e impulsivas (Hemenway et al., 2000). A conexão entre armas de fogo e homicídios intencionais é um dos mecanismos causais que, segundo Currie (1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
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; 2015Currie, E. (2015) The market economy and crime. In F.T. Cullen & P. Wilcox (eds) The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, pp. 424-439.), tornam mais violentas as “sociedades de mercado”: a liberalização do comércio das tecnologias da violência.

Os efeitos permanentes das macrorregiões variaram entre os modelos. Apenas a macrorregião Sul e o Distrito Federal foram significativos em todos os modelos em que foram incluídas, com sinais negativos. As macrorregiões Norte e Nordeste, quando significativas, tiveram efeito positivo. São consideradas, em comparação com as regiões Sul e Sudeste, menos “desenvolvidas”, em especial o Nordeste, enquanto o Norte, assim como o Centro-Oeste (que serviu de referência), é considerado zona de expansão agrícola ou extrativista, e contém fronteiras com os países andinos (Colômbia, Peru, Bolívia e Paraguai), considerados grandes produtores e exportadores de cocaína (Couto & Oliveira, 2017Couto, A.C. & Oliveira, I.S. (2017) A geografia do narcotráfico na Amazônia. Geographia Opportuno Tempore, 3(1), pp. 52-64. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/Geographia/article/view/31774>. Acesso em: 27 de out. 2021.
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php...
; Jorge, 2018Jorge, M.A. (2018). O mistério da região nordeste: o crescimento da taxa de homicídios no século XXI. Revista Paranaense de Desenvolvimento, 39(134), pp. 55-75. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6547954>. Acesso em: 30 de ago. 2021.
https://dialnet.unirioja.es/servlet/arti...
).

V. Considerações finais

Neste artigo, apresentamos uma análise dos determinantes sociais dos homicídios intencionais nos Estados e Distrito Federal do Brasil, entre os anos de 1985 e 2019, com destaque para os efeitos das despesas públicas em segurança pública e nas áreas de educação, saúde e assistência social. Adotamos algumas categorias como centrais, traduzidas em hipóteses causais ceteris paribus. A primeira, derivada dos argumentos da tradição da dissuasão criminal (Becker, 1968Becker, G. (1968) Crime and punishment: an economic approach. Journal of Political Economy, 72, pp. 1-54. Disponível em: <https://www.nber.org/system/files/chapters/c3625/c3625.pdf>. Acesso em: 17 de ago. 2021.
https://www.nber.org/system/files/chapte...
; Wilson, 2013Wilson, J.Q. (2013) Thinking about crime. 3ª Edição. New York: Basic Books.), foi que a incidência de crimes letais intencionais é inversamente proporcional à despesa em segurança pública per capita, pois o incremento dos recursos no policiamento e inteligência policial, mediante um efetivo policial maior, melhor equipado ou remunerado, teria como efeito aumentar a chance e a rapidez da prisão dos autores de crimes violentos, impedindo-os de cometer outros crimes e intimidando outros possíveis criminosos.

Os resultados, porém, apontam que o aumento do orçamento em segurança pública não resultou na pretendida dissuasão policial dos crimes violentos. Na verdade, observou-se o oposto: maior despesa em segurança associada a maiores taxas de homicídios. Talvez porque o gasto em policiamento e inteligência policial não tem sido eficiente, e por isso não se traduziu, na prática, em maior chance e rapidez da punição aos crimes violentos. Ainda assim, alocar mais recursos no policiamento tem sido a principal resposta vislumbrada pelos agentes políticos. Os governos estaduais aumentam o gasto no policiamento quando aumentam os crimes violentos, mas isso não leva à queda dos homicídios intencionais. Estaríamos diante da “dissuasão incompetente”, pois as políticas de segurança pública, no Brasil, foram, tradicional e predominantemente, guiadas e modeladas por uma visão dissuasiva, pela qual a força e repressão ostensivas são o único meio eficiente de controlar a criminalidade, o que levou ao uso massivo das prisões em flagrante e confrontos armados, às vezes contra crimes sem vítimas ou sem violência, como o microtráfico ou os furtos (Zanetic et al., 2016Zanetic, A., Manso, B.P., Natal, A.L. & Oliveira, T.R. (2016) Legitimidade da polícia: segurança pública para além da dissuasão. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 16(4), e148, 2016. DOI
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). Mas essas não são as únicas possibilidades de ação policial. Por exemplo, as políticas de controle de armas de fogo, um dos fatores associados aos homicídios intencionais, têm nas polícias agentes fundamentais, principalmente no combate à posse e porte ilegais e ao contrabando de armas e munições. No entanto, embora existam exemplos de políticas públicas de segurança efetivas para reduzir os homicídios intencionais (Kopittke & Ramos, 2021Kopittke, A.L.W. & Ramos, M.P. (2021) O que funciona e o que não funciona para reduzir homicídios no Brasil: uma revisão sistemática. Revista de Administração Pública, 55, pp. 414-437. DOI
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), esses tipos de programas não prevaleceram politicamente, apesar dos seus méritos técnicos, e por isso foram a exceção, e não a regra, na maneira como o orçamento de segurança pública tem sido utilizado. As causas da variação conjuntural da qualidade do gasto em segurança pública, não abordadas aqui, poderiam ser aprofundadas em futuros estudos.

