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Organização e sistema de gestão: à procura de uma nova coerência

Organization and management system: in search of a new integration

Resumos

O presente artigo origina-se da apresentação feita, sob o mesmo título, pelo professor Philippe Zarifian no Workshop Internacional "Para onde caminham as organizações?", promovido pelo Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP em agosto de 1994. O autor é Diretor de Pesquisas no LATTS/ENPC (Laboratoire Techniques, Territoires et Sociétés, da École Nationale des Ponts et Chaussées) e professor titular na Université de Marne la Vallée. O artigo aborda os sistemas de gestão da empresa industrial, particularmente os de gestão econômica, e as novas necessidades decorrentes do surgimento e da adoção de novos modelos de organização da produção. Considerando que, nas atuais empresas industriais, as características de desempenho estão sofrendo radical mudança, o autor procura traçar um quadro preciso dessas transformações, mostrando que os sistemas tradicionais de gestão - baseados na contabilidade analítica e moldados de acordo com a lógica clássica de organização - não correspondem às novas exigências quanto ao desempenho e não se coadunam com o tipo de organização que vem sendo implementado. A originalidade da contribuição do autor consiste em associar organização e gestão, pondo em foco a necessidade de se instaurar uma nova coerência entre estrutura de organização e sistema de gestão.

organização; sistemas de gestão; mudanças organizacionais; desempenho


This article constitutes a version of Professor Philippe Zarifian's paper, presented under the same title at the International Workshop "Where do organizations go to?", promoted (sponsored) by the Departamento de Engenharia de Produção of the Escola Politécnica of the Universidade de São Paulo, in August 1994. The author is Research Director at the LATTS/ENPC (Laboratoire Techniques, Territories et Sociétés, da École Nationale des Ponts et Chaussées) and Full Professor at the Université de Marne la Vallée. The paper discusses the management systems of industrial firms, particularly those related to financial management, and the new needs required by the rise and adoption of new models of production organization. Considering that the performance characteristics of the industrial firms have been submitted to radical changes, the author portrays a precise picture of these transformations, by showing that traditional management systems - based on analytical accountancy and suitable to the classic logic of organization - do not fit well into the new performance requirements of the type of organization. The author's original contribution arises from the association between organization and management, by emphasizing the necessity of developing a new integration between organization structure and management system.

organization; management systems; organizational changes; performance


Organização e sistema de gestão: à procura de uma nova coerência

Organization and management system: in search of a new integration

Philippe Zarifian

LATTS/ENPC. Université de Marne la Vallée – França

RESUMO

O presente artigo origina-se da apresentação feita, sob o mesmo título, pelo professor Philippe Zarifian no Workshop Internacional "Para onde caminham as organizações?", promovido pelo Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP em agosto de 1994.

O autor é Diretor de Pesquisas no LATTS/ENPC (Laboratoire Techniques, Territoires et Sociétés, da École Nationale des Ponts et Chaussées) e professor titular na Université de Marne la Vallée.

O artigo aborda os sistemas de gestão da empresa industrial, particularmente os de gestão econômica, e as novas necessidades decorrentes do surgimento e da adoção de novos modelos de organização da produção. Considerando que, nas atuais empresas industriais, as características de desempenho estão sofrendo radical mudança, o autor procura traçar um quadro preciso dessas transformações, mostrando que os sistemas tradicionais de gestão – baseados na contabilidade analítica e moldados de acordo com a lógica clássica de organização – não correspondem às novas exigências quanto ao desempenho e não se coadunam com o tipo de organização que vem sendo implementado.

A originalidade da contribuição do autor consiste em associar organização e gestão, pondo em foco a necessidade de se instaurar uma nova coerência entre estrutura de organização e sistema de gestão.

Palavras-chave: organização, sistemas de gestão, mudanças organizacionais, desempenho.

ABSTRACT

This article constitutes a version of Professor Philippe Zarifian's paper, presented under the same title at the International Workshop "Where do organizations go to?", promoted (sponsored) by the Departamento de Engenharia de Produção of the Escola Politécnica of the Universidade de São Paulo, in August 1994.

The author is Research Director at the LATTS/ENPC (Laboratoire Techniques, Territories et Sociétés, da École Nationale des Ponts et Chaussées) and Full Professor at the Université de Marne la Vallée.

The paper discusses the management systems of industrial firms, particularly those related to financial management, and the new needs required by the rise and adoption of new models of production organization. Considering that the performance characteristics of the industrial firms have been submitted to radical changes, the author portrays a precise picture of these transformations, by showing that traditional management systems - based on analytical accountancy and suitable to the classic logic of organization - do not fit well into the new performance requirements of the type of organization.

