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Uma abordagem adaptativa de intervenção para mudança organizacional

An adaptive organizational change intervention approach

Resumos

A crescente globalização da economia mundial impõe às organizações uma necessidade de tornarem-se competitivas de forma sustentável, o que as têm levado a implementar programas de mudanças para aprimorar a qualidade de sua gestão visando a melhoria contínua de seu desempenho. Experiências de diversas organizações têm demonstrado que a obtenção de mudanças efetivas depende, fundamentalmente, do modelo de intervenção adotado para implementar as mudanças. Este trabalho apresenta uma intervenção adaptativa do tipo mudança-facilitada, desenvolvida com base em enfoques da aplicação da teoria dos sistemas adaptativos complexos às organizações, a partir de um estudo de caso referente a um programa de mudanças em busca da excelência de uma instituição pública brasileira de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico do setor nuclear. Os resultados relativos à evolução do nível de excelência da gestão organizacional alcançada entre os anos de 2000 e 2003 permitiram concluir que a intervenção desenvolvida proporciona certo grau de governança ao processo de mudanças, possibilitando a obtenção de uma implementação efetiva de um sistema de gestão baseado no Modelo de Excelência do Prêmio Nacional da Qualidade.

Mudança organizacional; Gestão organizacional; Intervenção; Cultura organizacional; Sistemas adaptativos complexos


Growing globalization of the world economy requires a need from organizations to become competitive, in a sustainable way, leading them to implement organizational management change programs aiming at continuous performance improvement. Experiences of several organizations have demonstrated that the achievement of effective changes in organizations depends, fundamentally, on the type of intervention used to implement the change program. This article introduces an adaptive facilitated-change intervention approach, based on the application of the complex adaptive systems theory to the organizations developed using a case study related to a change program of a Brazilian research and development public organization of the nuclear field. The results related to the progress of the organizational level of excellence achieved between 2000 and 2003 enables one to conclude that the developed adaptive intervention provides a certain degree of governance to the changing process, facilitating an effective implementation of a management system based on the Model of Excellence of the Brazilian Quality Award.

Organizational change; Organizational management; Organizational culture; Complex adaptive systems


Uma abordagem adaptativa de intervenção para mudança organizacional

An adaptive organizational change intervention approach

Isaac José ObadiaI; Mario Cesar Rodriguez VidalII; Paulo Fernando Frutuoso e MeloIII

IComissão Nacional de Energia Nuclear, Rua General Severiano, 90, CEP 22290-901, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, e-mail: isaac@cnen.gov.br

IICoordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia – COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Ilha do Fundão, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, e-mail: mvidal@ergonomia.ufrj.br

IIIInstituto Alberto Luiz Coimbra de Pós Graduação e Pesquisa de Engenharia, Programa de Engenharia Nuclear, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Centro de Tecnologia, Bloco G, sala 206, CP 68509, Cidade Universitaria, CEP 21945-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, e-mail: frutuoso@lmn.con.ufrj.br

RESUMO

A crescente globalização da economia mundial impõe às organizações uma necessidade de tornarem-se competitivas de forma sustentável, o que as têm levado a implementar programas de mudanças para aprimorar a qualidade de sua gestão visando a melhoria contínua de seu desempenho. Experiências de diversas organizações têm demonstrado que a obtenção de mudanças efetivas depende, fundamentalmente, do modelo de intervenção adotado para implementar as mudanças. Este trabalho apresenta uma intervenção adaptativa do tipo mudança-facilitada, desenvolvida com base em enfoques da aplicação da teoria dos sistemas adaptativos complexos às organizações, a partir de um estudo de caso referente a um programa de mudanças em busca da excelência de uma instituição pública brasileira de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico do setor nuclear. Os resultados relativos à evolução do nível de excelência da gestão organizacional alcançada entre os anos de 2000 e 2003 permitiram concluir que a intervenção desenvolvida proporciona certo grau de governança ao processo de mudanças, possibilitando a obtenção de uma implementação efetiva de um sistema de gestão baseado no Modelo de Excelência do Prêmio Nacional da Qualidade.

Palavras-chave: Mudança organizacional. Gestão organizacional. Intervenção. Cultura organizacional. Sistemas adaptativos complexos.

ABSTRACT

Growing globalization of the world economy requires a need from organizations to become competitive, in a sustainable way, leading them to implement organizational management change programs aiming at continuous performance improvement. Experiences of several organizations have demonstrated that the achievement of effective changes in organizations depends, fundamentally, on the type of intervention used to implement the change program. This article introduces an adaptive facilitated-change intervention approach, based on the application of the complex adaptive systems theory to the organizations developed using a case study related to a change program of a Brazilian research and development public organization of the nuclear field. The results related to the progress of the organizational level of excellence achieved between 2000 and 2003 enables one to conclude that the developed adaptive intervention provides a certain degree of governance to the changing process, facilitating an effective implementation of a management system based on the Model of Excellence of the Brazilian Quality Award.

Keywords: Organizational change. Organizational management. Organizational culture. Complex adaptive systems.

1 Introdução

O ambiente complexo que atualmente envolve as organizações, onde mudanças ocorrem de forma dinâmica, imprevisível e em ritmo acelerado, amplia a diversidade de fatores internos e externos que influem no desempenho organizacional, assim como o grau de interdependência entre eles, impondo às organizações uma necessidade permanente de mudanças, no sentido de procurarem adaptar-se às condições impostas para o seu sucesso.

