1 Introdução
Na literatura de gestão de operações/pesquisa operacional, existem várias metodologias já consolidadas para lidar com problemas de otimização sob incertezas. Dentre as mais utilizadas, têm-se: análise de sensibilidade, programação estocástica e otimização robusta.
A análise de sensibilidade é um estudo de pós-otimalidade para determinar o impacto que as perturbações causam no problema nominal. Mulvey et al. (1995) consideram esse tipo de estudo reativo, uma vez que não é concebido para sugerir ações em uma situação de variação dos dados. A análise de sensibilidade pode não ser muito eficiente quando o interesse é analisar o impacto na solução ótima quando vários parâmetros variam simultaneamente. As outras metodologias mencionadas podem ser caracterizadas como pró-ativas no sentido de Mulvey et al. (1995). Basicamente, diferenciam-se pelos pressupostos teóricos e em como a incerteza é modelada (ou como ela é entendida em determinado contexto).
Na programação estocástica, por exemplo, assume-se que a distribuição de probabilidade dos parâmetros incertos (variáveis aleatórias) é conhecida ou pode ser razoavelmente bem estimada. O objetivo é determinar alguma política factível para todos – ou quase todos – os possíveis valores das realizações das variáveis aleatórias, de forma a otimizar algum funcional que depende das variáveis aleatórias. Uma importante restrição dessa metodologia é a suposição de que a distribuição de probabilidade dos dados é conhecida e não depende da decisão tomada (Kall & Wallace, 1994; Birge & Louveaux, 1997; Shapiro et al., 2009). Vale destacar que existem várias formulações possíveis dentro da programação estocástica, como modelos de dois estágios, modelos multiestágios, modelos com restrições probabilísticas (chance constraints), modelos estocásticos robustos e/ou com aversão ao risco, programação dinâmica estocástica, etc.
Finalmente, a otimização robusta preocupa-se em desenvolver modelos e métodos para que as soluções sejam factíveis para quaisquer realizações das variáveis aleatórias dentro de um conjunto convexo dado a priori e violações das restrições não são toleradas. Uma diferença bastante evidenciada entre essa metodologia e a programação estocástica é que a primeira não necessita do conhecimento da distribuição de probabilidade do parâmetro incerto, enquanto a segunda precisa (Ben-Tal & Nemirovski, 2000; Bertsimas & Sim, 2003).
Ao se optar por uma metodologia que lide com dados de entrada incertos, surgem algumas questões, como: “Existe alguma metodologia mais adequada para lidar com as incertezas de um determinado problema?”; “Tal metodologia é computacionalmente tratável para o problema que se quer resolver”?; ou “Quais as vantagens e desvantagens que as metodologias disponíveis na literatura podem trazer na análise do problema?”. Motivado por essas questões, este trabalho tem como objetivo analisar duas destas proeminentes metodologias para lidar com um problema de planejamento da produção sob incertezas: a programação estocástica de dois estágios e a otimização robusta. Além de ser a técnica mais utilizada em problemas de otimização sob incertezas, a programação estocástica é bastante versátil na incorporação de medidas de robustez/risco e na escolha dos estágios das variáveis de decisão, mas pode gerar modelos intratáveis se o número de cenários for muito grande. A otimização robusta, por sua vez, tem a vantagem de não utilizar cenários na descrição dos parâmetros incertos e gera modelos de mesma complexidade computacional que as versões determinísticas quando conjuntos de incerteza poliédricos são usados. Uma desvantagem da otimização robusta é a necessidade de garantir soluções ótimas (ou subótimas) para assegurar importantes propriedades teóricas. Para ilustrar a análise, as metodologias são aplicadas num problema prático de planejamento da produção de empresas moveleiras e são comparadas em termos de função objetivo, nível de serviço e esforço computacional.
O artigo está organizado da seguinte maneira. As Seções 2 e 3 apresentam, respectivamente, a fundamentação teórica dos métodos de programação estocástica e otimização robusta utilizadas no presente trabalho. A Seção 4 apresenta o problema de planejamento da produção de empresas moveleiras e desenvolve os modelos de programação estocástica e de otimização robusta. A Seção 5 ilustra e compara os resultados numéricos de ambas as abordagens. Finalmente, a Seção 6 descreve as principais conclusões.
