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Recursos humanos como fator-chave para o desenvolvimento do agribusiness nacional: o caso da engenharia de produção agroindustrial

Human resources as a key-factor for the development of the brazilian agribusiness: the case of the agribusiness production engineering

Resumos

Este artigo analisa as mudanças do perfil do profissional em agribusiness dentro do processo de globalização produtiva. O artigo tem como base pesquisa de campo desenvolvida com 467 agroindústrias e analisa as mudanças de comportamento do mercado de trabalho atual, nesta área, com o surgimento de profissionais como os formados pelo curso de Engenharia de Produção Agroindustrial, do Departamento de Engenharia de Produção (Universidade Federal de São Carlos).

profissional em agribusiness; engenharia e globalização; recursos humanos


This paper analyses changes in agribusiness professionals skills related to the process of production globalization. It is based on a field research carried out in 467 agrifood-industry organizations and discusses some behavioral changes in the current supply of professionals in this field, particularly with the recent entering (in the market place) of agribusiness production engineers graduated at Federal University of São Carlos.

agribusiness professional; engineering and globalization; human resources


Recursos humanos como fator-chave para o desenvolvimento do agribusiness nacional: o caso da engenharia de produção agroindustrial

Human resources as a key-factor for the development of the brazilian agribusiness: the case of the agribusiness production engineering

Miguel Angel Aires Borrás; Mário Otávio Batalha; Miguel Antonio Bueno da Costa

Departamento de Engenharia de Produção. Universidade Federal de São Carlos. Via Washington Luís, km 235 – Cx. Postal 676. CEP 13565-905 – São Carlos – SP

RESUMO

Este artigo analisa as mudanças do perfil do profissional em agribusiness dentro do processo de globalização produtiva. O artigo tem como base pesquisa de campo desenvolvida com 467 agroindústrias e analisa as mudanças de comportamento do mercado de trabalho atual, nesta área, com o surgimento de profissionais como os formados pelo curso de Engenharia de Produção Agroindustrial, do Departamento de Engenharia de Produção (Universidade Federal de São Carlos).

Palavras-chave: profissional em agribusiness, engenharia e globalização, recursos humanos.

ABSTRACT

This paper analyses changes in agribusiness professionals skills related to the process of production globalization. It is based on a field research carried out in 467 agrifood-industry organizations and discusses some behavioral changes in the current supply of professionals in this field, particularly with the recent entering (in the market place) of agribusiness production engineers graduated at Federal University of São Carlos.

Key words: agribusiness professional, engineering and globalization, human resources.

1. Introdução

As últimas décadas têm apontado para siste­mas de produção cada vez mais globalmente integrados, o que leva a uma nova lógica de produção. A década de 80, mais especificamente, traz quebras de barreiras comerciais, juntamente com novas tecnologias de transporte e de comunicação, acarretando um progresso técnico, que causa mudanças nas estruturas organizacionais que passa a situar-se dentro de um novo panorama sócio-econômico-produtivo.

Nos dias atuais, com a evolução das tecnologias de telemática e de transporte, inicia-se a instauração do comércio inter e intra-empresa­rial, estimulando a evolução da globalização comercial vivida na década de 80 para a globa­lização produtiva, presente nos dias de hoje.

Entretanto, tal evolução trouxe consigo algumas preocupações a serem contextualizadas nos níveis macro e microeconômico. Dentre elas, apresenta-se a relação entre emprego/ desemprego e tecnologia, a flexibilização das relações empregatícias, o novo papel do Estado nas relações produtivas e o novo papel dos sindicatos nas relações trabalhistas.

Todo esse panorama instigou a formação de um novo contexto interno que se caracteriza pela formação de novos modelos de organização do trabalho, por diferentes estruturas dos sistemas de produção, pela evolução do conceito de gestão (passando a ser baseada na competência e não mais no cargo) e pela firmação da relação comprometimento versus empregabilidade.

