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A pertinência dos documentos prescritos nas atividades dos profissionais de manutenção industrial: o caso de uma indústria automobilística

The relevance of prescriptions in industrial maintenance professional activities: a case study in the automotive industry

Resumos

Um grande número de trabalhos de manutenção é descrito em procedimentos escritos precisos. Tais procedimentos dizem respeito a um determinado tipo de equipamento/máquina. Nos procedimentos de manutenção, as reparações dos equipamentos são descritas dentro de um padrão de estabilidade e normalidade onde todas as operações ocorrem de acordo com o esperado, como se fossem feitas na oficina, como equipamentos isolados. Mas na realidade, as reparações ocorrem em ambientes complexos. Frequentemente, as regras descritas nos procedimentos devem ser adaptadas, ou por vezes desrespeitadas, para permitir o reparo em condições reais. Este artigo é o resultado de pesquisa realizada em uma área de manutenção de máquinas de uma indústria automobilística, objetivando compreender a pertinência das prescrições para a realização das intervenções de manutenção, sejam elas corretivas ou preventivas. Baseada nos pressupostos metodológicos da Análise Ergonômica do Trabalho (AET), centrada na distinção entre trabalho prescrito e trabalho real e entrevistas em autoconfrontação, a atividade efetivamente realizada foi confrontada com a prescrição, evidenciando diversas fontes de variabilidade, constrangimentos e imprevistos que são geridas pelos profissionais durante o curso da ação, mobilizando suas competências, baseadas na experiência e saber acumulado, bem como estratégias de antecipação para o controle das situações e modos operatórios nem sempre conscientes, o que garante "de fato" o compromisso eficaz entre produção e segurança. Os resultados do estudo indicam que essas prescrições, ainda que elaboradas com a participação efetiva dos profissionais, são ineficientes para o trabalho vivo. Os constrangimentos manifestos no trabalho real decorrem da própria lógica da atividade viva, abismo inevitável entre o prescrito e o real.

Atividade de manutenção; Profissionais de manutenção; Análise Ergonômica do Trabalho (AET); Prescrições; Indústria automobilística


A great many maintenance works are described in precise written instructions. These instructions are related to a particular type of equipment/machine. In maintenance instructions, the repairs of equipment are described in a pattern of stability and normality where all operations occur in accordance with the expected, as if they were made at the workshop, as individual equipment. But actually, the repairs occur in complex environments. Quite often, the rules described in the instructions have to be adapted, or sometimes broken, to enable repair under real conditions. This paper is the result of a research conducted in the maintenance section of an automotive industry. The objective of this study is to understand the relevance of prescriptions for the execution of maintenance activities, either corrective or preventive. Based on the methodological assumptions of Ergonomic Work Analysis (EWA), centered on the distinction between prescribed work and real work and self-confrontation interviews, the activity actually performed was faced with the prescription, showing many sources of variability, constraints and contingencies that are managed by professionals during the course of action; mobilizing skills based on experience and know-how, as well as anticipation strategies for the control of situations and actions not always conscious, which indeed ensures effective commitment between production and safety. The results indicate that these prescriptions, even though developed with the effective participation of professionals, are inefficient for the live work. The constraints on the real work are the result of the logic of live activity, unavoidable gap between the works prescribed and the real ones.

Maintenance activity; Maintenance professionals; Ergonomic Work Analysis (EWA); Prescriptions; Automotive industry


A pertinência dos documentos prescritos nas atividades dos profissionais de manutenção industrial: o caso de uma indústria automobilística

The relevance of prescriptions in industrial maintenance professional activities: a case study in the automotive industry

Alex Luis de CarvalhoI; Nilton Luiz MenegonII

IPrograma de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Rod. Washington Luís, Km 235, SP-310, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil, e-mail: alex@dep.ufscar.br

IIGrupo de Pesquisa Ensino e Extensão Ergo&Ação, Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Rod. Washington Luís, Km 235, SP-310, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil, e-mail: menegon@dep.ufscar.br

RESUMO

Um grande número de trabalhos de manutenção é descrito em procedimentos escritos precisos. Tais procedimentos dizem respeito a um determinado tipo de equipamento/máquina. Nos procedimentos de manutenção, as reparações dos equipamentos são descritas dentro de um padrão de estabilidade e normalidade onde todas as operações ocorrem de acordo com o esperado, como se fossem feitas na oficina, como equipamentos isolados. Mas na realidade, as reparações ocorrem em ambientes complexos. Frequentemente, as regras descritas nos procedimentos devem ser adaptadas, ou por vezes desrespeitadas, para permitir o reparo em condições reais. Este artigo é o resultado de pesquisa realizada em uma área de manutenção de máquinas de uma indústria automobilística, objetivando compreender a pertinência das prescrições para a realização das intervenções de manutenção, sejam elas corretivas ou preventivas. Baseada nos pressupostos metodológicos da Análise Ergonômica do Trabalho (AET), centrada na distinção entre trabalho prescrito e trabalho real e entrevistas em autoconfrontação, a atividade efetivamente realizada foi confrontada com a prescrição, evidenciando diversas fontes de variabilidade, constrangimentos e imprevistos que são geridas pelos profissionais durante o curso da ação, mobilizando suas competências, baseadas na experiência e saber acumulado, bem como estratégias de antecipação para o controle das situações e modos operatórios nem sempre conscientes, o que garante "de fato" o compromisso eficaz entre produção e segurança. Os resultados do estudo indicam que essas prescrições, ainda que elaboradas com a participação efetiva dos profissionais, são ineficientes para o trabalho vivo. Os constrangimentos manifestos no trabalho real decorrem da própria lógica da atividade viva, abismo inevitável entre o prescrito e o real.

