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Aplicação de procedimentos do planejamento estratégico situacional (PES) para estruturação de problemas no âmbito empresarial: estudos de casos múltiplos

Using the situational strategic planning methodology for structuring problems in the private sector: multiple-case studies

Resumos

O objetivo deste trabalho é apresentar a aplicação e a utilidade de alguns procedimentos previstos no PES, desenvolvido inicialmente para a gestão pública, para estruturar e resolver problemas no âmbito das empresas privadas. Trata-se de um trabalho de natureza exploratória, descritiva, desenvolvido a partir da abordagem de estudo de casos múltiplos. São apresentados três casos da aplicação parcial do PES. Mais especificamente, foram aplicados os procedimentos previstos nos momentos explicativo e normativo do PES para atacar, no primeiro caso, o problema relacionado à motivação dos funcionários no setor de qualidade assegurada em uma empresa automobilística. No segundo caso, a aplicação parcial do PES, realizada na mesma empresa automobilística, voltou-se para a estruturação de problemas de instabilidade do produto final da linha de produção de armação de carrocerias dos automóveis. O terceiro caso aplicou os procedimentos da metodologia PES para tratar do problema referente ao plano de carreira em uma empresa de serviços de manutenção elétrica, instrumentação e mecânica. Nos três casos analisados, o ganho principal na utilização destes procedimentos previstos no PES foi promover a reflexão conjunta dos funcionários sobre as situações problemáticas sendo tratadas, proporcionando-lhes maior entendimento dessas situações e a possibilidade de enxergar alternativas de ações para revertê-las.

Planejamento estratégico situacional; Estruturação de problemas; Empresas privadas


The aim of this paper is to present the application of some procedures of the situational strategic planning (SSP) to structure and solve problems in the private sector. The methodology is based on the description and analysis of three case studies. Specifically, the procedures of the explanatory and normative stages of SSP were used to explore, in the first case, the problem related to employees motivation in the quality department in an automobile company. In the second case, SSP was used to explore the problem of instability of a final product on the production assembly, in the same automobile company. In the third case, a problem related to the career plan of an instrumentation, electrical and mechanical maintenance company was explored. In all cases, the main gain in using these procedures of SSP was to provide employees with elements for deepening collective discussions on the existing problems.

Situational strategic planning; Structuring of problems; Private sector


Aplicação de procedimentos do planejamento estratégico situacional (PES) para estruturação de problemas no âmbito empresarial: estudos de casos múltiplos

Using the situational strategic planning methodology for structuring problems in the private sector: multiple-case studies

Denise Luciana Rieg; Fernando Cezar Leandro Scramim; Danilo de Oliveira Raimundo; Viviane Cavalcante Zau; Wilson Roberto Calazans

Colegiado de Engenharia de Produção, Centro Universitário Fundação Santo André - FSA, Av. Príncipe de Gales, 821, Príncipe de Gales, CEP 09060-650, Santo André, SP, Brasil, e-mail: riegsc@fsa.br; fernandosc@fsa.br; danilo_oliveira2004@hotmail.com; vizau@uol.com.br; calazans@sigmatronic.com.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar a aplicação e a utilidade de alguns procedimentos previstos no PES, desenvolvido inicialmente para a gestão pública, para estruturar e resolver problemas no âmbito das empresas privadas. Trata-se de um trabalho de natureza exploratória, descritiva, desenvolvido a partir da abordagem de estudo de casos múltiplos. São apresentados três casos da aplicação parcial do PES. Mais especificamente, foram aplicados os procedimentos previstos nos momentos explicativo e normativo do PES para atacar, no primeiro caso, o problema relacionado à motivação dos funcionários no setor de qualidade assegurada em uma empresa automobilística. No segundo caso, a aplicação parcial do PES, realizada na mesma empresa automobilística, voltou-se para a estruturação de problemas de instabilidade do produto final da linha de produção de armação de carrocerias dos automóveis. O terceiro caso aplicou os procedimentos da metodologia PES para tratar do problema referente ao plano de carreira em uma empresa de serviços de manutenção elétrica, instrumentação e mecânica. Nos três casos analisados, o ganho principal na utilização destes procedimentos previstos no PES foi promover a reflexão conjunta dos funcionários sobre as situações problemáticas sendo tratadas, proporcionando-lhes maior entendimento dessas situações e a possibilidade de enxergar alternativas de ações para revertê-las.

Palavras-chave: Planejamento estratégico situacional. Estruturação de problemas. Empresas privadas.

ABSTRACT

The aim of this paper is to present the application of some procedures of the situational strategic planning (SSP) to structure and solve problems in the private sector. The methodology is based on the description and analysis of three case studies. Specifically, the procedures of the explanatory and normative stages of SSP were used to explore, in the first case, the problem related to employees motivation in the quality department in an automobile company. In the second case, SSP was used to explore the problem of instability of a final product on the production assembly, in the same automobile company. In the third case, a problem related to the career plan of an instrumentation, electrical and mechanical maintenance company was explored. In all cases, the main gain in using these procedures of SSP was to provide employees with elements for deepening collective discussions on the existing problems.

Keywords: Situational strategic planning. Structuring of problems. Private sector.

1 Introdução

O Planejamento Estratégico Situacional (PES) é uma metodologia desenvolvida pelo economista Carlos Matus (HUERTAS, 1996). Ministro de Planejamento do Presidente Allende, no Chile, Matus, a partir da queda desse governo, passou a se dedicar à compreensão do que deu errado naquela gestão e, em paralelo, a desenvolver o corpo teórico dessa metodologia voltada para a gestão pública (GONÇALVES, 2005). Fruto, portanto, de uma apreciação crítica das formas de se governar, o PES apresenta um corpo teórico metodológico prático consolidado e, tanto é assim, que vem sendo utilizado por diversos órgãos públicos na América Latina (RIEG, 1999; MIGLIATO, 2004; GONÇALVES, 2005; MATUS, 2007; TONINI; KANTORSKI, 2007).