É dentro dessa realidade, em constante mutação, que o ensino de engenharia se viu obrigado a mudar seu conjunto de disciplinas e ementas, atendendo a novas demandas exigidas pelo mercado, procurando formar um profissional que não mais se identifique como um tecnocrata, mas que se caracterize pelo preenchimento e interação de três locus, necessários na sua for­mação de engenheiro: conhecimento, habilidades e atitudes.

Este artigo é baseado em uma pesquisa de campo, desenvolvida pelo Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos, pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Agroindustriais – GEPAI –, em colaboração com a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e ABAG (Associação Brasileira de Agribusiness), e com o apoio do CNPq, que buscou determinar o perfil de conhecimentos requeridos pelos profissionais que venham a atuar nas empresas do Sistema Agroindustrial (SAI) brasileiro. Foram enviados 10.014 questionários para empresas ligadas ao setor de agribusiness. O retorno obtido foi de 467 questionários respondidos (4,67% do total). Como algumas dessas empresas, que responderam o questionário, pertencem a mais de um segmento produtivo, as respostas, para efeito de análise, atingem o número 806. O artigo busca responder questões colocadas para o curso de Engenharia de Produção Agroindustrial, da Universidade Federal de São Carlos, quanto a sua afinidade com as necessidades empresariais apresentadas na pesquisa.

2. A Globalização e a Engenharia: Problemática

Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e transporte, as cadeias pro­dutivas passaram a ter seus elos não mais inter­ligados, mas interrelacionados, numa relação simbiótica e de dependência cada vez maior, conduzindo a uma vivência de cultura global.

A globalização vem acarretando uma mudança significativa no conceito de produção e de prestação de serviços, conduzida por mudanças tecnológicas e pressões competitivas, tanto em termos de combinação de produtos e serviços, como de distribuição geográfica. No processo de globalização, pode-se distinguir três aspectos (SILVA, 1996):

  • a velocidade de integração econômica mun­dial causada por uma economia de mercado e de livre comércio, aliada à liberdade crescente de movimentos de capital;

  • a utilização intensiva e global das comunicações e a da informação;

  • a globalização política.

Evidenciando o papel do desenvolvimento da tecnologia de comunicação, talvez o fator-chave para a viabilização da globalização produtiva, as pessoas tendem a assumir um papel imperioso e ativo no uso das redes de computadores, ou seja, não apenas usá-las, mas também julgar quando o uso dessa tecnologia é apropriado.

Uma grande vantagem do avanço da telemática reside na possibilidade de trocas de experiências em tempo real, acarretando uma socialização do ensino e da aprendizagem, além da integração de comunidades e mercados.

Na busca de uma maior flexibilização, a empresa procura conhecer seus pontos fracos e seus pontos fortes, ou seja, aqueles setores nos quais é ineficiente e aqueles nos quais pode ser considerada competitiva. Os primeiros transformam-se em fortes candidatos à terceirização ou a serem agentes passivos de processos de parcerias, desta empresa com outras mais especializadas nas áreas em questão. Desse modo, surgem esquemas nos quais a especialização caminha junto com a integração e com a flexibilidade dentro de arquiteturas de redes de empresas.

Neste contexto, os engenheiros passam a ter, em sua formação, a necessidade de explorar aptidões como capacidade de abstração, raciocí­nio sistêmico, experimentação e colaboração, além da compreensão das mudanças nas formas de emprego e nas relações de trabalho.

A par desse novo panorama sistêmico-produtivo, pode-se afirmar, segundo FLEURY (1997), que o projeto de produto não é mais do que uma das questões básicas que a engenharia deve se ocupar. A utilização da abordagem de sistemas abertos identifica os fatores-críticos de sucesso como competências para:

  • transformar as oportunidades de mercado em especificações de produtos e processos;

  • organizar os recursos disponíveis de modo a potencializar o seu uso efetivo e criar processo de aprendizagem.

Dessa forma, entende-se que "a barreira à entrada não é o volume ou preço; é a capacidade de encontrar o ajuste perfeito entre tecnologias especiais e mercados específicos" (REICH, 1997).

