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Complexidade do produto e volume de produção como determinantes da estratégia de desenvolvimento de fornecedores automotivos

Product complexity and production volumes as determining factors of small and medium-sized automotive supplier development strategies

Resumos

Este artigo apresenta as diferentes estratégias de desenvolvimento de pequenos e médios fornecedores de três grupos de grandes empresas automotivas localizados no Rio Grande do Sul. Conforme constatado, esses três grupos de empresas apresentam diferentes estratégias, sendo que a opção por uma dada estratégia é influenciada pela combinação de dois elementos, a saber: a complexidade de produto final (em função do número de itens que o compõem) e o volume de produção.

gestão da produção; cadeia de suprimentos; automotivo


This paper describes the various development strategies for small and medium suppliers of three large automotive groups in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The strategies these three groups adopt are based on a combination of two factors: product complexity (defined by the number of items a product comprises) and production volumes.

production management; supply chain; automotive


Complexidade do produto e volume de produção como determinantes da estratégia de desenvolvimento de fornecedores automotivos

Product complexity and production volumes as determining factors of small and medium-sized automotive supplier development strategies

Giancarlo Medeiros PereiraI; Albert GeigerII

IEngenharia de Produção, Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, Av. Unisinos, 950, CEP 93022-000, S. Leopoldo, RS, e-mail: gian@unisinos.br

IIInstituto Gaúcho de Estudos Automotivos - IGEA/FIERGS, Av. Assis Brasil, 8787, CEP 91140-001, Porto Alegre, RS, e-mail: albert@igea.org.br

RESUMO

Este artigo apresenta as diferentes estratégias de desenvolvimento de pequenos e médios fornecedores de três grupos de grandes empresas automotivas localizados no Rio Grande do Sul. Conforme constatado, esses três grupos de empresas apresentam diferentes estratégias, sendo que a opção por uma dada estratégia é influenciada pela combinação de dois elementos, a saber: a complexidade de produto final (em função do número de itens que o compõem) e o volume de produção.

Palavras-chave: gestão da produção, cadeia de suprimentos, automotivo.

ABSTRACT

This paper describes the various development strategies for small and medium suppliers of three large automotive groups in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The strategies these three groups adopt are based on a combination of two factors: product complexity (defined by the number of items a product comprises) and production volumes.

Keywords: production management, supply chain, automotive.

1. Introdução

As grandes montadoras da cadeia automotiva global iniciaram recentemente um processo de delegação produtiva junto a seus fornecedores de primeiro nível. Contudo, a prática da delegação produtiva não ficou restrita às montadoras, uma vez que os fornecedores de primeiro nível, bem como seus parceiros, também deslocaram parte de suas atividades produtivas para empresas atuantes nos níveis mais inferiores da referida cadeia, permitindo assim que muitas PMEs (pequenas e médias empresas) atuantes em outras cadeias produtivas se inserissem na referida rede de suprimentos.

Uma vez que o desenvolvimento de pequenos e médios fornecedores possui grandes benefícios, tanto para as grandes empresas como para as PMEs, cumpre aqui questionar os motivos da baixa inserção das pequenas e médias na cadeia de fornecimento automotivo.

Objetivando entender melhor os diferentes elementos que influenciam as estratégias de desenvolvimento de novos fornecedores automotivos, esta investigação avaliou, por meio de um Estudo de Caso múltiplo do tipo exploratório e indutivo, a relação entre grandes e PMEs atuantes na cadeia automotiva do Rio Grande do Sul.

Conforme contatado, a estratégia de desenvolvimento de fornecedores difere entre as grandes empresas do setor, sendo que a opção por uma dada estratégia é influenciada pelo par complexidade do produto final (em nível de número de itens que o compõem) e o volume de produção.

Nas seções seguintes, são apresentados a fundamentação teórica do estudo, os procedimentos metodológicos observados, as informações auferidas e uma discussão acerca deles.

2. Referencial teórico

2.1 Tendências da cadeia automotiva

Os novos relacionamentos de fornecimento e localização das atividades produtivas em curso na indústria automotiva global acabaram por influenciar uma desconcentração nas unidades de montagem, o que não necessariamente significa dizer que foram desconcentradas as operações de maior valor agregado. No caso específico do Brasil, os dados apontam que São Paulo ainda concentra 72% de todas as atividades de projeto desenvolvidas na cadeia automotiva nacional (Zilbovicius et al., 2002).

Analisando as mudanças em curso, Scavarda e Hamacher (2003) postulam que a estratégia das grandes empresas montadoras consiste em deslocar parte de suas atividades de produção para os seus fornecedores de primeiro nível, o que provoca uma sensível racionalização no número de fornecedores diretos de uma dada montadora. A racionalização descrita, por sua vez, objetiva fortalecer a parceria entre montadora e fornecedores de primeiro nível, permitindo assim a redução de custos advinda do conceito de módulos, bem como uma maior adição de valor aos fornecedores de primeiro nível da cadeia (Collins et al., 1997; Pires, 1998; Bailey, 2004; Freyssenet e Lung, 2003; Helper e Macduffie, 2000; Smock, 2001).