As organizações públicas nacionais de pesquisa e desenvolvimento em ciência e tecnologia não fogem deste contexto, estando sujeitas à necessidade de implementarem práticas sistemáticas de gestão, objetivando modernizá-las e torná-las suficientemente ágeis no sentido de melhorar a eficiência de seus processos (fazer mais com menos), aumentar sua eficácia (alinhar o foco de suas ações, fazer a coisa certa), e intensificar sua efetividade (proporcionar benefícios à sociedade por meio de inovações). Neste sentido, um número cada vez maior de organizações brasileiras vem adotando o Modelo de Excelência do Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ) como referência para o seu sistema de gestão. Este Modelo preconiza a necessidade de incorporar os seus 12 fundamentos – considerados os princípios da excelência – à cultura organizacional, para que uma cultura de excelência possa ser construída e uma gestão de excelência possa então ser alcançada na organização (FUNDAÇÃO PRÊMIO NACIONAL DA QUALIDADE, 2002).

A implementação efetiva de um processo de gestão, baseado no Modelo de Excelência do PNQ, implica necessariamente um processo de mudanças na cultura organizacional, condição essa que não tem recebido a devida atenção por parte das organizações no que se refere à definição do tipo de intervenção utilizada para conduzir o processo de implementação das novas práticas de gestão. Experiências de diversas organizações têm demonstrado que o sucesso de programas de mudança organizacional depende, fundamentalmente, do modelo de intervenção adotado para implementar a mudança, como alertam Mc Nabb e Sepic (1995 apud SOUSA-POZA et al., 2001 p. 745) que "a mudança é vítima do processo de implementação da mudança".

As intervenções de mudança organizacional têm sido, na sua maioria, implementadas sob o contexto do enfoque convencional mecanicista " que trata a organização como se fosse uma máquina, pressupondo ser possível, de forma controlada, levá-la de seu estágio atual a outro que tenha sido projetado. Esse enfoque, entretanto, precisa ser desafiado com base nas evidências de que o mesmo conduz a poucos resultados significativos de longa duração (SEEL, 2000). O enfoque convencional mecanicista se fundamenta em pressupostos básicos sobre as organizações e o processo de mudanças, os quais se tornam freqüentemente inválidos para os sistemas abertos e complexos do ambiente organizacional atual, não conseguindo representar, portanto, a verdadeira natureza complexa de funcionamento do processo de mudanças. Sendo assim, intervenções baseadas neste enfoque precisam ser substituídas por novas abordagens baseadas em um novo enfoque, que proporcione condições que possam facilitar a implementação de mudanças efetivas (OLSON; EOYANG, 2001).

Neste sentido, a aplicação da teoria dos sistemas adaptativos complexos às organizações tem despertado um grande interesse de pesquisadores e profissionais das áreas de ergonomia e desenvolvimento organizacional, cujos resultados de diversas pesquisas têm indicado que as novas abordagens baseadas nesta teoria proporcionam, no momento, o melhor enfoque sobre a natureza do comportamento organizacional (SEEL, 2000; OLSON; EOYANG, 2001; PAVARD; DUGDALE, 2002; OBADIA, 2004).

Com base nesta linha de pesquisa, foi desenvolvida uma intervenção adaptativa do tipo mudança-facilitada a partir de um estudo de caso referente a um programa de mudanças em busca da excelência de uma instituição pública brasileira de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico do setor nuclear. A intervenção desenvolvida foi avaliada com base nos resultados quantitativos referentes à evolução do nível de excelência da gestão organizacional alcançada entre os anos de 2000 e 2003, estes obtidos por meio do processo de avaliação realizado por examinadores do Projeto Excelência na Pesquisa Tecnológica (PEPT) coordenado pela Associação Brasileira de Instituições de Pesquisa Tecnológica (ABIPTI), bem como por meio de resultados qualitativos percebidos como indicadores de mudanças efetivas na instituição.

Este artigo apresenta inicialmente o Modelo de Excelência do PNQ, seguido por uma discussão sobre o conceito de cultura organizacional e as suas inter-relações complexas com o processo de implementação de mudanças na organização. O procedimento metodológico utilizado no trabalho é então descrito, e o estudo de caso e o desenvolvimento da intervenção adaptativa do tipo mudança-facilitada são apresentados, seguidos dos resultados alcançados, das discussões sobre a intervenção desenvolvida e das conclusões.

2 O modelo de excelência do PNQ

O Modelo de Excelência do PNQ foi criado em 1991 e tem servido como referência para avaliar a gestão de diversas organizações que buscam um desempenho superior, conhecido como 'classe mundial'. Este modelo vem se consagrando, cada vez mais, como um método de referência nacional para a avaliação de sistemas de gestão, fato que levou ao desenvolvimento da Rede Nacional de Prêmios para a Excelência em Gestão, com o objetivo de unir todos esses prêmios sob a filosofia da cultura da excelência (FUNDAÇÃO PRÊMIO NACIONAL DA QUALIDADE, 2003). O Modelo de Excelência do PNQ é um modelo de avaliação da gestão organizacional de 1.000 pontos, cujos princípios gerenciais, considerados como os fundamentos da excelência são: liderança e constância de propósitos; visão de futuro; foco no cliente e no mercado; responsabilidade social e ética; decisões baseadas em fatos; valorização das pessoas; abordagem por processos; foco nos resultados; inovação; agilidade; aprendizado organizacional e visão sistêmica. Estes doze fundamentos são traduzidos em oito critérios de excelência, que por sua vez, são distribuídos em 27 itens, com pontuações máximas definidas, conforme são apresentados na Tabela 1.

3 Cultura organizacional

Uttal (1983 apud REASON, 1999) define cultura organizacional como os valores compartilhados (o que é importante) e crenças comuns (como as coisas funcionam) que interagem com as estruturas da organização e seus sistemas de controle para produzir normas comportamentais (o modo como se fazem as coisas por aqui). Para Hofstede (1991), cultura organizacional é a programação coletiva da mente que distingue os membros de uma organização dos de outra. Segundo ele, não há uma definição padrão para o conceito de cultura organizacional, mas a maioria dos autores que escrevem sobre o tema concorda que: ela é holística; determinada historicamente; relacionada com estudos antropológicos; construída socialmente pelo grupo de pessoas que formam a organização; difícil de mudar devido à sua estabilidade intrínseca e intangível, mas que requer medidas tangíveis para mudá-la.