2 Fundamentação teórica
2.1 Programação estocástica
Programação estocástica é uma das metodologias mais utilizadas para lidar com problemas de otimização sob incertezas. Na programação estocástica de dois estágios com recurso, tem-se um conjunto de variáveis de decisão de primeiro estágio que devem ser determinadas antes da realização das variáveis aleatórias. Por esse motivo, é comum atribuir a essas variáveis a denominação de decisões “aqui e agora” (here-and-now). Depois da realização das variáveis aleatórias, determinam-se as variáveis de decisão de segundo estágio, que são ações corretivas tomadas para adaptar ou finalizar as decisões feitas no primeiro estágio, de acordo com a observação dos valores das variáveis aleatórias. As variáveis de segundo estágio também são comumente chamadas de decisões “espere e veja” (wait-and-see) ou decisões de recurso (recourse decisions). O objetivo de um modelo de programação estocástica de dois estágios é identificar uma solução de primeiro estágio que seja bem equilibrada, diante de todas as possíveis realizações das variáveis aleatórias.
Em várias aplicações, é comum representar as variáveis aleatórias em algum espaço de probabilidade
No modelo (1), assume-se que os parâmetros c, q, A, b, T e W são parâmetros determinísticos e a função objetivo é caracterizada pelo valor esperado
É usual assumir que o parâmetro aleatório tem uma distribuição de probabilidade discreta com um número finito S de possíveis realizações
Mais recentemente, os problemas de programação estocástica como (1) têm sido estendidos para incorporar medidas de risco, cujo objetivo principal é controlar a variabilidade do custo total esperado de acordo com as preferências do decisor ou gerar soluções menos sensíveis às realizações dos cenários (ou mais “robustas”). Um dos primeiros trabalhos que se preocuparam com as questões de robustez em problemas de programação estocástica foi apresentado em Mulvey et al. (1995). Nesse trabalho pioneiro, os autores propõem uma nova metodologia baseada em programação estocástica (abordagem por cenários) e programação por metas, que foi designada pelos autores de otimização robusta. A motivação inicial dessa metodologia era desenvolver modelos de programação matemática cujas soluções permanecessem “próximas” da solução ótima e “quase” factíveis para quaisquer realizações das variáveis aleatórias. Soluções desses tipos seriam consideradas robustas em relação à otimalidade e à factibilidade, respectivamente.
Embora alguns autores ainda utilizem o termo otimização robusta ou programação estocástica robusta para designar tal metodologia, há uma tendência atual em utilizar o termo otimização aversa ao risco ou programação estocástica com aversão ao risco (risk-averse stochastic programming) para aludir à adoção de medidas de controle de robustez (ou medidas de risco) em modelos de programação estocástica (Alonso-Ayuso et al., 2014). No contexto dos problemas de programação estocástica com aversão ao risco, modelos do tipo média-risco tornaram-se populares, principalmente devido a Mulvey et al. (1995). A ideia principal desses modelos é combinar a expectância e a dispersão do custo total esperado, como ilustra a função objetivo (2):
Minimizar
em que g é o custo total do modelo de programação estocástica (1). A nova função objetivo (2) é caracterizada pelo valor esperado
Nos problemas de programação estocástica com aversão ao risco, é importante elaborar medidas de risco
Embora não seja possível garantir a priori a melhor medida de risco possível de acordo com critérios pré-definidos, alguns autores têm proposto com sucesso modelos de programação estocástica com critérios de aversão ao risco para problemas específicos de planejamento da produção, como Alonso-Ayuso et al. (2014), Alem & Morabito (2013b), Toso & Alem (2014), Amorim et al. (2013), Barreiros et al. (2013), dentre outros.