Por outro lado, nossos resultados atestaram a relevância de fatores relativos ao custo de oportunidade do crime, à facilidade para cometê-lo e ao benefício auferido, independente do risco de punição. Os efeitos, porém, não são redutíveis ao cálculo subjetivo de utilidade individual. O desemprego reduz o custo de oportunidade do crime e aumenta o tempo disponível para cometê-lo, fatores que podem ser intensificados pela concentração socioterritorial da desocupação, facilitando a associação entre jovens desalentados para praticar crimes. Mas o desemprego também está ligado ao incremento da ansiedade socioeconômica e prejuízo à estima social, impactando tanto indivíduo quanto a família e até a vizinhança (redução do consumo no comércio local, percepção do desemprego entre vizinhos e amigos etc.), o que pode influir até mesmo na prática de crimes violentos expressivos e emocionais, que não tem fins aquisitivos, mas podem ser favorecidos pela situação socioeconômica de autores e vítimas.

As armas de fogo são instrumentos mais eficazes para o crime violento, e de fato a causa eficiente da morte na maioria dos homicídios intencionais, podendo ser empregadas tanto nos crimes instrumentais quanto nos expressivos, tanto nos premeditados quanto nos impulsivos. A renda per capita implica em oportunidades mais amplas para diversos crimes aquisitivos, do roubo e extorsão à venda de mercadorias ilícitas, enquanto a prevalência do uso compulsivo de drogas ilícitas significa um mercado consumidor cativo para os traficantes de drogas. Nos mercados ilícitos, a violência armada é usada como meio para a extração de renda (roubo e extorsão) e para a imposição do controle hierárquico e territorial das atividades ilegais lucrativas, como no assassinato de concorrentes, devedores e testemunhas, assim como pela própria repressão policial ao tráfico e uso de drogas ilícitas, mas formam também um contexto no qual os atores envolvidos usam ou sofrem violências armadas por outros motivos, como vingança, rixas, ciúmes etc. (Sapori, 2020Sapori, L.F. (2020) Mercado das drogas ilícitas e homicídios no Brasil: Um estudo comparativo das cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL). Dados, 63(4), e20180191. DOI
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).

Enfim, o efeito preventivo dos gastos sociais poderia ser associado tanto a um aumento do custo de oportunidade do crime, tendo em vista que, em caso de prisão, o indivíduo terá o acesso aos serviços públicos parcialmente prejudicado pela situação prisional, quanto pelas consequências sociais mais amplas das políticas públicas de educação e cultura, saúde e saneamento e assistência e previdência social: a redução da ansiedade socioeconômica das famílias beneficiárias e a ampliação do apoio social, tanto diretamente (os próprios serviços prestados e rendas transferidas), quanto indiretamente (construção de capacidades individuais e familiares), exprimindo uma forma institucionalizada de solidariedade social e reduzindo a exclusão socioeconômica (Cullen, 1995Cullen, F.T. (1995) Social support as an organizing concept for criminology: presidential address to the Academy of Criminal Justice Sciences.Justice Quarterly, 11(4), pp. 527-559. DOI
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; Currie, 1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
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; 2015Currie, E. (2015) The market economy and crime. In F.T. Cullen & P. Wilcox (eds) The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, pp. 424-439.; Schabbach, 2008Schabbach, L.M. (2008) Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil. Sociologias, 10(20), pp. 48-71. DOI
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).