Schein (1989) desenvolveu um modelo detalhado de análise da cultura organizacional, composto pelos três níveis interdependentes dos aspectos visíveis, dos valores compartilhados e dos pressupostos fundamentais, conforme ilustrado na Figura 1, na qual os pressupostos fundamentais são considerados como a essência – aquilo que a cultura realmente é – e os valores e práticas são tratados como manifestações observáveis da essência cultural.


Os aspectos visíveis constituem o primeiro nível da cultura organizacional, e representam os seus ambientes físico e social construídos. Entretanto, não se sabe por que a organização foi construída de uma determinada forma, ou por que as pessoas se comportam de um jeito ou de outro. Para que se possa entender o significado cultural dos aspectos visíveis, devem-se analisar os valores centrais que proporcionam os princípios operacionais do dia a dia da organização, por meio dos quais os seus membros guiam o seu comportamento. Morgan (1996) destaca que as rotinas têm uma grande importância caso se queira compreender o modo pelo qual uma organização trabalha quando ninguém a esteja vigiando.

Os valores refletem estados preferenciais de como as coisas deveriam ser na organização. Um conjunto de valores que esteja efetivamente incorporado à filosofia organizacional irá predizer muitos comportamentos que podem ser observados no nível dos aspectos visíveis. Porém, se os valores não estiverem baseados no aprendizado cultural, eles podem ser vistos como valores adotados, que predizem bem o que as pessoas irão dizer em diversas situações, mas que devem estar desalinhados com o que elas irão realmente fazer. Tais inconsistências significam que um nível mais profundo de pensamento e percepção está, na verdade, conduzindo o comportamento, e que o entendimento da cultura organizacional depende da identificação do que ocorre nesse nível mais profundo, representado pelos pressupostos fundamentais.

Ao analisar valores, deve-se discriminar cuidadosamente entre aqueles que são congruentes com os pressupostos fundamentais, e aqueles que são racionalizações ou aspirações para o futuro, destaca Schein (1989). Muitas vezes, alguns valores relacionados pela organização chegam a ser incongruentes com o comportamento observado. Portanto, para se obter um nível mais profundo de entendimento que possibilite predizer comportamentos futuros na organização de maneira correta, faz-se necessário que o nível dos pressupostos fundamentais seja melhor compreendido. Eles constituem os pressupostos implícitos que realmente guiam os comportamentos, que dizem aos membros do grupo como perceber, pensar e sentir em relação às coisas. Esses pressupostos tendem a ser, por definição, não confrontáveis e inquestionáveis, condições estas que criam uma estabilidade na cultura, o que por sua vez, constitui uma dificuldade intrínseca para mudá-la.

4 Mudança de cultura organizacional

Para que a cultura organizacional seja modificada de maneira efetiva, as mudanças devem ocorrer a partir dos seus pressupostos fundamentais (SCHEIN, 1989). Entretanto, a maioria dos programas de mudança da cultura organizacional se concentra apenas nos níveis de manifestações da cultura, cujas experiências mostram que seus resultados geralmente apresentam sucesso limitado (SEEL, 2000).

Hofstede (1991) constatou que a percepção das diferenças entre culturas organizacionais ocorre mais por meio das práticas diárias da organização e menos pelos valores, como no caso das diferenças entre culturas nacionais. Conseqüentemente, as percepções compartilhadas das práticas diárias constituem uma representação tangível dos valores e pressupostos fundamentais, podendo ser consideradas como o centro da cultura organizacional

Os valores dos fundadores e líderes contribuem, sem dúvida, para a cultura organizacional, mas a forma como a cultura afeta os membros da organização faz-se por meio de práticas compartilhadas (HOFSTEDE, 1991, p. 214).

Mudanças nas práticas representam a margem de liberdade para influenciar a cultura organizacional, ou seja, os pressupostos fundamentais podem ser modificados a partir da introdução de novas práticas de gestão. Quando uma organização introduz uma nova prática para solucionar um determinado problema, essa só pode alcançar o nível de valor, uma vez que ainda não existe uma percepção compartilhada de sua realidade. Entretanto, se a solução proposta funcionar durante um certo período de tempo, implicando em um reflexo correto da realidade, os membros do grupo se inclinarão a aceitar os valores como crenças e pressupostos, saindo do nível consciente e tornando-se inconscientes e automáticos (SCHEIN, 1989).

Logo, pode-se afirmar, que a implementação de novas práticas de gestão, que deverá proporcionar os resultados esperados pela organização, sofre a influência da cultura organizacional, que por sua vez é influenciada, de maneira simultânea, pela utilização sistemática destas novas práticas e dos respectivos resultados alcançados.

Observa-se então, que o processo de gestão a ser implementado na organização está embebido na cultura organizacional, e ambos; processo de gestão e cultura organizacional, são simultaneamente causa e efeito das inter-relações dinâmicas e não lineares que ocorrem entre si, nos diversos setores e ambientes da organização - no âmbito dos seus sistemas formal e informal - conforme ilustrado na Figura 2.


A organização deve ser vista, portanto, como um sistema aberto que sofre influências permanentes dos seus ambientes interno e externo, constituindo-se um sistema complexo, cujos agentes são seres humanos, também de natureza complexa. Nenhuma estratégia de implementação padrão ou cultura organizacional ideal pode ser recomendada para aplicações de nível global. Estes aspectos variam de país para país e de organização para organização, o que de alguma forma, podem ajudar a explicar, por exemplo, algumas das dificuldades encontradas pelas organizações para implantar a Gestão pela Qualidade Total (GQT) em nível mundial (SOUSA-POZA et al., 2001), e o modelo de excelência do PNQ em nível nacional (OBADIA, 2004).