Com efeito, a estratégia de "horizontalização" anteriormente descrita habilita as grandes montadoras a se concentrarem em questões mais especializadas em nível de produto, como por exemplo, a integração dos diversos módulos veiculares, deixando a cargo dos parceiros o aprimoramento dos sistemas, subsistemas e componentes veiculares - Chiesa et al. (2000) e Cousins e Spekman (2003). Desta forma, a montadora prioriza as atividades e competências relativas à criação de características que identificarão o produto junto ao mercado consumidor, cabendo aos seus parceiros diretos a responsabilidade sobre o aprimoramento tecnológico dos diferentes sistemas que comporão o veículo, como por exemplo, o sistema elétrico ou o sistema de freios (Karlsson, 2003; Freyssenet e Lung, 2003).

Contudo, Bailey (2004) alerta que a ampliação do escopo produtivo das empresas do primeiro nível da cadeia automotiva trouxe consigo um efeito colateral inesperado, o do aumento da complexidade na gestão da produção. Para fazer frente a tal situação, essas empresas repassam parte de suas atividades a parceiros atuantes em níveis inferiores da rede de suprimentos, os quais se especializam na produção de parte desses sistemas. Uma vez que as empresas delegadas também repassam parte de sua produção a outras organizações menores, tem-se o surgimento espontâneo de múltiplos ramos de uma cadeia de suprimentos. Conforme Mudambi e Helper (1998), esses pequenos e múltiplos ramos são especializados na manufatura de peças ou de componentes específicos.

Analisando a ramificação descrita, Karlsson (2003) postula que uma típica cadeia automotiva contém os seguintes elementos: montadora, integrador, fornecedor de sistemas, fornecedor de subsistemas e fornecedor de componentes. No último degrau da rede de suprimentos automotiva, se encontram as PMEs (pequenas e médias empresas), as quais atuam também em outras cadeias produtivas e vendem seus excedentes de capacidade para empresas atuantes na automotiva (Pereira e Geiger, 2002; Bailey, 2004).

A destinação da produção para empresas de diferentes portes descortina reflexões sobre os efeitos de tal política em nível de eficiência, uma vez que esta não desobriga os parceiros menores de buscarem permanentemente o incremento da eficiência em suas operações. Em verdade, a otimização de uma rede de fornecedores requer que todas as atividades agreguem o máximo valor, pelo mínimo custo possível - Pires (1998). Em decorrência do descrito, é imperioso que a adequação às normas de qualidade, aos programas de redução de custos e à flexibilidade sejam também repassadas às demais empresas da cadeia, independentemente de seu porte ou ramo de atividade. Tais requisitos objetivam garantir uma geração de valor superior àquela baseada na idéia de organização vertical, ao mesmo tempo em que se obtém a redução de diversos custos oriundos de desperdícios típicos das relações interfirmas (informação, tempo, espaço, esforço, transporte, etc.). Conforme Lacerda (2003), a adesão aos elementos listados é essencial em um cenário como o atualmente verificado no Brasil, em que os programas de produção são ajustados semanalmente (quando não diariamente), com o objetivo de atender "exatamente" ao mix de venda de veículos.

Com efeito, as freqüentes alterações na programação da produção viabilizam a manutenção dos estoques da montadora em níveis muito baixos. Além disso, a citada política distribui entre todas as empresas de sua rede de fornecimento o risco, bem como os custos das variações de demanda do mercado (Pereira e Geiger, 2002).

Estando analisadas as tendências da cadeia automotiva, o próximo tópico versará sobre o desenvolvimento de fornecedores na referida rede.

2.2 A importância do desenvolvimento de fornecedores na cadeia

A importância do desenvolvimento de fornecedores tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores, dentre os quais se citam Humphrey et al. (2000), Krause (1997) e Tan e Wisner (2003). No caso da cadeia automotiva, o desenvolvimento de fornecedores assume proporções consideráveis em nível de complexidade de gestão da cadeia produtiva, porque, segundo estimativas de Karlsson (2003), um veículo pode conter 10.000 itens, ou mais. Em função do descrito, bem como da política de delegação produtiva em curso, muitas empresas atuantes em outras cadeias produtivas tem se inserido na cadeia automotiva Bailey (2004).

Objetivando quantificar a participação das PMEs na produção de um conjunto automotivo produzido no Brasil, Pereira e Geiger (2002) analisaram uma multinacional produtora de motores a diesel para caminhões, tratores e camionetas. Segundo os autores, esta pode chegar a 40% do número de itens listados na estrutura de produto. Contudo, os autores, igualmente, ressaltam que é de apenas 8% a participação das PMEs no custo final do produto.

A despeito da baixa participação na composição dos custos, a contribuição das PMEs para a viabilização das metas das grandes empresas é tida como estratégica, haja vista a sazonalidade e os baixos volumes (em nível global) produzidos no Brasil. Analisando a questão em outros mercados, Karlsson (2003) e Freyssenet e Lung (2003) postulam que o desenvolvimento de fornecedores reduz a necessidade de investimentos nas grandes empresas, bem como os riscos de obsolescência de uma dada tecnologia. Em casos como o descrito, Nootboom apud Sako et al. (2000) declara que as parcerias objetivam complementar recursos que uma empresa não tem, ou deseja não ter, com o intuito de se focalizar em outras competências. Desta forma, o valor de um parceiro pode ser medido em muitas dimensões, dentre as quais se cite a tecnológica, a organizacional, etc. Esses elementos referendam a percepção de Ribeiro e Neumann (2004) de que o desenvolvimento de pequenos e médios fornecedores possui grandes benefícios para as grandes empresas.