Palavras-chave: Atividade de manutenção. Profissionais de manutenção. Análise Ergonômica do Trabalho (AET). Prescrições. Indústria automobilística.

ABSTRACT

A great many maintenance works are described in precise written instructions. These instructions are related to a particular type of equipment/machine. In maintenance instructions, the repairs of equipment are described in a pattern of stability and normality where all operations occur in accordance with the expected, as if they were made at the workshop, as individual equipment. But actually, the repairs occur in complex environments. Quite often, the rules described in the instructions have to be adapted, or sometimes broken, to enable repair under real conditions. This paper is the result of a research conducted in the maintenance section of an automotive industry. The objective of this study is to understand the relevance of prescriptions for the execution of maintenance activities, either corrective or preventive. Based on the methodological assumptions of Ergonomic Work Analysis (EWA), centered on the distinction between prescribed work and real work and self-confrontation interviews, the activity actually performed was faced with the prescription, showing many sources of variability, constraints and contingencies that are managed by professionals during the course of action; mobilizing skills based on experience and know-how, as well as anticipation strategies for the control of situations and actions not always conscious, which indeed ensures effective commitment between production and safety. The results indicate that these prescriptions, even though developed with the effective participation of professionals, are inefficient for the live work. The constraints on the real work are the result of the logic of live activity, unavoidable gap between the works prescribed and the real ones.

Keywords: Maintenance activity. Maintenance professionals. Ergonomic Work Analysis (EWA). Prescriptions. Automotive industry.

1 Introdução

Considerando a complexidade das plantas industriais, o trabalho formalizado baseado em instruções e procedimentos, em muitas companhias, tem um lugar dominante. Todos os procedimentos são relacionados com uma instrução contendo uma descrição das operações a serem realizadas. Ela está na origem taylorista, onde o projetista prescreve a atividade do operador.

De uma forma geral, diversos estudos avaliaram a pertinência das prescrições em situações de trabalho. Autores como Hatchuel (1996), Lima (1994), Lima e Schwartz (2002), Leplat (2004) e Terssac e Maggi (1996) apontam suas limitações, mostrando que a eficácia do trabalho não provém do respeito às instruções, pois elas não dão conta da variabilidade presente nas situações produtivas, que decorrem tanto dos indivíduos quanto dos dispositivos técnicos e organizacionais. Nessa perspectiva, a prescrição não alimenta a atividade, pois não dá conta da variabilidade e imprevistos que são inerentes aos sistemas produtivos. Outros autores como Hubault e Ferreira (2004), Bazet (2002), Escriva, Maline and Schweitzer (2002), Six (2002) e Carballeda (2002) consideram a atividade como fonte de um processo dinâmico e permanente de revisão das prescrições, recompondo-as pelo coletivo do trabalho, criando espaços de discussão e a confrontação de diferentes lógicas. Vê-se que o ponto de vista da atividade não tem o papel de evitar a prescrição mas de renová-la. Nessa perspectiva, segundo os autores citados, a prescrição reelaborada alimenta a atividade, dando conta das variabilidades.

No contexto da manutenção, embora ela tenha como uma das suas características peculiares lidar com a variabilidade e imprevisibilidade das avarias e disfuncionamentos dos equipamentos, seus conceitos, ferramentas e modelos de gestão denotam sua filiação taylorista, sendo que na grande maioria das aproximações o caráter prescritivo e sistemático é dominante, priorizando os modelos de otimização e ferramentas sistêmicas, bem como os softwares de gerenciamento como controladores e mantenedores dos processos.

A literatura apresenta um conjunto significativo de aproximações sistêmicas relacionadas à manutenção, por exemplo: modelos de controle de custos de manutenção (PERES; LIMA, 2008); modelos de manutenção para sistemas sujeitos a mais de um evento aleatório, para determinação de uma política ótima de manutenção preventiva (SANTOS; MOTTA; COLOSIMO, 2007); modelos matemáticos baseados na teoria multicritério de apoio à decisão e sistemas especialistas para tomada de decisões (CAVALCANTE; ALMEIDA, 2005; CAVALCANTE; FERREIRA; ALMEIDA, 2010; ALMEIDA, 2012; OLSSON; ESPLING, 2004, MECABÔ, 2007; MARTÍNEZ et al., 2013); modelos de predição, utilizando lógica Fuzzy e redes neurais (CHEUNG; IP; LU, 2005; AL-NAJJAR; ALSYOUF, 2003; RAZA; LIYANAGE, 2009; HENNEQUIN; ARANGO; REZG, 2009; JAYASWAL; VERMA; WADHWANI, 2010); modelos de manutenção centrada em confiabilidade (RCM) e manutenção produtiva total (TPM) como bases das estratégias de manutenção, objetivando a máxima disponibilidade operacional a um custo ótimo (SELLITTO, 2005, 2007; LI; GAO, 2010; AL-NAJJAR, 1996; BAMBER; SHARP; HIDES, 1999; COOKE, 2000; AHUJA; KHAMBA, 2008); além de estudos que abordam a implantação de softwares específicos para o controle e gerenciamento da manutenção (PERCY; KOBBACY, 1996; NICOLOPOULOS et al., 2003; IP; KWONG; FUNG, 2000; KANS, 2009; DURÁN, 2013). Essas aproximações acompanham e sustentam o desenvolvimento de uma gestão na qual as dificuldades do trabalho real, do trabalho cotidiano são subestimadas, minimizadas ou até mesmo apagadas ou categoricamente negadas (LLORY, 2002).