2.2 Otimização robusta
A ideia da otimização robusta é desenvolver modelos “imunes” ou imunizados, tanto quanto for possível, às incertezas nos dados. Segundo esse viés, Soyster (1973) foi o trabalho pioneiro que propôs um modelo de otimização linear para gerar soluções factíveis para todo dado pertencente a um determinado conjunto convexo. O modelo de otimização resultante produz soluções ditas “muito conservadoras”, no sentido em que o valor da função objetivo deteriora-se em demasia para garantir a robustez – em termos de factibilidade – da solução. Sem perda de generalidade, considere o problema de otimização (3) com incertezas nos parâmetros do RHS do segundo conjunto de restrições:
em que o segundo conjunto de restrição foi reescrito como
Suponha que
A formulação de Soyster é conservadora porque considera que a variável aleatória
Considere a i-ésima restrição
em que
Se
Para reformular o modelo (4) como um modelo de otimização linear equivalente, o primeiro passo é definir a função de proteção da i-ésima restrição e mostrar que ela é equivalente à função objetivo de um problema de otimização linear. Para isso, considere que
Proposição 1. Dado um vetor
é igual à função objetivo do seguinte problema de otimização linear (6):
Prova: Considerando que as únicas variáveis de decisão do problema (5) são
Note que, sem o vetor-solução
Por dualidade forte, uma vez que o problema (6) é factível e limitado para todo
Quando
e o desenvolvimento do equivalente robusto é análogo.
Por construção, o equivalente robusto é deterministicamente factível se, no máximo,
em que
A partir da expressão (8) é possível determinar valores para os budgets de incerteza. Note que se
O leitor interessado em aplicações de otimização robusta em planejamento e programação da produção pode consultar Ben-Tal et al. (2005); Bertsimas & Thiele (2006); Li & Ierapetritou (2008); Palma & Nelson (2009); Bohle et al. (2009); Alem & Morabito (2012, 2013a); Munhoz & Morabito (2013); Paiva & Morabito (2014), dentre outros.
3 Aplicação: planejamento da produção em fábricas de móveis
3.1 Modelo determinístico
Nessa seção, é apresentado um modelo matemático inteiro-misto para o problema de planejamento da produção típico de empresas moveleiras (Gramani & França, 2006; Rangel & Figueiredo, 2008; Alem & Morabito, 2012). A ideia básica do modelo é combinar as decisões de dimensionamento dos lotes de produção – quais móveis produzir, quanto e quando produzir – às decisões operacionais de corte de estoque, e.g., quais padrões de corte serão usados e a frequência de utilização para produzir as peças necessárias na montagem dos móveis. Sejam os conjuntos I de produtos (guarda-roupas, cômodas, criados-mudos, camas, etc.) e P das peças que compõem os produtos que devem ser produzidas de acordo com um conjunto J de padrões de corte, de modo a atender à demanda ao longo de um conjunto T de períodos do horizonte de planejamento. A Tabela 1 lista a notação usada na formulação matemática do problema.
Tabela 1 Notação matemática dos modelos de otimização. Fonte: Elaborada pelos autores.
Dados de Entrada | |
---|---|
|
Custo de produção do produto i no período t |
|
Custo de estoque do produto i no período t |
|
Custo de atraso do produto i no período t |
|
Custo de desperdício de material ao se cortar o padrão de corte j no período t |
|
Custo de preparar a máquina para produzir o produto i no período t |
|
Custo de hora extra no período t |
|
Número de vezes que a peça p aparece no padrão de corte j |
|
Número de peças p que compõem o produto i |
|
Demanda do produto i no período t |
|
Capacidade regular no período t |
|
Capacidade extra no período t |
|
Estoque máximo permitido do produto i no período t |
|
Tempo de produção do produto i |
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Número suficientemente grande |
Variáveis de decisão | |
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Hora extra utilizada no período t |
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Quantidade de produto i produzido no período t |
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Quantidade de produto i em estoque ao final do período t |
|
Quantidade de produto i em atraso ao final do período t |
|
Frequência do padrão de corte j no período t |
|
Variável binária que vale 1 se produto i for produzido no período t |
O modelo matemático inteiro-misto a seguir objetiva determinar um plano de produção de móveis a um custo mínimo, a partir do processamento de padrões de corte pré-selecionados, de modo a atender à demanda e satisfazer as restrições do processo produtivo. A seguir, a primeira formulação matemática do problema combinado de dimensionamento de lotes e corte de estoque CLC é detalhada.