Apesar das vantagens anteriormente citadas para ambas as partes, a relação entre grandes e pequenas organizações da cadeia automotiva vem sendo conflituosa ao longo dos anos - Cousins e Crone (2003) -, uma vez que as grandes empresas se utilizam de seu poder para pressionar as PMEs em tópicos que vão do preço final até os investimentos que a contratada deverá fazer para poder fornecer à contratante. Analisando a questão dos investimentos, Sako et al. (2000) comenta que estes precisam ser tratados com muito cuidado, pois podem causar dependência mútua. Aliás, essa dependência pode assumir contornos preocupantes caso a PME o faça com o único propósito de viabilizar sua inserção em alguma rede de fornecimento automotiva. Em decorrência do cenário descrito, muitas pequenas empresas têm preferido se manter à margem da citada cadeia.

Contudo, a relação em foco também traz benefícios para as pequenas organizações, dentre os quais se citam a indução de um maior desenvolvimento tecnológico e gerencial advindos da necessidade de adequação das PMEs aos paradigmas requeridos pelas grandes organizações globais - Ambros (2000). Além disso, é mister ressaltar que os volumes de compra praticados no setor e a certeza do pagamento igualmente se constituem em poderosos atrativos para as PMEs, as quais podem se utilizar da parceria para amortizar seus investimentos feitos com outros propósitos que não o fornecimento à cadeia automotiva.

Uma vez apresentados os aspectos relativos à importância do desenvolvimento de fornecedores para o aumento da flexibilidade e a redução de custos ao longo da rede de suprimentos, o próximo tópico versará sobre as estratégias de desenvolvimento de fornecedores automotivos no Brasil.

2.3 As estratégias de desenvolvimento de fornecedores automotivos no Brasil

Em um recente trabalho focado no cenário brasileiro, Alves Filho et al. (2003) postulam que é preciso se analisar com detalhes as peculiaridades inerentes a cada um dos ramos da indústria automotiva nacional. Os autores demonstram em sua investigação que cada ramo da cadeia automotiva possui variações em suas estratégias de gestão da cadeia de suprimentos, fato esse que, a despeito das teóricas semelhanças entre as estratégias globais da cadeia automotiva, acaba, na prática, por se refletir em estratégias operacionais totalmente diversas conforme as especificidades da empresa em questão.

Objetivando validar suas afirmações, os autores analisaram o caso de uma cadeia produtora de caminhões e de uma cadeia produtora de motores. Segundo eles, a indústria de caminhões aumenta sua flexibilidade (mais tipos de caminhões e menores prazos de entrega) via mudanças na própria planta montadora, em primeiro lugar, mas daí decorrendo mudanças também no primeiro nível de seus fornecedores. Todavia, no caso da cadeia de motores, o aumento de flexibilidade ocorre pela ampliação do número de fornecedores no primeiro nível e pelo aumento da flexibilidade interna de alguns fornecedores (Alves Filho et al., 2003).

A análise das conclusões dos autores citados permite descortinar alguns questionamentos acerca dos elementos que induzem uma dada estratégia de desenvolvimento de fornecedores em cada um dos diferentes ramos da cadeia automotiva nacional (produtores de automóveis, ônibus, caminhões, tratores e máquinas agrícolas).

Isso posto, o próximo tópico descreverá a estrutura da cadeia automotiva do Rio Grande do Sul, a qual serviu de base para o presente estudo.

2.4 Contextualização da cadeia automotiva do Rio Grande do Sul

A cadeia automotiva gaúcha apresenta em seu nível superior um conjunto de empresas dedicadas à produção de automóveis, tratores e ônibus. Dentre estas cumpre destacar duas empresas tipicamente gaúchas, a saber, a Agrale e a Marcopolo – principal montadora de ônibus do mundo. O restante do grupo de grandes montadoras instaladas no Estado é composto por multinacionais como GM, AGCO, e JOHN DEERE, sendo que as últimas duas estão entre as líderes mundiais do setor de máquinas agrícolas (Zawislak, 1999).

No nível imediatamente inferior, encontram-se também empresas de grande porte, muitas delas presentes em diferentes países do mundo (DANA, GKN, DELPHI, INTERNATIONAL ENGINES, etc.), as quais produzem desde componentes individuais até sistemas inteiros de um dado veículo. Em decorrência disto, estas empresas são denominadas localmente de "sistemistas" (Ambros, 2000).

A complexidade inerente ao produto automotivo faz com que a produção de parte dos componentes e sistemas seja confiada a outras empresas especializadas em uma parte específica do processo produtivo, condição esta que viabiliza a inserção de inúmeras PMEs atuantes em outros setores que não exclusivamente o automotivo (Pereira e Geiger, 2002).

Nesse contexto, era de se esperar que as PMEs gaúchas estivessem a dominar a lista de fornecedores de itens avulsos usualmente adquiridos pelas grandes empresas produtoras de autopeças localizadas no Estado. Porém, o que se constata é justamente o contrário, porque uma parcela significativa dos pedidos, que poderiam ser destinados às pequenas empresas locais, ainda é destinada a empresas de mesmo porte localizadas em outros Estados, não obstante o diferencial de custos logísticos apresentado por tais produtores gaúchos (Santos, 2004).