Assim, as empresas estariam demandando, além do engenheiro projetista, outros dois "tipos" de engenheiros: os engenheiros sistêmicos-operações e os engenheiros sistêmicos-desenvolvimento.

Ainda segundo FLEURY (1997), as características do Engenheiro Sistêmico-Operações são as seguintes:

  • visão sistêmica, integrada, de sistemas de operação (indústria, serviços, construções);

  • capacitação para trabalhar com as técnicas de processamento de informações;

  • formação em tecnologias básicas, especialmente materiais e processos;

  • capacitação para especificar e para dialogar com empresas, projetistas e fornecedores;

  • habilidade para trabalhar em grupo;

  • liderança e criatividade.

As características do Engenheiro Sistêmico-Desenvolvimento são as seguintes;

formação em tecnologias básicas, com ênfase em disciplina específica, mas com capacidade para transitar entre áreas de produção que têm conhecimento comum;

  • visão do progresso tecnológico que ocorre fora e dentro da empresa;

  • capacitação para rápida absorção de conhecimento, por meio de pesquisas, projetos, visitas e uso de consultores;

  • capacitação para especificar produtos e processos de manufatura.

As características do Engenheiro Projetista são as seguintes:

  • formação em tecnologias básicas, com ênfase em disciplina específica e posterior aprofundamento e especialização nessa disciplina;

  • capacidade de transformar especificações de projeto em especificações de produtos e processos, garantindo a sua economicidade e manufaturabilidade;

  • conhecimento amplo e atualizado de for­necedores de materiais e equipamentos;

  • capacitação para dialogar/trabalhar em grupos com pessoas das empresas contratantes;

  • capacitação para trabalhar em grupo com engenheiros de outras especialidades.

A união dos três tipos de engenheiros demandados pelo setor produtivo resulta na problemática a ser resolvida pelo ensino de Engenharia: a formação de profissionais com visão sistêmica, características de liderança e de trabalho em grupo, com personalidade, capacidade de rela­cionamento com outras pessoas, postura crítica e socializada, além de possuir bons conhecimentos das matérias técnicas tradicionais da engenharia.

A Engenharia de Produção não saberia se ausentar de tal problemática. Desta forma, é necessário adotar uma postura de formação profissional que dote o engenheiro de produção das características apontadas anteriormente.

No caso específico dos agronegócios, pode-se dizer que existem atualmente vários cursos que procuram formar profissionais com uma visão sistêmica, que lhes permitem atuar em um segmento específico do sistema agroindustrial sem, no entanto, perder de vista o funcionamento do conjunto. Nesse sentido, os cursos atuais de ensino em "agribusiness", no Brasil, se coadunam com a tendência internacional. Cabe ressaltar que, até o momento, grande parte desses cursos se concentra no nível de pós-graduação (principalmente em cursos de especialização lato sensu).

As escolas de agronomia, face às dificuldades enfrentadas pelos agrônomos no mercado de trabalho e cientes de que o papel desempenhado pela agricultura não pode mais ser dissociado daquele representado pelos outros agentes agregadores de valor das cadeias de produção agroindustriais, estão tentando cada vez mais orientar seus currículos para essa visão sistêmica que caracteriza a tendência atual de ensino, pesquisa e trabalho em "agribusiness".

Em termos de graduação, a criação do curso de Engenharia de Produção Agroindustrial, na UFSCar, representa uma iniciativa pioneira em direção à formação de profissionais integrados ao novo perfil profissional demandado pelo mercado de trabalho de engenharia. Esse curso é apresentado e comentado na seção 5 desse artigo.

3. Método de Pesquisa

Para atender aos objetivos da pesquisa foi necessário dividi-la em duas partes:

(1) Levantamento de todos os cursos e ênfases que estão sendo oferecidos nesta área, no Brasil, e posterior análise de como estão sendo ministrados.

(2) Estudo das características que o profissional desta área deve possuir, baseado nas necessidades dos empregadores do Setor Agroindustrial.