The author's original contribution arises from the association between organization and management, by emphasizing the necessity of developing a new integration between organization structure and management system.

Key words: organization, management systems, organizational changes, per­formance.

1. Introdução

A tese que pretendo expor no decorrer deste artigo é a seguinte: as mudanças organizacionais que ocorrem dentro das grandes empresas industriais – vou restringir-me à indústria – tendem a ganhar uma grande amplitude. Essas mudanças já não afetam somente a organização do trabalho nas fábricas ou os diferentes serviços. Envolvem toda a organização da empresa. Mas elas só poderão chegar a resultados positivos se, paralelamente, os sistemas de gestão forem submetidos a uma reforma igualmente profunda. Caso contrário, ou seja, se os sistemas de avaliação e controle do desempenho econômico dessas empresas não se modificarem, as mudanças organizacionais serão, na melhor das hipóteses, bloqueadas e, na pior, produzirão (já estão produzindo) uma série de efeitos negativos.

Em outras palavras, a questão que se coloca é a de saber qual a nova coerência a ser encontrada entre organização e sistema de gestão.

Tratarei desse assunto em duas etapas. Numa primeira, tentarei mostrar quais são os problemas comuns com os quais se defrontam a organização e a gestão, salientando o atraso em que se encontram os sistemas de gestão. Limitar-me-ei a focalizar apenas dois desses problemas. Numa segunda etapa, baseando-me em experiências recentemente efetuadas na França, farei algumas propostas positivas envolvendo os conceitos de gestão por atividade e por processo.

2. A Constatação de uma Profunda Crise dos Sistemas de Gestão

2.1 Uma Nova "Física" do Desempenho

Partirei daquela que pode ser considerada como a evidência primeira: a "física" do desempenho econômico – ou seja, os fundamentos a partir dos quais é possível avaliar o desempenho dos sistemas de produção – sofreu considerável transformação desde o início do século 20.

Quando foram concebidos os princípios de organização e de gestão da grande empresa norte-americana, a "física" do desempenho apresentava-se de maneira relativamente simples:

era a fábrica – o local em que se realiza a fabricação material dos produtos, o local em que trabalham os operários – que constituía o lugar central. O conjunto dos outros serviços das indústrias destinava-se a "preparar", "apoiar", desenvolver a produção material que se realizava na fábrica. Portanto, o desempenho da fábrica é que era determinante.

o principal fator de produção era nitidamente a mão-de-obra direta operária. Não apenas porque estava presente em grande quantidade e porque o grau de mecanização era ainda limitado, mas porque a "física" do desempenho se fundamentava na taxa de utilização da mão-de-obra e na velocidade de execução dos gestos operários. Eram eles que estabeleciam o ritmo, segundo um princípio da economia ligada à velocidade de produção. O objetivo era aumentar essa velocidade, ou seja, o volume de produção por unidade de tempo. Conforme observa o historiador norte-americano CHANDLER, o princípio da economia decorrente da velocidade de produção era mais importante que o das economias de escala. É claro que o aumento da escala de produção permitia limitar os custos indiretos, mas o principal recurso para abaixar os custos residia certamente no aumento da velocidade de produção, fruto da ação do trabalho operário e dos progressos realizados no tocante à capacidade nominal das máquinas. Trata-se de um desempenho que se concentrava acentuadamente na redução dos custos e tinha caráter essencialmente "volumétrico".

o controle de gestão industrial concentrava-se "naturalmente" na taxa de utilização e na velocidade de trabalho dos operários da produção (a chamada "mão-de-obra direta"). Era o tempo de trabalho operário que constituía a unidade básica de trabalho, aquela a partir da qual se efetuava o cálculo do custo dos produtos.

Ora, essa "física" do desempenho transforma-se hoje de forma radical. Se retomarmos cada um dos pontos precedentes, veremos que:

não existe mais um lugar central – como aquele que a fábrica constituía no começo do século – para avaliar o desempenho industrial. Não se pode mais discriminar uma atividade central e polarizar em torno dela a organização e o controle. Todas as atividades da empresa são importantes – existem apenas diferenças de graduação, ligadas à particular estratégia de cada empresa, mas o essencial reside sobretudo na organização da cadeia de atividades de toda a empresa, no seu caráter complementar, na coerência, nas interações, nos co-progressos dessa cadeia, dessa rede. Isso dá origem a uma questão concreta: como construir e pilotar o desempenho global de uma cadeia de atividades? Como organizá-las da melhor forma?