Esta metodologia faz parte do movimento das abordagens alternativas à abordagem convencional que surgiram ainda na década de 1970 e que procuraram diferenciar-se das metodologias clássicas de planejamento ao substituírem o caráter prescritivo pelo caráter descritivo no processo de construção das estratégias (RIEG, 1999). Não é esse movimento, no entanto, o objeto deste trabalho, mas a oportunidade que os autores tiveram no sentido de vivenciar a utilização dessa metodologia no âmbito empresarial.

Visando lidar com o alto grau de complexidade que caracteriza as situações envolvendo questões políticas, econômicas e sociais, o PES é uma metodologia altamente flexível, tem como cerne os problemas e adota (para lidar com os problemas) uma abordagem subjetiva (RIEG; ARAÚJO FILHO, 2002; HEREDIA et al., 2011). Desta forma, o processo de planejamento tem início, no PES, com a explicação de como nasce e se desenvolve o problema sob análise, com a identificação das suas possíveis causas, tudo com base no ponto de vista e reflexão conjunta de diferentes atores envolvidos com a situação problema (apreciação situacional). Uma vez definido o problema (o que o constitui e suas causas), parte-se para a elaboração do plano para atacá-lo e cada ação proposta no plano deve passar por uma análise de viabilidade política. Caso uma determinada ação não seja viável na situação inicial, deve-se construir sua viabilidade para que se possa implementá-la. O PES reconhece ainda a necessidade constante de aprimorar o plano diante das ocorrências que surgem durante sua implementação (RIEG; ALMEIDA; SCRAMIM, 2008; HEREDIA et al., 2011).

Pelo exposto acima, percebe-se, como destacado por Servo (2001, p. 44), que "[...] planejar, segundo o enfoque estratégico-situacional, é estabelecer um processo contínuo e sistemático de análise e discussão para direcionar a mudança situacional." Isto resulta na consideração de uma grande riqueza de informações e uma miríade de procedimentos e análises, o que de fato dificulta a sua aplicabilidade como um todo na prática. O próprio Matus (1996) reconhece o PES como um corpo teórico metodológico prático rigoroso e sistemático.

Diante desta complexidade do PES, cabe destacar que a utilização mesmo que parcial da metodologia já permite alcançar bons resultados. A aplicação de alguns de seus procedimentos como o desenvolvimento do fluxograma situacional, o levantamento dos nós críticos e a elaboração do plano de ação já traz resultados muito interessantes para a estruturação de problemas, esteja a problemática em questão inserida em um contexto de gestão pública ou empresarial (RIEG; ALMEIDA; SCRAMIM, 2008).

Neste sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar a aplicação e a utilidade de alguns procedimentos previstos no PES para resolver problemas no âmbito empresarial. Para tal, são apresentados três casos da aplicação parcial do PES. Os dois primeiros foram realizados em uma mesma empresa do setor automobilístico, porém em setores distintos. O terceiro caso foi realizado em uma empresa de serviços de manutenção elétrica, instrumentação e mecânica.

Assim, inicia-se este artigo apresentando-se uma visão geral dos procedimentos e análises previstos no PES. Na seção três, tem-se a metodologia de pesquisa utilizada no desenvolvimento deste trabalho. Nas seções quatro, cinco e seis, têm-se os estudos de casos realizados, os quais se centram na apresentação dos produtos gerados a partir da aplicação parcial do PES. Na seção 7, tecem-se as considerações finais do artigo, dando-se destaque às reflexões por parte dos funcionários envolvidos no processo de implementação do PES nos três casos quanto ao uso e utilidade prática da metodologia no âmbito empresarial.

2 Planejamento estratégico situacional - PES: características básicas e estrutura

São três as características básicas do Planejamento Estratégico Situacional. A primeira delas é que, no PES, planeja-se a partir de problemas e não a partir de objetivos, como ocorre nas metodologias convencionais de planejamento. Assim, primeiramente, buscam-se entender, sob a ótica dos envolvidos com a problemática em questão, quais são os elementos que a constituem e as suas causas, para, então, se estabelecer um plano de ação para solucioná-la (RIEG; ARAÚJO FILHO, 2002). Cabe destacar que, no PES, tem-se um problema quando o ator (planejador) não se encontra satisfeito com uma dada situação e ao mesmo tempo considera que é possível remediá-la (HUERTAS, 1996).

A segunda característica do PES é a subjetividade. O PES aborda o mundo real de forma subjetiva, voltando-se para as percepções e pontos de vista dos indivíduos envolvidos com a situação problemática sob investigação, com o intuito de identificá-la e analisá-la. Faz isto porque reconhece que cada indivíduo envolvido com o problema possui características próprias e, consequentemente, sua interpretação e forma de agir perante o problema depende de seus conhecimentos, experiências, crenças, etc. (GONÇALVES, 2005; HEREDIA et al., 2011). E é exatamente devido a isso que Matus (1996) afirma que a realidade não pode ser explicada por uma simples descrição (diagnóstico), mas pelas diferentes interpretações dadas pelos diferentes atores (apreciação situacional). Portanto, o termo situacional, vem do conceito "situação", que é a chave para entender os outros atores e suas interpretações da realidade, permitindo, assim, agir mais eficazmente no problema (HUERTAS, 1996).

A terceira característica básica do PES é que ele reconhece que o futuro é incerto e que por isso não se pode predizê-lo. Portanto, ele não prediz o futuro, e sim tenta criá-lo a partir das possibilidades que o indivíduo que declara o problema consegue visualizar. Por sua vez, cada uma dessas possibilidades sobre o futuro é chamada de cenário, no qual o plano gerado no PES irá ser implementado, caso ele ocorra (HEREDIA et al., 2011).

Em termos estruturais, o PES é composto de quatro momentos interativos: (1) o explicativo; (2) o normativo; o (3) estratégico; e (4) o tático-operacional (MATUS, 1996), como representado na Figura 1.


No momento explicativo, busca-se identificar o problema em termos de conteúdo e causas, justificando, assim, os porquês da situação sendo investigada (jogo social). Faz-se isto, como já exposto, por meio da apreciação situacional, ou seja, por meio das percepções e pontos de vista de indivíduos envolvidos com a situação problemática (MIGLIATO, 2004).

