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Análise de atividades para a inclusão de pessoas com deficiência no trabalho: uma proposta de modelo

Activity analysis for inclusion of disability people at work: a proposition model

Resumos

A legislação brasileira (BRASIL, 1991a) torna obrigatória a contratação de pessoas com deficiência por meio de cotas estabelecidas a partir do número de funcionários das empresas públicas e privadas. Com a utilização de um conjunto de métodos e técnicas, fundamentados nos conhecimentos da Análise Ergonômica da Atividade e da Terapia Ocupacional, construiu-se um modelo para indicar as habilidades necessárias para a realização das atividades de trabalho industrial a partir de estudo realizado em São Carlos no período de março a dezembro de 2007 em uma empresa do setor têxtil. O artigo descreve o modelo, sua aplicação e as barreiras e facilitadores desta experiência. Apresenta uma proposta de modelo de inclusão de pessoas com deficiência no trabalho baseado na análise da atividade, desenvolvido em tese de doutorado financiada pelo CNPq, por meio de estudo de caso. Trata da aplicação de um modelo de análise de atividades industriais desenvolvido para identificar postos de trabalho que potencialmente poderiam ser ocupados por pessoas com deficiência (PCD) como subsídio para ações de empresas na política de contratação desta população.

Pessoas com deficiência; Inclusão no trabalho; Análise da atividade; Ergonomia


According to the Brazilian legislation, hiring people with disabilities is mandatory. Law 8213/91 establishes admission quotas based on the number of employees of public and private companies. Making use of methods and techniques based on the Ergonomic Analysis of Activity and Occupational Therapy, this research aimed at building a model to determine the skills necessary to undertake work related activities based on a study carried out in an textile industry in the city of São Carlos, SP, from March to December 2007. The model is proposed and its implementation, obstacles, and openings are discussed. This study proposes a model for the inclusion of people with disability in the labor market based on the analysis of activity. It reports a case study carried out for a doctoral degree thesis that was financially supported by The National Council for Scientific and Technological Development (CNPq). The model consists of the analysis of industrial activities to identify job opportunities for persons with disability (PWD) as a subsidy to the company actions that are related to employing disabled people.

Disability people; Inclusion at work; Activity analysis; Ergonomics


Angela Paula Simonelli; João Alberto Camarotto

Departamento de Engenheiro de Produção, Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, Rod. Washigton Luís Km 235, SP-310, CEP 13565-905, São Carlos - SP, Brasil, E-mails: angela@dep.ufscar.br; camarotto@dep.ufscar.br

RESUMO

A legislação brasileira (BRASIL, 1991a) torna obrigatória a contratação de pessoas com deficiência por meio de cotas estabelecidas a partir do número de funcionários das empresas públicas e privadas. Com a utilização de um conjunto de métodos e técnicas, fundamentados nos conhecimentos da Análise Ergonômica da Atividade e da Terapia Ocupacional, construiu-se um modelo para indicar as habilidades necessárias para a realização das atividades de trabalho industrial a partir de estudo realizado em São Carlos no período de março a dezembro de 2007 em uma empresa do setor têxtil. O artigo descreve o modelo, sua aplicação e as barreiras e facilitadores desta experiência. Apresenta uma proposta de modelo de inclusão de pessoas com deficiência no trabalho baseado na análise da atividade, desenvolvido em tese de doutorado financiada pelo CNPq, por meio de estudo de caso. Trata da aplicação de um modelo de análise de atividades industriais desenvolvido para identificar postos de trabalho que potencialmente poderiam ser ocupados por pessoas com deficiência (PCD) como subsídio para ações de empresas na política de contratação desta população.

Palavras-chave: Pessoas com deficiência. Inclusão no trabalho. Análise da atividade. Ergonomia.

ABSTRACT

According to the Brazilian legislation, hiring people with disabilities is mandatory. Law 8213/91 establishes admission quotas based on the number of employees of public and private companies. Making use of methods and techniques based on the Ergonomic Analysis of Activity and Occupational Therapy, this research aimed at building a model to determine the skills necessary to undertake work related activities based on a study carried out in an textile industry in the city of São Carlos, SP, from March to December 2007. The model is proposed and its implementation, obstacles, and openings are discussed. This study proposes a model for the inclusion of people with disability in the labor market based on the analysis of activity. It reports a case study carried out for a doctoral degree thesis that was financially supported by The National Council for Scientific and Technological Development (CNPq). The model consists of the analysis of industrial activities to identify job opportunities for persons with disability (PWD) as a subsidy to the company actions that are related to employing disabled people.

Keywords: Disability people. Inclusion at work. Activity analysis. Ergonomics.

1 Introdução

A constituição de Direitos Humanos, assim como o texto da Convenção internacional para a Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência da ONU, defende a igualdade, direito e dignidade, para todas as pessoas, seja com deficiência ou não.

Adota-se o conceito de inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com deficiência e, simultaneamente, como são preparadas para assumir seus papéis na sociedade (SASSAKI, 1997).

Para sistematizar a relação da pessoa com deficiência e o mercado de trabalho, Sassaki (1999) identifica quatro fases: 1) exclusão - quando se considerava uma crueldade que deficientes trabalhassem, prevalecendo o protecionismo e a visão de que os deficientes não tinham capacidade laborativa; 2) segregação - quando as pessoas com deficiência ficavam internadas em instituições e ali trabalhavam, com remuneração baixa e sem vínculo de emprego, ainda prevalecendo o elo paternalista; 3) integração - quando as pessoas já obtêm vínculo de emprego, mas não se faz qualquer adaptação nas empresas, salvo pequenos ajustes nos postos de trabalho e com frequência são criados setores exclusivos de deficientes; 4) inclusão - em que o mundo do trabalho tende a considerar os dois lados, o da pessoa com deficiência e o da empresa, que precisam ser preparados para uma nova relação de convívio, uma situação de inclusão. O autor ressalta que as práticas e as políticas no Brasil, até a década de 1990, sobre a relação dos PCDs com o trabalho, se encontravam na transição entre as duas últimas fases. No entanto, é possível identificar no Brasil exemplos de todas essas quatro situações, embora, no que se refere às políticas, estejamos situados principalmente na situação de estímulo à integração (VASCONCELOS, 2006).