não existe mais um fator central de produção, como o que a mão-de-obra representava no começo do século. Num primeiro momento, foi possível crer que se tratava de um mero problema de transferência do homem para a máquina. Foi possível crer que daí em diante o desempenho dependeria dos sistemas de máquinas, e que era em torno destes que se deveria repolarizar a atenção, segundo os mesmos princípios anteriormente adotados. É o que se dizia no início dos anos 60, e é verdade que consideráveis progressos puderam ser feitos no que concerne à elevação da taxa de utilização das máquinas, ao incremento de sua confiabilidade e ao aumento de sua capacidade de produção.

Mas hoje se percebe claramente que a nova "física" do desempenho não depende de uma substituição linear do homem pela máquina. Ela depende de dois fatores fundamentais:

da qualidade do diálogo homem - sistema de máquinas: este diálogo se estabelece a partir dos escritórios de planejamento, desde o instante em que se começa a tratar do projeto dos futuros processos, de simular seu futuro funcionamento, de examinar um conjunto de possíveis variantes e de verificar – em confronto com essas expectativas – as respostas do sistema técnico; respostas baseadas na experiência passada, mas também, e cada vez mais, em situações experimentais simuladas. Esse diálogo, essa interação entre homem e sistema técnico prosseguirá durante as fases de ajuste e implantação do processo e na atenção com que os operários da fábrica irão vigiar o funcionamento do sistema técnico em tempo real e proceder à leitura do registro de ocorrências.

da qualidade da comunicação interpessoal, não apenas no interior de cada célula operacional, mas ao longo de toda a cadeia de atividades aqui mencionada. O intercâmbio, o cotejo, a recíproca estimulação entre diferentes saberes profissionais passam a constituir, na indústria moderna, um fundamento do desempenho, porque condicionam a elucidação dos problemas e os progressos a realizar, de maneira "concorrente", na rede de atividades.

Será que os sistemas de gestão souberam integrar as transformações ocorridas na "física" do desempenho? Por enquanto, de maneira ainda muito imperfeita.

Na grande maioria dos casos, os sistemas de gestão limitaram-se a acrescentar e tornar mais complexos os controles, quanto à aplicação e à quantidade de recursos utilizados. Em lugar de se polarizarem, como antes, exclusivamente em torno da mão-de-obra operária, os sistemas de gestão procuraram controlar também a taxa de utilização das máquinas e o consumo de matérias primas, mas de forma meramente adicional e com base nos mesmos princípios anteriormente adotados.

De forma meramente adicional: justapuseram-se aos controles de rendimento do homem os controles de rendimento da máquina e os controles das perdas de materiais, sem considerar que o essencial estava na interação desses fatores de produção, na maneira de produzir. O que se deveria prioritariamente organizar e controlar não era o consumo de cada um desses recursos, tomado isoladamente, mas o modo pelo qual eles se combinavam (modo do qual resulta o nível de consumo).

Por exemplo: a taxa de rendimento sintético de uma máquina constitui um bom indicador de resultado. Mas esse resultado depende basicamente da maneira pela qual se organiza, se dirige, se faz progredir o conhecimento e a apropriação que os projetistas e os usuários humanos têm dessa máquina. É essa relação entre homens e máquina que devemos controlar e avaliar, ao invés de nos limitarmos a justapor rendimentos.

Com base nos mesmos princípios anteriormente adotados: é impressionante constatar até que ponto os princípios de economia ligada à velocidade de produção e de economia de escala continuam a influir nos processos de tomada de decisão na indústria, e portanto até que ponto a análise da evolução dos custos continua a ter um caráter volumétrico. É claro que essa abordagem não é totalmente equivocada: o efeito "volume" continua atuante. Mas desconsidera-se a crescente importância:

por um lado, da complexidade (complexidade dos processos, dos produtos, das organizações, etc.): os progressos alcançados no tocante a custos derivam hoje, em grande parte, de uma perfeita compreensão da complexidade dos sistemas de produção, e seria possível demonstrar que essa familiaridade, esse domínio, exerce influência cada vez maior sobre a velocidade de produção, e portanto sobre o efeito volume: é o que ocorre claramente no caso da produção em pequenos lotes. Não se pode aumentar a velocidade de produção de pequenos lotes senão dominando (e reduzindo) a complexidade dos pedidos e das mudanças de lote Os custos variam muito mais em função da complexidade do que em função do volume.