5 Sistemas complexos e organizações

Sistema complexo é aquele para o qual é difícil, se não impossível, restringir a sua descrição por um número limitado de parâmetros ou de variáveis sem perder as suas funções globais essenciais (PAVARD; DUGDALE, 2002). Para a compreensão de um sistema complexo, deve-se compreender não apenas o comportamento das partes, mas como elas agem entre si para formarem o todo (BAR-YAM, 1997 apud SEEL, 2000).

A aplicação da teoria dos sistemas complexos no campo da gestão das organizações ainda passa por uma discussão, porém, "existem muitos que argumentariam que complexidade não é apenas uma metáfora para organizações, mas uma descrição precisa e adequada destas" (SEEL, 2000, p. 4). Alguns autores consideram que as abordagens da teoria da complexidade aplicada às organizações proporcionam, no momento, o melhor enfoque sobre a natureza do comportamento organizacional (SEEL, 2001; PAVARD; DUGDALE, 2002; OLSON; EOYANG, 2001; LISSACK, 2001; OBADIA, 2004). A aplicação da teoria da complexidade às organizações traz diversas implicações sobre o seu sistema de gestão, dentre as quais ressaltam-se as seguintes (SEEL, 2001):

a)

inabilidade para prever ou controlar o que acontece no sistema;

b) auto-organização do sistema: padrões ordenados e privilegiados emergem simplesmente como resultado das relações e interações entre os agentes e, simultaneamente, retroalimentam essas interações; c) habilidade para influenciar os padrões emergentes do sistema pelo menos quando os agentes do sistema são seres humanos; e d) o limiar do caos representa o ponto crítico do sistema, no qual uma pequena mudança pode levá-lo a um comportamento caótico ou fixá-lo em um comportamento estável. É sob essa condição, que mudanças podem ocorrer mais facilmente e espontaneamente, sendo que um mínimo de estímulo pode provocar grandes mudanças, como pode ser exemplificado por meio de uma ampulheta (BAK, 1997, apud SEEL 2000). Uma vez que a pilha de areia tenha atingido o ponto crítico, a queda de um único grão de areia pode não causar qualquer efeito observável, podendo provocar um pequeno deslizamento, ou mesmo uma avalanche. Seel (2000) comenta que existem evidências que sugerem que os sistemas humanos também podem atingir esse estado crítico, o que leva a profundas implicações no processo de implantação de mudanças nas organizações, que devem procurar adotar intervenções do tipo 'mudança-facilitada', evitando intervenções do tipo 'mudança-planejada'. Isso conduz à necessidade de se repensar o papel do agente da mudança, quer seja ele um consultor externo ou um especialista interno da organização, para os quais, novas metáforas, diferentes da mecanicista, se tornam necessárias.

Ainda segundo Seel (2001), os seguintes fatores-chave, resumidos na Tabela 2, têm um efeito significativo sobre a condição e habilidade da organização para mudança:

a) Fluxo da informação: se a quantidade de informação transferida aumentar, um sistema estável se moverá em direção ao limiar do caos; b) Grau de diversidade: se o grau de diversidade dos agentes do sistema e da natureza de suas relações aumentar, um sistema estável se moverá em direção ao limiar do caos; c) Conectividade: um sistema estável pode caminhar em direção ao limiar do caos se houver uma melhor conexão entre os seus agentes; d) Nível de ansiedade: a condição para mudança e a criatividade são inibidas se o nível de ansiedade for muito contido. Por outro lado, se houver excesso de ansiedade haverá uma tendência a um comportamento desorientado; e e) Diferenciação de poder: se houver excesso de controle devido a diferentes níveis de poder hierárquico na organização, a criatividade e a condição para mudança provavelmente serão sufocadas. Por outro lado, se os mecanismos de controle forem muito fracos o sistema poderá ficar com comportamento randômico.

6 Intervenções para mudança organizacional

Experiências de diversas organizações têm demonstrado que o sucesso de programas de mudança organizacional depende, fundamentalmente, do modelo de intervenção adotado para implementar as mudanças. Segundo Seel (2001), as intervenções de mudanças organizacionais têm sido implementadas sob o contexto do enfoque convencional mecanicista, que possui três truísmos básicos que freqüentemente são falsos nos sistemas atuais e do futuro que apresentam características de mudanças rápidas (OLSON; EOYANG 2001):

a) a mudança se inicia no topo. Muitas iniciativas de mudança organizacional se iniciam na alta direção e lidam intensamente com qualquer resistência dos agentes do sistema que bloqueiam o seu progresso. É exercido um forte controle da alta direção sobre o processo; b)

eficiência vem por meio de controle. O enfoque convencional de mudança organizacional possui pressupostos fundamentais (inconscientes) e valores sobre eficiência e controle que enfraquecem o processo de adaptabilidade da organização; e

c) é possível predizer. Os gerentes agem como se uma interação em algum lugar da organização provocasse um resultado previsto em outro.

Apesar de alguns autores (MORGAN, 1996; QUINN; CAMERON, 1988 apud OLSON; EOYANG, 2001) terem desafiado a utilização da visão mecanicista do enfoque convencional mediante a identificação de variáveis políticas, intuitivas, aleatórias e irracionais que causam impacto nas organizações, a maioria dos programas de mudança organizacional, contudo, continuam a utilizar os fundamentos mecânicos da engenharia reducionista newtoniana. "Até que tenhamos um modelo igualmente poderoso para a nova visão do mundo, nós continuaremos a reverter para as explicações e ações baseadas no mecanicismo" (OLSON; EOYANG, 2001, p. 3).