Essas evidências e argumentos vão ao encontro das discussões mais recentes (em termos de décadas) sobre as teorias situacionais e disposicionais da violência, mediante categorias como tensão/apoio social (Agnew, 1992Agnew, R. (1992) Foundation for a general strain theory of crime and delinquency. Criminology, 30(1), pp. 47-88. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.1992.tb01093.x>. Acesso em: 27 de out. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
; 2016Agnew, R. (2016) Strain, economic status, and crime. In: A. Piquero (ed) The handbook of criminological theory. Chichester: Wiley & Sons; pp. 209-229.; Cullen, 1994), desorganização/ coesão social (Lynch & Boggess, 2016Lynch, M.J. & Boggess, L.N. (2016) A radical grounding for social disorganization theory: a political economic investigation of the causes of poverty, inequality and crime in urban areas.Radical Criminology, (6), pp. 11-69. Disponível em: <http://journal.radicalcriminology.org/index.php/rc/article/view/52/html>. Acesso em: 21de set. 2021.
http://journal.radicalcriminology.org/in...
; Eisner, 2014Eisner, M. (2014) From swords to words: does macro-level change in self-control predict long-term variation in levels of homicide? Crime and Justice, 43(1), pp. 65-134. DOI
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), ligando formas de exclusão social e desigualdade econômica à vulnerabilidade, à violência (Schabbach, 2008Schabbach, L.M. (2008) Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil. Sociologias, 10(20), pp. 48-71. DOI
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; Pimenta, 2014Pimenta, M.M. (2014) Violência e vulnerabilidade social. In: J.V.T. dos Santos & L.M. Madeira. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, pp. 217-248.; Currie, 1997Currie, E. (1997) Market, crime and community: toward a mid-range theory of post-industrial violence. Theoretical Criminology, 1(2), pp. 147-172. DOI: 10.1177/13624806970010020
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; 2015Currie, E. (2015) The market economy and crime. In F.T. Cullen & P. Wilcox (eds) The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, pp. 424-439.), e à difusão da violência pelos mercados de drogas (Goldstein, 1985Goldstein, P.J. (1985) The drugs/violence nexus: a tripartite conceptual framework. Journal of Drug Issues, 15(4), pp. 493-506. DOI
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), inclusive com motivações outras que o controle do negócio ilícito (Sapori, 2020Sapori, L.F. (2020) Mercado das drogas ilícitas e homicídios no Brasil: Um estudo comparativo das cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL). Dados, 63(4), e20180191. DOI
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).

Enfim, o resultado inesperado deste estudo foi o efeito positivo e significativo, no curto prazo, dos gastos estaduais per capita em segurança pública sobre a taxa de homicídios intencionais. As evidências indicam que os governos estaduais aumentam o orçamento da segurança em função do PIB per capita e das taxas de homicídios dos anos anteriores, mas isso não tem contribuído para reduções significativas dos crimes letais intencionais. é possível, até mesmo, que em alguma medida e certas condições, os efeitos podem ser perversos, no sentido de aumento da letalidade policial e desconfiança popular nas polícias e na justiça. De toda maneira, este resultado contrasta com a constatação de programas efetivos de controle de homicídios intencionais (Kopittke & Ramos, 2021Kopittke, A.L.W. & Ramos, M.P. (2021) O que funciona e o que não funciona para reduzir homicídios no Brasil: uma revisão sistemática. Revista de Administração Pública, 55, pp. 414-437. DOI
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). Não temos elementos para explicar estes paradoxos, cuja resolução exige novos estudos sobre os determinantes da qualidade dos gastos públicos no policiamento.

Research context

For over four decades, Brazil has grappled with persistently high rates of homicides and other deliberate violent crimes stemming from interpersonal conflicts, police violence, illicit markets, and organized crime, disproportionately impacting disadvantaged communities, particularly those of Afro-Brazilian descent. Despite increased investments in public security, aggressions and lethal clashes persist. This study analyzes the impact of socioeconomic factors and public expenditure on public security, health, education, and social assistance on intentional homicides. According to the concept of criminal deterrence, prevalent in public security policies in Brazil, the reduction of crime rates hinges on the repressive effectiveness of law enforcement insofar as potential offenders evaluate the risk and swiftness of arrest before acting out on a criminal behavior. On the other hand, dispositional theories posit that socioeconomic exclusion and anxiety play pivotal roles in explaining violent crime insofar as these factors activate mechanisms that fuel violence, such as social tension, while eroding protective mechanisms, such as social cohesion. In this light, public social policies become essential for the social control of violence, as they not only provide social support but also mitigate underlying factors associated with violent behavior, such as unemployment and economic inequality. Taking an intermediate stance, situational theories underscore immediate criminal opportunities and the disputes within illicit markets as explanatory mechanisms for violence.