Para definir o conteúdo de um problema, faz-se uso do vetor de descrição do problema (VDP), constituído de descritores que expõem os fatos que demonstram a sua existência. O número de descritores deve ser o suficiente para dar precisão ao problema. É necessário destacar, também, que nenhum descritor deve se referir a causas ou consequências de outro descritor (MIGLIATO, 2004).

Uma vez definido o VDP do problema, são enumeradas, primeiramente, as suas consequências e, posteriormente, suas causas. O VDP, as consequências e as causas do problema relacionadas entre si vão compor o chamado fluxograma situacional, que é, portanto, uma representação gráfica do problema (MELLEIRO; TRONCHIN; CIAMPONE, 2005).

A Figura 2 apresenta um fluxograma genérico. Como pode ser observado, o fluxograma permite ainda distinguir os tipos de causas e os tipos de governabilidade do planejador sobre elas.


Quanto aos tipos de causas, têm-se fluxos, acumulações e regras. Os fluxos são as causas adjacentes ao VDP, ou seja, aquelas diretamente relacionadas aos descritores do problema (jogadas, ações, realizações, etc.). As acumulações são as capacidades ou incapacidades que produzem os fluxos, tais como poder, influência política, condição financeira, etc. E as regras são aquelas causas que dão legitimidade aos fluxos e às acumulações no jogo social (regulamentos, leis, estímulos, proibições, etc.) (HUERTAS, 1996).

Quanto aos graus de controle do planejador sobre as causas, o PES reconhece três zonas de governabilidade: sob o controle do planejador, fora do controle do planejador e além do jogo social, sendo que, quando as causas se encontram além do jogo social, encontram-se também fora do controle do planejador (MATUS, 1996).

Depois da conclusão do fluxograma, passa-se para a identificação dos nós críticos. Os nós críticos "[...] são aquelas causas sobre as quais o ator tem condições de atuar com eficácia e que têm influência direta sobre o VDP do problema." (RIEG, 1999, p. 22).

Definidos os nós críticos, constrói-se uma versão simplificada do fluxograma situacional chamada de árvore do problema, na qual figuram apenas os descritores do problema e os nós críticos relacionados entre si. Isto finaliza o momento explicativo, e passa-se para o momento normativo, no qual se define a forma de ataque a essas causas (GONÇALVES, 2005).

Assim, é no momento normativo que se estabelece o que se deseja fazer, que se definem as ações para atacar os nós críticos do problema, em um contexto de incertezas e surpresas. Para lidar com as incertezas, trabalha-se com os cenários identificados como teto, piso e centro. O cenário teto é aquele que traz as melhores condições sobre o futuro que o planejador consegue enxergar e o cenário piso, o que traz as piores condições. Por sua vez, o cenário centro é aquele que é o mais provável na visão do planejador (MATUS, 1980). Para cada um destes cenários, é construído um plano de ação para atacar os nós críticos identificados no momento explicativo. Por fim, para lidar com as surpresas vislumbradas pelo planejador como possíveis, são elaborados planos de contingência (MELLEIRO; TRONCHIN; CIAMPONE, 2005).

No momento estratégico, analisa-se a viabilidade política das ações planejadas. Para tal, primeiramente, constrói-se o que o PES chama de "matriz de motivações". Essa matriz apresenta a posição dos diferentes atores em relação às ações (favorável, desfavorável ou indiferente). Em seguida, é analisada a afinidade entre os atores (relações de amizade e inimizade), verificando desta forma quais apoios ou rejeições são independentes do conteúdo das ações propostas (RIEG, 1999). Um bom indicador de suas afinidades é a interseção dos seus "marcos ideológicos", pois estes permitem delimitar o que é admissível ou não, na visão do ator, com relação a planos, ideias, ações, etc. (HUERTAS, 1996).

Posteriormente, avaliam-se os recursos indispensáveis à realização de cada ação e a governabilidade dos atores em relação a eles (matriz de recursos necessários para as operações e matriz do controle dos atores sobre os recursos). Estas informações sobre os recursos necessários e a governabilidade dos atores sobre eles permitem identificar as forças dos atores que respaldam os apoios, as rejeições e as indiferenças (RIEG, 1999).

Por sua vez, a combinação da motivação e da força gera a pressão que o ator exerce sobre uma dada ação, e a viabilidade inicial da mesma depende, então, das pressões que os diversos atores exercem sobre ela. Desta forma, a motivação tem que ter amparo na força e vice-versa, para que se possa exercer uma pressão de apoio ou rejeição significativa (HUERTAS, 1996).

Por fim, a combinação das três matrizes anteriores, de motivação, dos recursos necessários à operação e do controle dos atores sobre os recursos, resulta na "[...] matriz do balanço de viabilidade de uma determinada operação na situação inicial." (RIEG, 1999, p. 32). Se, após essas análises, conclui-se que uma dada ação não é viável, é necessário propor estratégias capazes de mudar a realidade atual para torná-la viável (RIEG, 1999).

Esse é o momento de maior complexidade do PES, requerendo quantidade muito grande de informações para a realização de todas as análises previstas. Ainda neste momento estratégico, define-se qual deve ser a sequência das ações no tempo (RIEG, 1999).

De acordo com o exposto anteriormente, pode-se ponderar que esses três momentos voltam-se para o acúmulo de conhecimentos sobre a situação a ser enfrentada (RIEG; ARAÚJO FILHO, 2002). Como pondera Matus,

[...] quando um problema passou por esses três momentos, só mudou o conhecimento que a equipe de governo tem sobre o mesmo, mas a realidade continua à espera da ação. (HUERTAS, 1996, p. 104).

É neste contexto que o PES define o momento quatro como "tático operacional", o momento que trata da ação, tendo como suporte o plano. Neste momento, deve-se também recalcular o plano e aprimorá-lo frente às circunstâncias que definem o momento de implementação do plano (MIGLIATO, 2004).