As políticas públicas brasileiras são marcadas pela introdução do respeito aos direitos de pessoas com deficiência. A ação organizada dessa parcela da população gerou conquistas importantes no setor institucional, essencialmente no tocante à legislação. Não conseguiu, entretanto, vencer o avanço dos processos de exclusão social que, em movimento oposto, aprofundou as contradições na sociabilidade desse segmento (ALMEIDA, 2000).

A Convenção 159 sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas com Deficiência, da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1983), aprovada em 1983, considera deficientes para o trabalho todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir nele fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada. Esta norma internacional, incorporada pelo Brasil por meio do decreto 129/91 (BRASIL, 1991b), ressalta que devem ser adotadas medidas, pelos países signatários, com a finalidade de atingir igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento entre trabalhadores com deficiência e os demais trabalhadores.

Desde a elaboração da Constituição de 1988, os direitos dos cidadãos brasileiros estão legalmente resguardados, porém, as dificuldades enfrentadas por segmentos populacionais, como por exemplo, as pessoas com deficiência e a obtenção e permanência em um emprego, são recorrentes.

Com a regulamentação pelo Decreto 3298/99 (BRASIL, 1999), a Lei de Cotas (Lei 8213/91) (BRASIL, 1991a) fixa percentual de vagas em empresas do setor privado que devem ser preenchidas por pessoas com deficiência. O percentual fixado por esta Lei estabelece que as empresas com 100 a 200 funcionários são obrigadas a reservar 2% de seus postos de trabalho, as empresas que empregam de 201 a 500 devem reservar 3%, nas empresas com 501 a 1.000 funcionários a cota exigida é de 4% e aquelas com mais de 1.000, 5%.

Os resultados do Censo do IBGE (INSTITUTO..., 2001) mostram que aproximadamente 24,6 milhões de pessoas, ou 14,5% da população brasileira, apresentam algum tipo de deficiência. Dados mais recentes do IBGE sobre a projeção da população divulgados em 2004 mostraram que no Brasil existem 26,5 milhões de pessoas com deficiência e desses, 16,4 milhões em idade de trabalhar (CLEMENTE, 2005).

Embora haja um maior estímulo à contratação formal de trabalhadores com deficiência, o sistema de cotas no Brasil ainda mostra resultados tímidos, pois a grande maioria das empresas não modificou sua política de emprego após a regulamentação das cotas.

Segundo dados da RAIS 2001 e 2002 (BRASIL, 2002) as pessoas com deficiência empregadas representam 3,25% (533 mil) dos 16,5 milhões de PCDs em idade de trabalhar, o que revela baixa empregabilidade. Estes trabalhadores estão mais presentes nos setores industrial e de serviços, e estão bem abaixo na proporção de empregados na agricultura e na construção civil.

Em média, apenas 14% das empresas com 100 a 200 empregados cumprem a cota legal, e 86% das empresas desse grupo não apenas descumprem a norma, como não têm nenhum empregado com deficiência. Em todas as faixas de estabelecimentos, 75% das empresas não empregaram nenhuma pessoa com deficiência e apenas um pequeno grupo de empresas, em todas as faixas cumpre a cota e chegam a ter mais de 5% de empregados com deficiência. (BRASIL, 2002).

Os empregadores questionam a inflexibilidade da lei, os percentuais de cotas fixos e a dificuldade de encontrar pessoas qualificadas para preencher suas vagas. Por outro lado crescem as ofertas de serviços de preparação profissional nas instituições de e para pessoas com deficiência.

A falta de acesso a serviços que atendam às necessidades relativas à reabilitação integral das pessoas com deficiência gera, como consequência quase sempre inevitável, algum grau de ruptura com a vida social. Às limitações da atividade motora somam-se barreiras arquitetônicas, barreiras atitudinais e uma carência significativa de mecanismos compensatórios que produzem o que tem sido denominado de equiparação de oportunidades entre pessoas com e sem deficiências, como transporte coletivo adaptado e outros dispositivos que diminuem ou eliminam fatores ambientais e relacionais configurados como barreiras à participação social desse grupo (ORGANIZAÇÃO..., 1996). A associação desses fatores tem determinado que o confinamento em instituições ou em domicílio ainda seja condição experimentada por grande parte dessas pessoas, fato que é reconhecido pelo Ministério da Saúde (ALMEIDA, 2000).

As primeiras políticas internacionais de emprego para pessoas com deficiência datam das décadas de 1920 e 1930. Países como Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda e Irlanda, adotaram a forma de cota e nos EUA, Canadá, Suécia, Finlândia e Dinamarca a opção foi investir em reabilitação vocacional, estratégias de treinamento e políticas antidiscriminatórias. Na União Soviética, adotou-se o emprego reservado pelo Estado em determinadas empresas (METTS, 2000).

Segundo esse autor, a reserva de cotas para pessoas com deficiência surgiu inicialmente para atender acordos pós I Grande Guerra e recomendações da OIT, assegurando uma percentagem de postos de trabalho para veteranos de guerra com deficiência com um sistema de penalidades para aqueles que não as cumprissem. Posteriormente, as cotas passaram a incorporar pessoas acidentadas no trabalho e, após a II Grande Guerra, países como: Reino Unido, Holanda, Irlanda, Bélgica, Grécia e Espanha adotaram sistemas de cotas mais amplos, abrangendo outros tipos de deficiências.

Tal ampliação trouxe desgaste para o sistema, porque cresceu muito a demanda por esse tipo de emprego protegido e muitas empresas não tinham condições de absorver todos os tipos de deficiência sem o apoio do Estado, razões pelas quais as penalidades passaram a ser desacreditadas. Outro problema também referido em relação ao sistema de cotas foi o fato de trabalhadores bem qualificados, porém deficientes, serem discriminados por terem ingressado pelo sistema de cotas (VASCONCELOS, 2006).

