Acessibilidade / Reportar erro

A inovação como fator de vantagem competitiva: estudo de uma cooperativa produtora de suco e vinho orgânicos

Resumo

Este artigo empírico tem como principal objetivo identificar como a inovação contribui para a conquista de vantagens competitivas numa firma produtora de suco e vinho orgânicos. Para isso, foram apresentados referenciais teóricos a respeito de inovação e vantagem competitiva. Para atingir o objetivo, metodologicamente, o estudo utilizou a abordagem exploratória qualitativa, por meio de entrevistas em profundidade realizadas com cinco gestores da firma. Os resultados permitiram analisar a introdução de inovações, especificamente de processo e de produto, refletindo-se na conquista de vantagens competitivas. Embora o segmento de alimentos orgânicos ainda tenha pequena representatividade, as perspectivas mostram, para os próximos anos, aumento na participação no total dos alimentos consumidos no país e no mundo.

Palavras-chave:
Inovação; Vantagem competitiva; Suco e vinho orgânicos

Abstract

This empirical article aims at recognizing how innovation contributes to competitive advantage achievement in a company which processes organic juice and wine. To this end, theoretical reference regarding innovation and competitive advantage is presented. In order to methodologically achieve the objective, the study used an exploratory qualitative approach based on in-depth interviews conducted with five managers of the company. The results allowed the innovation introduction analysis, specifically concerning the product and process, reflecting on the competitive advantage achievement. Even though the organic food division is still slightly represented in the market, prospects have shown that there will be a consumption increase of such products nationally and worldwide in the next few years.

Keywords:
Innovation; Competitive advantage; Organic juice and wine

1 Introdução

A competição está cada vez mais presente no ambiente dos negócios, no ambiente da firma e na tomada de decisão dos gestores. Principalmente no último século e no atual, a globalização dos mercados influenciou profundamente como as empresas competem entre si e pela sua própria sobrevivência. A necessidade frequente em mostrar algo novo, melhorado ou inédito ao consumo, mostra o nível de competitividade em que as firmas estão atuando. Aquilo que era ótimo ontem, já sofre contestações hoje e possivelmente não se sustentará amanhã.

A dinâmica dos mercados é afetada por diversos fatores, que vão desde as condições socioeconômicas dos consumidores, até a capacidade de uma firma apresentar um produto inovador para o consumo. Nesse sentido, a inovação está se tornando o principal fator de competitividade das firmas para ampliar e manter a sua atuação.

O Brasil é um dos principais produtores de alimentos e, especificamente, o Rio Grande do Sul também tem lugar de destaque neste cenário. Algumas regiões do Estado atuam focadas conforme suas capacidades produtivas, como a região do Vale do Taquari na produção de carnes in natura, candies, processamento de leite e seus derivados. Outra região gaúcha com histórico produtivo de alimentos é a Serra, onde são produzidos desde chocolates até sucos e vinhos. O aumento da preocupação das pessoas com a sua saúde tem provocado crescimento na produção e na oferta de produtos diferenciados, como alimentos funcionais (aqueles que produzem efeitos benéficos à saúde, além de suas funções nutricionais básicas) e orgânicos (alimentos isentos de insumos artificiais como os adubos químicos e agrotóxicos). Mesmo que para o consumidor o produto orgânico represente custo superior a um produto convencional, o mercado de produtos orgânicos tem apresentado expansão constante nos últimos anos. Conforme o documento The Future Report Food (Printec Comunicação, 2014Printec Comunicação. (2014). The Future Report Food. Release sobre pesquisa: alimentos no mundo. São Paulo. Recuperado em 10 de agosto de 2014, de www.printeccomunicacao.com.br) menciona que até o final de 2014, o mercado mundial de alimentos deve atingir o volume de aproximadamente US$ 6 trilhões – um aumento de 37,2% em relação a 2009, com destaque para o crescimento do mercado global de alimentos funcionais e orgânicos. Inicialmente vinculado às verduras e legumes, os alimentos orgânicos atualmente são observados em vários outros subsegmentos, por exemplo, nos sucos e vinhos produzidos a partir de uvas orgânicas. Neste sentido, entende-se por produtos orgânicos aqueles produzidos em sistemas que não utilizam agrotóxicos (Darolt, 2007Darolt, M. R. (2007). Alimentos orgânicos: um guia para o consumidor consciente (2nd ed.). Londrina: IAPAR. 36 p.).