Fez-se, nesta seção, uma apresentação sucinta do PES, em termos de seus pressupostos e os momentos que o constituem. Uma descrição mais detalhada sobre o PES pode ser vista em Matus (1996), Rieg (1999), Migliato (2004) e Gonçalves (2005). Cabe ainda ressaltar que, apesar desta metodologia ser amplamente divulgada e ter se constituído, ao longo dos anos, em um importante recurso para estruturação e resolução de problemas relacionados à gestão pública, verifica-se uma escassez na literatura nacional e internacional de trabalhos recentes sobre a sua aplicação prática.

3 Metodologia

O presente trabalho é de natureza exploratória, descritiva e utilizou, para alcançar seus objetivos, a abordagem de estudo de casos múltiplos. Ou seja, metodologicamente (CAUCHICK MIGUEL, 2007), este trabalho pode ser entendido como:

• quanto à natureza das variáveis pesquisadas - qualitativa;

• quanto à natureza do relacionamento entre as variáveis - caráter descritivo;

• quanto ao objetivo - de natureza exploratória;

• quanto à intensidade de controle capaz de ser exercida sobre as variáveis em estudo - experimentais de campo;

• quanto ao escopo da pesquisa, em termos de profundidade e amplitude - estudo de caso.

Segundo Cauchick Miguel (2010, p. 130), o estudo de caso é um estudo de natureza empírica que analisa em profundidade um determinado fenômeno em um contexto real de vida para que seja possível o seu amplo e detalhado conhecimento.

Dentre os benefícios principais da condução de um estudo de caso estão a possibilidade do desenvolvimento de novas teorias e de aumentar o entendimento sobre eventos reais e contemporâneos [...],

o que tem alta aderência com o propósito da presente pesquisa que era testar a aplicabilidade e utilidade de alguns procedimentos do PES no âmbito empresarial. Cabe destacar ainda que a opção neste trabalho por casos múltiplos se deve ao fato de os seus resultados serem considerados mais convincentes do que os de um caso único, e a pesquisa global ser considerada, por sua vez, como sendo mais consistente.

Os dois primeiros casos foram realizados em uma empresa do setor automobilístico localizada na região do Grande ABC Paulista. A referida empresa conta hoje com aproximadamente 21 mil funcionários, entre terceiros e funcionários próprios, instalados em suas unidades (3 unidades para a fabricação de veículos leves, uma para produção de motores e uma para produção de caminhões e ônibus).

O primeiro caso aplicou a metodologia PES para estruturação dos problemas de desmotivação dos funcionários no setor de qualidade assegurada de uma das unidades da empresa dedicadas à fabricação de veículos leves. O segundo caso, realizado na mesma unidade, aplicou a metodologia PES para a estruturação do problema de instabilidade do produto final confeccionado na linha de produção de armação de carrocerias dos automóveis.

A empresa privada na qual foi realizado o terceiro estudo de caso é uma prestadora de serviços de manutenção elétrica, instrumentação e mecânica que atua em todo o Brasil há 28 anos. Localizada também na região do Grande ABC Paulista, a empresa possui atualmente 350 funcionários. Em períodos de grande volume de trabalho, a empresa chega ao número de aproximadamente 650 funcionários (contratação de mão de obra temporária). A empresa é formada por diretoria, gerente de negócios, administração matriz, coordenadores de obra, supervisores, administração de obras e mão de obra direta. Seus principais clientes são indústrias do seguimento de petróleo, petroquímica, química, siderurgia, papel e celulose, farmacêutica, borracha e de fertilizantes.

A aplicação do PES na empresa em questão foi desenvolvida na obra de uma unidade petroquímica localizada em Santo André, para estruturação do problema de descontentamento e desconhecimento do plano de carreira oferecido pela empresa.

Nos três casos, para a aplicação da metodologia PES, os autores desse artigo, inicialmente, participaram de reuniões com funcionários das empresas para explicar a metodologia e os resultados esperados com sua implementação. Somente depois dessas primeiras explicações sobre o PES e sobre os procedimentos a serem aplicados nos casos estudados é que se voltou, especificamente, para as problemáticas a serem enfrentadas.

Os procedimentos aplicados nos três casos foram: desenvolvimento do fluxograma situacional, identificação dos nós críticos e construção da árvore do problema e elaboração do plano de ação (procedimentos pertencentes aos momentos explicativo e normativo do PES).

Esses procedimentos foram aplicados contando com a participação de funcionários dos setores em questão, conforme especificado nas seções seguintes, e tendo os autores deste artigo como facilitadores dos processos da aplicação do PES. As dinâmicas tiveram duração de aproximadamente duas horas cada e ocorreram em horários após o expediente, no segundo semestre de 2010.

4 Aplicação do PES para estruturação do problema de desmotivação no setor de qualidade assegurada em uma empresa do setor automobilístico

A primeira aplicação parcial do PES para estruturação de problemas na empresa automobilística foi realizada no departamento da qualidade, que visa traduzir a forma como o cliente percebe os produtos e serviços, por meio da sua visão, tato, aroma, audição e de sua sensação ao conduzir um veículo da empresa. Atua preventivamente nos processos para não permitir desvios e se caracteriza por um relacionamento com o cliente visando sua satisfação, segurança e confiança na marca. Desta forma, o departamento é responsável também pela qualidade assegurada das peças compradas pela empresa, devendo garantir que estas atendam a requisitos pré-estabelecidos pela empresa.

O departamento conta com uma equipe de 35 pessoas, sendo 2 supervisores, 5 coordenadores, 8 analistas e 20 inspetores, divididos em 6 grupos de trabalho. Cada grupo é responsável por atividades relacionadas a determinadas peças que compõem o veículo, tais como peças de acabamento interno e de acabamento externo, peças elétricas, peças exportadas e importadas dos veículos, etc.

Para a aplicação do PES, trabalhou-se apenas com o grupo responsável pelas atividades relacionadas às peças de acabamento interno dos veículos. Este grupo é constituído por 2 analistas, 4 inspetores e 1 coordenador. Este último tem a função de acompanhar e coordenar as atividades do grupo, ser centralizador das atividades designadas pelos supervisores e disseminar as informações ao grupo.