Os Estados Unidos não adotam um sistema de cotas, mas sua norma antidiscriminatória - ADA (American with Disabilities Act), criada em 1980, abrange outros aspectos dos direitos civis além do direito ao trabalho, uma vez que foi fortemente influenciada pelos movimentos sociais da década de 1960 naquele país (FRANCIS; SILVERS, 2000).

Os serviços prestados às pessoas com deficiência, historicamente baseados em conceitos biomédicos, são questionados por não considerarem o contexto e barreiras sociais que dificultam a participação dessas pessoas na vida em sociedade: na escola, nas atividades de lazer, no trabalho, entre outros. Por outro lado, o modelo social da deficiência se baseia no conceito de que a deficiência está na sociedade e não no indivíduo e que lesão não está diretamente relacionada à deficiência. Este modelo está cada vez mais presente nas ações destinadas às pessoas com deficiência, porém, o modelo hegemônico na prática ainda é o modelo biomédico.

O modelo biomédico enfoca o indivíduo e suas incapacidades, enquanto o modelo social enfoca as barreiras que a pessoa com deficiência enfrenta no dia a dia, tanto individual, quanto coletivamente (VASCONCELOS, 2006). Ou seja, a primeira distinção crucial a fazer é saber onde está centrado o problema da deficiência. Segundo, em função do modelo escolhido, definir a abordagem da deficiência enfocando o que as pessoas não podem fazer ou como agir nas relações sociais para permitir a participação social, cultural e econômica das pessoas com deficiência.

Segundo Fromm (1962), o trabalho é parte essencial do ser humano. Defende que a natureza do homem é formada por relações entre diferentes dimensões: a biológica, a fisiológica, a psicológica e a anatômica, as quais formam a unidade e a unicidade do ser humano. Esse homem é resultado do processo histórico que vivencia e possui um potencial próprio que muda ao longo da história e a modifica. Argumenta que tal modificação ocorre por meio do trabalho, que faz o papel de mediador das relações do homem com seu meio ambiente. Dessa forma, conclui que o trabalho é uma forma do ser humano expressar suas faculdades mentais e a si próprio, num processo de auto desenvolvimento que o conduzirá a uma identidade própria, sendo não apenas um meio, mas também um fim.

É esperado que o adolescente ou o jovem com deficiência trace projetos de futuro menos ambiciosos ao se deparar com as restrições de ingresso no mercado de trabalho (BASTOS, 2002). Tal situação é particularmente importante nessa fase da vida, pois o trabalho pode ser um meio da pessoa com deficiência desenvolver um sentimento de "pertencimento" à sociedade, aumentando sua autoestima e segurança no enfrentamento das barreiras sociais (COSTA, 2001).

As políticas para inclusão de pessoas com deficiência no trabalho no Brasil precisam ser analisadas a fim de verificar em que medida incluem efetivamente as pessoas com deficiência no trabalho, e se há uma mudança da cultura prevalente na sociedade sobre a visão da deficiência em detrimento da habilidade. Tanto as políticas de promoção como as estratégias de obtenção do emprego dessas pessoas, nos setores público e privado, precisam ser estudadas, para se verificar se os postos de trabalho obtidos pelas pessoas com deficiência são adequados e se existem chances de conservar o emprego e nele progredir.

Assim, este artigo objetiva propor um modelo de inclusão de pessoas com deficiência no trabalho baseado na análise da atividade, por meio da utilização de um conjunto de métodos e técnicas fundamentados nos conhecimentos da Análise Ergonômica do trabalho e da Terapia Ocupacional na perspectiva de considerar as habilidades das pessoas com deficiência.

2 Descrição do modelo

O modelo de inclusão baseado na atividade (SIMONELLI et al., 2008 e 2009) propõe analisar as pessoas com deficiência, suas potencialidades, conhecimentos, as barreiras e os facilitadores da execução de atividades; e os locais de trabalho, posturas exigidas pelas tarefas de trabalho, movimentos, requisitos técnicos e conhecimentos necessários, por meio do uso do método da análise da atividade das pessoas sem deficiência que trabalham nos postos.

A classificação das pessoas com deficiência e a análise das atividades de trabalho servem de base para o desenvolvimento da inclusão que visa qualificar as pessoas com deficiência para o trabalho, adequar o local de trabalho e ambiente (espaços, artefatos, acessibilidade e relações sociais) e posteriormente realizar, no estágio profissional, o acompanhamento psicossocial e do desenvolvimento técnico com a análise da atividade das pessoas com deficiência nos postos. A Figura 1 apresenta o modelo proposto.


Visando o desenvolvimento e a sistematização de um modelo de análise das tarefas e atividades em postos de trabalho a serem ocupados por pessoas com deficiência, buscou-se no referencial teórico da Análise Ergonômica do Trabalho base para analisar e reconhecer as habilidades necessárias para a realização das tarefas.

A ergonomia pode ser entendida como uma disciplina que reúne conhecimentos e técnicas de diversas áreas do conhecimento, como as ciências do homem (antropometria, fisiologia, psicologia, economia e uma parte da sociologia) e da engenharia (WISNER, 1987).

Segundo Guérin et al. (2001), a Análise Ergonômica do Trabalho tem por base o ponto de vista da atividade de trabalho que pressupõe uma compreensão do trabalho, perante uma análise de suas dimensões física, cognitiva e organizacional.

Guérin et al. (2001) acrescentam ainda que a atividade de trabalho é uma das formas da atividade humana vinculada ao contexto socioeconômico e pessoal constituída por três aspectos: a tarefa que define o trabalho a ser realizado, antecipando os resultados e determinando as condições para a sua execução; a atividade para a realização das tarefas com a utilização do corpo e da inteligência do homem; e os resultados efetivos dessa atividade.