por outro lado, da inovação: a propriedade e a rapidez da inovação, cuja importância nas estratégias de competitividade é bem conhecida, não podem ser reguladas com base em princípios volumétricos simples, como os do efeito do tamanho (tamanho dos centros de pesquisa, por exemplo) e da velocidade (número de inovações por unidade de tempo). A qualidade e a propriedade da inovação, a maneira pela qual essa inovação poderá corresponder às expectativas de uma clientela e o momento em que será lançada são nitidamente mais importantes que a velocidade de produção. É certamente neste terreno que a organização e a momentânea condensação dos intercâmbios entre múltiplos saberes profissionais, tanto quanto a estimulação econômica da criatividade de cada indivíduo constituem os fatores sumamente essenciais. Mas este é também um dos terrenos nos quais os sistemas de gestão eram, até há pouco tempo, os mais deficientes. Falando com brutal franqueza: não sabíamos como gerir economicamente os processos de inovação. Estamos apenas começando a ter algumas idéias a esse respeito, graças à gestão por projeto.

2.2 Uma Nova Organização Social do Sistema de Decisão

No modelo clássico de organização, proposto por Taylor, a tomada de decisões é socialmente organizada segundo dois grandes princípios:

um princípio de subdivisão e separação dos centros de decisão segundo os departamentos e as funções da empresa, cada departamento (correspondente a uma grande família de produtos) e cada função (correspondente a uma especialização funcional: comercial, financeira, fabricação, manutenção, etc.) tendo sua própria direção e sua própria hierarquia;

um princípio de descida hierárquica das decisões estratégicas (denominado princípio de "declinação de objetivos") e de subida, também hierárquica, das arbitragens dos conflitos que eventualmente surjam entre departamentos ou funções.

A tomada de decisões é portanto estruturada, de um lado pela separação dos centros de responsabilidade, e de outro pela preponderância da hierarquia vertical. Isto se verifica ao mesmo tempo na organização funcional e hierárquica da empresa e na ramificação do sistema de controle de gestão, ou seja, mediante a subdivisão do controle entre centros de responsabilidade contabilmente isolados entre si, e mediante processos centralizados de planejamento e aprovação dos orçamentos, com um acompanhamento regular mediante um fluxo ascendente de relatórios de resultados.

Ora, é evidente que a moderna empresa não pode continuar funcionando de acordo com esse modelo hierárquico-funcional. As razões dessa impossibilidade já foram várias vezes evocadas e não vamos retomá-las aqui de maneira exaustiva.

Apenas a título de exemplo: a variabilidade e a incerteza econômicas compelem a privilegiar os comportamentos de gestão orientados de modo a favorecer a capacidade de reação, a rapidez de resposta, a aproximação em relação ao cliente, o pronto e adequado reexame dos problemas, voltando a questionar soluções já aceitas, diante de qualquer acontecimento novo, quer decorrente de uma inovação técnica, quer resultante de mudança do mercado.

Esta é uma das principais razões que impelem a descentralizar e subdividir, obrigatoriamente, os processos de tomada de decisão no conjunto da empresa, de modo a aproximá-la, tanto quanto possível, dos atores diretamente operacionais.

No plano da organização, já foram alcançados importantes progressos, que deveriam expandir-se.

Trata-se de, ao mesmo tempo:

delegar real poder de decisão às equipes autônomas de produção, tanto no que diz respeito ao seu funcionamento cotidiano, quanto no tocante à previsão das mudanças de expectativa dos clientes e ao levantamento das necessidades de inovação, envolvendo portanto certos elementos da estratégia;

assegurar uma coordenação horizontal da tomada de decisões ao longo da cadeia de atividades, de forma transversal às "funções" tradicionais, e portanto dar estrutura organizacional a esses processos transversais (mais adiante voltaremos a este ponto essencial);

enfim, modificar o papel da hierarquia. A partir do momento em que o poder de decisão se encontra bastante descentralizado e é compartilhado pelos membros da empresa, a hierarquia tem a permanente responsabilidade de construir uma representação global da orientação estratégica e da gestão da organização. Mas ela não pode mais fazê-lo nos mesmos moldes de antigamente.

Em primeiro lugar, ela deve abandonar radicalmente a pretensão de saber tudo, conhecer tudo, controlar tudo, verificar tudo. Na maior parte das decisões cotidianas, que requerem uma intensa realimentação, ela deve aprender a tornar-se inútil.