A função objetivo (12) consiste em minimizar o custo total de produção, estoque, atraso, preparação, perda de material e hora extra. O primeiro termo em (12) é o custo total incorrido na produção, estoque, atraso e preparação. O segundo termo representa o custo de desperdício de material. O último termo é o custo devido à utilização de horas extras.
As restrições de balanceamento de estoque (13)fazem o balanço de toda a produção de móveis. Sem perda de generalidade, assume-se que os níveis de estoque e atraso no início do horizonte de planejamento são nulos.
As restrições de balanceamento de peças (14)forçam o balanço de peças necessárias para montar os produtos. Note que essas restrições de acoplamento são as únicas que integram ambas as decisões relacionadas ao dimensionamento de lotes
As restrições de estoque (15) limitam o máximo estoque de móveis permitido e o mínimo estoque de móveis requerido. Nesse caso, o mínimo estoque é zero, mas quantidades positivas podem ser consideradas, dependendo da política da empresa (por exemplo, estoque de segurança).
As restrições de capacidade (16) indicam que o tempo total de produção dos móveis deve ser inferior à soma das capacidades regular e extra. Pode-se também adotar outra unidade de capacidade de produção, como a área total cortada em metros quadrados, por exemplo.
As restrições de hora extra (17) limitam a utilização da quantidade de horas extras em cada período. Pode-se considerar a capacidade extra como uma fração da capacidade regular.
As restrições de preparação (18) indicam que pode haver produção do produto i no período t somente se a linha de produção estiver preparada.
O conjunto de restrições (19)-(22) refere-se ao domínio das variáveis de decisão.
Neste trabalho, as variáveis relacionadas aos padrões de corte,
3.2 Modelo de programação estocástica
Nessa seção, é desenvolvido um modelo de planejamento da produção sob incerteza em fábricas de móveis sob o viés da programação estocástica de dois estágios com recurso em que a demanda éstocástica. Note que, nesse caso, a demanda estocástica corresponde ao parâmetro incerto RHS do modelo 1 apresentado na Seção 2.1. Para determinar o modelo determinístico equivalente, assume-se que a demanda estocástica é aproximada por um conjunto discreto e finito de cenários, como já discutido. Na formulação de programação estocástica, o estoque
Sujeito a: Restrições (14), (16)-(19), (21), (22)
As restrições (24) são similares às suas versões determinísticas, mas devem ser satisfeitas para todo cenário
3.3 Modelo de otimização robusta
Para aplicar a metodologia de otimização robusta ao CLC com demanda incerta, reescreve-se a restrição (13), pois ela apresenta uma igualdade, que pode não ser satisfeita para todas as realizações da demanda. Assim, a restrição (13) é redefinida como uma restrição de custo de estoque e atraso, da seguinte maneira. Defina o estoque do produto i no período t como
Agora, pode-se aplicar as técnicas de otimização robusta para lidar com a demanda incerta nas restrições reformuladas (25) e (26). Assim, considere que as demandas acumuladas sejam variáveis aleatórias simétricas e limitadas
De uma perspectiva de pior caso, deve-se maximizar o lado direito das restrições (25) e (26) sobre o conjunto de todas as possíveis realizações das demandas incertas. Para i e t dados, isso corresponde a resolver o problema auxiliar (27):
De acordo com a filosofia da otimização robusta, o problema auxiliar (27) resulta em minimizar
Sujeito a: Restrições (14), (16)-(19), (21), (22)
em que
e
em que
4 Exemplo numérico ilustrativo
Nessa seção, são apresentados os resultados referentes aos dois modelos de otimização sob incertezas propostos. Os modelos foram codificados no Sistema de Modelagem Algébrica GAMS (McCarl et al., 2010) e resolvidos softwareILOG-CPLEX 11.0 (ILOG, 2008), usando-se os valores default para todos os parâmetros do CPLEX. Os experimentos foram executados num notebook Core 2 Duo 4, 4.0 GB de memória RAM, 2.0 GHz, sob a plataforma Windows VISTA. Os dados de entrada utilizados referem-se a informações reais de uma planta moveleira de pequeno porte estudada em Alem & Morabito (2012, 2013a, b).