Para a parte 1 da pesquisa, foi preparado um questionário, para ser enviado às universidades e instituições afins, a partir de material apresentado no artigo "Utilizing Multilevel Capstone Courses in an Integrated Agribusiness Curriculum", dos autores R.J. COLLINS & A.J. DUNNE (1988). Esse questionário foi distribuído, em pesquisa preliminar para efeito de ensaio, a 16 universidades reconhecidas pela boa formação que oferecem nas áreas de Agronomia, Administração, Economia, Engenharia de Produção e demais áreas associadas ao setor agroindustrial. O questionário também foi atualizado, de acordo com pesquisa efetuada, via Internet, junto a diversas universidades do mundo que apresentam cursos de graduação, pós-graduação ou MBA's em agribusiness. Dentre as instituições pesquisadas, encontram-se: Harvard University, The Ohio State University, Texas A&M University, UPLB Graduate School, Wageningen Agricultural University e Beijing Agricultural University. Definido o formato final do questionário, os mesmos foram enviados para 465 coordenações, em 115 instituições de ensino, que representam os cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado oferecidos pelas universidades e faculdades com atuação direta ou indireta na área agroindustrial, no Brasil.

As informações, referentes à parte 2 do projeto, foram obtidas via questionários enviados às empresas. O objetivo central do questionário foi levantar o perfil ideal que o profissional em agribusiness deve possuir segundo o ponto de vista empresarial. Para cada questão, associada a uma característica profissional, a empresa atribuiu uma nota, variando de 0 a 10, mostrando o grau de importância da mesma. Essas características foram distribuídas em seis grandes tópicos:

(I) Economia e Gestão (EG);

(II) Métodos Quantitativos Computacionais e Sistemas de Informação (MSI);

(III) Tecnologias de Produção (TP);

(IV) Comunicação & Expressão (CE);

(V) Qualidades Pessoais (QP); e

(VI) Experiência Profissional Desejada (EPD).

As análise de dados foram realizadas em dois níveis: (1) no conjunto de todos os segmentos e (2) em cada segmento individualmente. As aná­lises consideraram o porte da empresa (micro, pequena, média ou grande), mercado de atuação (regional, nacional ou internacional), a posição funcional da pessoa que respondeu à pesquisa (média ou alta gerência), além da região na qual a empresa estava inserida (Sudeste, Sul, Centro-Oeste, Norte ou Nordeste). Neste trabalho são apresentados apenas os resultados globais da pesquisa em questão. Os resultados detalhados deste projeto podem ser encontrados no relatório Recursos Humanos para o Agronegócio Brasileiro – CNPq (BATALHA, 1999).

Após a análise global, buscou-se identificar as principais características de perfil demandadas para cada um dos segmentos abordados na pesquisa, a saber: Financeiro, Associação de Classe, Cooperativas, Indústria Agroalimentar, Distribuição, Insumos Agropecuários e Agroin­dustriais, Transporte e Armazenagem, Produção Agropecuária e Tradings e Exportadoras.

A Tabela 1 apresenta a quantidade de respostas obtidas por segmento no qual as empresas atuam.

4. Profissional Demandado e Profissional Formado

A Tabela 2 mostra a importância atribuída, pelo conjunto das organizações, aos gran­des tópicos pesquisados. Aspectos ligados às qualidades pessoais foram considerados como os fatores mais importantes que qualificam o profissional para o mercado de trabalho do agronegócio brasileiro. Seguem, em ordem de importância, comunicação e expressão, conhe­cimentos em economia e gestão, tecnologias de produção, métodos quantitativos computacionais e sistemas de informação e experiência pro­fissional desejada.

A ordem de importância, considerando todas as habilidades independentes do grande tópico ao qual pertence, é apresentada na Tabela 3. Cabe aqui salientar que os resultados são muito próximos aos obtidos por LITZENBERG & SCHNEIDER (1988) com o AGRI-MASS, em pesquisa semelhante efetuada nos E.U.A.