O uso de abordagens convencionais precisa ser substituído por um novo paradigma, que proporcione nas organizações as condições para incentivar o fluxo de informações, a conectividade, os relacionamentos e a emergência de planos a partir dos membros da organização. O desafio maior é representado pelo aprendizado dos líderes e dos agentes envolvidos com as mudanças, no sentido de apoiar esses processos e de livrarem-se da necessidade de controle e certeza. Para Olson e Eoyang (2001), a teoria dos sistemas adaptativos complexos oferece tal paradigma, e nesse caso, a alta direção e os gerentes das organizações terão que, de alguma forma, modificar seus hábitos e atitudes derivadas dos pressupostos básicos associados ao paradigma mecanicista. Esses autores sugerem, então, uma abordagem de mudança organizacional baseada na dinâmica da auto-organização dos sistemas adaptativos complexos, definida a seguir e ilustrada na Figura 3, onde:


Auto-organização é a tendência apresentada por um sistema aberto para gerar novas estruturas e padrões baseados em sua própria dinâmica interna. O processo ocorre de forma iterativa em duas fases que acontecem em muitas dimensões e em muitas partes da organização ao mesmo tempo (OLSON; EOYANG, 2001):

a)

Das partes para o todo: as partes do sistema (agentes do sistema) interagem em tempo real. Após diversos ciclos de interação, padrões emergem do sistema como um todo. Com a introdução de novas tecnologias, os velhos padrões dão lugar a outros. A organização se reinventa todos os dias por meio de pequenos ajustes em seus padrões; e

b)

Do todo para as partes: ao mesmo tempo em que novos padrões estão emergindo, os velhos padrões estão influenciando o comportamento dos agentes do sistema. Padrões de interação organizacional estabelecem tradições e hábitos da vida organizacional que tendem a trazer ordem.

Os padrões emergentes podem ser considerados tanto efeito como causa. Ao emergir, os padrões forçam os comportamentos das partes em suas interações futuras. Dessa maneira iterativa, o sistema busca o seu caminho para novos relacionamentos e estruturas organizacionais que integram forças internas e externas.

7 Procedimento metodológico

O procedimento metodológico utilizado neste trabalho consistiu em uma pesquisa exploratória compreendida pela utilização de dados secundários – pesquisa bibliográfica (livros, teses, artigos em anais de congressos, trabalhos em periódicos especializados, Internet e outros) – que permitiu o desenvolvimento da abordagem teórica da intervenção adaptativa do tipo mudança-facilitada, e de dados primários – gerados a partir do estudo de caso que consistiu na implementação, no Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), de um sistema de gestão baseado nos critérios de excelência do PNQ – que possibilitou a realização de observações empíricas sobre aspectos práticos relacionados com a intervenção, permitindo assim verificar e complementar o seu desenvolvimento.

O procedimento metodológico utilizado neste trabalho delimita os resultados e conclusões obtidas em função dos seguintes fatores:

a)

o escopo do IEN como instituição utilizada para o estudo de caso; e

b)

o primeiro autor do trabalho desempenhou dois papéis: o de pesquisador e o de consultor interno, atuando como facilitador e coordenador do programa de mudanças, estabelecendo o modelo da intervenção, conduzindo as suas atividades e envolvendo-se como agente da mudança.

7.1 O estudo de caso

O estudo de caso consistiu na implementação, no Instituto de Engenharia Nuclear, de um processo de gestão baseado nos critérios de excelência do PNQ, como parte de seu programa de mudanças. Os resultados alcançados pelo Instituto durante o período entre os anos de 2000 e 2003 permitiram ilustrar e avaliar o desempenho da intervenção tipo mudança-facilitada desenvolvida. Todas as atividades relativas ao estudo de caso foram coordenadas pela Assessoria para Gestão pela Qualidade (AGQ), criada em 1999 para este fim como um setor virtual no contexto da estrutura organizacional do IEN, de caráter não deliberativo e ligado diretamente à sua Direção. Como regra geral, estabeleceu-se que os membros da AGQ deveriam ser voluntários, que preferencialmente representassem cada uma das seis divisões organizacionais do IEN. Inicialmente, a AGQ foi então constituída por seis membros oficialmente empossados pelo Diretor do IEN, cada um representando uma divisão organizacional do Instituto. Durante o segundo ano do programa de mudanças, mais quatro voluntários se juntaram a AGQ, ampliando a sua representação institucional para 10 membros, assim permanecendo ao longo do estudo de caso. O padrão de trabalho da AGQ foi inicialmente pautado na participação, comunicação e transparência, considerados aspectos cruciais para proporcionar credibilidade, um fator chave para o sucesso do programa.

As práticas de gestão eram estabelecidas por meio de discussões nas reuniões da AGQ e modeladas com base nos requisitos dos itens de cada Critério de Excelência do PNQ de enfoque e aplicação (Critérios 1 a 7 do PNQ 2003), considerando-se as condições de contorno associadas ao perfil do IEN - autarquia federal da Comissão Nacional de Energia Nuclear, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Todas as práticas de gestão, uma vez sugeridas pela AGQ, eram encaminhadas pelo seu Presidente à alta direção do IEN, onde eram então analisadas e deliberadas, passando aquelas aprovadas a serem executadas sob responsabilidade dos diversos setores do IEN a elas pertinentes. O Presidente da AGQ participava destas análises, uma vez que na qualidade de vice-diretor, integrava a alta direção do Instituto, ocasião esta em que procurava perceber o grau de aceitação, de envolvimento e de comprometimento da alta direção com o programa de mudanças, aspectos estes fundamentais para a sua implementação efetiva.

A intervenção para a mudança foi conduzida segundo uma abordagem de consultoria interna, na qual o primeiro autor deste trabalho, na qualidade de presidente da AGQ, atuou como coordenador e facilitador do processo de mudanças, não tendo ocorrido em nenhum momento qualquer participação de consultor externo.