Uma vez apresentada a fundamentação teórica da presente investigação, o próximo tópico apresentará os elementos considerados no delineamento científico desta.

3. Delineamento da pesquisa e aspectos metodológicos considerados

Conforme visto na revisão bibliográfica, a cadeia automotiva global passa por um processo de "horizontalização" em suas atividades produtivas - Zilbovicius et al. (2002). Esse processo objetiva fortalecer a parceria entre montadora e fornecedores de primeiro nível (Scavarda e Hamacher, 2003; Collins et al., 1997; Pires, 1998; Helper e Macduffie, 2000; e Smock, 2001).

A delegação em foco libera as montadoras para se concentrarem em questões mais especializadas em nível de produto - Chiesa et al. (2000) e Cousins e Spekman (2003), cabendo aos parceiros o aprimoramento dos sistemas veiculares (Karlsson, 2003).

Contudo, o processo em foco não ficou restrito às montadoras, sendo igualmente repassado a outros níveis da cadeia, abrindo assim espaço para muitas PMEs atuantes em outras cadeias produtivas (Mudambi e Helper, 1998; Pereira e Geiger, 2002).

Conforme demonstrado por Humphrey et al. (2000), Krause (1997), Tan e Wisner (2003), Ribeiro e Neumann (2004), Karlsson (2003) e Pereira e Geiger (2002), o desenvolvimento de pequenos e médios fornecedores possui grandes benefícios para as grandes empresas. De outra parte, Ambros (2000) e Pereira e Geiger (2002) identificam um conjunto de vantagens para as PMEs na relação com as grandes do setor.

Todavia, a importância estratégica descrita anteriormente parece não corresponder à realidade da difícil interação entre grandes e PMEs usualmente verificada na citada cadeia - Cousins e Crone (2003). Essa constatação é localmente respaldada por Santos (2004), o qual identificou uma baixa inserção das PMEs na cadeia de fornecimento automotivo, a despeito do bom momento vivido pelo referido setor IGEA/FIERGS (2004).

Uma vez que a baixa inserção listada pode estar relacionada às diferentes estratégias de fornecimento automotivo praticadas pelas grandes empresas, cumpre aqui questionar a existência de "novos elementos" não cobertos pela literatura que podem estar influenciando a definição das referidas estratégias na citada cadeia.

Isso posto, pode-se então formular a questão de pesquisa que norteará o presente estudo, qual seja:

Como as grandes empresas da cadeia automotiva gaúcha estão tratando o desenvolvimento dos seus pequenos e médios fornecedores locais, e quais os elementos que condicionam a adoção de tais estratégias?

Objetivando responder à questão acima, e considerando a importância do envolvimento direto do pesquisador na coleta de informações, o presente estudo delineou uma investigação baseada no método do Estudo de Caso múltiplo do tipo holístico conforme proposto por Yin (2001). O citado estudo será de caráter exploratório e indutivo.

A escolha do método deu-se em função das peculiaridades inerentes ao objeto de estudo em foco. Dentre essas peculiaridades se citem o baixo número de empresas de grande porte atuando na cadeia automotiva no Estado e a necessidade de se explorar em profundidade uma dada questão, condições essas que levaram ao descarte do método do survey. A impossibilidade de atuação/interferência dos investigadores no cotidiano de cada uma das organizações e a necessidade de contemplar-se a realidade de uma ampla gama de empresas acabaram por descartar o método da pesquisa-ação. Ademais, há que se considerar a impossibilidade de manipulação do objeto em estudo, condição essa que determinou o descarte da possibilidade de uma investigação experimental.

Estando definido o método do estudo de caso, foram selecionados para a entrevista executivos dos setores de compras, ou logística, de 4 das 6 maiores produtoras de autopeças gaúchas, e de 3 das 4 maiores montadoras de veículos localizadas no Estado. A escolha das grandes empresas participantes foi feita com base no volume de compras da organização, conforme dados fornecidos pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS).

No que se refere ao objetivo da presente investigação, esta busca identificar, entre as grandes empresas da cadeia automotiva do Rio Grande do Sul, diferenças nas estratégias de desenvolvimento de fornecedores, ampliando, desta forma, o entendimento científico acerca do tema.

Entrevistas semi-estruturadas com os agentes listados, observações diretas feitas ao longo de 3 anos de envolvimento dos pesquisadores com o Comitê de Mercado e com o Comitê de Promoção e Marketing do IGEA/FIERGS, bem como a análise de documentos compuseram as fontes de evidências utilizadas para a coleta das informações (Yin, 2001).

Objetivando consolidar os construtos adotados, igualmente foi feita a triangulação das informações coletadas, bem como a codificação em três etapas proposta por Strauss and Corbin (1990). A primeira etapa consistiu de uma codificação aberta, a segunda etapa consistiu da codificação axial, sendo que, finalmente, procedeu-se a codificação seletiva.

A análise dos dados seguiu a proposta de Eisenhardt (1989). Por ela, inicialmente é feita uma análise das informações coletadas em cada um dos "cases" analisados. Na seqüência, é feita uma análise ao longo dos diferentes "cases" estudados. A análise final baseou-se na matriz dinâmica proposta por Miles and Huberman's (1994).