Em compensação, ela deve concentrar-se intensamente na previsão estratégica de médio e longo alcance, na animação da transformação dos eixos estratégicos em ações operacionais, no apelo aos subordinados, em busca de reflexão e de iniciativas dentro dessa perspectiva, no esforço de conferir validade e coerência às opções que as equipes autônomas têm a liberdade de criar, etc.

Em resumo: a descentralização não elimina a necessidade de centralização, mas modifica seu conteúdo e seus métodos.

Seu conteúdo: traçar os eixos de desenvolvimento estratégico (ao invés de "declinar objetivos" ou de "baixar ordens").

Seus métodos: animar o conjunto da empresa, de modo a dar um conteúdo concreto e operacional a esses eixos, e delegar tanto quanto possível a execução.

No plano dos sistemas de gestão econômica ainda resta fazer consideráveis progressos.

Na minha opinião, estamos atualmente numa situação transitória, que não poderá durar muito tempo e que não é satisfatória.

Temos, com efeito, uma difícil coabitação entre o antigo sistema centralizador e hierárquico, que se mantém, e o novo sistema que tenta emergir, mas que ainda está muito incompleto.

Em muitas empresas, isso se traduz por uma brecha entre a gestão contábil e financeira, de um lado, e a gestão em termos de indicadores físicos, do outro.

Começamos timidamente a saber descentralizar e a confiar a elaboração e o acompanhamento dos indicadores de desempenho físico aos operadores básicos, ou seja, aos operários, na fábrica, ou aos comerciários, na área comercial. Indicadores físicos de prazo, de qualidade e, às vezes, do nível de satisfação dos clientes.

Começamos a admitir, ainda mais timidamente, que é possível estabelecer um controle horizontal descentralizado entre diversas equipes de trabalho – ao longo, por exemplo, de uma linha de produto – em torno de indicadores comuns ao conjunto da linha.

Porém, quando se trata da gestão de custos e da escolha de aplicação para os recursos financeiros, permanecemos dentro dos quadros tradicionais.

Resultado: uma brecha entre a gestão de custos e a gestão de outros tipos de desempenho; uma brecha entre o mundo dos controladores de gestão e dos responsáveis financeiros, de um lado, e o dos operacionais, do outro; o grande perigo de decisões elaboradas a partir de bases diferentes, e portanto contraditórias, dando margem a conflitos, incompreensão, e ameaçando até mesmo asfixiar e desencorajar a iniciativa confiada ao pessoal de base, ao questionar, por razões financeiras, suas decisões e seus projetos de ação.

Mais dia, menos dia, caminharemos para a extinção desse tipo de situação. Não é possível manter por muito tempo dois sistemas de gestão, construídos a partir de princípios diferentes.

3. A Gestão por Atividades e Processos: Algumas Pistas para Reflexões a Partir das Primeiras Experiências

Deixarei de lado a questão de saber quais são as semelhanças e as diferenças entre aquilo que proponho chamar de "gestão por atividades e processos" e aquilo que nos Estados Unidos se denomina sistema ABC ou ABM. O essencial está no conteúdo, não no rótulo.

3.1 A Gestão por Atividades

Esta tenta responder a uma parte das questões anteriormente levantadas. Examinaremos cinco princípios da gestão por atividades:

a) um princípio de cálculo e de controle de custos, que constitui a principal contribuição do sistema ABC: os produtos finais não consomem diretamente os recursos, e portanto não são diretamente afetados pelos custos associados a tais recursos. Eles consomem atividades, e são essas atividades que consomem recursos.

Um iogurte, por exemplo, não é diretamente afetado pelos custos de leite, de embalagem, de mão-de-obra, etc. Ele consome as atividades de fornecimento de leite, de pasteurização, de preparação do iogurte, de acondicionamento, etc., e é nessas atividades que se consomem leite, embalagens, horas-máquina, mão-de-obra, etc.

Se quisermos atuar de maneira eficaz e duradoura sobre os custos, será necessário cuidar, não de uma economia cega de recursos (alguns dos quais podem ser muito úteis), mas da qualidade e da eficiência de cada atividade, e portanto (e particularmente) de seu modo de organização e da qualidade do trabalho realizado no local. Isto responde a uma primeira questão: os recursos e suas taxas de utilização não devem ser geridos de maneira isolada e aditiva. É a partir do conteúdo sociotécnico da atividade, de uma avaliação do aprimoramento de sua qualidade, e portanto da maneira pela qual os recursos se combinam efetivamente no local, que poderemos determinar a taxa ótima de utilização dos recursos e discutir seu nível de consumo. Isso muda basicamente a maneira de encarar, por exemplo, a gestão dos recursos de mão-de-obra.

b) É necessário explicitar, para cada atividade ou família de atividades, a relação entre custo e desempenho físico. Em outras palavras: é necessário gerir custos e desempenhos conjuntamente, em seu mútuo relacionamento. Observa-se que, na maior parte dos casos, o melhor meio de fazer com que os preços baixem de forma estável é efetuar "saltos de desempenho", e esse efeito pode ser calculado de maneira bastante precisa.