Baseado nessas duas posições conflitantes, bem como na perspectiva vigente do sistema de gestão da manutenção, o presente artigo é suportado num estudo sobre a importância da atividade viva dos profissionais e em como ela se presta à padronização. O estudo buscou compreender a pertinência das prescrições elaboradas com a participação efetiva dos próprios manutentores de uma área de estamparia de uma grande indústria automobilística, colocando como questão central a sua contribuição para a realização da atividade ou, em outras palavras, se ela alimenta a atividade dos profissionais de manutenção, levando em consideração as variabilidades e imprevistos inerentes às atividades de manutenção.

2 A abordagem da atividade dos profissionais de manutenção pela prática da AET

A Análise Ergonômica do Trabalho (AET) tornou-se uma metodologia essencial, tendo como característica fundamental ser um método destinado a examinar a complexidade sem colocar em prova um modelo escolhido a priori. Segundo Wisner (1987, p. 4),

[...] o princípio da análise ergonômica do trabalho e do trabalho de campo é, em si, revolucionário, pois nos leva a pensar que os intelectuais e cientistas têm algo a aprender a partir do comportamento e do discurso dos trabalhadores.

Assim, a exigência científica principal da ergonomia está no conhecimento, pela observação das situações reais de trabalho, objetivando desenvolver conhecimentos sobre a forma como o homem efetivamente se comporta ao desempenhar o seu trabalho e não como ele deveria se comportar. Para apreender as situações de trabalho em sua totalidade e dimensões, a ergonomia utiliza uma metodologia própria de intervenção – a Análise Ergonômica do Trabalho.

Para demonstrar a atividade viva dos profissionais de manutenção durante as intervenções, foram empregados determinados métodos e técnicas de pesquisa:

a) Coleta de dados em documentos da empresa, com objetivo de constituir e analisar a demanda e para descrever o trabalho prescrito.

b) Observação do trabalho real e registro dos modos operatórios por fotografias e filmagens. Os profissionais foram filmados, fotografados e entrevistados durante a realização das intervenções. As duas intervenções foram acompanhadas na íntegra (do início ao fim), totalizando 26 horas.

c) Ficha de descrição das atividades: Tais fichas foram elaboradas para descrever como os profissionais de manutenção realizam suas atividades, bem como para registrar observações do próprio pesquisador (que também é um ator do processo) após observação, fotografia e filmagem dos profissionais em trabalho (CARVALHO, 2011). Essas permitiram dividir o trabalho dos profissionais em etapas, ilustradas com fotos deles trabalhando e comentários do próprio pesquisador, que serviram de base para as entrevistas em autoconfrontação.

d) Autoconfrontação: Foram realizadas com os profissionais envolvidos nas intervenções, seu objetivo foi restituir a história/evento sob a óptica deles. Essa é justificada, pois não é possível explicar o sentido da ação de "fora", sendo portanto necessário explicitar os motivos e razões dos indivíduos, o que não pode ser feito sem recorrer à fala dos próprios atores, em última instância, aqueles que podem validar as interpretações propostas. As entrevistas em autoconfrontação consistem basicamente em obter comentários do sujeito sobre seu próprio comportamento em diversos níveis, obedecendo forçosamente a sequência (LIMA, 1998): Como (se faz, se sabe, escolhe etc.)? Para que (finalidade, objetivos)? Por que (motivos, razão)?

e) Entrevistas não estruturadas com diferentes atores do departamento: Para reconstituir o processo de elaboração das prescrições (ITIs), a forma/grau de participação dos profissionais, bem como a importância que eles atribuem a esse documento, foram entrevistados individualmente os funcionários (eletricistas, mecânicos e encarregado de manutenção) que participaram do processo de elaboração das prescrições (CARVALHO, 2011).

3 Evidenciando a diferença entre o trabalho prescrito e o trabalho real na área de manutenção de máquinas

3.1 Objeto de estudo: Departamento de manutenção de máquinas da área de Estamparia

Subordinada à gerência da produção, é responsável pela manutenção e conservação das máquinas e equipamentos de toda a área, atende aos setores central de corte, prensas manuais e prensas robotizadas, tendo como principais atividades: Manutenção corretiva/preventiva, robotizações de novas peças, otimização de processos robotizados, melhorias no processo, reforma e atualização técnica de máquinas e equipamentos, além de integrar TPM (Manutenção Produtiva Total), Sistema de Produção da Empresa e VDA.

Atende 201 máquinas/equipamentos, dentre eles prensas de ação simples e dupla, de 500 a 1.800 toneladas, desbobinadeiras, tesouras, mesas elevatórias, prensas enfardadeiras de sucata, esteiras de sucata, pontes rolantes de 20 a 70 toneladas, talhas, alimentadores de platinas e robôs, sendo que a média de idade do parque de máquinas é de 33 anos.

O departamento possui um efetivo de 41 mecânicos, 29 eletricistas e seis encarregados, divididos em três turnos de trabalho, um supervisor, dois analistas, além do suporte técnico (planejamento e compras da manutenção), distribuídos em dois plantões avançados (central de corte e prensas robotizadas) e um plantão central (prensas manuais). A experiência média dos profissionais na área é de aproximadamente 12 anos.