Com a participação desses colaboradores, primeiramente, foi escolhido o problema a ser estruturado, e, em reuniões subsequentes, foi desenvolvido o fluxograma situacional do problema (Figura 3), identificaram-se os seus nós críticos e estabeleceu-se um plano de ação para "atacá-los".


O problema escolhido foi a desmotivação do grupo em relação ao trabalho, percebido nas conversas do dia a dia dos funcionários. A partir daí, foram levantados os descritores do problema: d1= alto índice de afastamento dos funcionários; d2= funcionários relatam descontentamento; d3= relatos de desentendimento entre os funcionários; d4= alto índice de consulta ao psicólogo da empresa. Definidos e apontados os descritores do problema (1ªreunião), os colaboradores puderam, de maneira a expressar suas opiniões, enumerar e descrever as causas do problema (2ªreunião).

Cabe destacar que, apesar de o PES qualificar as causas no fluxograma quanto à governabilidade (sob o controle do planejador, fora do controle do planejador, fora do jogo social) e quanto ao tipo (regras, fluxos e acumulações), não foram utilizadas aqui estas classificações. Essa construção simplificada do fluxograma foi adotada para evitar que as pessoas ficassem mais preocupadas em classificar suas ideias (as causas levantadas por elas) do que com seus conteúdos. Isso poderia dificultar o processo de construção do fluxograma.

As primeiras causas identificadas foram o excesso de funções para um único funcionário e equipes com poucos colaboradores. Também foram discutidos o aumento das exigências dos supervisores e a especialização técnica requerida nos novos projetos. O tempo necessário para a realização de todas as tarefas diárias e a frequente realização de horas extras, como consequência, foram fatores dominantes nas reuniões. O grupo também apontou a falta de recursos tecnológicos para a realização do trabalho e falta de treinamento. Surgiram ainda causas como a falta de comunicação nas tomadas de decisões e as mudanças de prioridade por parte da supervisão.

Para a detecção dos nós críticos e construção da árvore do problema, foi realizada uma terceira reunião com o grupo, que ocorreu no mesmo local das anteriores e durou cerca de 1 hora. A escolha dos nós críticos foi feita levando em consideração o impacto das causas sobre o descritor do problema e a capacidade do grupo de agir sobre as causas, como determina o PES. A equipe definiu como nós críticos, levando em consideração as exigências já citadas, quatro causas: a falta de recursos técnológicos para realização do trabalho; a falta de treinamentos alinhados com os interesses dos funcionários; a falta de comunicação nas tomadas de decisões; e o excesso de horas extras. Os nós críticos foram organizados na árvore do problema, como apresentado na Figura 4.


Definida a árvore do problema, foi elaborado, em uma quarta reunião, o plano de ação, ou seja, foram definidas as ações para combater as causas identificadas como nós críticos apresentadas na árvore do problema. Cada nó crítico (NC1, NC2, NC3 e NC4) está apresentado no Quadro 1 com seu grupo de ações, responsáveis e o prazo de implementação. Em relação ao primeiro nó crítico - falta de recursos tecnológicos -, sugeriu-se a melhor gestão dos recursos já existentes, e a inevitável aquisição dos recursos faltantes. Para o segundo nó crítico - não há treinamentos alinhados com os interesses dos funcionários -, a proposta de pesquisar o interesse dos funcionários foi bem aceita pelo responsável de treinamentos que possuía dificuldade em definir os temas do quadro de treinamentos do próximo ano.


Decidiu-se também divulgar internamente os treinamentos aprovados por meio dos canais de comunicação já existentes na empresa, para que as oportunidades sejam de conhecimento de todos.

Para o terceiro nó critico - falta de comunicação nas tomadas de decisões -, propôs-se como ações a realização de reuniões de feedback semanais com a participação do grupo e dos coordenadores, e quinzenais com a participação do grupo, dos coordenadores e dos supervisores. Propôs-se ainda a realização de discussões rápidas sobre os 5 principais problemas do grupo no início de cada dia.

Em relação ao último nó crítico - excesso de horas extras -, as ações propostas voltam-se para a criação de uma escala de realização de horas extras e para melhor planejamento das atividades semanais.

Estas foram as primeiras medidas determinadas para minimizar o problema de desmotivação no departamento. Reflexões dos funcionários quanto à implementação desses procedimentos do PES são expostas nas considerações finais deste artigo.

5 Aplicação do PES para estruturação do problema de instabilidade do produto final da linha de produção de armação de carrocerias dos automóveis

A segunda aplicação parcial do PES para estruturação de problemas na empresa automobilística foi realizada no setor produtivo, mais especificamente na linha de produção de armação de carrocerias dos automóveis. A linha conta com 43 funcionários e 102 robôs de solda e manipulação.

Dentre estes 43 funcionários, têm-se 1 líder, 1 monitor, 3 especialistas e 38 operadores. O líder é responsável por toda a área e atua como facilitador para resolução dos problemas. Faz a gestão de pessoas e realiza reuniões para tratativas dos problemas e tomadas de ações junto às áreas de suporte. O monitor coordena o grupo de operadores e atua na resolução dos problemas de qualidade. O especialista, por sua vez, tem a responsabilidade de fazer a avaliação técnica dos problemas ao longo do processo e atua em modos de falhas com robôs e equipamentos elétricos. Por fim, o operador executa a solda dos componentes e peças para formação de conjuntos, responsável pela qualidade das peças que estão sendo produzidas.

Dando início à aplicação do PES, realizou-se uma reunião para explicação da metodologia e exposição dos objetivos e os resultados esperados. Participaram desta reunião, e das subsequentes, um facilitador, um líder da área, 2 operadores, 3 especialistas e 1 monitor, cujas atribuições já foram descritas anteriormente.

A linha de produção de armação de carrocerias dos automóveis é dividida em cinco áreas: Plataforma 1 - área em que é produzido o assoalho do carro; Plataforma 2 - produção de painel dianteiro e caixa de roda ainda no assoalho do carro; Carroceria - montagem das laterais e teto; Acabamento - lixamento e montagem de portas e tampas; e Partes Móveis - produção das portas, tampa dianteira e tampa traseira do carro.