7.1.1 Perfil do IEN

O IEN, criado em 1962, é uma instituição de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). A partir de suas áreas de competência " tecnologia de reatores nucleares, radioisótopos e radiofármacos, instrumentação e controle, ergonomia de sistemas complexos, processos químicos, materiais e ultra-som " o Instituto, que conta com 272 servidores – sendo 34 doutores e 52 mestres – realiza atividades de P&D, produção e prestação de serviços tecnológicos para os setores de energia, saúde, indústria e meio ambiente, com base na sua missão institucional de "contribuir para o bem-estar da sociedade, proporcionando o desenvolvimento do setor nuclear e correlatos, e a utilização segura da energia nuclear, através do fornecimento de tecnologia, produtos e serviços e capacitação de recursos humanos". O perfil do IEN, suas práticas de gestão e os resultados alcançados estão descritos no seu Relatório de Gestão (INSTITUTO DE ENGENHARIA NUCLEAR, 2003).

Em conseqüência da experiência negativa ocorrida no IEN com o programa de qualidade total no início da década de 90, assim como por outras iniciativas inacabadas que geraram frustrações no Instituto, a cultura do IEN apresentava, no início do programa, um pressuposto básico de descrença em qualquer nova proposta de mudanças. Esse pressuposto constituía um paradigma central da cultura do IEN, que impedia a maioria das pessoas de entenderem e perceberem a necessidade e importância do programa e, portanto, de aceitá-lo, assim como impedia com que as pessoas pudessem perceber os benefícios de caráter profissional, intelectual e pessoal que dele poderiam advir. No entanto, se por um lado isso representava um problema crucial para a implementação efetiva do programa de mudanças, por outro nos fornecia elementos reais para serem considerados no desenvolvimento deste trabalho, sendo as resistências consideradas partes legítimas integrantes do sistema, qualificando assim o IEN como instituição adequada para o estudo de caso.

7.2 A intervenção adaptativa do tipo mudança-facilitada

A intervenção para a mudança foi desenvolvida ao longo do estudo de caso e a partir da utilização de enfoques da teoria da complexidade, aplicados às organizações que conduziram a uma intervenção adaptativa do tipo mudança-facilitada, caracterizada pelos principais enfoques e abordagens, descritos a seguir:

a)

enfoque dos agentes facilitadores;

b)

enfoque da busca das condições favoráveis para a mudança;

c)

abordagem epidemiológica do "vírus benigno"; e

d)

participação no PEPT/ABIPTI e aprendizado organizacional contínuo.

Por meio desta intervenção, a AGQ procurou facilitar as condições que levassem à credibilidade e à aceitação do programa de mudanças, constituindo-se numa semente de uma nova forma de comportamento institucional, configurando-se em um ambiente aberto e transparente, propício à criatividade, onde diferentes idéias pudessem ser expostas e consideradas nas discussões, em busca de sensibilizar as pessoas a questionarem os paradigmas vigentes no IEN que representassem barreiras para a implementação das mudanças.

7.2.1 Enfoque dos agentes facilitadores

Este enfoque baseia-se na dinâmica de auto-organização dos sistemas adaptativos complexos, descrita na seção 6. Os agentes da mudança, que são aquelas pessoas da organização, que de forma consciente participam e contribuem para o processo de mudanças, são desenvolvidos e alertados para atuarem continuamente como agentes facilitadores da mudança, quer seja no âmbito do sistema hierárquico da organização, quer seja no seu sistema informal. Isto requer, por parte destes agentes, uma postura de atenção permanente referente à evolução do processo de implementação do sistema de gestão, no sentido de identificarem os padrões emergentes e procurarem influenciar, por meio do estabelecimento de ações e/ou novas práticas de gestão, aqueles que apresentem características indesejáveis para a evolução do sistema, rumo aos seus objetivos. Esses agentes foram estruturados da seguinte maneira:

a)

Líderes: Presidente da AGQ e Diretor do IEN;

b)

Agentes primários: demais membros oficiais da AGQ;

c)

Agentes secundários: membros dos Comitês Internos de Gestão, criados no âmbito da AGQ, sendo um para cada critério de excelência do PNQ. Esses comitês foram constituídos pela participação voluntária de pessoas cujas atividades no IEN estavam diretamente relacionadas ao respectivo critério ou item do PNQ. A coordenação das atividades de cada comitê, quando possível, ficava a cargo do responsável hierárquico pelas respectivas atividades no IEN; e

d)

Colaboradores: membros de outros grupos e comitês criados ao longo do estudo de caso e demais membros da força de trabalho, que ampliam a massa crítica de pessoas agindo em prol da mudança.

O conjunto destes agentes facilitadores constituiu o grupo de acompanhamento permanente da evolução do programa de mudanças. Todo e qualquer padrão, identificado por essas pessoas com base em suas interações com os demais membros da organização, quer seja no sistema formal ou no sistema informal, era discutido e analisado nas reuniões da AGQ, e uma vez considerado pertinente, buscava-se identificar os seus pressupostos básicos visando a identificação de ações ou novas práticas de gestão que pudessem influenciar aqueles padrões.

7.2.2 Enfoque da busca das condições favoráveis para a mudança

Este enfoque tomou por base os cinco fatores-chave apresentados na Tabela 2, que segundo Seel (2001) têm um efeito significativo sobre a condição e habilidade da organização para a mudança. Esses fatores-chave balizaram o padrão básico de trabalho adotado pela AGQ, cujas características principais estão relacionadas na Tabela 3.