A ergonomia não estabelece diferença quanto ao trabalhador apresentar deficiência ou não, por isto pode-se afirmar que não existe uma ergonomia especial para pessoas com deficiência, mas ela pode apresentar soluções específicas para certos problemas, sejam estes de caráter fisiológico, patológico, transitório ou de diferentes tipos de invalidez (ZURIMENDI, 1994).

Procurou-se, por meio da utilização de um conjunto de métodos e técnicas, construir um modelo para indicar as tarefas potenciais para serem realizadas por pessoas com deficiência, analisando as necessidades das tarefas e as potencialidades dessas pessoas por meio da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (BUCHALLA, 2003), oferecendo parâmetros para as ações das empresas nas políticas de contratação dessa população. O estudo realizado busca atender às características das pessoas com deficiência e contemplar suas necessidades específicas.

Para facilitar a compreensão, o estudo foi dividido em três etapas: Análise das tarefas e atividades de trabalho; classificação de funcionalidade; e inclusão.

2.1 Etapa 1. Estudo das tarefas e atividades de trabalho

O estudo constituiu-se de análise da tarefa, estudo da atividade e seleção dos postos de trabalho indicados às pessoas com deficiência.

Cada posto possui um conjunto de tarefas que podem ser subdivididas em etapas ou subtarefas. A tarefa consiste, segundo definição de Santos e Fialho (1995), na organização e prescrição do trabalho dentro da organização de engenharia de métodos. Segundo García & Burgo (1994), a análise da tarefa permite a identificação de postos de trabalho cujas exigências estão ao alcance das capacidades dos trabalhadores com deficiência e postos de trabalho próprios para essas pessoas, assim como a identificação de postos que necessitam de modificações, já que identificam as exigências e as limitações impostas pela tarefa.

A análise da tarefa consiste na aplicação de entrevistas com os supervisores dos setores da empresa para identificar e conhecer os procedimentos preconizados por ela aos operadores dos postos. O estudo da atividade consiste na descrição e análise das ações dos trabalhadores em atividade, filmagem da atividade de trabalho, análise cinesiológica e aplicação de uma ferramenta para auxiliar no reconhecimento das habilidades necessárias à realização da tarefa. Este método de análise da atividade é validado com a confrontação desta representação junto aos trabalhadores e supervisores.

O conhecimento advindo da análise da atividade de trabalho permite compreender como o trabalhador realiza suas atividades de trabalho, explicar quais mecanismos possui para atingir seus objetivos com menor desgaste e avaliar a carga de trabalho envolvida neste processo. Serve também de subsídio para analisar as habilidades necessárias que o trabalhador deve possuir para realizar efetivamente a atividade executada.

A seleção dos postos de trabalho analisados para a inclusão das pessoas com deficiência relaciona as habilidades necessárias para a realização da tarefa.

2.1.1 Análise da tarefa

São realizadas entrevistas semiestruturadas com os supervisores das tarefas com o objetivo de obter informações sobre a tarefa e no que se refere à sua descrição. Além disso, buscaram-se informações sobre:

  • O sistema de rodízio para entender se o trabalhador daquela tarefa necessita trabalhar também em outras tarefas;

  • A possibilidade de realização individual, ou seja, tarefas nas quais o trabalhador se dedica do início ao final de seu turno num mesmo local, executando o mesmo conjunto de tarefas;

  • Considerações sobre a influência dos fatores tempo e velocidade, isto é, procura-se entender se é prescrito ao trabalhador um tempo de realização para a tarefa ou para cada etapa da tarefa, e se é imposto algum ritmo de trabalho, a fim de cumprir as metas de produção;

  • Esclarecimentos sobre a interligação entre as tarefas, ou seja, se há uma interdependência entre a tarefa realizada por um trabalhador e a tarefa realizada por outro trabalhador;

  • Informações e opiniões sobre a possibilidade da empresa de receber pessoas com deficiência para serem trabalhadores naquelas tarefas; e

  • Indaga-se sobre a posição do supervisor frente à inclusão.

As entrevistas são gravadas com o consentimento do entrevistado, posteriormente transcritas integralmente, e submetidas a uma leitura criteriosa para analisar o conteúdo a partir da classificação dos trechos por categorias pertinentes ao objeto de estudo. O resultado desta análise é validado como entrevistado.

2.1.2 Estudo da atividade

Todos os registros têm por base o desempenho de trabalhadores sem deficiências e são feitos a partir da observação e da análise das atividades de trabalho.

Realiza-se a descrição das ações dos trabalhadores para entender as atividades de trabalho. As expressões dos trabalhadores são gravadas, transcritas integralmente, submetidas à leitura prévia para correções e, posteriormente, confrontadas com estes trabalhadores para validação. Deste conteúdo são retirados trechos por categorias pertinentes ao objeto do estudo.

São realizadas filmagens das atividades de trabalho para análise cinesiológica e biomecânica das posturas e movimentos necessários à realização da atividade. Estas filmagens são realizadas durante a atividade de trabalho, procura-se realizar tomadas no plano anterior, posterior, lateral e superior dos trabalhadores trabalhando, a fim de obter imagens que, ao serem editadas, forneçam ângulos passíveis de serem medidos e assim quantificadas as amplitudes articulares dos movimentos realizados durante a atividade de trabalho. Este procedimento, assim como os demais, é realizado com autorização prévia da empresa.

Observa-se o trabalhador realizando a atividade. Todas as informações são anotadas em fichas de registros de campo e contribuem para a compreensão da atividade de trabalho realizada.

Durante a observação da atividade de trabalho, além das anotações em fichas de registros de campo, o modelo propõe a aplicação de um instrumento desenvolvido por Silva e Emmel (1994). Esse instrumento foi adaptado por Emmel, Siqueira et al. (2002) com a finalidade de reconhecer as habilidades necessárias para a realização de atividades em postos de trabalho.