A empresa foco deste estudo é uma cooperativa da Serra gaúcha, que produz organicamente sucos e vinhos, tendo iniciado suas atividades na década de 30 (Século XX), e considerada atualmente a líder em produção de espumante moscatel e a 4ª colocada no ranking de espumantes no Brasil (Fanti, 2011Fanti, C. A. (2011). La nostra cooperativa. Flores da Cunha: Novo Ciclo.).

Diante disso, o objetivo deste artigo é identificar como as inovações contribuíram para a conquista de vantagens competitivas numa firma produtora de suco e vinho orgânicos.

Para atingir o objetivo do estudo, primeiramente é apresentado referencial a respeito da inovação, seguido pela vantagem competitiva. Depois são apresentados os procedimentos metodológicos utilizados e, em seguida, são apresentados os resultados das entrevistas em profundidade realizadas com os gestores da firma. Ao final, as principais considerações oriundas da pesquisa.

2 Inovação

O avanço tecnológico e de inovação tem contribuído para o desenvolvimento econômico dos países ao longo das décadas. Muito se tem atribuído ao patamar de qualificação e de educação dos trabalhadores, como um dos fatores mais importantes no crescimento produtivo e de melhorias em todos os aspectos. De certa forma, a inovação tornou-se, para muitas empresas, a principal estratégia competitiva de sobrevivência e de crescimento, além da possibilidade de aproveitar as oportunidades de mercado, gerando vantagens competitivas (Porter, 1999Porter, M. E. (1999). Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Elsevier.).

O primeiro a mencionar a importância da inovação no crescimento dos negócios foi Schumpeter (1977)Schumpeter, J. (1977). Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar., ao contrapor teorias defendidas pelos economistas clássicos. A teoria econômica clássica preconizava que as empresas atuavam num mercado sem mudanças, possibilitando que todas as firmas teriam espaço no ambiente de atuação. Diante disso, Schumpeter (1977)Schumpeter, J. (1977). Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar. elaborou um conjunto de novos conhecimentos mencionando que o papel do empreendedor na economia é primordial para manter o fluxo circular do desenvolvimento econômico. Estas ideias tiveram continuação e aprofundamento nos autores neo-schumpeterianos, dentre os quais se destacam Nelson & Winter (1982)Nelson, R., & Winter, S. (1982). An evolutionary theory of economic change. Cambridge: Harvard University Press. e Dosi (1982)Dosi, G. (1982). Technical paradigms and technological trajectories: a suggested interpretation of the determinants and directions of technical change. Research Policy, 11(3), 147-162.. Estes incluíram fatores considerados essenciais para a inovação: rotinas, habilidades e aprendizado (Tigre, 1998Tigre, P. B. (1998). Inovação e teorias da firma em três paradigmas. Revista de Economia Contemporânea, 3.).

Schumpeter (1977)Schumpeter, J. (1977). Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar. menciona também que, para ocorrer inovação em âmbito organizacional, deve haver a combinação de materiais e forças. Ainda neste sentido, Nelson & Rosenberg (1993Nelson, R., & Rosenberg, N. (1993). Technical innovation and national systems. In R. Nelson (Org.), National innovation systems: a comparative analysis. Oxford: Oxford University Press., p. 4) conceituam inovação como “[...] o processo pelo qual as empresas colocam em prática projetos de produtos e processos de fabricação que são novos para eles”. Também é o resultado econômico-financeiro da introdução de nova tecnologia no âmbito de uma organização, visando o seu crescimento. Uma empresa é considerada inovadora quando oferta bens e serviços que não existiam anteriormente, utilizando um novo método organizacional (não utilizado anteriormente) que auxilia na produção de um novo produto (não existente no mercado até então) (Pelegrin & Antunes, 2013Pelegrin, I., & Antunes, J. A. V., Jr. (2013). Inovação: uma discussão conceitual a partir da perspectiva da cadeia de valor. In A. Proença, D. P. Lacerda, J. A. V. Antunes, J. L. Tavora & M. S. Salerno (Orgs.), Gestão da inovação e competitividade no Brasil: da teoria à prática. Porto Alegre: Bookman.).