Foram consideradas 3 famílias de produtos: guarda-roupas de 5 portas (a5p), cômodas (cmd) e criados-mudos (crd), os quais são produzidos a partir do corte de placas de MDF que são adquiridas dos varejistas em duas dimensões 2,75 x 1.83 m e 2,75 x 1,85 m e em 6 espessuras distintas: 3, 9, 12, 15, 20 e 25 mm. Os produtos são formados por um total de 49 peças retangulares. Tem-se um total de 81 padrões de corte, que são frequentemente utilizados pela empresa. A demanda refere-se a um período de 8 semanas de produção. Os detalhes relativos aos dados de entrada podem ser consultados em Alem (2011).
Para o problema de programação estocástica MR, foram gerados 100 cenários, segundo uma distribuição uniforme discreta entre
Os modelos foram analisados de acordo com: (1) o aumento no valor ótimo da função objetivo; (2) o nível de serviço tipo II ou taxa de atendimento da demanda; e (3) o tempo de execução computacional. Tais critérios de comparação são baseados em trabalhos da literatura. De fato, analisar a deterioração no valor da função objetivo é uma prática comum dos trabalhos que desenvolvem modelos de otimização robusta e/ou modelos de programação estocástica com medidas de aversão ao risco (Bertsimas & Sim, 2004; Alonso-Ayuso et al., 2014, entre muitos outros). A motivação é analisar se a redução do risco (chance de violação das restrições e/ou variabilidade dos custos) “compensa” o custo extra incorrido na função objetivo. Da mesma forma, a análise do tempo computacional faz-se importante porque os modelos de programação estocástica têm a fama de se tornarem intratáveis quando o número de cenários aumenta demasiadamente. Finalmente, o nível de serviço foi analisado por ser, de certa forma, uma medida que reflete a qualidade da solução dos planos de produção obtidos em cada um dos modelos. De fato, soluções com baixos níveis de serviço são ruins pois implicam que parte significativa da demanda não pode ser atendida.
Para o problema de programação estocástica, o nível de serviço em cada cenário s foi determinado como:
4.1 Resultados e discussão
Aumento no valor ótimo. As Figuras 1 e 2 ilustram o aumento no valor ótimo da função objetivo e a robustez dos modelos MR e OR, de acordo com o aumento do fator de risco (

Figura 1 Aumento no valor ótimo da função objetivo e robustez do modelo MR, considerando o fator de risco entre 0 e 90. Fonte: Elaborada pelos autores.

Figura 2 Aumento no valor ótimo e robustez do modelo OR, considerando os budgets de incerteza
Assim, pode-se inferir que, em relação ao aumento no valor ótimo, o modelo OR é competitivo com o modelo MR apenas para budgets de incerteza pouco conservadores. Por exemplo, no modelo MR, 11% de robustez é atingida a um custo 32% maior; no modelo OR a mesma robustez resulta em um aumento do valor ótimo de apenas 11%. Situação análoga pode ser verificada para alcançar uma robustez de 15%. Para budgets de incerteza intermediários e conservadores, o modelo OR é superado pelo modelo MR, uma vez que MR consegue melhores valores de robustez com custos bem menores, i.e., possui melhores tradeoffs entre custo e robustez. Esses resultados confirmam os testes anteriores sobre o desempenho pobre do modelo de otimização robusta OR com budgets pessimistas, ocasionado pela “superproteção” da restrição de atendimento da demanda Alem & Morabito (2012, 2013a).
Nível de serviço. As Figuras 3 e 4 exibem o comportamento do nível de serviço à medida que a robustez aumenta, considerando: (a) apenas a demanda perdida (i.e. demanda atrasada no último período do horizonte de planejamento); e (b) a soma da demanda atrasada até o último período (composta pela demanda perdida em T e a demanda atrasada em

Figura 3 Nível de serviço do modelo MR de acordo com o aumento da robustez. Fonte: Elaborada pelos autores.