2.1.3 Seleção dos postos de trabalho

Os resultados anteriores possibilitam conhecer as tarefas e as atividades nos postos analisados, os movimentos, as habilidades, os conhecimentos e requisitos técnicos necessários para a realização destas atividades. Esta seleção gera um relatório entregue à empresa para orientar a colocação das pessoas com deficiência, visando contribuir para a maior permanência delas nos postos selecionados.

2.2 Etapa 2. Classificação da funcionalidade das pessoas com deficiência

Para a classificação da capacidade funcional das pessoas com deficiência, buscaram-se na literatura e na prática clínica instrumentos que viabilizassem a classificação da funcionalidade dentro do contexto social.

Selecionou-se o instrumento desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde - OMS, a Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF (BUCHALLA, 2003), pois este modelo substitui o enfoque negativo da deficiência e da incapacidade por uma perspectiva positiva, considerando as atividades que um indivíduo que apresenta alterações de função e/ou da estrutura do corpo pode desempenhar, assim como sua participação social, além de ser um instrumento largamente usado na área da saúde em análise de habilidades funcionais. Este modelo considera que a funcionalidade e a incapacidade dos indivíduos são determinadas pelo contexto ambiental em que estas pessoas vivem.

As classificações consistem em análise de relato clínico e histórico ocupacional, além de avaliações clínicas da estrutura do corpo, seguindo a proposta da classificação da OMS.

2.3 Etapa 3. Inclusão

A inclusão visa à preparação social e técnica das pessoas com deficiência para o trabalho, adequação do ambiente de trabalho (espaços, artefatos, acessibilidade e relações sociais), o acompanhamento psicossocial e do desenvolvimento técnico das pessoas com deficiência em estágio profissional.

Os cursos de capacitação estruturaram-se em dois módulos diferenciados: um módulo composto por um curso preparatório sobre cultura organizacional para todos os participantes antes de iniciarem o estágio na empresa, no qual são abordadas questões referentes à organização da empresa, hierarquia, relacionamentos, responsabilidades, horários, frequências, comunicação e expressão. O curso do módulo 1, com carga horária de 10 horas, tem como objetivo preparar as pessoas para seu ingresso no trabalho, no desenvolvimento de hábitos e condutas no ambiente de trabalho e normas organizacionais. O segundo módulo é composto por cursos específicos para cada posto de trabalho, com o objetivo de treinar as pessoas sobre o conteúdo técnico e espacial do posto.

Simultaneamente um curso sobre educação para a inclusão é realizado com os demais trabalhadores da empresa que terão contato direto com o portador de deficiência, a fim de apresentar as características das pessoas com deficiência, discutir as habilidades e limitações dessas pessoas e as limitações impostas pela sociedade à inclusão.

Ao término destes cursos preparatórios para a inclusão, que fornecem informações tanto para as pessoas com deficiência quanto para a sociedade (empresa), para garantir adaptações e relacionamentos inclusivos; as pessoas com deficiência iniciam os estágios na empresa, com carga horária de quatro horas diárias durante três meses, nas atividades previamente analisadas.

3 Aplicação do modelo

O estudo piloto foi realizado em São Carlos no período de março a dezembro de 2007 em uma empresa do setor têxtil. Participaram do estudo a Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, a Prefeitura Municipal de São Carlos, a Fundação Educacional de São Carlos, a Gerência Regional do Trabalho e Emprego em São Carlos e Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. A empresa se interessou em participar do estudo para conhecer os procedimentos adotados pela equipe com a finalidade de melhorar seus próprios procedimentos e possível aproveitamento das pessoas com deficiência participantes em seus quadros, dentro da lei de cotas. Todas as pessoas que participaram do projeto piloto receberam e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

A seguir estão apresentadas as três etapas de aplicação do modelo no caso estudado:

3.1 Etapa 1. Estudo das tarefas e atividades de trabalho

Os postos e operações analisados na empresa do estudo piloto, segundo os métodos anteriormente descritos foram:

  • Auxiliar de produção: acabamento - correção de pontas;

  • Auxiliar de produção: acabamento - separação de etiquetas;

  • Expedição; e

  • Telefonista.

Após serem analisados os postos e as operações de trabalho, foram sistematizadas (Quadro 1) as possibilidades de Inclusão e habilidades necessárias para a realização das atividades nos postos analisados. Este quadro é uma síntese da aplicação do método da Análise da Atividade com avaliação postural e biomecânica dos ocupantes do posto.


3.2 Etapa 2. Classificação da funcionalidade das pessoas com deficiência

Foram avaliadas 7 pessoas com deficiência que utilizam os serviços de reabilitação da Unidade Saúde Escola - USE da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. As avaliações foram realizadas nos meses de abril, maio e junho de 2007.

No Quadro 2, são apresentadas as iniciais dos nomes das pessoas com deficiência, idade, diagnóstico, a avaliação da capacidade funcional independente para realização de atividades da vida diária (AVD) e atividades de vida prática (AVP), nível de escolaridade, capacitação profissional, experiência profissional, utilização de próteses e/ou órteses e se a pessoa recebe alguma remuneração pelo INSS.


A partir da Classificação Internacional de Funcionalidade - CIF constatou-se que as pessoas classificadas para participarem do estudo piloto, apesar de possuírem limitações em estruturas corporais e em funções do corpo, são independentes em suas atividades de vida diária e de vida prática e capazes de realizar atividades de trabalho.

O Quadro 3 apresenta as habilidades das pessoas com deficiência avaliadas de acordo com suas capacidades funcionais, com uso da CIF.


A partir das avaliações das 7 pessoas com deficiência, caracterizaram-se as habilidades funcionais dessas pessoas (Quadro 3) e relacionando-as com as habilidades necessárias para a execução das tarefas (Quadro 1) analisadas nos postos de trabalho da empresa.

A indicação dos postos de trabalho para as pessoas com deficiência avaliadas de acordo com a classificação das habilidades funcionais estão no Quadro 4.