O Manual de Oslo (Finep, 2004Financiadora de Estudos e Projetos – Finep. (2004). Manual de Oslo: proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Brasília. Recuperado em 10 de março de 2014, de www.finep.gov.br/imprensa/sala_imprensa/oslo2.pdf), concebido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tem o objetivo de orientar e padronizar conceitos, metodologias e construção de estatísticas e indicadores de pesquisa de P&D de países industrializados. Conforme esse documento, a inovação é a introdução de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, de um novo processo, de um novo método de marketing, de um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas, ou ainda a reorganização de parte ou de toda a instituição.

Em relação à importância da inovação para as empresas, Hitt et al. (2002Hitt, M. A., Ireland, D. R., & Hoskisson, R. B. (2002). Administração estratégica: competitividade e globalização. São Paulo: Pioneira Thomson Learning., p. 523) postulam que “[...] as inovações são cruciais, pois elas diferenciam seus produtos e serviços dos concorrentes, criando um valor adicional ou novo para os clientes”. Compartilhando dessa ideia, Zawislak (1995Zawislak, P. A. (1995). A relação entre conhecimento e desenvolvimento: essência do progresso técnico. Análise, 6(1), 125-149., p. 127) menciona que “[...] o conhecimento desenvolvido na prática pode ser fonte de vantagens competitivas” para as organizações. Para Paiva et al. (2004Paiva, E. L., & Carvalho, J. M., Jr., & Fensterseifer, J. E. (2004). Estratégia de produção e operações. Porto Alegre: Bookman., p. 69), a inovação “[...] é um processo de mudança que, tal como qualquer outra atividade organizacional, pode ser gerenciada com o objetivo de trazer futuras vantagens competitivas à empresa que assim o fizer”.

A inovação está tornando-se cada vez mais crucial para a competitividade empresarial (Giget, 1997Giget, M. (1997). Techonology, innovation and strategy: recent developments. International Journal of Technology Management, 14(6-7-8), 613-634. http://dx.doi.org/10.1504/IJTM.1997.002583.
http://dx.doi.org/10.1504/IJTM.1997.0025...
) e, em consequência, tendo reflexos no desenvolvimento regional. Resultados de estudos em países mais desenvolvidos indicam que a inovação é responsável por 80% a 90% do crescimento da produtividade. Para Quandt (2013)Quandt, O. C. (2013). Inovação em clusters emergentes. Campinas: Com Ciência. Recuperado em 13 de dezembro de 2013, de http://www.comciencia.br
http://www.comciencia.br...
, esse aumento produtivo contribui decisivamente para ampliar os ganhos econômicos e sociais das cidades, regiões e países.

Conforme o Manual de Oslo (Finep, 2004Financiadora de Estudos e Projetos – Finep. (2004). Manual de Oslo: proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Brasília. Recuperado em 10 de março de 2014, de www.finep.gov.br/imprensa/sala_imprensa/oslo2.pdf), as empresas inovam objetivando maximizar o lucro, desse modo, obtendo alguma vantagem frente aos concorrentes. Então, inovação pode ser entendida

[...] como um novo processo produtivo ou alteração no processo existente em máquinas, equipamentos, instalações, métodos de trabalho, formas de gestão, etc., que foram diferentes e novos para a organização. (Machado, 2007Machado, D. D. P. N. (2007). Organizações inovadoras: estudo dos fatores que formam um ambiente inovador. Revista de Administração e Inovação, 4(2), 5-28., p. 16).

Assim, inovação é considerada o resultado econômico-financeiro da introdução de uma tecnologia no âmbito de uma organização, visando o seu crescimento.

Sob essa perspectiva, o objetivo central de uma firma inovadora é tornar-se líder no seu segmento, com o produto ou serviço que atua, determinando que os concorrentes sejam seguidores e a estejam constantemente seguindo. Neste caso, ao introduzir uma inovação tecnológica (focada em produto, materiais ou processos) ou de modelo de negócio (focada em aspectos de gestão ou abertura de mercados), a firma estará criando também uma vantagem competitiva, contribuindo assim, para maiores retornos financeiros.

3 Vantagem competitiva

Os mercados tornaram-se mais complexos e imprevisíveis, exigindo dos gestores mecanismos que possam acompanhar e captar as tendências futuras para a indústria na qual a firma está inserida. Conhecer os movimentos dos concorrentes também se tornou mais frequente por parte da firma. Já não há mais como esperar que um concorrente implemente uma nova estratégia de mercado sem antes já ter em mente como reagir (Day & Reibstein, 1999Day, G. S., & Reibstein, D. J. (1999). A dinâmica da estratégia competitiva. Rio de Janeiro: Campus.).