A constante evolução das economias mun­diais e o novo paradigma da globalização exigem das empresas um alto grau de flexibilidade e competência produtiva. As empresas se mostraram atentas a isso, procurando por profissionais com conhecimentos em técnicas avançadas de gestão, capazes de conduzir grupos de indivíduos à busca dessa maior competência produtiva. Ficou visível também que as empre­sas estão preocupadas com as características pes­soais de seus empregados, uma vez que os itens com maiores pontuações estão relacionados com qualidades pessoais e comunicação e expressão.

Pode-se dizer, de forma sintética, que as características principais demandadas pelo mercado de trabalho em agribusiness são:

  • forte personalidade como um todo, incluindo-se liderança;

  • capacidade de expressar idéias de forma oral e/ou escrita;

  • conhecimento de políticas agrícolas;

  • capacidade de análise e controle de custos;

  • conhecimentos em gestão da qualidade;

  • capacidade de planejar e implementar idéias (planejamento estratégico);

  • conhecimentos de marketing;

  • capacidade de análise de investimentos;

  • conhecimentos em organização industrial; e

  • conhecimento de softwares específicos e gerais.

Com relação às instituições de ensino, do total de 465 questionários enviados, retornaram 111, o que representa 24% do universo pesquisado. Quando se considera o total de questionários retornados com relação ao número de instituições de ensino, o percentual sobe para 41%. Ou seja, 47 das 115 instituições de ensino pesquisadas colaboraram com a pesquisa.

Os cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu foram agrupados nas seguintes áreas: Administração e Economia, Agronomia, Engenharia de Produção, Ciência e Tecnologia de Alimentos, Ciências Florestais e Medicina Veterinária e Zootecnia. Os cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) foram alocados às áreas de: Administração, Ciência e Tecnologia dos Alimentos, Gestão Agroindus­trial e Zootecnia. A totalidade das respostas enviadas pelas instituições de ensino encontram-se também no relatório CNPq citado anteriormente (BATALHA, 1999).

Os cursos voltados para o agronegócio devem ser capazes de formar profissionais que atendam às exigências de formação colocadas pelas empresas. Na maior parte dos casos, os cursos não apresentam ementas que abarquem as necessidades do mercado de trabalho. Esse fato é justificado, nas respostas dos questionários, pela falta de conhecimento das necessidades do mercado e por ementas defasadas e alheias às modernizações, preocupadas apenas em atender os currículos mínimos existentes.

Em pós-graduação, o principal fator que dificulta a aproximação do futuro mestre ou doutor ao mercado agroindustrial está na visão da maior parte dos programas que considera que o pós-graduado deve apresentar um perfil puramente acadêmico, não necessitando de contatos com o setor industrial.

Um falha encontrada nas grades curriculares, tanto na graduação quanto na pós-graduação, está no fato de suas ementas não privilegiarem o desenvolvimento da capacidade do aluno se expressar, seja de forma escrita ou oral. Apesar das ementas apresentarem algumas disciplinas que cobram a elaboração e apresentação de seminários, nenhum curso, em nenhum nível, apresenta ementas específicas para o ensino de comunicação oral, ao contrário do que ocorre em cursos estrangeiros, em especial os norte-americanos.

Os cursos de especialização são os que mais se aproximam das necessidades do setor agroindustrial. Isso faz sentido, na medida que o propósito desse tipo de curso é ser informativo e se preocupar com a atualização do profissional.

5. A Engenharia de Produção Agroindustrial

Nessa seção é apresentado o curso de Enge­nharia de Produção Agroindustrial (EPAI) da UFSCar, como exemplo de um curso criado com a preocupação de atender às exigências do agribusiness comentadas nas seções anteriores.

O curso de EPAI foi criado, em 1993, para suprir o mercado com profissionais especialmente adaptados à problemática que envolve os atores do sistema agroindustrial. Neste sentido, o curso adota uma ótica sistêmica e procura formar profissionais capazes de atuar nos três grandes macrossegmentos que formam as cadeias de produção agroindustriais: agropecuária, industria­lização e comercialização. Esta visão pressupõe que um sistema de produção alimentar eficiente passa necessariamente pela integração harmoniosa destes três segmentos produtivos. Assume-se que um profissional que alie conhecimentos técnicos de produção, peculiares a cada um destes segmentos, e uma sólida formação em metodologias de gestão, além da indispensável compreensão das interfaces entre estes segmentos, encontrará excelentes oportunidades de colocação no meio acadêmico e empresarial.