Figura 4 Nível de serviço do modelo OR de acordo com o aumento da robustez. Fonte: Elaborada pelos autores.
Tempo de execução. As Figuras 5 e 6 ilustram os tempos de execução do algoritmo branch-and-cut do CPLEX 11.0 para resolver até a prova de otimalidade os exemplares do modelo MR e OR, respectivamente. Como já era de se esperar, o modelo MR é mais difícil de ser resolvido do que o modelo OR. Basicamente, tem-se duas razões que podem concorrer para aumentar a dificuldade do modelo MR1: o número de cenários e a parcela referente ao risco para

Figura 5 Tempo de execução computacional do modelo MR de acordo com o aumento da robustez. Fonte: Elaborada pelos autores.

Figura 6 Tempo de execução computacional do modelo OR de acordo com o aumento da robustez. Fonte: Elaborada pelos autores.
Tabela 2 Número de variáveis de decisão e restrições de um exemplar dos modelos MR e OR. Fonte: Elaborada pelos autores.
Modelo | Restrições | Variáveis contínuas | Variáveis binárias |
---|---|---|---|
MR | 4516 | 6372 | 24 |
OR | 688 | 896 | 24 |
Assim, a partir dessa análise, é possível afirmar que o modelo MR e o modelo OR com budgets de incerteza pouco conservadores podem ser usados por tomadores de decisão aversos ao risco, pois ambos garantem a robustez do modelo a um custo relativamente baixo. Entretanto, se o nível de robustez desejado for muito elevado, budgetsde incerteza mais conservadores precisam ser adotados, e o modelo OR pode ser desvantajoso em relação ao modelo MR. Nesse caso, pode-se utilizar o modelo MR com um fator de risco elevado.
De forma geral, ambas as metodologias são valiosas para lidar com problemas de planejamento da produção sob incertezas. Cada uma apresenta diferenças marcantes em relação à maneira como a incerteza é representada, assim como suposições, simplificações e limitações próprias. O método mais adequado depende da aplicação específica e do tipo de dados que o decisor tem em mãos. Considerando a aplicação proposta neste trabalho, é possível citar algumas vantagens e limitações de cada metodologia, que podem ser úteis também na escolha do método para tratar problemas similares e correlatos.
As principais vantagens e potenciais desvantagens/limitações dos modelos de programação estocástica identificadas neste trabalho são:
i. Permitem modelar as variáveis aleatórias de forma bastante natural com a utilização de cenários, os quais podem ser gerados com diferentes estruturas e distribuições de probabilidade. Para o tomador de decisão, é importante ter a possibilidade de incorporar ou desconsiderar cenários com padrões totalmente distintos, uma vez que essa estratégia pode flexibilizar o plano de produção.
ii. A possibilidade de utilizar as variáveis de decisão de segundo estágio é interessante porque tais variáveis podem ser usadas para se proteger dos parâmetros estocásticos, ajustando e corrigindo decisões de primeiro estágio tomadas antes da realização das variáveis aleatórias. Além disso, é possível testar várias configurações para os conjuntos de variáveis de primeiro e segundo estágios.
iii. O modelo de média-risco propicia uma análise multiobjetivo relativamente simples entre o custo da função objetivo e a robustez do modelo, uma vez que basta designar valores para o fator de risco e analisar as soluções geradas. Dessa forma, os tomadores de decisão podem incorporar ao modelo a sua atitude em relação ao risco.
iv. Como não existe uma fórmula geral para dividir as variáveis de primeiro e segundo estágios, cabe ao decisor escolher quais vão pertencer a um ou a outro grupo, o que pode provocar confusão e gerar modelos incoerentes.
v. (a) Assumir uma distribuição de probabilidade para as variáveis aleatórias; (b) atribuir as probabilidades dos diferentes cenários; e (c) decidir sobre a estrutura da árvore de cenários e/ou a quantidade de cenários que devem ser considerados, são tarefas em geral difíceis de serem realizadas na prática, e requerem conhecimento profundo do problema a ser tratado e de técnicas especializadas de resolução.
vi. Dependendo da escolha da estrutura da árvore de cenários e da quantidade de cenários necessários para representar as variáveis aleatórias, o modelo estocástico pode se tornar computacionalmente intratável.