Se elevarmos, por exemplo, o rendimento físico das máquinas, reduzindo ao mínimo os tempos de parada, aumentaremos o volume produzido pelo mesmo montante de amortização, e freqüentemente pelo mesmo custo salarial, e portanto diminuiremos, na mesma proporção, o custo unitário por produto. Num sistema de gestão por atividade isso pode ser calculado facilmente. Mas o essencial não está na precisão do cálculo, mas na conscientização dos operadores, que poderão, com conhecimento de causa, melhorar os custos por meio do desempenho e eleger suas prioridades de ação.

c) É preciso instaurar um controle por antecipação. Ao invés de esperar, e sujeitar-se à deterioração do desempenho ou a ações dos concorrentes que venham desestabilizar a gestão da empresa, torna-se vital dirigi-la olhando sempre à frente, procurando constantemente antever o futuro. É aí que intervém o papel crucial das simulações, com base em modelos simples, perfeitamente administráveis em um microcomputador local (mesmo que se requeira um mínimo de assistência técnica para que os operários saibam utilizá-lo). Retomando o exemplo anterior, a simulação permitiria verificar qual o ganho que se pode extrair de uma elevação do rendimento sintético de uma máquina e quais os melhores meios para conseguir essa elevação (será preferível agir com a atenção voltada para as falhas habituais, para os tempos de mudança de ferramentas, para os defeitos que comprometem a qualidade? O que se deve esperar de cada uma dessas categorias de ação?).

Essas pequenas modelagens têm a inestimável vantagem de permitir que se analisem e se discutam as opções, as alternativas, e de orientar a ação visando permanentemente o futuro (ao invés de esgotar-se na correção de rumos ).

d) É óbvio que a gestão por atividades só tem sentido quando dela se apropriam os atores diretos da atividade. Só assim será possível inaugurar uma verdadeira descentralização da tomada de decisões, com base em argumentos econômicos. E os atores diretos são os que conhecem melhor as causas e as possibilidades de ação, que podem elaborar projetos de melhoria "com conhecimento concreto da atividade", muito melhor que um dirigente isolado em seu "poder" de decisão ou que um administrador que constata as evoluções que as cifras revelam, sem contudo conseguir compreender as verdadeiras razões que as determinam.

É preciso insistir no fato de que descentralizar a tomada de decisões não é simplesmente "seguir" indicadores, como se faz atualmente nas fábricas, tendo a impressão de haver efetuado grandes inovações. É raciocinar com base em previsões, compreender quais são os verdadeiros geradores do desempenho, encarregar-se integralmente dos planos de ação.

Isso simplifica consideravelmente a validação e o controle, que a hierarquia continuará a efetuar: é possível exercer o controle hierárquico sobre planos de prioridades e graus de progresso, respeitando o poder local de apresentação de opções e de condução das ações.

e) Teremos compreendido, enfim, que o principal interesse da noção de atividade reside no fato de que ela está numa encruzilhada. Situa-se na confluência entre:

a gestão econômica: a atividade constitui o elemento básico da gestão econômica e do sistema contábil;

a gestão profissional: a atividade – atividade de trabalho – constitui a unidade básica de desenvolvimento e de utilização das competências profissionais.

A gestão econômica e a gestão profissional têm, então, um mesmo referencial, um mesmo quadro de ação, uma base comum de raciocínio. Surge uma possibilidade nova de "cruzar" diretamente a gestão econômica operacional e a gestão de recursos humanos.

Por exemplo: um plano de formação profissional terá um referencial direto nas previsões de aprimoramento do desempenho econômico das atividades nas quais as pessoas envolvidas trabalham ou virão a trabalhar.

3.2 A Gestão por Processos

A gestão por atividades padece, não obstante, de uma evidente deficiência. Ela permanece apoiada numa divisão analítica da empresa (divisão por atividades, e não mais por tarefas ou por funções), e portanto não permite gerir a rede de atividades, considerada em sua coerência global.

Esta é a razão pela qual a gestão por processos surge como complemento lógico da gestão por atividades.