O resultado final auferido pelo processo de análise anteriormente descrito foi orientado pelos pressupostos para a pesquisa com o método do estudo de caso de Voss et al. (2002).

Isso posto, a próxima seção apresentará a síntese das informações obtidas com a presente investigação.

4. Nível de interação entre empresas no desenvolvimento de pequenos fornecedores

Objetivando identificar as estratégias de desenvolvimento de pequenos e médios fornecedores implementadas pelas grandes empresas, este estudo inicialmente analisou as formas de interação existentes entre os diferentes agentes envolvidos. Conforme constatado, diferem, e muito, as práticas de interação das grandes organizações estudadas, fato esse que indica a existência de diferentes estratégias de desenvolvimento de fornecedores entre as empresas analisadas.

Nesse contexto, considerando que algumas das informações coletadas ainda não foram descritas na literatura, os autores propõem, neste momento, uma classificação própria para as práticas de interação identificadas pelo presente estudo, a saber: interação incipiente, mediana e avançada. Os diferentes tipos de interação identificados são apresentados a seguir.

4.1 Interação incipiente

Neste tipo de relacionamento, a grande empresa seleciona seus atuais e futuros parceiros com base única e exclusivamente em requisitos formais e de fácil avaliação, como por exemplo, o custo e a existência de certificados de qualidade típicos da cadeia em foco.

Uma análise no perfil das empresas classificadas ante tal característica revelou que são grandes produtoras locais de autopeças atuantes no primeiro nível de suprimentos das principais montadoras de automóveis e caminhões nacionais. Essas grandes produtoras de autopeças, geralmente caracterizadas por sua presença global, conjugam dois elementos extremamente peculiares, quais sejam: produtos finais constituídos de um reduzido número de itens (em geral, menos de 100 elementos), o que se pode aqui denominar de baixa complexidade de produto, e altos volumes de produção (centenas de milhares de componentes de um mesmo conjunto).

Em decorrência de tais condicionantes, possuem uma base de fornecedores relativamente pequena e estável, condição essa que permite que as grandes empresas em foco estabeleçam severas exigências para a seleção de seus pequenos e médios fornecedores.

Com efeito, a inserção de uma pequena empresa no círculo de fornecimento dessas empresas não é uma tarefa fácil, haja vista o custo envolvido para a obtenção de todos os certificados de qualidade exigidos pelo pretenso cliente, bem como a falta total de apoio por parte das grandes empresas para o financiamento da qualificação das PMEs.

4.2 Interação mediana

Este é o caso daqueles relacionamentos em que a grande empresa privilegia organizações que possuam algum certificado de qualidade. Todavia, esta vai além das empresas de interação "incipiente" quando busca cooperar com seus atuais e potenciais futuros parceiros mediante o aporte de eventuais assessorias tecnológica e gerencial às pequenas empresas.

Contudo, o grande diferencial verificado em nível de estratégia de desenvolvimento de fornecedores das empresas classificadas como interação "mediana" e as de interação "incipiente" se encontra na possibilidade de divisão dos custos de confecção do ferramental necessário para a produção de um novo item. Conforme constatado, a citada prática reduz significativamente as barreiras de entrada usualmente enfrentadas pelas PMEs com menor capacidade financeira.

A análise do perfil das empresas classificadas como interação "mediana" revela que são produtoras de autopeças cuja complexidade do produto final, em nível de número de itens, é maior do que as do grupo anterior (entre 100 e 1000 itens), condição essa que combinada com um menor volume de produção, e uma maior variedade de produtos finais acaba por provocar certo relaxamento nas restrições de entrada de novos fornecedores.

Em decorrência do exposto, identifica-se aqui uma estratégia de desenvolvimento de fornecedores diferenciada, especialmente no que se refere ao apoio às PMEs.

4.3 Interação avançada

Esta modalidade de interação foi detectada em apenas duas grandes empresas montadoras de ônibus e tratores, as quais, tradicionalmente, conjugam grande diversidade de produtos finais (dezenas de modelos em produção simultânea) com estruturas de produto marcadas pela grande quantidade de componentes (mais de 1.000 componentes listados na estrutura de um dado produto).

A combinação dos fatores anteriormente listados aumenta substancialmente a importância estratégica das PMEs para a grande empresa, um vez que delas depende o aumento da flexibilidade da cadeia de suprimentos das citadas montadoras.

No que se refere à interação dessas montadoras com as PMEs, o presente estudo identificou, em uma das empresas estudadas, ações "pouco usuais" com relação ao desenvolvimento de novos fornecedores, especialmente no que se refere ao apoio dado por estas ao desenvolvimento de competências técnicas e gerenciais junto aos seus atuais e potenciais futuros fornecedores.

Apenas a título de exemplo, cumpre aqui destacar que a mais inovadora das empresas listada como detentora de um nível de interação "avançada", recentemente, desenvolveu e custeou parcialmente um programa nacional de capacitação de seus pequenos e médios fornecedores. A citada ação é resultado de uma estratégia global recentemente desenvolvida pela matriz da empresa, a qual objetiva transformar o Brasil em uma plataforma de produção e exportação de peças e componentes para as demais plantas da organização localizadas nos Estados Unidos e na Europa.