As principais vantagens e potenciais desvantagens/limitações dos modelos de otimização robusta identificadas neste trabalho são:
i. Não é necessário inferir distribuições de probabilidade para modelar os parâmetros incertos, uma vez que os equivalentes robustos só requerem que as variáveis aleatórias sejam simétricas num intervalo pré-definido. Para o tomador de decisão, pode ser bastante natural inferir um limitante mínimo e máximo para a variação dos parâmetros incertos, baseados em dados históricos ou mesmo na sua experiência, em vez de determinar exatamente o valor da variável em cada cenário e a sua probabilidade de ocorrência.
ii. O modelo de otimização robusta permite ao decisor incorporar a sua atitude em relação ao risco de forma muito simples. Assim, o decisor sabe exatamente qual é o pior caso teórico, diferente do modelo de programação estocástica, que deve ser resolvido a priori para se saber o pior caso.
iii. O modelo de otimização robusta é mais tratável computacionalmente, pois os equivalentes robustos mantêm a complexidade computacional do problema determinístico, diferentemente dos modelos estocásticos. Porém, vale a ressalva de que conjuntos de incertezas não poliédricos (elipsoidais, por exemplo) podem tornar o equivalente robusto computacionalmente intratável.
iv. O modelo de otimização robusta com poucos parâmetros incertos é, em geral, muito conservador, no sentido de que é preciso garantir quase o pior caso (modelo de Soyster) para assegurar uma pequena probabilidade de violação das restrições.
v. Algumas análises próprias da otimização robusta podem não fazer sentido se a solução ótima não é determinada. Por exemplo, as probabilidades de violação das restrições referem-se a uma situação na qual a solução ótima do problema robusto existe e pode ser determinada. Caso contrário, os limitantes probabilísticos podem ser inócuos.
vi. Não é simples determinar os equivalentes robustos quando várias fontes de incerteza afetam simultaneamente o problema. Nesse caso, é preciso interpretar as correlações entre os diversos parâmetros incertos, de modo que a versão robusta não seja muito conservadora.
vii. A seleção dos budgets de incerteza no modelo de otimização robusta com demanda incerta não é trivial.
5 Sumário e considerações finais
Neste trabalho, foram comparados dois modelos de planejamento da produção em empresas moveleiras com incerteza na demanda, um modelo de programação estocástica de dois estágios com aversão ao risco e um modelo de otimização robusta com intervalo de incerteza poliédrico-intervalar. Foram analisadas três importantes características dos modelos: o aumento no valor ótimo da função objetivo, o nível de serviço e o tempo de execução computacional. Os resultados confirmaram a importância de escolher budgets de incerteza plausíveis, de modo a obter um tradeoff aceitável entre custo e robustez. Verificou-se também que o modelo equivalente robusto é mais fácil de ser resolvido do que a versão estocástica, o que é especialmente importante quando a versão determinística já apresenta dificuldade de resolução. Cabe ressaltar que a comparação feita neste trabalho é ilustrativa. Quais modelos ou técnicas são mais adequados em cada aplicação é uma questão mais difícil de ser respondida e depende do contexto da aplicação e do tomador de decisões. Mesmo a comparação apresentada aqui tem suas limitações, pois apenas um exemplar foi analisado, e considerando-se somente uma fonte de incerteza, no caso as demandas dos produtos. Para recomendações mais gerais sobre quais metodologias são mais indicadas no tratamento do problema combinado CLC sob incertezas, seria necessário realizar um planejamento de experimentos com diversos exemplares e com diferentes características, assim como considerar conjuntamente a presença de mais de uma fonte de incerteza (por exemplo, outros parâmetros além das demandas dos produtos). Convém salientar que mesmo que os resultados aqui apresentados sejam referentes a uma aplicação particular na indústria de móveis, é possível estender o paradigma apresentado a outros problemas correlatos.