Cada área citada tem sua contribuição direta na nota final do carro e é auditada pela equipe de inspetores de qualidade. O objetivo da nota final do carro é de 220 pontos, sendo que estes pontos são a classe de qualidade do carro que está sendo produzido na área de armação de carrocerias dos automóveis. Para que o objetivo de 220 pontos seja cumprido, cada área tem seu objetivo traçado conforme Tabela 1.

Se todas as áreas estiverem com a pontuação dentro da prognose, consequentemente, a nota final do carro será fechada dentro do objetivo de 220 pontos. O que leva a nota das áreas para fora do objetivo são algumas falhas, por exemplo: falha de solda, falha operacional, amassado no carro, etc.

A área de carroceria (montagem das laterais e teto), como destacado na Tabela 1, possui uma prognose de 100 pontos por carro. No entanto, em média, o índice atual é de 147 pontos, ou seja, 47 pontos fora do objetivo, devido ao problema de variação dimensional nas carrocerias (instabilidade do produto final). Este resultado é muito ruim, pois cada 20 pontos atribuídos ao carro é um demérito.

Diante disso, o objetivo da aplicação da metodologia PES foi, neste caso, atuar nas causas do problema de instabilidade do produto final ofertado pela área de carroceria.

Numa primeira reunião, foram estabelecidos como descritores do problema relatado: d1= indicadores do produto X acima da prognose; d2= reclamações do cliente interno da linha de acabamento e montagem; d3= alto índice de retrabalho; e d4= envio de pessoas da área para realizar retrabalho em outras áreas.

As causas do problema foram levantadas junto à equipe, em uma segunda reunião. As classificações quanto à governabilidade, e tipos de causas não foram consideradas pelas mesmas razões já citadas no caso anterior.

A maior dificuldade, entre as várias causas apresentadas pela equipe, é a variação dimensional que a carroceria possui. Em um processo automático, o especialista corrige os pontos de solda para o primeiro carro como liberação inicial do processo e após a produção de 10 carros, em média, a posição dos pontos varia um milímetro (1 mm) para a extremidade do flange, impactando em demérito de qualidade.

Como exposto no fluxograma situacional (Figura 5), isto ocorre devido a uma série de outras causas. Entre elas: falta de manutenção preventiva; excesso de ajustes e intervenções no processo sem consistência; falta de suporte das áreas técnicas e agilidade nas ações a serem tomadas; instabilidade dos processos manuais e automáticos; etc.


Outras causas também apontadas pelo grupo foram a troca falha de informações entre turnos de trabalho na produção e na chapelonaria e a falta de treinamento para os operadores e monitores. Estas causas também contribuem para a variação dimensional das peças unitárias e conjuntos.

Para detecção dos nós críticos e construção da árvore do problema (Figura 6), foi realizada uma terceira reunião com o grupo.


As causas apresentadas na Figura 6, além de terem forte impacto no VDP do problema, estão dentro da competência do grupo quanto à tomada de ações para que possam ser reduzidos os potenciais de falha dentro deste processo produtivo.

Para todos os nós críticos (NC1, NC2, NC3, NC4 e NC5), foram definidas as ações necessárias para solucionar ou amenizar a situação problema. Isso gerou a necessidade de alguns recursos de outras áreas competentes para auxiliar na implantação das ações, como treinamento para célula operacional e até mesmo confecção de novos meios de controle para assegurar a robustez do processo e produto.

Entre todos os nós críticos, o NC4 foi aquele sobre o qual mais se discutiu. Chegou-se à conclusão de que, para evitar o excesso de ajustes e intervenções sem consistência no processo, toda intervenção deveria ser feita com base nos relatórios de medição para atendimento dimensional fora de tolerância e não com o objetivo de atender à funcionabilidade de montagem.

O Quadro 2 apresenta o plano de ação desenvolvido para atacar os nós críticos do problema apresentados acima.


Segundo os próprios funcionários, uma vez que a somatória destas ações esteja implantada, e a sistemática definida esteja funcionando corretamente, os indicadores da área terão melhora significativa perante a instabilidade do produto final. O treinamento on the job das pessoas também é fator fundamental para atingir os objetivos.

Estas foram as primeiras medidas determinadas para minimizar o problema de instabilidade do produto final ofertado pela área de carroceria. Reflexões quanto à aplicação desses procedimentos do PES também são expostas nas considerações finais deste artigo.

6 Aplicação do PES para estruturação do problema referente ao plano de carreira em uma prestadora de serviços de manutenção elétrica, instrumentação e mecânica

O terceiro caso de aplicação parcial do PES, como já exposto na seção três, foi desenvolvido em uma empresa prestadora de serviços de manutenção elétrica, instrumentação e mecânica. A referida empresa havia realizado recentemente uma avaliação de satisfação dos funcionários em relação ao seu ambiente de trabalho. O meio utilizado para realizar essa avaliação foi a aplicação de um questionário estruturado com respostas circunscritas a uma escala de cinco pontos (pontuação variando de 1 - muito insatisfeito a 5 - muito satisfeito). Dentre os itens presentes na avaliação, "plano de carreira" foi o que apresentou a maior frequência de respostas do tipo "insatisfeito" e "muito insatisfeito". Inclusive, constatou-se que uma parte considerável dos seus funcionários desconhecia o plano de carreira oferecido pela empresa.

Diante das respostas dos funcionários sobre o plano de carreira nessa avaliação, verificou-se a necessidade de uma reavaliação. Não se sabia ao certo se o problema encontrava-se na estruturação do próprio plano ou na forma como ele era passado para os funcionários da empresa. Para melhor compreender essa situação problemática, a gerência concluiu que precisava primeiro entendê-la a partir do ponto de vista dos seus funcionários. Entender onde, na perspectiva deles, encontravam-se as principais causas das suas insatisfações em relação ao plano de carreira.