O currículo de EPAI atende as necessidades de um curso de engenharia, com disciplinas básicas de engenharia e de ciências exatas. Possui o seu core centrado na engenharia de produção e sua vertente profissional voltada para o agronegócio. Esse curso possui uma forte formação em gestão da produção. O conjunto das disciplinas da engenharia de produção garante boa formação nas áreas de planejamento e controle da produção, qualidade, projeto do produto e da fábrica, organização empresarial, projeto de novos empreendimentos, marketing, logística e micro e macroeconomia.

O curso de EPAI busca estimular a iniciativa do aluno por meio de técnicas e metodologias de desenvolvimento de projetos na área de trabalho, produto e instalações agroindustriais. Nessas dis­ciplinas, o aluno precisa desenvolver trabalhos de campo que envolve relacionamento humano, pois precisa criar condições para contato com as empresas agroindustriais e viabilizá-las via visitas e entrevistas. O desenvolvimento dos projetos exige criatividade, e a apresentação escrita e oral dos resultados força o aluno a se expressar de forma clara e correta.

A participação do aluno em projetos de pesquisa, comum no departamento de engenharia de produção da UFSCar, faz com que o aluno de EPAI aprenda a trabalhar em grupo, desenvolvendo habilidades em práticas de relacionamentos interpessoais, além de aprender a tratar situações-problema.

A capacidade de analisar investimentos é levada ao aluno de EPAI pelas disciplinas relacionadas diretamente com o assunto. No sexto semestre, o aluno entra em contato com princípios básicos de Contabilidade e Finanças, aprendendo princípios contábeis, estática patrimonial, variação do patrimônio líquido, sistema contábil, administração financeira do ativo, passivo e patrimônio líquido. Nos dois semestres seguintes, a capacidade de análise de investimentos é complementada com duas outras disciplinas: Engenharia Econômica e Custos Agroindustriais. A primeira aborda princípios de matemática financeira, análise de substituição de equipamentos, elaboração e análise econômica de projetos. A segunda aborda o estudo de sistemas de avaliação de estoques, tipos de custos, relação custo/volume/lucro (ponto de equilíbrio entre eles), estudo e prática de métodos de custeio e implantação de métodos de custeio. As três disciplinas dotam o engenheiro de produção agroindustrial de capacidade plena para análise financeira de qualquer sistema de produção. A disciplina Custos Agroindustriais trabalha os métodos de custeio tradicionais, com adaptações necessárias para sua aplicação nos sistemas agroindustriais e suas especificidades produtivas.

O estímulo à criatividade técnico-científica se apresenta em praticamente todas as disciplinas profissionalizantes do curso de EPAI, na medida que exige do aluno o desenvolvimento de algum tipo de projeto, seja técnico ou de pesquisa. Assim, o graduando desenvolve sua capacidade de senso crítico, buscando temas de estudo para discussão e pesquisa e seu senso criativo, na busca de soluções para os problemas encontrados durante seu trabalho técnico.

O conhecimento de marketing é passado, basicamente, pela disciplina Estratégias de Mercados Agroindustriais, na qual se aborda o papel do marketing na empresa e na economia, o estudo do marketing no sistema agroindustrial, a oferta e demanda no sistema agroalimentar, o comportamento do consumidor, desenvolvimento de pesquisa de mercado, marketing-mix e planejamento estratégico. O aluno passa a ter visão da importância do mercado no desenvolvimento de qualquer estratégia empresarial, além de tomar conhecimento de ferramentas de análises mercadológicas.

Os conhecimentos em organização industrial são passados nas disciplinas como Teoria das Organizações e Organização do Trabalho, nas quais se abordam a evolução das organizações, as relações humanas e teorias participativas, organogramas e funcionamento de empresas, conceitos de produtividade, divisão do trabalho, principais formas de organização do trabalho e elementos para estruturação da empresa.