Essa dinâmica estabelece um novo paradigma no qual as firmas estão permanentemente buscando apresentar e acompanhar o surgimento de inovações nos processos, produtos, organização da produção e formas de comercialização. O ritmo de respostas que a firma apresentará depende das capacidades internas, da competência organizacional e da qualificação produtiva (Ferraz et al., 1995Ferraz, J. C., Kupfer, D., & Haguenauer, L. (1995). Made in Brazil: desafios competitivos para indústria. Rio de Janeiro: Campus.).

Dessa forma, a vantagem competitiva é conquistada quando uma firma consegue criar valor num produto ou num processo que vai além do seu custo de produção e que não pode ser concomitantemente implementado por concorrentes atuais ou potenciais (Porter, 1989Porter, M. E. (1989). Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Elsevier.; Barney, 1991Barney, J. B. (1991). Firms resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, 17(1), 99-120. http://dx.doi.org/10.1177/014920639101700108.
http://dx.doi.org/10.1177/01492063910170...
). Além disso, é uma medida de competitividade, pois indica a posição de uma firma em relação aos seus concorrentes ou em relação à sua posição na indústria. Além disso, é possível uma firma produzir e ofertar um produto de alta tecnologia, mas que não possui vantagem competitiva, e outra empresa comercializar um produto de baixa qualidade, mas por ser único no mercado, desfrutar de vantagens competitivas (Barros, 2001Barros, L. A. M. (2001). Inovação como fator de competitividade: o segmento da indústria eletroeletrônica (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Administração de Empresas, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.).

Em outra obra, Porter (1990)Porter, M. E. (1990). Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus. questiona o porquê de algumas nações progredirem mais do que outras. Delimitando a discussão a fim de auxiliar na resposta, analisando-se uma indústria, percebe-se que algumas firmas têm maior poder de mercado, enquanto que outras são seguidoras das primeiras e estão constantemente em dificuldades de acompanhar o movimento do setor. Ou seja, as firmas conseguem tirar proveito das suas capacidades e competências com o objetivo de promover o crescimento da atividade e conquistar vantagens competitivas. Dessa forma, alguns países são mais desenvolvidos e, em consequência, mais competitivos do que outros, pois utilizam capacidades e estruturas produtivas internas capazes de transformar em vantagens competitivas, algo que empresas de outros países não conseguem. Além dessas vantagens competitivas, as firmas podem usufruir das vantagens comparativas, que, conforme Ricardo (1982)Ricardo, D. (1982). Princípios de economia política e tributação (Coleção Os Economistas). São Paulo: Abril Cultural., referem-se às condições naturais de um local. Por exemplo, numa determinada região o clima e o solo podem ser mais propícios à produção de uvas do que em outra região. E vantagens competitivas podem ser acrescentadas às vantagens comparativas, tornando uma região ou uma firma altamente competitiva.

Duas importantes fontes de vantagem competitiva, segundo Porter (2000)Porter, M. E. (2000). A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus., são o menor custo de produção e a diferenciação de produtos e serviços. O menor custo de produção é conseguido quando a firma produz, oferta e comercializa um produto comparativamente com mais eficiência do que seus concorrentes, adotando preços semelhantes ou menores. A diferenciação de produtos refere-se à capacidade de proporcionar ao comprador um valor excepcional e superior, em termos de qualidade do produto, características especiais ou serviços de assistência. Ambas estão avidamente inseridas no processo competitivo e implicam diretamente a criação das vantagens competitivas e sua sustentação (Porter, 2000Porter, M. E. (2000). A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus.).

4 A inovação como fator de vantagem competitiva

Torna-se necessário enfatizar a relação causal da inovação, possibilitando a geração de vantagens competitivas para a empresa. É natural que gestores busquem a sobrevivência da organização num primeiro momento e, posteriormente, a ampliação de suas atividades por meio de estratégias que se desdobrem em diferenciação ou competição por custos, seja com foco amplo ou em nichos. Nesse processo, é também natural imaginar que desafios surjam e que as empresas procurem adaptação ao contexto, preferencialmente de forma diferenciada de seus concorrentes. Dadas essas premissas, de maneira a conquistar vantagens competitivas sustentáveis, há a necessidade de se implementarem novos procedimentos e atributos, internos ou externos, que até então não estavam sendo utilizados pelo mercado ou pela própria organização. É nesse contexto que a função de inovação se insere como fator de geração de vantagem competitiva.