O Quadro 1 apresenta uma síntese das informações anteriormente expostas acerca do nível de interação entre as grandes empresas e os pequenos fornecedores da cadeia automotiva gaúcha.


De posse da constatação de que diferentes são os níveis de interação entre as grandes e as pequenas empresas da cadeia automotiva, procurou-se então investigar com maior profundidade os motivos que levam as grandes organizações a se posicionarem desta forma.

Para tanto, foi feito o mapeamento das visões que as grandes corporações analisadas neste estudo possuem acerca de sua relação com os pequenos fornecedores. A próxima seção apresenta as informações coletadas.

5. A visão das grandes empresas acerca de seus pequenos fornecedores

Estando identificadas as diferentes práticas de interação do setor, e objetivando desvelar os "motivos" que induzem a adoção de diferentes estratégias de desenvolvimento de fornecedores, o presente estudo executou uma segunda rodada de entrevistas com os gestores das grandes empresas descritas. Nessa segunda etapa foi adotada inicialmente, uma abordagem indireta, a qual se baseou em questionamentos genéricos acerca da visão das grandes organizações sobre o futuro de sua relação com as PMEs. Somente ao final das entrevistas é que se estabelecia uma discussão mais aprofundada com os entrevistados sobre o tema em foco.

O resultado da segunda rodada de investigação apontou um conjunto de visões totalmente distintas. Após a aplicação dos pressupostos metodológicos de Strauss e Corbin (1990), Eisenhardt (1989), Miles e Huberman's (1994) e Voss et al. (2002) anteriormente descritos, as visões identificadas puderam ser classificadas em 3 grandes grupos. Conforme contatado, essas visões inspiram profundamente as estratégias de desenvolvimento de novos fornecedores em curso nas empresas entrevistadas.

Uma vez que algumas das informações coletadas ainda não foram descritas na literatura, os autores propõem, neste momento, uma classificação própria para as visões identificadas, a saber: utilitária, conveniência estratégica e de co-responsabilidade. A seguir são apresentadas as visões identificadas.

5.1 Visão utilitária

Sob esta ótica, a grande empresa não se interessa em estreitar relacionamentos com seus atuais ou futuros provedores. Segundo os gestores de tais organizações, o que interessa são preço, certificação de qualidade e pontualidade de entrega, sendo que as empresas que não atingirem tais requisitos deverão ser eliminadas da relação de fornecedores ativos.

Na visão dos gestores de tais unidades, as quais anteriormente tiveram sua interação classificada como "incipiente", é mais conveniente para suas unidades importarem itens dos fornecedores de suas outras plantas ao redor do mundo, que despender tempo e recursos no desenvolvimento de fornecedores locais de pequeno e médio porte. Com efeito, a importação nesse grupo de empresas é viável em função da associação entre o seu considerável volume de compra e a baixa diversidade de itens a serem adquiridos.

Ainda, segundo as mesmas fontes entrevistadas, os controladores de suas unidades no exterior têm dificuldade de entender uma estratégia de desenvolvimento de fontes locais de suprimento em áreas cuja performance dos pretensos fornecedores dificilmente conseguirá, em um curto espaço de tempo, se igualar a performance de outras partes do globo já reconhecidas por sua excelência. Como exemplo, cite-se o caso das peças forjadas automotivas, as quais têm seu benchmark mundial localizado no leste Europeu.

Contudo, os mesmos gestores igualmente reconhecerão que tal visão não pode ser aplicada amplamente, porque as flutuações da moeda nacional com relação ao Euro e ao Dólar exigem uma estratégia de desenvolvimento de fornecedores um pouco mais focada nas opções locais. Conforme definido por um dos gestores entrevistados, as grandes produtoras globais de autopeças que atuam no Brasil encontram-se imersas em um cenário não usual em países de primeiro mundo, cenário esse que foi classificado por elas como "mutante e restritivo". Mutante no que se refere ao aspecto cambial, e restritivo no que se refere à busca de soluções nacionais que possam, a custo quase zero, igualar os indicadores dos benchmarks globais de um dado item.

Em decorrência dos elementos anteriormente expostos, os entrevistados dessas grandes organizações postularam que a adoção de uma estratégia de desenvolvimento baseada em uma interação "incipiente" acaba por produzir, nas corporações globais da cadeia em estudo, uma visão meramente "utilitária" de seus fornecedores locais.

Com efeito, na visão dessas empresas, esses fornecedores serão substituídos por outros de melhor performance assim que se criem condições estáveis em nível de política cambial.

5.2 Visão de conveniência estratégica

Uma vez identificada a visão das empresas do grupo anterior, a presente investigação dedicou-se a entrevistar os gestores das empresas classificadas como pertencentes ao primeiro e ao segundo nível da cadeia automotiva, as quais, na etapa anterior, tiveram suas práticas de interação com seus atuais e futuros pequenos fornecedores classificadas como "medianas".

Conforme constatado, essas empresas se interessam em apoiar seus fornecedores apenas quando estes apresentarem problemas de "performance" em nível de qualidade, preço e flexibilidade de entrega. É importante notar que este apoio não será dado a todos os fornecedores, mas sim, àqueles que a grande empresa julgar "conveniente".