3.2 Organização do trabalho dos profissionais de manutenção

Os profissionais são divididos em três turnos de trabalho, sendo o horário da turma A das 06:00 às 13:34 h, com 40 minutos de refeição, de segunda a sexta-feira, e, aos sábados, das 06:00 às 11:30 h, sem horário de refeição; turma B, das 13:34 às 22:12 h; e, turma C, das 22:12 às 06:00 h, ambas com 40 minutos de refeição de segunda à sexta-feira.

A gestão da manutenção no chão de fábrica é exercida pelos encarregados, dois para cada turno, que coordenam os trabalhos em torno das demandas e necessidades da produção, alocando as pessoas nos plantões, bem como realizando a indicação de funções e responsabilidades predefinidas (p. ex.: dos profissionais responsáveis pela manutenção preventiva de um determinado número de equipamentos/linhas, dos profissionais que efetuam o acompanhamento in situ em linhas críticas etc.).

Diariamente, no início de cada turno, os encarregados recebem as informações dos gestores da turma anterior sobre o andamento dos serviços, bem como se há alguma máquina/linha interrompida. Com base nessas informações, os encarregados efetuam a distribuição das tarefas, bem como determinam o número de pessoas (plantão nos setores, manutenção corretiva não planejada/ planejada em andamento, manutenção preventiva etc.) para a execução dos trabalhos. A Figura 1 mostra uma representação simplificada das principais rotinas de manutenção de cada turno de trabalho, bem como o fluxo de informações entre as turmas anterior, posterior, encarregados, mecânicos e eletricistas de manutenção.


No tocante à distribuição das tarefas, formalmente há uma divisão do trabalho conforme o nível de qualificação profissional (Mecânico/Eletricista de Manutenção I, II e III e Carta de Versatilidade). No entanto, ela também é feita de forma subjetiva, com base na experiência e conhecimento que o gestor tem dos profissionais, onde os mais novos acompanham os mais experientes.

3.3 As ITIs (Instruções de Trabalho Internas)

As instruções de trabalho, de uma maneira geral, sempre integraram o cotidiano das equipes de manutenção, porém sob a forma de "receitas". Eram escritas para e pelos profissionais experientes que conheciam a área, sendo um instrumento de orientação técnica para um determinado procedimento, sem o aprofundamento quanto a detalhes específicos de como se fazer a tarefa, bem como quanto às regras de segurança até então implícitas, consideradas como prerrequisitos, fazendo parte do conhecimento e competências dos profissionais. Essas "receitas" eram normalmente feitas pelos profissionais e encarregados de forma individual, nelas, as trocas de informações e acesso eram feitas diretamente entre eles, de forma informal.

No entanto, em resposta a uma nova demanda da empresa para a implantação de um novo projeto, bem como frente às novas exigências quanto aos critérios de eficiência produtiva e aumento de volume, foram criadas, entre meados de 1998 até 2001, as Instruções de Trabalho Internas (ITIs). Esse projeto nasceu como uma nova concepção de veículo, no qual novas tecnologias seriam empregadas, previsão de uma produção em larga escala, onde não seria admissível que ocorressem paradas para manutenção corretiva, entre outras ações que causassem perdas de produção ou produtividade. Tem como objetivos:

- Criar uma rotina de trabalho padronizada;

- Minimizar o tempo de máquinas paradas;

- Evitar montagens erradas;

- Intensificar o treinamento on-the-job, pois as ITIs foram elaboradas por um grupo de profissionais composto por mecânicos/eletricistas experientes e mecânicos/eletricistas inexperientes, encarregado de manutenção e mestre de manutenção (analista);

Cada encarregado, junto com o analista, teve um assunto (tarefa) para transformar em ITI. Em reuniões semanais, o grupo reuniu-se para discutir e concluir a ITI.

Cada ação foi discutida: os funcionários mais experientes explicaram aos mais novos qual era a melhor forma de executar cada tarefa. Passo a passo foram listados, explicitando o como e o por que de se fazer de cada uma. Posteriormente, os encarregados das outras turmas analisaram e sugeriram melhorias.

Atualmente existe um grande número de instruções de trabalho sendo elaboradas para tarefas referentes à manutenção elétrica, bem como a permanência das "receitas", que ainda são muito utilizadas devido às constantes atualizações tecnológicas, atendimento às normas regulamentadoras (p. ex.: diversos modelos e marcas de Controladores Lógicos Programáveis (CLPs), inversores de frequência, sistemas de segurança, sensores, transdutores etc.). A Figura 2 mostra um modelo de ITI:


3.4 A atividade real dos profissionais de manutenção

Nesta seção serão evidenciados os resultados dos estudos de campo, bem como a reconstituição dos resultados por meio das entrevistas de autoconfrontação com os profissionais envolvidos. Para essa pesquisa foram escolhidas duas atividades: uma corretiva e outra preventiva que tinham ITIs elaboradas, sendo a primeira atividade a substituição e teste de um motor de corrente contínua e a segunda, a desmontagem do conjunto freio e embreagem de uma prensa.

As seções a seguir apresentam uma breve narrativa contextualizando o curso da ação dessas duas intervenções, bem como aspectos da variabilidade, constrangimentos e imprevistos aos quais os profissionais são submetidos, além dos modos operatórios e das estratégias utilizadas para dar conta da tarefa.