Esclareçamos desde já no que consiste exatamente essa mudança organizacional: trata-se, nem mais nem menos, de substituir a organização calcada nas grandes funções da empresa pela organização segundo os grandes processos estratégicos e, portanto, de modificar necessariamente, com essa única manobra, todo o funcionamento hierárquico superior da empresa.

Não se trata portanto de ir em direção a tal ou qual forma de organização matricial, mas simplesmente de adotar uma configuração e princípios substitutivos para a totalidade das atividades da empresa. A organização por projeto, para o desenvolvimento de novos produtos, teria – de certa forma, e involuntariamente – servido de teste e de balão-de-ensaio para essa transformação radical.

Antes de precisar a configuração e os princípios da organização por processos, partiremos de um caso concreto que recentemente acompanhamos.

Tratava-se de projetar a organização por processos estratégicos do conjunto de atividades de uma empresa pertencente ao grupo Danone, excetuada somente a atividade das fábricas.

O projeto foi desenvolvido em três etapas.

Primeira etapa:

explicitar os eixos estratégicos de desenvolvimento da empresa para os anos futuros. Ao contrário do que afirmam as obras sobre reengenharia não se trata de partir do "cliente", (JACOB (1994) é um bom exemplo da maneira pela qual se pode divinizar a referência ao cliente), ao menos tal como este se apresenta no momento, e nem mesmo do mercado. Trata-se de simular, e portanto de antever objetivos e quadros de ação, com relação a situações prováveis, porém hipotéticas, nas quais o cliente também é, de alguma forma, simulado. É dessa maneira que a empresa pode tomar a iniciativa. Por exemplo, um dos eixos estratégicos contemplados foi: "deter a liderança, no que concerne à qualidade, sobre uma dada categoria do ramo alimentício". Semelhante explicitação foge a uma abordagem puramente quantitativa e linear, do tipo: "aumentar em tanto por cento a participação no mercado" que não fornece nenhuma indicação precisa quanto aos riscos. Ainda que a formulação "deter a liderança em qualidade" possa parecer um tanto vaga para o leigo – e efetivamente o seja, ao menos em parte, até mesmo para os especialistas – ela constitui uma referência suficientemente forte para orientar os processos que permitirão concretizá-la e atingi-la. Podemos atribuir um conteúdo concreto à expressão estratégica "deter a liderança em qualidade".

Rigorosamente falando, os processos não constituem simples meios para atingir um objetivo prefixado, nem, e menos ainda, a fotografia passiva de um funcionamento já existente. Os processos são as vias organizacionais de acesso a um eixo estratégico, que deve indicar claramente o investimento (pela antevisão daquilo que se pretende obter), deixando porém aberto o encaminhamento capaz de dar-lhe um conteúdo inteiramente concreto.

Segunda etapa:

vincular, aos eixos estratégicos, processos-chave com a dupla finalidade de constituir vias de acesso aos alvos estratégicos e de revelar uma possibilidade de organização concreta das atividades internas da empresa. Tomemos como exemplo o processo de "atendimento dos pedidos dos clientes". Na maioria das empresas esse processo é particularmente longo e complexo. O ponto de partida, porém, não consiste em dar início a uma fastidiosa descrição, mas em:

situar a relação entre o objetivo estratégico "deter a liderança em qualidade" e o processo de "atendimento dos pedidos dos clientes". É definindo esta relação que se coloca esse processo em perspectiva, o que permite estabelecer com muita facilidade os desempenhos que, de alguma forma, constituirão a ponte entre o presente e o futuro; desempenhos do tipo: "reduzir acentuadamente o número de reclamações dos clientes".

construir, com a participação dos atores envolvidos, a representação concreta do processo: do que é que ele se compõe? Isso envolve obviamente uma descrição da cadeia das atividades que entram no processo, desde o recebimento do pedido até o tratamento dos litígios, cadeia de atividades que abrange um grande número de serviços (e portanto de "funções"). Mas o essencial não está na explanação dessas atividades, nem tampouco na elucidação dos problemas de coordenação entre elas, que inevitavelmente surgirão. Achamos que é importante salientar o fato de que não se trata simplesmente de coordenar melhor as atividades construindo a representação do processo no qual elas se inscrevem. O verdadeiro propósito é, aí também, o de engendrar uma comunicação intersubjetiva ao longo de toda a cadeia, o que só será possível se cada participante puder situar sua contribuição para a estratégia da qual o processo constitui o vetor. É "a esse preço" que um apoio mútuo e um intercâmbio pertinente de informações poderão efetivamente estabelecer-se entre todos os participantes, desde os que, ao receber o pedido, induzem um primeiro relacionamento com o cliente, até os que organizam o tráfego dos caminhões de entrega ou cuidam dos litígios. É claro que o processo é, a seu modo, um fluxo de ações; mas é também, e principalmente, um quadro de análise e de ajuda recíproca, orientado por uma visada estratégica.