7.2.3 Abordagem epidemiológica do "vírus benigno"

Essa abordagem se baseia na metáfora de um "vírus" para os agentes facilitadores da mudança, sendo que trata-se de um "vírus benigno" e que é bem-vindo ao seu corpo hospedeiro (SEEL, 2001). Neste sentido, os agentes facilitadores multiplicam-se na organização por meio de um processo de contaminação, que se desenvolve de maneira natural, tanto no sistema formal, como no sistema informal do IEN. Desta forma, tenta-se aumentar a conectividade da organização, facilitando assim a obtenção de uma massa crítica de pessoas que percebam os benefícios proporcionados pelas mudanças, aumentando o grau de aceitação e a credibilidade do programa.

7.2.4 Participação no PEPT/ABIPTI e aprendizado organizacional

O PEPT é um projeto coordenado pela ABIPTI que conta com a participação de diversas instituições de pesquisa do setor nacional de ciência e tecnologia. O projeto tem o objetivo geral de estimular a busca da melhoria contínua nas organizações participantes, por meio da implementação de um sistema de gestão baseado nos critérios de excelência do PNQ e pela realização da avaliação do nível de excelência alcançado pelos sistemas implementados, com base no método do modelo de excelência do PNQ (ALBUQUERQUE; GIESBRECHT, 2000). A participação do IEN neste projeto, desde o ano de 2000, foi de caráter fundamental para o seu programa de mudanças em busca da excelência, em função dos vários aspectos daí emergentes que contribuíram para a implementação do seu sistema de gestão, tais como:

a)

a participação no PEPT impulsiona e encoraja a organização a dar início ao processo de mudanças, constituindo uma energia inicial necessária para vencer a inércia;

b)

a participação no PEPT gera um compromisso explícito da alta direção da organização para com o programa de mudanças;

c)

a participação no PEPT gera motivação em função da participação de pares;

d) a participação no PEPT facilita a sistematização e cria um compromisso com a elaboração do Relatório de Gestão (RG), que atua como força propulsora na implementação e na evolução do sistema, construindo um sentimento de posse em torno das mudanças; e) a presença, na organização, de avaliadores externos durante a etapa de visita do processo de avaliação da gestão explicita para as pessoas da organização, em especial para aquelas que são entrevistadas pelos examinadores da ABIPTI, uma visibilidade externa do desempenho institucional, que se reflete em uma preocupação, inclusive daqueles ainda resistentes ao processo, de demonstrar um entendimento adequado das questões levantadas, o que por sua vez, contribui para um aumento no nível de participação e comprometimento dessas pessoas no processo de mudanças; e f)

a participação no PEPT propicia a realização do processo de aprendizado organizacional, a partir dos resultados das avaliações do nível de excelência do sistema de gestão.

8 Resultados e Discussões

8.1 Resultados

A Tabela 4 apresenta a evolução total de 119% alcançada pelo nível de excelência da gestão organizacional do IEN entre os anos de 2000 e 2003, o que se refletiu na classificação relativa do IEN no PEPT, saindo em 2000 da 14ª posição, com 158 pontos entre 15 instituições participantes, para a 3ª posição em 2003, com 346 pontos entre 13 participantes.

A Figura 4 apresenta os resultados das avaliações do nível de excelência alcançado pelo sistema de gestão do IEN, referentes a cada critério de excelência do PNQ e ao sistema como um todo. Esses resultados são comparados com a média alcançada pelo PEPT/ABIPTI, obtida por meio dos resultados de todas as instituições participantes em cada ciclo. Os resultados alcançados permitem as seguintes observações:


a)

a gestão do IEN alcançou no período entre 2000 e 2003, em termos gerais, uma evolução significativa no seu nível de excelência, tanto em cada critério de excelência do PNQ, como na sua gestão global; e

b)

os critérios "Informações e Conhecimento", "Processos" e "Resultados", bem como a pontuação global, apresentaram tendência positiva ao longo de todo o período e desempenho em 2003 acima da média da ABIPTI, sendo que no caso dos critérios "Informações e Conhecimento" e "Resultados" o desempenho foi praticamente o dobro deste referencial comparativo.

Ao longo do estudo de caso, a contínua melhoria de desempenho alcançada em função do programa de mudanças ganhou visibilidade e reconhecimento por parte de vários setores e níveis do IEN, que passaram, progressivamente, a perceber a importância do programa, facilitando assim a sua aceitação e consolidando a sua credibilidade.

8.2 Discussões sobre a intervenção desenvolvida

A liderança do programa de mudanças foi fundamentalmente desenvolvida por meio de ações conjuntas do Diretor do Instituto - detentor do poder - e do Presidente da AGQ - especialista e detentor do conhecimento. Este tipo de configuração de co-liderança é sugerido por Witte (1973 e 1977, apud HOFSTEDE, 1991), que observa que inovações bem-sucedidas nas organizações requerem ações conjuntas de um detentor do poder (cujo apoio é indispensável), e de um especialista interno à organização (também indispensável para fazer o diagnóstico correto e escolher o método certo). Estes papéis devem ser executados por pessoas diferentes, e a tentativa de combiná-los compromete o desempenho de um deles.

O estudo de caso demonstrou que o sucesso desta composição de co-liderança depende da existência de uma relação equilibrada entre o detentor do poder e o especialista, a qual deve ser construída de forma dinâmica ao longo do processo e a partir de alguns requisitos básicos, dentre os quais, destacam-se:

a)

confiança total do detentor de poder para com o especialista;

b) segurança do detentor de poder, de forma que este não se sinta ameaçado pela liderança do especialista; c)

atitude ética e profissional do especialista na condução do processo, respeitando os limites de sua atuação, e do detentor de poder, dando liberdade e autonomia ao especialista;

d) comunicação franca e aberta entre as partes; e e)

concentração e foco, por parte de ambos, nos objetivos institucionais, evitando assim que perturbações originadas por questões pessoais interfiram de maneira significativa na condução do processo.