Segundo a proposta do estudo, as pessoas com deficiência foram classificadas previamente quanto a sua funcionalidade e as tarefas foram analisadas quanto às habilidades que uma pessoa precisa possuir para realizá-la. Portanto, as pessoas com deficiência foram indicadas para tarefas de trabalho cujas habilidades necessárias à execução são compatíveis com suas potencialidades.

3.3 Etapa 3. Inclusão

O conteúdo dos cursos foi programado e desenvolvido visando às tarefas dos postos de trabalho analisados na empresa (auxiliares de produção acabamento: correção de pontas, separação de etiquetas; expedição e telefonista).

Para cada posto indicado, foram sistematizados cursos dos módulos 1 e 2 para compor a capacitação juntamente com o estágio de três meses por quatro horas diárias. No Quadro 5 são apresentados os cursos para as pessoas com deficiência.


Para o posto de expedição não houve curso e estágio porque apenas um candidato foi indicado e não seguiu no estudo. O estágio e os cursos preparatórios para as tarefas do posto de auxiliar de produção acabamento separação de etiquetas tiveram um participante, no posto de telefonista participaram dos cursos 2 pessoas e do estágio 1, e participaram 3 pessoas nos cursos desenvolvidos a partir das tarefas do posto de auxiliar de produção acabamento correção de pontas e duas pessoas no estágio.

Uma tarefa do setor de embalagens da empresa foi incorporada no período de estágio por demanda da empresa que estava com quantidade alta de pedidos. A tarefa foi proposta por quatro semanas para as duas pessoas que haviam completado o curso de auxiliar de produção e estavam realizando estágios de auxiliar de produção acabamento, a fim de auxiliarem na demanda da empresa e também para conhecerem um novo setor. Duas pessoas com deficiência realizaram oito semanas de estágio de auxiliar de produção no setor de acabamento e quatro semanas no setor de embalagem. A tarefa proposta foi analisada previamente ao início do estágio.

O Quadro 6 apresenta as pessoas com deficiência, os cursos e estágios que cumpriram e respectiva carga horária.


De forma complementar ao processo de inclusão, foi ministrado um curso sobre comportamento e relações de trabalho com pessoas com deficiência para os supervisores da empresa. Participaram as supervisoras de produção das duas áreas em que as pessoas com deficiência fariam estágios posteriormente, o gerente de Recursos Humanos e um técnico de segurança. A proposta inicial era que houvesse a participação de todos os supervisores da empresa e os responsáveis pela segurança do trabalho. A decisão sobre o público alvo reduzido deste curso foi do diretor de Recursos Humanos da empresa.

Neste curso, foi apresentada a proposta de estudo, metodologia, equipe, estagiários, características das deficiências e um vídeo abordando experiências de inclusão de pessoas com deficiência em outras empresas. Foi realizada uma dinâmica de sensibilização e vivência de limitações físicas e sensoriais e esclarecimento de dúvidas sobre convívio, relacionamento e capacidade funcional das pessoas com deficiência.

Os estágios de auxiliar de produção foram iniciados em 18 de setembro de 2007 e tiveram a duração de três meses. Os estagiários cumpriram 4 horas diárias, de segunda a sexta-feira no período de 13h30 às 17h30. Foram acompanhados pela equipe do estudo que auxiliou na organização do trabalho, aprendizagem da tarefa, orientação das supervisoras de produção da empresa e adaptação das atividades de trabalho. O acompanhamento foi realizado diariamente no início do estágio e a frequência diminuída à medida que os estagiários foram se adaptando às tarefas.

Para a realização do estágio, foram necessárias adaptações dos postos de trabalho para adequação às características físicas e motoras dos estagiários. Foi adaptada uma mesa com 74 cm de altura em relação ao chão e com vão para o acesso de cadeira de rodas.

Apesar de a mesa adaptada possuir vão de acesso para a cadeira de rodas, esta possuía altura do assento inferior à recomendada para o adequado posicionamento dos membros superiores durante a atividade de trabalho. Foi proposta uma adaptação em espuma de alta densidade na cadeira de rodas para aumentar a altura do assento e diminuir a distância dos membros superiores em relação à mesa. A adaptação em espuma de alta densidade foi projetada também para corrigir o posicionamento de tronco, aproximando o tronco da mesa, pois, o usuário apresentava escoliose crônica, o que lhe proporcionava um posicionamento de tronco inadequado e dores musculares. Para o completo posicionamento, foi projetado um apoio para os pés em madeira, com lixas na superfície para que os pés não escorregassem do apoio.

Os produtos trabalhados eram colocados sobre a mesa por uma funcionária que trabalhava em bancada ao lado do estagiário PCD ou era abastecida por outro operador que trabalhava na mesma mesa. Na primeira semana de estágio a produtividade dos estagiários era de 43 produtos/hora, que representava 80% da produtividade esperada para este posto.

Um banco semissentado foi utilizado por um dos estagiários para realizar a atividade sobre a mesa que, por possuir vão para acesso da cadeira de rodas, permitia o uso de apoio para os pés e a movimentação livre dos membros inferiores do estagiário. Foi recomendada a alternância de postura em pé e semissentada durante as atividades devido às dores articulares relatadas pelo estagiário. Os estagiários também realizaram atividades de separação de etiquetas. Para esta atividade de manipulação de tesoura, esta foi adaptada com espuma nos anéis para diminuir o impacto sobre as articulações que apresentam deformidade em decorrência de artrite reumatoide e estavam potencialmente sujeitas a lesões por compressão.

O estágio de telefonista que iniciou em 24 de setembro teve a duração de três meses. Inicialmente o estágio foi realizado no período das 13h30 às 17h30, mas a trabalhadora da empresa deste período apresentou dificuldades em ensinar o conteúdo da tarefa e compartilhar o trabalho com a estagiária, apresentando dúvidas quanto a sua funcionalidade. Após um período de trabalho, a estagiária continuou seu estágio no período das 8 h às 12 h acompanhada de outra trabalhadora da empresa que disponibilizou uma mesa e um computador com um banco de dados com os números de telefone, encorajando a estagiária a consultar os números.