3.4.1 O caso de uma intervenção corretiva

Os problemas com o motor começaram por volta das 14:00 h (linha estava produzindo), apresentando falha de excesso de temperatura a cada uma hora, mais ou menos. As primeiras falhas foram resetadas pelo próprio preparador (especialista), juntamente com o eletricista que normalmente acompanha essa linha, até então eram falhas consideradas normais durante o processo. A partir da terceira, o eletricista já ficou de sobreaviso (a partir das 17:00 h). Por volta das 17:30, o mecânico de manutenção estava fazendo uma inspeção/verificação de vazamento nos cabeçotes desta linha, por acaso, e observou algo estranho na máquina. O motor estava "fumaçando". Imediatamente ele, lá de cima pediu, "gritou" para o preparador da linha que desligasse o motor. No mesmo instante, o eletricista, que já estava em sobreaviso, subiu até o cabeçote da máquina para encontrar o mecânico, que explicou o que viu. A partir daí foram iniciados os testes para saber o que ocorreu com o motor. Primeiramente, o eletricista pediu para o preparador ligar o motor para "ver" o que realmente estava acontecendo. Após ser ligado o motor, foi observado pelo eletricista que o motor estava faiscando pela saída de ar (parte dianteira). A partir daí o motor foi desligado e foi dada sequência aos testes para diagnóstico. Após alguns testes, foi constatado pelos eletricistas que o motor estava queimado. Diagnosticado o problema, por volta das 18:10 h iniciou-se o processo de substituição do motor. Cinco mecânicos e três eletricistas foram deslocados para esse evento até a sua conclusão, às 03:20 h do dia seguinte.

3.4.2 O caso de uma intervenção preventiva

Esta intervenção teve um caráter preventivo, pois a máquina estava parada por quebra no reajuste (regulagem da altura) do prensa chapa, sendo necessária a retirada do martelo e prensa chapa da máquina para reparo e revisão completa (troca de todas as vedações etc.), com tempo médio de conserto de aproximadamente 30/35 dias. Diante de tal problema, foi aproveitado o momento para se revisar o conjunto freio e embreagem. As atividades iniciaram-se no primeiro turno após o horário de refeição (12:30 h), quando uma equipe de três mecânicos foi deslocada para iniciar os trabalhos. A partir daí, as atividades de desmontagem do conjunto de freio e embreagem da prensa se desenvolveram até às seis da manhã do dia seguinte.

3.5 Aspectos da variabilidade e constrangimentos no trabalho real: o revés da normalidade posta em marcha

A análise da atividade permitiu evidenciar elementos que caracterizam o trabalho de reparação, seja ele corretivo ou preventivo, como extremamente complexo, evidenciando como o trabalho vivo se presta pouco à normalidade e estabilidade, sendo permeado por imprevistos e variabilidades que evidenciam a distância entre o que é prescrito e o que realmente é feito.

Nas duas atividades acompanhadas foram identificadas diversas fontes de constrangimento, variabilidades e situações imprevistas, bem como as estratégias e os modos operatórios empregados pelos profissionais, o que evidenciou sua distância em relação à ITI, a saber:

3.5.1 Os constrangimentos físicos

Os esforços empregados

As atividades de manutenção em prensas pesadas demandam um grande esforço dos profissionais por conta das dimensões dos componentes, sendo necessária, em grande parte dos conjuntos, a utilização de ferramentas e dispositivos de grande porte para montagem e desmontagem, tais como alavancas, chaves allen e de impacto, martelos de grandes dimensões, canos etc.

Na ITI, a instrução soltar os parafusos de fixação da embreagem revelou, na verdade, demandar um grande esforço e atenção por parte dos profissionais. A Figura 3 ilustra tal procedimento.


Foi observado que os profissionais, ao soltarem os parafusos localizados na posição superior, principalmente, além de terem de fazer um esforço para soltá-los, ao mesmo tempo tinham de observar se a chave não ia escapar/pular do parafuso e cair em cima deles ou no chão, podendo causar acidente, já que não havia nenhum apoio para ela. Para tanto, o esforço devia ser controlado, sem movimentos bruscos:

Pra não escapar a chave allen na testa. Porque você não tá apoiando a chave na mão, não tá segurando ela. Então todo mundo tá esperto ali, que, se escapar a chave allen, não pegue ninguém... por isso que tá todo mundo olhando pra ela...

De repente, você faz muita força e, conforme você tá fazendo a força ali, você não tá legal apoiando a chave, você tá puxando meio que de lado o parafuso e a qualquer momento a chave pode escapar e pegar na cabeça de um amigo e o nosso amigo ali, ó, porque nós dois estamos lá e tem um outro amigo lá embaixo, esperando... Isso é direto assim...

As condições de iluminação e o espaço reduzido

A luminosidade do ambiente de trabalho bem como o acesso aos componentes para a montagem/desmontagem têm uma grande influência na atividade dos profissionais. A iluminação externa, o local de instalação influenciam na execução dos trabalhos:

Isso aí prejudica demais... É um serviço grande, peças pesadas, ferramentas pesadas, acesso difícil de se trabalhar e sem... falta de iluminação meu, prejudica demais

Tais condições não são levadas em conta na prescrição, cabendo aos profissionais elaborar estratégias e modos operatórios específicos diante das situações para efetuar os reparos. Na ITI, as instruções retirar componentes são consideradas operações normais, porém nem sempre isso se dá de forma estável e normal. A Figura 4 ilustra tal procedimento:


Essas operações se passaram em ambientes com pouca luminosidade e em espaços reduzidos. Foram observadas as baixas condições de iluminação, principalmente quando a ponte está sobre a máquina, bloqueando a iluminação do prédio e dificultando os trabalhos, sendo necessária a utilização de dispositivos de iluminação.