Nos dias de hoje conhecimentos em softwares gerais, como planilhas e editores de texto, são considerados como já dominados pelo graduando, ainda que a UFSCar ofereça cursos para alunos que precisem desenvolver a prática em tais programas. Os conhecimentos em softwares específicos são ministrados em várias disciplinas da área de gerência, como Pesquisa Operacional, Simulação de Sistemas, Planejamento e Controle da Produção, Sistemas de Informação e Qualidade. Também a área de projeto do produto e de instalações agroindustriais incentiva a utilização de softwares de computação gráfica e de análise de fluxo de materiais. O aluno de engenharia de produção, em especial o de EPAI, sai da universidade com uma grande bagagem na área de informática.

Por fim, o conhecimento de fatores de produção agrícola são passados ao graduando em disciplinas ministradas por professores do curso de Engenharia Agronômica da UFSCar (campus de Araras), nas disciplinas Fatores de Produção Agropecuária 1 e 2, nas quais são abordados o clima, o solo, a planta e a produção animal como fatores de produção.

O grande diferencial do curso de EPAI é buscar, em todas as disciplinas, formar um profissional com visão sistêmica e estimular sua criatividade e traços de personalidade, na busca de torná-lo competitivo junto aos demais pro­fissionais da área.

6. Conclusões

O sistema produtivo atual exige, do profissional moderno, uma visão abrangente que permita prever mudanças de mercado, adotando uma postura pró-ativa de trabalho, antecipando-se aos fatos e indicando soluções práticas economicamente viáveis. Para tanto é necessária competência gerencial, além de conhecimentos técnicos. Essa competência se faz ainda mais necessária no setor agroindustrial, devido as especificidades próprias aos sistemas produtivos que o formam.

A formação de recursos humanos para o agribusiness brasileiro deve ser capaz de prover o mercado com profissionais cada vez mais capazes de aliar qualidades subjetivas pessoais com qualidades objetivas técnicas. Assim, o mercado exige também profissionais com retidão de caráter, com grande capacidade para se expressar, além de conhecimentos técnico-produtivos.

Apesar da maioria dos cursos brasileiros, formadores de profissionais para o agronegócio, não atenderem aos requisitos exigidos pelo mercado de trabalho atual, o que se vê é uma preocupação e uma evolução na postura dos coordenadores de cursos que, compreendendo as limitações dos currículos existentes, reconhecem que é necessário que ocorram mudanças no perfil do profissional que será formado no futu­ro. Alguns cursos já providenciaram alterações significativas nos seus conjuntos de ementas e planos de ensino.

A Universidade Federal de São Carlos, por intermédio do Departamento de Engenharia de Produção, criou o curso de Engenharia de Produ­ção Agroindustrial que busca formar um profis­sional que se coadune com as necessidades do agronegócio brasileiro. Esse profissional, com uma visão sistêmica, tem conhecimento de todos os setores que compõem o sistema agroindustrial e suas interações. Possui formação técnica/geren­cial para atuar nos diversos sistemas produtivos, em especial nos sistemas agroindustriais.

  • BATALHA, M.O. (Coord.): "Recursos Humanos para o Agronegócio Brasileiro." Relatório CNPq, 1999.
  • COLLINS, R.J. & DUNNE, A.J.: "Utilizing Multilevel Capstone Courses in an Integrated Agribusiness Curriculum." Agribusiness, vol.8, n.6, p.324-331, 1988.
  • FLEURY, A.: "A Engenharia e a Globalizaçăo." Anais da COBENGE, p.87-95, 1997.
  • LITZENBERG, K.K. & SCHNEIDER, V.E.: "Competencies and qualities of agricultural economics graduates sought by agribusiness employers." American Journal of Agricultural Economics, 69, p.1031-1036, 1988.
  • REICH, M.S.: "A Engenharia e a Globalizaçăo." In: FLEURY, A. Anais da COBENGE, p.87-93, 1997.
  • SILVA, P.A.:Anais da COBENGE, p.115-122, 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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