Inicialmente a estagiária atendia apenas um dos aparelhos telefônicos. Recebia chamadas externas e encaminhava ligações. No segundo mês, recebia ligação externas e internas, encaminhava e fazia ligações. No terceiro mês de estágio, já estava sendo treinada para atender os dois aparelhos telefônicos simultaneamente. Ao final apresentou desempenho satisfatório no estágio, contribuía na atualização das agendas e realizava corretamente atendimento aos clientes externos e estava familiarizando-se com os clientes internos.

A trabalhadora que acompanhou o estágio da telefonista relatou que a estagiária aprendeu a tarefa de ajudante de telefonista com muita facilidade e que apresentou boa produtividade. Não houve acidentes ou incidentes com a estagiária ou provocados por ela. Apresentou bom relacionamento com os demais trabalhadores. Relata que o estágio poderia ter seu tempo expandido para que a estagiária pudesse aprender todo o conteúdo que compõe a função de telefonista nesta empresa.

As pessoas com deficiência que participaram do estudo em entrevista relataram que é necessário o esclarecimento de questões referentes à previdência social para que as pessoas comprometam-se a participar da capacitação profissional. Todos apresentaram receio de perder benefícios ou aposentadorias por estarem envolvidos em um estágio dentro de uma empresa. Neste estudo piloto, as dúvidas quanto aos direitos da previdência estiveram presentes desde a classificação da capacidade funcional e perduraram até o momento do estágio.

4 Discussões sobre o estudo piloto

Ao serem avaliadas as tarefas de trabalho, pôde-se verificar as habilidades e os conhecimentos necessários à sua realização. Com base em tais informações, cursos foram propostos a fim de serem facilitadores da participação.

Durante a realização dos estágios, verificou-se a necessidade de adaptações organizacionais, estruturais e de relacionamentos, simples de serem realizadas e que independem da qualificação profissional exigida pela função. Trata-se simplesmente de eliminar as barreiras que impedem as pessoas de realizarem atividades e participações possíveis à sua capacidade funcional, por exemplo, a adaptação de uma mesa com vão para cadeiras de rodas, ou a sensibilização de trabalhadores quanto à capacidade das pessoas com deficiência buscando romper preconceitos e estigmas.

Pode-se verificar que, nas tarefas analisadas, a falta de acessibilidade apresentou-se como barreira à inclusão, visto que, em algumas situações não permite a utilização de facilitadores como, por exemplo, cadeira de rodas que garantem a participação e a realização de atividades.

A Lei 8213/91 (BRASIL, 1991a) apresenta-se como facilitadora à participação das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho, já que garante reserva de mercado e obriga as empresas à contratação, além de que prevê a não exigência de experiência profissional e idade para a contratação. Porém, se não há método de estudo das tarefas de trabalho e da adaptação do trabalho às pessoas com deficiência, esta inserção é ineficaz. As atividades de trabalho podem ser adaptadas em seus conteúdos, processos, ferramentas utilizadas, layout do posto e estruturas físicas.

O estudo piloto mostrou que, se o contexto não for considerado e adequado, não é possível a inclusão. Somente a normalização das pessoas como previsto pelo modelo biomédico, não garante a participação efetiva, e apenas a qualificação profissional seria suficiente para garantir a realização das tarefas. No entanto, o principal facilitador nesta proposta foram as adaptações do trabalho às pessoas, possível devido ao conhecimento da tarefa de trabalho.

Nesta experiência, as barreiras à inclusão, em sua maioria, foram originárias do contexto, do ambiente, da estrutura física, do desconhecimento por parte da empresa da capacidade funcional das pessoas com deficiência ou do estigma para com elas, além da falta de acessibilidade.

No estudo piloto verificou-se que a exigência em termos de qualificação profissional foi superior à real necessidade dos postos de trabalho oferecidos pela empresa. É fato a baixa escolaridade e experiência profissional das pessoas com deficiência em idade adulta, visto que estas não usufruíram das ações de inclusão escolar e grande parcela apresenta comportamentos advindos da prática da institucionalização, apresentando dificuldades comportamentais e de relacionamento. No entanto, o experimento mostrou que a qualificação profissional não é a principal barreira para a inclusão. A institucionalização, herança do modelo biomédico, parece ser barreira maior à entrada das pessoas com deficiência no mercado de trabalho do que a qualificação profissional propriamente dita.

Constatou-se que a maior barreira apresentada para a inclusão das pessoas com deficiência é a falta de conhecimento por parte das pessoas envolvidas na colocação destas no trabalho, sobre as atividades de trabalho, seus conteúdos e processos, além da falta de acessibilidade do ambiente físico das empresas e do estigma presente na sociedade quanto às capacidades funcionais e habilidades das pessoas com deficiência.

5 Considerações finais

A lei que estabeleceu cotas para contratação de pessoas com deficiência nas empresas brasileiras completou 19 anos em 2010, mas a demora na regulamentação, a fiscalização sem a necessária estrutura e, principalmente, o baixo investimento público e privado na qualificação profissional e nas adaptações das atividades de trabalho se traduzem em números incompatíveis com a demanda de mercado.

Verifica-se que a maior contribuição da lei de cotas até o presente momento está relacionada à discussão acerca do tema e consequentemente à maior divulgação de informações, mostrando ser possível a participação dessas pessoas no mercado de trabalho.

A lei de cotas mostrou poucos resultados em relação à contratação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, apenas 3% das 16,4 milhões de pessoas com deficiência em idade de trabalhar, porém nota-se o aumento das contratações após a regulamentação das cotas. Em 2007, mais de 22 mil pessoas com deficiência foram incorporadas ao trabalho formal no Brasil. São números expressivos, entretanto muito tímidos para uma economia como a brasileira que, no mesmo ano, criou 1,61 milhão de empregos formais.