Objetivando aprofundar um pouco mais a questão em foco, questionou-se então os gestores das citadas organizações sobre sua visão acerca do desenvolvimento de novos fornecedores, especialmente aqueles oriundos de PMEs. As ponderações formuladas por eles permitem concluir que essas organizações gostariam de selecionar seus novos parceiros de suprimento tomando como base apenas os critérios preço, pontualidade e certificação, os quais caracterizam a prática do grupo anteriormente apresentado.

Entretanto, os mesmos entrevistados declaram que a maior diversidade de itens a ser adquirida, associada aos volumes intermediários de suas aquisições, inviabiliza a adoção de tal estratégia em suas unidades. Assim sendo, esses mesmos entrevistados reconheceram que a combinação dos elementos descritos acaba por determinar que suas organizações, mesmo a contragosto, se envolvam mais diretamente no apoio às PMEs.

Ainda, segundo os entrevistados, o contexto que envolve o pleno abastecimento de suas linhas de suprimento acaba por determinar uma relação que se caracteriza pelo relaxamento de certos requisitos formais de certificação da qualidade e, em alguns casos extremos, até de preço. Em paralelo a tais elementos, a grande empresa igualmente aceita alguns custos adicionais indiretos advindos do desenvolvimento de matrizes e do apoio técnico/gerencial a seus "parceiros". Sem esse envolvimento financeiro e de Know How, argumentam os entrevistados, é muito difícil desenvolverem-se fornecedores efetivamente capacitados.

Conforme constatado, somente mediante tais ações se torna possível às empresas dotadas de uma complexidade de produto média e de volumes de produção de baixos a médios manter o fluxo regular de suprimento em suas linhas de produção.

Nesse contexto, parece adequado enquadrar tais organizações como possuidoras de uma visão de "conveniência estratégica" para com seus atuais e futuros fornecedores de pequeno e médio porte.

5.3 Visão de co-responsabilidade

A análise das visões dos grupos anteriores começou a desvelar a noção de que o binômio complexidade do produto e volume de produção efetivamente influenciava as estratégias de desenvolvimento das grandes organizações da cadeia automotiva.

De posse de tais conclusões preliminares, procedeu-se, então, à avaliação daquelas empresas cujo produto era bastante complexo, com relação ao número de itens, bem como cujo volume de produção era baixo, quando comparado com as escalas tradicionais dos fornecedores de primeiro e segundo nível do setor. Este é o caso típico das montadoras de ônibus e tratores localizadas na região.

As montadoras entrevistadas declararam estar muito interessadas no aumento da eficiência gerencial e tecnológica de seus pequenos fornecedores, uma vez que somente assim estes poderão colaborar com o aumento da competitividade da grande empresa, haja vista a diversidade de itens a ser produzida e sua baixa escala. Tanto isto é verdade, que, conforme dissertado anteriormente, uma das organizações entrevistadas estava subsidiando a capacitação parcial de uma parcela de seus fornecedores.

Conforme constatado nos pronunciamentos de diferentes entrevistados em ambas as organizações, a inclusão de pequenos e médios fornecedores atuantes em outros setores de atividade, que sejam especializados em determinados processos de fabricação, como por exemplo, estamparia, se constitui em uma ação estratégica para aumentar o suprimento, a custos razoáveis, de itens de baixo volume de produção e de baixo valor agregado.

Nesse contexto, o apoio às PMEs, combinado com um relaxamento um pouco maior de alguns requisitos de qualidade e preço, apresenta-se como essencial para a viabilização da citada estratégia de desenvolvimento de fornecedores. Segundo os executivos entrevistados, qualquer ação que não obedeça a tais pressupostos pode pôr em risco o suprimento de suas linhas de montagem.

Assim sendo, parece adequado enquadrar tais organizações como possuidoras de uma visão de "co-responsabilidade" para com seus atuais e futuros fornecedores de pequeno porte.

O Quadro 2 apresenta uma síntese das informações anteriormente expostas, bem como as relaciona com o perfil de empresa e produto em questão:


A análise do quadro apresentado permite concluir que existe uma relação coerente entre o par complexidade do produto final/volume de produção e as diferentes estratégias de desenvolvimento de fornecedores adotadas pelas grandes empresas gaúchas da cadeia automotiva. Nesse contexto, o próximo tópico fará uma análise crítica da citada relação.

6. Análise dos fatores de influência sobre a estratégia de desenvolvimento

A observação da estratégia de desenvolvimento de fornecedores das grandes empresas cujo produto apresenta uma baixa diversidade de itens integrantes do produto final e um grande volume de produção revela que estas apresentam uma relação "incipiente" com seus pequenos fornecedores. Como resultado de tal relação, a grande empresa apresenta uma visão meramente "utilitária" das PMEs, na definição da estratégia de suprimentos de suas linhas produtivas. A conseqüência do exposto acaba por degenerar o relacionamento entre as partes, uma vez que a estratégia de desenvolvimento de novos fornecedores fica restrita à mera ponderação de elementos como preço, pontualidade de entrega e certificação de qualidade.

Embora a totalidade dessas grandes empresas seja fornecedora de primeiro nível da indústria automotiva nacional, e, em especial, do ramo dedicado à produção de automóveis, é importante aqui ressaltar que a citada prática não é unânime entre os fornecedores do primeiro nível, e, principalmente, do segundo nível da cadeia de suprimentos da indústria automotiva. Em verdade, o que diferencia a estratégia de desenvolvimento de pequenos e médios fornecedores não é a posição relativa da grande empresa na cadeia automotiva, mas sim o binômio volume de produção e diversidade de itens que compõem o produto final.