As empresas atuam num ambiente competitivo, e uma das maneiras adotadas para enfrentar a concorrência é a adoção de estratégias que visem a fortalecer a organização no mercado. A maneira como a empresa modelará suas estratégias para enfrentar os desafios e aproveitará as oportunidades resultará ou não na conquista de vantagens competitivas (Porter, 1989Porter, M. E. (1989). Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Elsevier.). Entretanto, Barney (2001)Barney, J. B. (2001). Gaining and sustaining competitive advantage. Upper Saddle River: Prentice Hall. menciona que a empresa deve levar em consideração os recursos disponíveis, que podem ser o diferencial na construção e na consolidação das vantagens. Dessa forma a vantagem competitiva é conquistada quando a organização efetivamente implementa uma estratégia ou uma inovação capaz de criar valor para o mercado (Bharadwaj et al., 1993Bharadwaj, S. G., Varadarajan, P. R., & Fahy, J. (1993). Sustainable competitive advantage in service industries: a conceptual model and research propositions. Journal of Marketing, 57(4), 83-99. http://dx.doi.org/10.2307/1252221.
http://dx.doi.org/10.2307/1252221...
).

Desse modo, a inovação pode ser o principal mecanismo para a empresa conquistar vantagem competitiva sustentável em relação aos demais concorrentes. Conforme Hall (1980)Hall, W. K. (1980). Survival strategies in a hostile environment. Harvard Business Review, 58, 75-85., a fonte de vantagens competitivas diferenciadas é atingida pela redução de preços, uso de meios de propaganda e inovações nos produtos. Em concordância com este propósito, Coyne (1986)Coyne, K. P. (1986). Sustainable competitive advantage: what it is, what it isn’t. Business Horizons, 29(1), 54-61. http://dx.doi.org/10.1016/0007-6813(86)90087-X.
http://dx.doi.org/10.1016/0007-6813(86)9...
argumenta que a diferença existente entre o produto ou serviço da empresa e dos concorrentes deve ser duradoura sob a ótica do mercado. Então, a vantagem competitiva torna-se sustentável quando nenhuma das demais empresas competidoras conseguem replicar os benefícios da estratégia adotada (Barney, 2001Barney, J. B. (2001). Gaining and sustaining competitive advantage. Upper Saddle River: Prentice Hall.).

Assim, a relação existente entre inovação e vantagem competitiva está no fato da organização utilizar de maneira mais eficaz seus recursos, de modo a gerenciá-los para a geração de inovações, e estas serem passíveis de conquista de vantagem competitiva (Ito et al., 2012Ito, N. C., Hayashi, P., Jr., Gimenez, F. A. P., & Fensterseifer, J. E. (2012). Valor e vantagem competitiva: buscando definições, relações e repercussões. Revista de Administração Contemporânea, 16(2).). Dessa maneira, conforme a Figura 1, somente será considerada uma inovação se houver resultado econômico (viável) e financeiro (quantitativo), e esta poderá determinar que a empresa obtenha vantagem competitiva em relação aos demais concorrentes. Esta vantagem será caracterizada pela percepção do mercado na diferenciação e na criação de valor em produtos e serviços que até então não estavam disponíveis aos consumidores. Reforça-se, nesta afirmação, o caráter ex-post-facto da inovação.

Figura 1
Relação inovação e vantagem competitiva. Fonte: elaborado pelos autores.

5 Procedimentos metodológicos

Este artigo caracteriza-se por ser um estudo qualitativo exploratório, objetivando identificar como as inovações contribuíram para a firma alcançar vantagens competitivas (Figura 1). A escolha da firma estudada deve-se a se tratar de uma das mais importantes e antigas cooperativas do Rio Grande do Sul, com mais de 80 anos de existência e com diversas premiações conquistadas pela qualidade de seus produtos. Iniciou a produção de sucos e vinhos orgânicos no Estado, produtos esses com forte apelo comercial, focados em um nicho de mercado que tem crescido significativamente nos últimos anos.