A percepção, por parte da força de trabalho, do clima predominante no processo de co-liderança entre o detentor de poder e o especialista constitui um padrão no processo de auto-organização do sistema. A percepção de um clima de confiança, respeito mútuo e foco nos objetivos institucionais, reflete um padrão desejável, que por sua vez, influenciará positivamente na credibilidade e na aceitação do processo, enquanto que a percepção de um clima de conflito reflete um padrão indesejável para a implementação efetiva do sistema, que por conseguinte irá contribuir para a falta de credibilidade do processo de mudanças.

O estudo de caso demonstrou que a utilização de consultoria interna conduz a um nível detalhado de conhecimento e entendimento da organização e de suas idiossincrasias, permitindo a realização de diagnósticos, de certa forma, precisos, e consequentemente da identificação de práticas adequadas à sua realidade. Iannini (1996) observa que uma justificativa para a tendência crescente das organizações utilizarem consultores internos é o maior conhecimento do negócio. Por outro lado, ele observa que o relacionamento do consultor interno com a Direção da organização pode comprometer suas intervenções, em face da sua competência e liderança técnica. "A situação se complica ainda mais quando entra em jogo a hierarquia formal: como um subordinado ousa liderar tecnicamente um superior? O papel do consultor interno é difícil e ingrato" (IANNINI, 1996, p. 45).

Ficou demonstrado que a condução da intervenção por meio de uma consultoria interna composta, na verdade, pelos diversos agentes facilitadores, propiciou muitas discussões coletivas sobre a cultura organizacional, cujos pressupostos básicos, na maioria das vezes, puderam ser identificados em função das distintas percepções apresentadas por esses agentes (que fazem parte da cultura organizacional), na tentativa de explicar uns aos outros por que as coisas são do jeito que são, no IEN. Isto reduziu, consideravelmente, a miopia que normalmente ocorre nas consultorias internas, propiciando uma elevada capacidade de análise dos pressupostos fundamentais associados à cultura organizacional, facilitando assim a identificação de práticas de gestão para modificá-los.

Foi possível observar, que as pessoas sempre têm percepções sobre a cultura organizacional – como identificação de conflitos entre valores percebidos e adotados e falta de coerência entre os discursos e atitudes dos líderes. O desafio consiste na criação de um clima de mudanças com credibilidade, onde as pessoas acreditem que vale a pena contribuir para o processo de mudanças, sentindo-se motivadas a falarem o que pensam e mostrarem como vêem a organização. Na verdade, as pessoas precisam acreditar que a organização está realmente interessada em ouvi-las. Portanto, a intervenção deve ser capaz de facilitar a emergência desse clima de mudanças com credibilidade, fator-chave para a aceitação e participação das pessoas no processo de mudanças.

A ausência de comprometimento com o processo de mudanças, por parte de algumas chefias do IEN, representou uma grande dificuldade para a intervenção, uma vez que o comportamento da alta direção serve como exemplo para os demais membros da força de trabalho. A experiência com essas chefias permitiu observar que deve ser evitado um processo formal de convencimento junto aos mais resistentes, por exemplo, por meio de insistentes discursos e palestras do coordenador do programa, que na verdade constituem práticas baseadas no mecanicismo. Esse padrão desfavorável foi efetivamente modificado pela intervenção desenvolvida, principalmente a partir dos resultados alcançados e pelo aumento da credibilidade da intervenção.

O estudo de caso demonstrou que a intervenção adotada requer um comportamento de perseverança por parte dos agentes facilitadores, em especial dos líderes e agentes primários, no sentido de sustentarem a implementação do processo de mudanças, apesar dos diversos padrões adversos que emergem no processo de auto-organização do sistema, principalmente ao longo dos dois primeiros anos.

A Figura 5 apresenta os principais padrões desfavoráveis emergentes ao longo da implementação do sistema de gestão em busca da excelência, e o conjunto das principais ações facilitadoras adotadas, que fazem parte da intervenção do tipo mudança-facilitada desenvolvida para implementar o programa de mudanças. É importante salientar, que em função das interdependências envolvidas, não é possível estabelecer correlações diretas de causa e efeito entre as dificuldades encontradas e as ações facilitadoras adotadas, devendo estas serem analisadas de forma holística.


9 Conclusões

A intervenção adaptativa do tipo mudança-facilitada apresentada neste artigo e desenvolvida com base na aplicação da teoria dos sistemas adaptativos complexos às organizações, proporciona um enfoque holístico ao programa de mudança organizacional, que considera as inter-relações causais complexas, que ocorrem entre a cultura organizacional e a implementação de novas práticas de gestão, proporcionando assim, certo grau de governança ao processo de mudanças. Os resultados alcançados no estudo de caso permitem concluir, que a intervenção desenvolvida facilita a obtenção de uma implementação efetiva de um processo de gestão baseado nos critérios de excelência do PNQ. Faz-se necessário destacar, que a utilização da intervenção tipo mudança-facilitada requer o desenvolvimento de um processo de repensar e reeducar (por parte de gerentes e líderes da organização), que precisam tentar modificar seus hábitos e atitudes, até então fundamentados no paradigma mecanicista.

As observações empíricas, oriundas do estudo de caso, permitem observar que a ocorrência de uma auto-organização favorável na organização (enquanto um sistema adaptativo complexo), requer uma superação da intenção de querer controlar o sistema por meio de atitudes isoladas e baseadas no poder. Ao contrário, o processo deve respeitar as condições holísticas que envolvem a organização; como a sua cultura e o seu ambiente, bem como os anseios de seus profissionais. Isto permite observar que a aplicação do paradigma da complexidade às organizações requer um rompimento com o poder do poder, enquanto são resgatados valores como o holismo, a ética, o respeito mútuo, a transparência e a humildade, entre outros, como atributos essenciais da gestão organizacional.

Recebido em 28/4/2006

Aceito em 06/2/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 2007

Histórico

  • Aceito
    06 Fev 2007
  • Recebido
    28 Abr 2006
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