Existing knowledge and evidence

While studies exploring the impact of public spending on intentional homicides are relatively abundant in Europe and North America, such research remains scarce within the Brazilian context. Existing analyses have often centered on the effects of specific issues, such as variations in police force size or imprisonment rates. These investigations can be broadly categorized into qualitative studies that delve into the intricate context, meanings, and practices associated with violence, crime, punishment, and policing, and quantitative studies that examine sociodemographic and socioeconomic factors correlated with lethal victimization.

Added value of the study

For this study, we utilized multivariate log-linear regression models employing panel data—comprising stacked, fixed, and random effects. The dependent variable was the intentional homicide rate, corrected for underreporting. The dataset encompasses the years spanning from 1985 to 2019 and includes all Brazilian states. Our findings substantiate the hypotheses favoring the efficacy of public social support, the impact of unemployment, the presence of drugs and weapons, but revealed opposing or insignificant effects concerning law enforcement and the average income of the population, and inconclusive effects regarding income inequality. As such, it appears that a combination of situational and dispositional mechanisms offers the most promising explanation for the rate of violent and lethal crimes. Our study underscores the feasibility and significance of public policies geared towards education, healthcare, social assistance, employment generation, treatment and prevention of the use of psychoactive substances, as well as controlling the availability of firearms in reducing criminal violence. In turn, heightened investment in policing proved proved ineffective as a responsive measure to curtail violent crime, revealing the inefficacy of the prevailing security policies in Brazil.

Research implications

Reactive and unilateral strategies, driven by a vision of military-police deterrence against crime, may, in fact, be endogenous to violent crime itself, both due to the failure to address its fundamental structural determinants and the inefficacy in controlling the perpetrators, circumstances, and instruments of intentional homicides. To effectively mitigate the incidence of intentional violent crimes, particularly their lethality, a synergistic approach combining socioeconomic policies and strategic police control is imperative. This approach places critical emphasis on enhancing the quality of public security spending, coupled with meticulous control over pivotal variables, such as access to firearms and ammunition. Furthermore, we require a deeper understanding of the political factors that determine the quality of public security spending or the feasibility of implementing violence prevention and control programs.

  • 1
    Agradecemos aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política que ajudaram a aprimorar o texto com valiosas contribuições teóricas, metodológicas e relativas à redação do manuscrito.
  • 2
    Média estocástica é um número aleatório sorteado de uma distribuição normal com média e desvio-padrão dos dados observados.
  • 3
    O método de imputação por regressão estocástica sorteia, para cada dado faltante, um valor de uma distribuição normal com média igual ao valor predito e desvio-padrão igual ao desvio-padrão das diferenças entre os valores preditos e observados.

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Anexo 1

Teste RESET para especificação (quadrados e cubos)

Estatística de teste: F = 0,865539,

com p-valor = P(F(2,929) > 0,865539) = 0,421

Teste RESET para especificação (apenas quadrados)

Estatística de teste: F = 0,928451, com p-valor = P(F(1,930) > 0,928451) = 0,336

Teste RESET para especificação (apenas cubos)

Estatística de teste: F = 1,005482,

com p-valor = P(F(1,930) > 1,00548) = 0,316

Anexo 2

Fatores de Inflacionamento da Variância (VIF)

Valor mínimo possível = 1,0

Valores > 10,0 podem indicar um problema de colinearidade

l_Gini 1,901

l_desemprego_imputado 1,514

l_PIB_per_capita 9,602

l_homens_jovens 1,135

l_consumodrogas 1,959

l_armas_de_fogo 1,781

l_segpub_estad 2,892

l_gasto_social_estad_munic 2,305

Norte 3,620

Nordeste 5,925

Sudeste 2,608

Sul 2,201

Distrito_Federal 3,307

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2023
  • Revisado
    21 Jul 2023
  • Aceito
    26 Set 2023
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