Em relação ao espaço reduzido, embora essa prensa tenha um projeto/construção mais atual, foi evidenciada uma grande dificuldade de acesso aos componentes da embreagem e, principalmente, do freio:

Fora o espaço, você não tem espaço pra trabalhar... Olha só, tá vendo? Ali só cabe você, não cabe mais ninguém, o outro tem de ficar olhando enquanto um trabalha aí, revezando...

A Figura 5 ilustra tais restrições.


3.5.2 Constrangimento temporal

A diversidade do contexto das ações

Um caráter de urgência permeia os trabalhos de manutenção corretiva realizados durante uma pane inesperada, principalmente em uma linha/máquina crítica, e todos os profissionais, até que o funcionamento normal do equipamento seja restabelecido:

A pressão nesses casos é muito grande. Você tem de estar junto com o sistema, o sistema é assim que funciona. Parou, a pressão é total, a hora que liberou a máquina fica mais tranquilo, mas enquanto a máquina tá quebrada é só pressão...

Foi uma corretiva, uma máquina que tava rodando, a peça era crítica, aí tem toda a pressão do encarregado, porque você não sabe nem se tem aquele motor, onde é que tem, se vai dar tudo certo, se não vai dar, então começa toda uma pressão, indo o encarregado lá para pressionar a gente, muita gente lá em cima trabalhando e acaba de repente um até atrapalhando o outro...

3.5.3 A variabilidade organizacional

Foram observadas e evidenciadas pelos profissionais as diferentes relações entre os profissionais de manutenção e produção durante os trabalhos com a ponte rolante. Na ITI, a instrução de solicitar a ponte rolante, teve sentidos diferentes em função do tipo de intervenção. A Figura 6 ilustra tal tarefa.


Na manutenção do tipo corretiva foi observada uma maior disponibilidade da ponte rolante, justificada pela pane de uma máquina/linha crítica:

Na verdade, tem onde a gente entra... Como, como é que eu posso falar, como prioridade... Por exemplo, escapou a correia do motor, né? Tem pouca peça na linha lá. Tá pra parar a linha lá em cima na ala 14, que é a montagem final. Para tudo, tem que mexer com isso, daí para o abastecimento lá na frente. Para tudo, a prioridade é lá, vai fazer lá e fim de papo. Mas são raras as exceções.

Já nos trabalhos de manutenção preventiva ou corretiva planejada, onde o equipamento está disponível para a manutenção, a disponibilidade da ponte rolante foi em geral menor, devido ao atendimento prioritário à produção (transporte, troca de ferramentas, abastecimento das linhas):

É sempre a mesma correria, a gente sempre tem que tá trabalhando com a ponte, mas a produção é prioridade. Se eles precisarem, a gente tem de parar, a não ser que seja uma peça que nós já levantamos e é muito pesada e não tem jeito de voltar, aí tiramos. Mais se tiver jeito de parar, o pessoal é prioridade.

Agora num serviço que geralmente é a preventiva, a máquina está disponível pra gente, a produção é prioridade, a gente não tem tanta pressa assim...

Diversidade e variabilidade dos indivíduos

Para Guérin et al. (2001), a diversidade interindividual significa que cada pessoa tem a sua própria história, sua própria experiência. Os constrangimentos, as dificuldades e os eventos positivos que cada um encontra fora de seu trabalho variam. Os profissionais altos e baixos adotarão posturas diferentes, o que tem mais experiência desenvolverá estratégias diferentes daquele que tem menos. Os esforços, os raciocínios usados e a fadiga resultante não serão equivalentes, mesmo que o resultado produzido pareça idêntico.

Durante as intervenções, diversas situações que evidenciam essa diversidade foram constatadas. Em função da vivência, experiência de cada profissional da área, bem como da baixa frequência com que se faz a revisão nesses conjuntos, foi observado e relatado por alguns profissionais, em determinados momentos, apresentam uma certa dificuldade para desmontar um determinado componente (p. ex.: bucha expansiva e êmbolo da embreagem):

O máximo que você vai fazer é regular a folga... Pra regular a folga, você só vira... Agora, pra desmontar igual a gente desmontou, dois, três anos ou mais.

Na realidade a gente não, é... nós soltamos a bucha inteira, né? Olha lá! Não precisava, era só soltar, afrouxar um pouco os parafusos, né? Pra sacar ela, entende? É um serviço que é pouco feito, né? Eu tinha feito esse serviço num freio há muito tempo atrás... Aí nós não sabíamos... Eu sabia que era pra soltar os parafusos, mas tem dois parafusos que eles ficam presos, não precisa tirar eles, é só afrouxar o resto, aí você solta ele com tudo, entendeu?