Terceira etapa:

inscrever o processo – cuja representação teremos acabado de construir – na materialidade da organização cotidiana. É aí que reside o principal risco. Reorganizar a empresa em torno de um número limitado de grandes processos estratégicos é eliminar – quando não imediatamente, ao menos em curto prazo – as diretorias e serviços que encarnam as funções tradicionais. É também reestruturar o trabalho de um grande número de pessoas e redefinir o sentido de sua profissão.

Achamos que os pontos mais sensíveis são os seguintes:

em primeiro lugar coloca-se, aí também, a questão de redefinir as bases da especialização profissional. Somos tentados a imaginar que a especialização profissional de explorador, numa oficina de fábrica, e a de "desenvolvedor", na elaboração de um projeto, são apenas casos particulares, exemplos, de uma especialização mais geral, que poderíamos designar como "ator-piloto de processo". É claro que o conteúdo concreto da profissão varia de acordo com a natureza do processo e com a atividade de que cada pessoa se encarrega, mas a orientação geral de sua ação, o sentido de seu trabalho e os fundamentos da tecnicidade de seu papel nos parecem referentes a esse novo tipo de especialização profissional.

Ainda não foram bem avaliadas as profundas mudanças que isso deveria induzir no estudo das profissões, e portanto da formação e da experiência profissional, etc.

em seguida, é preciso repensar toda a hierarquia superior. Não se trata apenas de passar do estatuto de diretor de uma função (diretor comercial, por exemplo) para o de um processo. A mudança é muito mais profunda. De um lado, porque a dissolução das funções abala todo o arcabouço hierárquico que estava associado a elas. De outro, e este é o mais importante, porque a gestão de um processo, com base em um princípio de animação da comunicação intersubjetiva e de uma partilha de eixos estratégicos, não tem praticamente nada a ver com a maneira tradicional de gerir um departamento funcional.

Quais são os princípios e as vantagens, a pertinência da organização por processos estratégicos?

uma conexão visível e constantemente antecipada da gestão do relacionamento com os clientes. Cada empregado da empresa pode, a partir de sua contribuição para um processo, visualizar a componente do valor (a qualidade do serviço, a acolhida das inovações de produto, etc.) para cuja produção ele concorre. Conceitualmente, um processo não é, na verdade, senão um vetor integrado de produção de uma componente do valor. Achamos que é importante falar de "gestão de um relacionamento (com uma dada categoria de cliente)", ao invés de ceder à tendência em voga que pretende que a organização social da empresa se coloque passivamente "a serviço do cliente". Gerir um relacionamento significa também negociá-lo, tentar transformá-lo, etc.

uma representação clara e compartilhada da maneira pela qual o conjunto das atividades atinge objetivos comuns. O processo esboça a constituição de um novo ator, um ator coletivo, transversal às estruturas atualmente dominantes. A curto prazo, a formalização do processo já permite que os atores, a partir daquilo que são, se situem melhor em sua cooperação, ultrapassem os limites de uma percepção largamente intuitiva e muito parcial dos processos dos quais participam, e portanto voltem a questionar a pertinência dos meios e dos métodos que utilizam. É um primeiro esboço desse novo ator coletivo.

uma fonte de informes de gestão que, por exemplo, comunique aos atores de cada atividade o desempenho global em relação ao qual ele deve reenquadrar sua ação local.

uma ferramenta de gestão que pode ser de simples utilização, concentrando-se preferencialmente:

nos pontos críticos

nos recursos globalmente mobilizados

em um número muito limitado de indicadores de desempenho, que formam o liame com a orientação estratégica da empresa.

4. Conclusão

Esboçam-se alternativas que permitem assegurar uma coerência entre:

a nova estrutura de organização da empresa industrial,

o novo sistema de gestão econômica.

Trata-se de mutações de grande amplitude, a respeito das quais não temos, por enquanto, senão o resultado das primeiras experiências. Essa é, em nossa opinião, uma importante fonte para futuras pesquisas.

Tradução de Paulo dos Santos Ferreira

  • JACOB G.:Le reengineering, l'entreprise reconfigurée. Éditions Hermčs, Paris, 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    Abr 1997
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