A citada constatação foi referendada pela identificação de uma relativa suavização nos requisitos de desenvolvimento entre algumas empresas fornecedoras de primeiro e segundo nível da cadeia automotiva. A observação dos Quadros 1 e 2 anteriormente apresentados revela que tal suavização se relaciona diretamente com o aumento da complexidade do produto final (em número de itens que o compõem) e com seu volume de produção, fato esse que classifica tais empresas como interação "mediana" e visão de "conveniência estratégica".

Por fim, tem-se as montadoras de ônibus e tratores, as quais possuem baixos volumes de venda quando comparadas com as montadoras de automóveis, e cujas estratégias de desenvolvimento de fornecedores foram classificadas nesse trabalho como interação "avançada" e de visão de "co-responsabilidade". Com efeito, os dados auferidos permitem concluir que tal postura advém da grande diversidade em nível de número de itens apresentado pelo produto final dessas montadoras (mais de 1.000 itens), bem como por seus baixos volumes de produção praticados (centenas de produtos finais no período de um ano). Essa condição faz com que tais montadoras precisem interagir intensamente com seus pequenos fornecedores para incrementar, a custos razoáveis, a flexibilidade produtiva em suas linhas de manufatura.

Conforme declarado pelos entrevistados dessas organizações em mais de uma ocasião, a inserção de PMEs atuantes em outros setores da economia, que não exclusivamente o automotivo, é uma ótima opção à disposição das montadoras de baixo volume para se flexibilizar a produção, a custos razoáveis, de produtos complexos em baixa escala.

A ponderação conjunta dos elementos pode ser sintetizada na Figura 1.


A análise das informações apresentadas confirma o senso comum de que as empresas buscam, permanentemente, reduzir os custos de aquisição dos insumos utilizados em seus produtos finais. Porém, a referida investigação também traz à tona os limites desta política ao longo da rede de suprimento automotiva. Conforme demonstrado ao longo do texto, em alguns casos a combinação da complexidade com o volume impede que tais políticas de suprimento se reduzam a elementos simples, e de fácil mensuração, como por exemplo, o preço, a pontualidade de entrega e a existência de certificação da qualidade. Em decorrência de tais limitações, diversas são as estratégias de desenvolvimento de fornecedores atualmente praticadas ao longo da cadeia automotiva.

Ademais, a reflexão acerca dos limites impostos pela relação complexidade/volume permite especular que, em função dos riscos de falta de suprimento das linhas montagem, poucas são as chances de que se obtenha uma estratégia de desenvolvimento de fornecedores diferente das que hoje se verificam na cadeia automotiva.

7. Conclusões

A confrontação dos pressupostos metodológicos adotados no presente estudo com as informações auferidas permite concluir que as grandes empresas da cadeia automotiva gaúcha não possuem uma estratégia uniforme para o desenvolvimento de seus fornecedores, especialmente em se tratando daquelas organizações atuantes nos níveis mais baixos da referida rede de suprimentos.

Objetivando agrupar as diferentes interações identificadas, o presente texto propôs a seguinte classificação: "incipientes", "medianas" e "avançadas". Conforme identificado, as práticas de interação descritas acabam por induzir na grande empresa diferentes visões acerca da importância dos parceiros localizados nos níveis mais inferiores de sua cadeia de suprimentos. Essas visões foram denominadas pelo autor de "utilitária", "conveniência estratégica" e de "co-responsabilidade".

A busca pelos motivos que levam a tal postura identificou dois elementos principais, a saber: A complexidade do produto final (em nível do número de itens que o compõem) e o volume de produção. A combinação desses elementos dá origem a três grupos principais de estratégias de desenvolvimento. O primeiro deles é composto por empresas com interação "incipiente" e visão "utilitária", as quais possuem um volume de produção na ordem de centenas de milhares de unidades, sendo que seus produtos são compostos de menos de uma centena de componentes. No grupo intermediário estão as empresas que produzem dezenas de milhares de unidades de um dado produto, o qual, via de regra, contém entre 100 e 1.000 itens. Essas empresas foram classificadas como detentoras de uma interação "mediana" e uma visão de "conveniência estratégica". O último grupo de empresas, classificadas como interação "avançada" e visão de "co-responsabilidade", inclui as montadoras de ônibus e tratores, as quais possuem mais de 1.000 itens em um produto final, produto esse que é manufaturado em baixa escala.

Com efeito, os resultados auferidos apontam indícios de uma relação coerente entre as estratégias de desenvolvimento de PMEs adotadas pelas grandes empresas da cadeia automotiva gaúcha e o par complexidade do produto final/volume de produção destas.

Finalmente, é preciso aqui considerar que o presente estudo possuiu um caráter exploratório e indutivo, condição esta advinda da metodologia de pesquisa adotada, a saber: o estudo de caso. Assim sendo, a consolidação teórica da relação identificada somente poderá ser postulada após a realização de novos estudos em outros pólos automotivos.

Recebido em 04/6/2004

Aceito em 14/6/2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2005

Histórico

  • Aceito
    14 Jun 2005
  • Recebido
    04 Jun 2004
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