Eu acredito, assim... é que, como é uma máquina que você não tá atendendo direto, tem poucas máquinas delas, né? É a mesma igual você descer um martelo de quinhentas e descer um martelo, vai, de dupla ação, é... não é tão normal, né? Não é comum pra gente, apesar da gente já ter feito, só que aí você fez, vai, um serviço nessa máquina e fez 30 no modelo do cotidiano e você acaba esquecendo um pouco, né, do sistema, como você vai desmontar... Não é uma novidade, que a gente já tinha feito o serviço, mas tem uma dificuldade maior devido a essa... Poxa, aqui, como era mesmo!? Aí você lembra...

3.6 O gerenciamento dos imprevistos, as estratégias e modos operatórios: um compromisso eficaz entre produção e segurança

Em função da própria natureza da atividade do profissional e da resposta aos constrangimentos, variabilidades e imprevistos aos quais eles estão submetidos, e que não constam nas prescrições/instruções, os profissionais de manutenção implementaram diversas estratégias e modos operatórios evidenciando os mecanismos cognitivos colocados em ação para garantir a fluidez e a eficiência das intervenções, bem como para evitar acidentes, a saber:

3.6.1 A importância da comunicação entre os profissionais

A comunicação entre os profissionais, seja para a solicitação dos serviços com a ponte rolante, bem como para a retirada de componentes em uma área com elevados níveis de ruído, constantes movimentações de cargas pesadas, faz com que ela tenha uma grande importância quanto à fluência da intervenção e, principalmente, à segurança. Na ITI, a tarefa de içar a tampa ou algum componente com o auxílio da ponte rolante requer na verdade uma grande atenção e sintonia entre os profissionais. A Figura 7 ilustra tal instrução:


Devido ao espaço reduzido e à necessidade de o profissional ter de ficar de frente com a peça, foi evidenciada a extrema importância da comunicação e concentração entre mecânico e ponteiro na hora de executar uma manobra com ponte rolante, devido ao alto risco de esmagamento. A comunicação entre os profissionais foi feita via sinais e gestos, entre duas pessoas somente, a fim de evitar-se uma manobra errada, o profissional sinalizou para o ponteiro (que nesse caso era um dos mecânicos) o que ele deveria fazer (para cima, para baixo, mais devagar, para lá, para cá etc.):

É que nem a gente falou, né, meu... Se dois caras falam... no caso, o Marcão não ia saber nem o que fazer, pra que lado ele ia.

Como ele tá pondo o cabo, tá direto na peça, eu falo diretamente com ele, o outro cara, que tá do lado, eu nem dou atenção, porque quem tá lá é ele, se Deus o livre acontecer alguma coisa, é ele que tá lá do lado da peça, então todo o cuidado é pouco...

Já a tarefa de solicitar a ponte rolante também diz respeito à forma de comunicação e negociação que é feita na grande maioria das vezes entre eles, na qual o profissional dirige-se ao operador de ponte rolante e faz a solicitação:

Na maioria das vezes nós conversamos diretamente com o ponteiro, né? Mas às vezes tem que chamar, vai, gritar, assoviar...

A prioridade é pra eles, entendeu? Então, dependendo do tipo de serviço que você vai executar, se for algo um pouco mais demorado, você já tem que planejar com o pessoal da produção o que você vai fazer pra você poder solicitar a ponte, por que senão não dá pra você começar e ficar no meio do caminho...

Vale ressaltar que esse procedimento também depende da boa relação entre os colegas. A proximidade, o coleguismo entre eles proporciona uma certa liberdade para se chamar, brincar, o que agiliza os trabalhos e faz as coisas acontecerem de fato:

É muito mais eficiente você ir direto no operador e puxá-lo do que uma solicitação formal para o encarregado dele, por exemplo. Engessa o processo, as coisas não andam.

3.6.2 As estratégias de antecipação

Os profissionais, em função da sua experiência e competência, adotam medidas de antecipação, para permitir o bom desenvolvimento do trabalho, bem como de economia do corpo. As instruções não conseguem prever tudo o que pode ser utilizado no curso da ação (Figura 8).


No que tange às ferramentas necessárias, o profissional confirma:

Nós nos preparamos pra não perder tempo depois e ter que voltar tudo de novo...

Em função da distância do plantão de manutenção central, bem como do próprio local da máquina em que é efetuada a manutenção – parte de cima (cabeçote) ou parte de baixo/porão (dispositivo de repuxo) – evidenciou-se que os profissionais contam com os imprevistos, buscando uma gama maior de dispositivos e ferramentas de uma só vez, para possível utilização:

A distância é relativamente grande pra quem vai fazer o percurso a pé. Então você desce aqui pra buscar dois tirantes, depois descer de novo pra pegar um macaco... No mínimo, é 30, 40 minutos aí, ó, que você perde aí, ó, vindo lá de cima aqui pegar alguma coisa, depois voltar...

Outra estratégia evidenciada foi em relação à desmontagem dos componentes do freio, na qual os profissionais não seguiram a sequência proposta na instrução de trabalho (Figura 9).


Cientes das restrições de disponibilidade da ponte rolante, os profissionais optaram por soltar vários componentes, deixando-os com um ou dois parafusos (o suficiente para a peça não cair/segurança) melhor localizados, de modo a retirá-los de uma só vez quando disponibilizada pela ponte rolante.

Em função dos imprevistos e riscos, a experiência, o saber acumulado permite aos profissionais elaborarem estratégias que dão sustentação a compromisso eficaz entre a produção e a segurança. A instrução de retirar algum componente tem um outro significado:

Nossa preocupação era não entrar na frente, porque sabiamos, conforme a localização do cabo, quando ele desprende da máquina, dá o balanço... ele ia tentar deixar o cabo reto, né? E você não pode ficar na frente e nem tentar segurar porque você não aguenta... Por que na verdade o cabo não tava sustentando o peso, né? O cabo tava fazendo uma alavanca, não tava esticadinho, retinho...