Vislumbrou-se, então, a possibilidade de utilizar procedimentos da metodologia PES para identificar as principais causas do problema e as ações necessárias para tornar o plano de carreira mais funcional e mais aceito pelos seus funcionários.

Como também já apresentado na seção três deste artigo, a empresa é formada por diretoria; gerência de negócios; administração matriz; e as unidades de obras, às quais são alocados coordenadores de obra; supervisores; administração de obras; e mão de obra direta. Especificamente, a aplicação parcial do PES, como uma primeira tentativa de aprendizagem sobre a utilização da metodologia e sobre o próprio problema sob análise, ocorreu na unidade de obra de uma empresa petroquímica localizada em Santo André - SP. Participaram desta aplicação sete funcionários da área de manutenção elétrica e instrumentação, sendo um coordenador de obra; um supervisor de elétrica; um supervisor de instrumentação; um técnico de segurança do trabalho; um eletricista; um instrumentista; e um administrativo de obra. Todos foram selecionados pelo coordenador responsável pelo contrato da referida obra. Cabe ressaltar que, dentre os funcionários que participaram da aplicação dos procedimentos do PES, dois obtiveram promoções e cinco deles mantêm a função desde a contratação. Outra informação interessante de se destacar é que todos estavam descontentes com o plano de carreira, inclusive os que obtiveram promoções, sob a alegação de que elas tinham ocorrido por imposição do cliente, no momento em que este percebia que o executante realizava funções diferentes de sua classificação.

Uma vez declarado o problema a ser debatido - descontentamento e desconhecimento em relação ao plano de carreira da empresa - foi iniciado o apontamento dos seus descritores (VDP), conforme segue: d1 = relatos de contratação de funcionários com função superior a dos que já estão na empresa; d2 = funcionários desconhecem o plano de carreira; d3 =não há divulgação do plano de carreira; e d4 =não há evidências de aplicação do plano de carreira.

Depois de ser estabelecido o VDP, os funcionários, em uma segunda reunião, relataram as causas do problema, de acordo com suas percepções. O resultado foi um fluxograma com dezessete causas, conforme apresentado na Figura 7. Também neste fluxograma, as classificações quanto à governabilidade e aos tipos de causas não foram consideradas, pelas mesmas razões citadas nos casos anteriores.


A primeira causa identificada foi o fato das promoções ocorrerem sem critérios estabelecidos. Isto, segundo os participantes, é ocasionado, principalmente, pelo desconhecimento por parte do setor de RH das capacitações dos funcionários, por não haver avaliações para promoções após recrutamento, por valorizarem características específicas e não o conhecimento e pelas promoções dependerem das relações dos funcionários com a liderança. Também foi discutido o fato dos meios internos de comunicação não serem explorados levando, naturalmente, a falhas na comunicação, o que, por sua vez, contribui para o desconhecimento do plano de carreira e para o descontentamento com a forma como as promoções são estabelecidas na empresa. Surgiram ainda outras causas que, segundo os participantes, estão relacionadas entre si, como segue: as pessoas desenvolverem atividades que não são de sua responsabilidade; a estrutura organizacional não é respeitada; o setor administrativo não é eficiente no apoio às obras; e apontar erros da administração significa estar contra a empresa.

Com o fluxograma definido, foi agendada uma reunião para que os funcionários identificassem os nós críticos do problema (causas que podem ser corrigidas sob o domínio dos atores e que têm influência direta sobre o VDP do problema). Foram identificados os seguintes nós críticos: NC1 = os meios de comunicação não são explorados; NC2 = promoção sem critério estabelecido; e NC3 = estrutura organizacional não é respeitada. A partir destes, elaborou-se a árvore do problema apresentada na Figura 8.


Tomando como referência a árvore do problema, foi criado o plano de ação, conforme apresentado no Quadro 3.


Neste caso, percebeu-se, desde o princípio da elaboração do plano, que a maioria das ações a serem tomadas para atacar os nós críticos envolveria o setor de RH da empresa. Assim, para a elaboração do plano de ação foi convidado a participar das reuniões o gerente do referido setor.

Em relação ao fato dos meios de comunicação interna da empresa não serem explorados, foram propostas a realização de reunião para estabelecer critérios e métodos de divulgação do plano de carreira da empresa e a criação e divulgação de canais de comunicação direta entre funcionários e administração.

Já para minimizar a ocorrência de promoções sem critérios estabelecidos, as ações propostas foram: criar programas de treinamento interno e externo para capacitar e habilitar funcionários; apresentar aos funcionários as exigências contratuais e plano de carreira; divulgar vagas com perfil profissional em quadros de aviso e rede de comunicação interna; e criar plano de rodízio de atividades para equalizar a capacitação dos funcionários.

Com relação ao fato de a estrutura organizacional não ser respeitada, as propostas centralizaram-se na divulgação e conscientização do organograma da empresa por setores e obras, por meio de painéis de informação, rede de comunicação e administração. Também foi proposta a realização de treinamentos com as lideranças nas obras para estreitar o relacionamento com os funcionários.

Estas são algumas medidas propostas a fim de minimizar o problema de descontentamento e desconhecimento em relação ao plano de carreira da empresa, sugeridas pelos participantes das atividades previstas no PES e implementadas aqui. Reflexões destes participantes quanto à implementação parcial do PES são expostas na seção seguinte.

7 Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi apresentar a aplicação e a utilidade de alguns procedimentos previstos no PES para estruturar e resolver problemas no âmbito empresarial, quais sejam: desenvolvimento do fluxograma situacional, levantamento dos nós críticos e construção da árvore do problema e a elaboração do plano de ação. Para tal, foram apresentados três estudos de casos.

Embora os problemas abordados em cada caso sejam de naturezas diferentes, os resultados quanto às reflexões dos funcionários envolvidos em relação à implementação desses procedimentos do PES foram iguais nos três casos. Diante disso, optou-se por apresentar, nesta seção, tais reflexões de forma conjunta. As informações expostas a seguir, foram obtidas durante o próprio processo de aplicação dos procedimentos do PES e após o seu término, em discussões com os funcionários envolvidos em cada caso. Seguem os padrões recorrentes observados nos três casos estudados.