A lei prevê a empregabilidade formal respeitando os direitos trabalhistas e isto é um ponto positivo. Apesar de questionada quanto à severidade de sua fiscalização, quanto aos percentuais fixos por números de funcionários e quanto a sua inflexibilidade com relação à contratação, a garantia dos direitos torna-se necessária, visto que existem diversas tentativas de precarização das contratações. A literatura aponta para propostas de flexibilizações nas modalidades de contratação dessas pessoas, como por exemplo, a contratação temporária ou a terceirização e não na flexibilização da lei, referente às ações propostas.

Os empregadores posicionam-se geralmente contrários à prática da lei e questionam a inexistência de pessoas qualificadas para serem contratadas, porém utilizam o aumento da qualificação exigida para seus cargos para justificar esta inexistência, enquanto que as entidades de e para pessoas com deficiência veem na lei de cotas a melhor maneira de ajudá-los. O que demonstra o papel ainda assistencialista das entidades para com todos os assuntos relacionados às pessoas com deficiência.

O preconceito referente ao uso de equipamentos facilitadores da função, por exemplo, cadeira de rodas, lente de aumento, entre outros, dificultou a inclusão das pessoas no trabalho na empresa estudada. Há preferência na seleção por pessoas que apresentam pequenas lesões em relação àquelas que apresentam lesões mais complexas e aparentes na estrutura do corpo, mesmo que possuam as habilidades funcionais e capacidade de participação e realização de atividades necessárias à função. Ações informativas aos funcionários das empresas quanto às características das pessoas com deficiência mostraram-se necessárias para diminuir preconceitos e estigmas.

A falta da acessibilidade foi apontada como elemento essencial que fortalece a desigualdade de oportunidades. O direito à acessibilidade não torna uma sociedade verdadeiramente acessível a todos, mas, minimiza as iniquidades existentes para as pessoas com deficiência, permitindo-lhes oportunidades até então inexistentes, abrindo espaços de autonomia e conquista de outros direitos inacessíveis.

Verificou-se que a qualificação profissional apresentada como barreira à contratação nem sempre é necessária para a execução das tarefas para as quais é solicitada e que adaptações do trabalho mostram-se fundamentais para que as pessoas possam aprender uma atividade. Porém, somente são possíveis se forem estudados os conhecimentos necessários ao desenvolvimento das tarefas, como aponta Guérin et al., 2001.

Uma questão que se mostrou interessante foi a verificação de que as empresas com menos de cem funcionários, ou seja, aquelas para as quais a lei de cotas não se aplica, são as maiores empregadoras de pessoas com deficiência, apesar de os motivos não terem sido explorados neste trabalho, esta questão parece ser interessante para posteriores estudos.

A visão biomédica na qual a lei de cotas e o Decreto 5298/99 são baseados apresenta-se fundamental à fiscalização, já que esta é a alavanca da lei. Somente tendo parâmetros biomédicos torna-se possível enquadrar quem serão os beneficiários da reserva de mercado. No entanto, não é possível generalizar as barreiras e as limitações de uma pessoa pela classificação de doenças. As dificuldades e limitações são variáveis e estão relacionadas com o contexto e com o ambiente, portanto, não analisar estes dois últimos e não adequá-los às pessoas não é incluir. Analisar apenas as pessoas com deficiência, quantificar suas limitações e reabilitá-las para integrá-las na sociedade é manter o paradigma da normalização e da integração, de acordo com a sistematização de Sassaki em 1999. O movimento das pessoas com deficiência na década de 80 no Brasil já questionava esta prática e discutia sua finalidade.

As pessoas que possuem uma deficiência não vão deixar de possuí-la após um programa de reabilitação, porém, em uma sociedade inclusiva, poderão conviver com ela e participar, realizar atividades, produzir, desde que os meios estejam adequados e as diferenças sejam respeitadas.

A luta pelo respeito às diferenças não pode se confundir com a preservação das desigualdades e de diferenças destas decorrentes. A conquista do direito humano à diferença não pode ser um obstáculo na busca pela justiça social, sob pena de, contraditoriamente, ao nos fixarmos apenas no respeito às diferenças corporais ou funcionais, estimularmos a produção e perpetuação das desigualdades sociais e econômicas (BAUMAN, 2003) que geram diferenças que aprofundam a deficiência.

A partir deste estudo, constatou-se como positiva a proposta de utilização do modelo social da deficiência como parâmetro nas ações de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, pois se verificou como principal barreira o contexto, o ambiente e a acessibilidade.

O modelo social da deficiência, embora tenha limitações típicas de qualquer síntese explicativa e não chegue a ser uma teoria social da deficiência, é amplamente aceito e utilizado como referência de inclusão social, com importante papel no questionamento das oportunidades sociais e práticas medicalizantes.

O desenvolvimento de uma política de inclusão no trabalho exige não apenas a implementação do sistema de cotas como fator indutor de novas vagas e da discussão e mobilização em torno do tema. É também necessário um conjunto de medidas que envolva a inclusão escolar, o estímulo à habilitação e ao desenvolvimento profissional, à reabilitação de pessoas vitimadas por acidentes ou doenças, etc.

Com a aplicação piloto do modelo, pôde-se verificar na prática os métodos e técnicas propostos e em continuidade a este estudo o modelo está sendo aplicado em 100 postos de trabalho de uma empresa multinacional metalúrgica na cidade de São Carlos desde outubro de 2008, por meio de uma rede integrada, em forma de política pública para a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Agradecimentos

Parte integrante de tese de doutorado - Contribuições da análise da atividade e do modelo social para a inclusão no trabalho de pessoas com deficiência - ano 2009 - Departamento de Engenharia de Produção/UFSCar. Financiamento: CNPq

Recebido em 23/4/2010 - Aceito em 29/11/2010

Suporte financeiro: CNPq.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      23 Abr 2010
    • Aceito
      29 Nov 2010
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