3.6.3 Os modos operatórios e o conhecimento tácito mobilizados durante as intervenções

Os profissionais de manutenção implementam inúmeros modos operatórios para garantir a qualidade da intervenção. O conhecimento tácito dos profissionais faz com que eles saibam pelo tato a correta tensão no cabo de aço ao içar algum componente. A instrução içar algum componente, para ser eficiente, pressupõe tal competência:

Então, aí a gente só estica os cabos, né? Daí você vê pelo tato, aí você vê que o cabo tá esticado, aí você já tá... o peso da proteção já tá sobre o cabo, já. Aí você consegue soltar o parafuso, se o parafuso estiver muito preso na hora de soltar, é que subiu muito, aí você pede pra ele descer um pouco. Isso entre os três, ali, a gente comunica um com o outro, entendeu? Aí só, como você falou, só um comunica com o ponteiro, pra ele não atrapalhar, senão um pede pra subir e o outro pede pra descer, aí ferrou, entendeu? Então, tem de haver uma atenção, nessa hora...

A gente verifica pela tensão dele, né? Isso é tato nosso, né? Não tem técnica, cada um sente, eu acho que tá bom, quando fica igual a uma corda de viola é porque tá bom (risos).

Na ITI, a instrução retirar o porta elementos revelou, na verdade, exigir grande esforço e coordenação por parte dos profissionais. A Figura 10 ilustra tal procedimento.


Para sua retirada, devido ao ajuste com interferência entre cubo e eixo principal da prensa, os profissionais tiveram de providenciar um dispositivo (tirantes) para sacá-lo, operação em que apertaram de forma coordenada cada um dos lados para que não houvesse o travamento do conjunto.

Conforme você vai apertando um lado, ele vai soltando, aí ele fica deslocado, né? Aí você vai pro outro lado e assim ele vai saindo paralelo, né? Se você forçar só de um lado, ele trava...

4 Considerações finais

4.1 Os limites dos procedimentos prescritos nos trabalhos de manutenção

Nos procedimentos de manutenção, as reparações dos equipamentos estão prescritas como se fossem ser feitas nas oficinas, como equipamentos isolados. Mas, na realidade, esses reparos ou intervenções ocorrem em ambientes complexos, nos quais as regras descritas no procedimento devem ser adaptadas ou, por vezes, desrespeitadas para permitir a intervenção em condições reais. O profissionalismo dos operadores de manutenção é a melhor garantia da qualidade da intervenção (DANIELLOU, 2002).

Os resultados da pesquisa evidenciam como o trabalho vivo se presta pouco à padronização, mostrando que durante os trabalhos de manutenção corretiva ou preventiva as prescrições/instruções de trabalho elaboradas com a participação direta dos próprios profissionais que executam as atividades de reparo não alimentam a atividade viva de manutenção ou, em outras palavras, elas não dão conta da variabilidade, das imprevisibilidades e constrangimentos inerentes às atividades de manutenção, assim, seguir somente por elas não irá garantir a qualidade e eficiência da intervenção.

Nas situações estudadas foi possível evidenciar esse abismo, em que os profissionais a todo momento mobilizam suas competências tácitas, estratégias para o controle das situações, bem como modos operatórios nem sempre conscientes para a garantia dos compromissos de eficiência, qualidade e segurança, revelando que por trás da aparente simplicidade dos gestos manuais esconde-se uma complexidade de gestos cognitivos que garantem a continuidade do processo produtivo (BOUYER; SZNELWAR, 2005).

No entanto, ao contrário do que possa parecer, tais constatações nada têm a ver com o que Lima (1994) chama de "anarquismo radical", que negaria qualquer forma de autoridade ou regulação coletiva, mas procuram simplesmente apontar os limites e a ineficácia dos controles externos sobre a atividade de trabalho, mostrando que o padrão nada mais é que o mínimo necessário e não o que permite desenvolver a produção. Não se resolvem problemas dentro dos padrões mas fora deles, pois problemas reais não ocorrem segundo os padrões preestabelecidos.

Tal constatação não deprecia a sua utilidade para responder à questão do que fazer, servindo como uma orientação, uma ferramenta de auxílio aos profissionais (dos novatos aos mais experientes).

É importante salientar que as ITIs não são exigidas pela gerência da manutenção/empresa. Esses documentos ficam expostos em um local de acesso público e estão disponíveis para consulta ou para sanar alguma dúvida. Além disso, as instruções raramente são utilizadas pelos profissionais no curso da ação, principalmente durante os trabalhos de manutenção corretiva, onde o diagnóstico das falhas se dá pela competência, conhecimento e experiência de cada profissional sobre o processo.

Este trabalho, por meio da aplicação dos pressupostos da AET enfatizou o trabalho vivo dos profissionais de manutenção, evidenciando a diferença entre o prescrito e o real e contribuindo para o reconhecimento da atividade viva, contrariando o pensamento dominante de estabilidade, causa e efeito, que os "informáticos" insistem em negar.

Recebido em 7/4/2012

Aceito em 19/9/2013

Suporte financeiro: Nenhum.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2014
  • Data do Fascículo
    Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2012
  • Aceito
    19 Set 2013
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