Nos três casos, os funcionários envolvidos declararam ter sido úteis a construção do fluxograma situacional e a identificação dos nós críticos no processo de entendimento do problema. Declararam também que a compreensão do problema, em termos de seu conteúdo e causas, facilitou, e muito, a construção de um plano de ação eficaz. Embora, também tenham destacado que a reflexão conjunta sobre os problemas, por vezes, foi conflituosa e difícil em função da divergência de ideias entre os indivíduos que dela participaram, dada a posição que ocupam na empresa e o conhecimento que detêm sobre parte do problema sob análise. Mas foi explicado que é justamente essa divergência e somatória de visões sobre um dado problema que enriquece todo seu processo de entendimento.

De fato, os procedimentos do PES utilizados nos três casos criaram um espaço democrático para os funcionários envolvidos. Eles puderam aplicar conjuntamente o pensamento crítico e reflexivo sobre os problemas e assumir responsabilidades compartilhadas no desenvolvimento de ações para solucioná-los ou, ao menos, para minimizá-los. Os próprios funcionários relataram o sentimento de importância e valorização que vivenciaram nestes processos de estruturação do problema por meio da metodologia PES, já que puderam participar da definição das causas do problema a serem trabalhadas e pelos temas poderem ser tratados em ocasiões específicas e formais. Os envolvidos expuseram ainda que a parceria entre funcionários de diferentes funções na declaração dos problemas a serem tratados é que de fato possibilitou a implementação de ações viáveis, uma vez que estas foram propostas com base no contexto por eles vivido.

Assim, estes procedimentos do PES se revelaram, nos casos estudados, instrumentos úteis de planejamento também no âmbito empresarial, contribuindo para a mudança de uma situação problema para uma realidade mais favorável. O intuito da transposição destes procedimentos do PES para uso em empresas privadas se caracteriza como mais uma contribuição à literatura sobre a aplicabilidade da metodologia. Pretendeu-se apresentá-los como ferramentas capazes de auxiliar os tomadores de decisão a apresentar soluções para problemas de gestão que, de fato, reconhecem a realidade interna também das organizações privadas num exercício de planejamento estratégico diário e participativo.

Outra análise que cabe aqui ser realizada é a comparação entre os procedimentos do planejamento estratégico situacional proposto por Matus e o que foi efetivamente utilizado nos estudos de caso.

Em relação ao momento explicativo, constata-se que a diferença nos procedimentos está na não classificação das causas no fluxograma quanto à governabilidade e quanto ao tipo. Como exposto no decorrer do trabalho, adotou-se essa construção simplificada do fluxograma para evitar que as pessoas ficassem mais preocupadas em classificar suas ideias (as causas levantadas por elas) do que com seus conteúdos.

Esta versão do PES aplicada nos três casos também difere do original no segundo momento, o normativo, principalmente quanto à construção de cenários para lidar com a incerteza sobre o futuro. O PES trabalha com cenários móveis (cenários teto, centro e piso), para cada qual existe um plano e, nos casos aqui apresentados, trabalhou-se com um único cenário - aquele que pareceu ser o mais provável ante as condições atuais. Procedeu-se desta forma dadas as dificuldades de se delinear concretamente o que seriam os cenários alternativos dentro destas empresas. Cabe observar que os planos gerados em cada caso devem ser alimentados por um sistema de monitoramento, podendo assim ser modificados mediante as circunstâncias que a realidade apresentar na hora de sua implementação.

Há que se ressaltar que os procedimentos previstos nos momentos explicativos e normativos do PES são métodos para entender qual é o problema, de que forma ele se apresenta para os sujeitos com ele envolvidos, agrupando as diversas visões numa única representação do problema. E, a partir daí, agir mais eficazmente sobre ele. Assim, a aplicação destes procedimentos não implica necessariamente em análises políticas, econômicas ou sociais que caracterizam a gestão pública. Embora esses procedimentos deem conta também de refletir acerca de ambientes mais complexos como este, eles são úteis também para lidar com problemas cujo ambiente a ser analisado não ultrapasse os limites das organizações privadas (como demonstrado neste artigo, nos três estudos de caso apresentados).

Em relação ao terceiro momento, o estratégico, a única análise realizada foi o estabelecimento dos prazos para a implementação das ações, pois a ideia central desta pesquisa era avaliar, primeiramente, a utilidade das ferramentas dos momentos explicativos e normativos do PES no âmbito empresarial.

Assim, permanece a questão sobre a aplicabilidade também dos procedimentos e análises previstos no momento três do PES no âmbito empresarial. Tais procedimentos voltam-se para a análise de viabilidade política dos planos de ação criados no momento normativo, verificando-se se são viáveis hoje, senão, buscam-se formas para torná-los viáveis. Portanto, esse é o momento da análise estratégica propriamente dita, focando os ambientes complexos que caracterizam a gestão pública. Os diversos atores presentes no jogo social que são atores e sujeitos da estratégia devem ser identificados, bem como os focos por eles gerados de resistência ou oposição ao plano. O objetivo é tentar neutralizar ou até mesmo conquistar aqueles que se apresentam indiferentes ou contrários aos objetivos do planejador. Isto posto, a hipótese gerada é que, para problemas mais estratégicos cuja análise não envolva apenas o ambiente interno das organizações privadas mas também o seu ambiente externo (ambiente geral e de tarefa), os procedimentos do momento três do PES sejam passíveis de adaptações de forma a auxiliar na análise das oportunidades e ameaças para a empresa. Estes, portanto, serão os próximos passos a serem dados pelos autores deste artigo no estudo da viabilidade de aplicação do PES no âmbito empresarial.

Por fim, o momento tático operacional, a implementação do plano em si, foi estabelecido como sendo de responsabilidade das empresas pesquisadas.

Recebido em 16/7/2012

Aceito em 29/1/2014

Suporte financeiro: Nenhum.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014

Histórico

  • Aceito
    29 Jan 2014
  • Recebido
    16 Jul 2012
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