Aaker et al. (2011Aaker, D. A., Kumar, V., & Day, G. S. (2011). Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas., p. 94) afirmam que a pesquisa exploratória é utilizada “[...] quando se busca um entendimento sobre a natureza geral de um problema, as possíveis hipóteses alternativas e as variáveis relevantes que precisam ser consideradas”. Malhotra (2001Malhotra, N. K. (2001). Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada (3. ed.). Porto Alegre: Bookman., p. 106) também argumenta que a pesquisa exploratória tem por objetivo “[...] explorar um problema ou uma situação para prover critérios e compreensão”. Também complementa que a pesquisa exploratória é marcada pela flexibilidade e versatilidade em relação aos métodos, os quais são responsáveis por prover o pesquisador de conhecimento e entendimento suficientes para prosseguir com o andamento do projeto de pesquisa. Aaker et al. (2011)Aaker, D. A., Kumar, V., & Day, G. S. (2011). Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas. acrescentam que a pesquisa exploratória pode ser considerada útil, principalmente quando não se obtêm muitos conhecimentos a respeito das questões a serem pesquisadas, auxiliando no estabelecimento de prioridades, de forma a proporcionar maior entendimento sobre diversos problemas práticos no decorrer do trabalho de pesquisa.

Segundo Sampieri (2006)Sampieri, R. H. (2006). Metodologia de pesquisa (3rd ed.). São Paulo: McGraw-Hill., a entrevista qualitativa é mais flexível e aberta. É uma conversa entre o entrevistador e o entrevistado. As entrevistas semiestruturadas, por sua vez, “[...] se baseiam em um guia de assuntos ou questões e o pesquisador tem a liberdade de introduzir mais questões para a precisão de conceitos ou obter maior informação sobre os temas desejados” (Sampieri, 2006Sampieri, R. H. (2006). Metodologia de pesquisa (3rd ed.). São Paulo: McGraw-Hill., p. 381).

Dessa forma, a coleta dos dados e informações foi realizada por meio de cinco entrevistas em profundidade, explorando questões focadas ao atingimento do objetivo do estudo (Figura 2). Foram entrevistados o presidente da cooperativa, o diretor administrativo, o gerente comercial, o gerente agrícola e o gerente de produção. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas ipsis litteris para a análise de conteúdo. As cinco entrevistas foram realizadas em dias diferentes. Para facilitar a identificação do conteúdo das entrevistas, determinou-se que o Entrevistado 1 foi o presidente, o Entrevistado 2 foi o diretor administrativo, o Entrevistado 3 foi o gerente comercial, o Entrevistado 4 foi o gerente agrícola e o gerente de produção foi o Entrevistado 5. O roteiro de questões para as entrevistas em profundidade foi elaborado com base no referencial teórico utilizado, considerando os aspectos de estrutura e características do mercado de atuação, a cadeia produtiva e os processos de produção, as estratégias de atuação no mercado e as perspectivas da empresa e da atividade.

Figura 2
Principais etapas do método utilizado. Fonte: elaborado pelos autores.

Também o artigo caracteriza-se como sendo um estudo de caso, no qual são utilizadas diversas técnicas de pesquisas históricas, acrescidas de observação direta e das entrevistas, fundamentais neste modelo de pesquisa. Além disso, trata-se de uma estratégia de pesquisa de grande abrangência, que se utiliza da lógica do planejamento, de modo a incorporar abordagens específicas à coleta de dados e à análise dos dados (Yin, 2001Yin, R. (2001). Estudo de caso: planejamento e métodos (2nd ed.). Porto Alegre: Bookman.).

6 Apresentação dos dados

Em 22 de janeiro de 1931, 73 famílias fundaram a Cooperativa Vinícola Garibaldi. Logo após a Crise de 1929, um grupo de agricultores motivados pelos ideais de associativismo e incentivados por lideranças do movimento cooperativista deram início àquela que, passados alguns anos, seria considerada uma das maiores do gênero nas Américas. Ao longo de mais de oito décadas muitas foram as dificuldades, principalmente financeiras, mas atualmente a cooperativa apresenta crescimento médio anual superior à média brasileira. É considerada a líder em produção de espumante moscatel e a 4ª colocada no ranking de espumantes no Brasil. Emprega em torno de 110 pessoas diretamente na produção e comercialização de seus produtos, sendo esses reconhecidos por meio de várias premiações conquistadas ao longo dos últimos anos (Fanti, 2011Fanti, C. A. (2011). La nostra cooperativa. Flores da Cunha: Novo Ciclo.).

O faturamento da cooperativa foi de R$ 45 milhões em 2009, R$ 47 milhões em 2010, R$ 52 milhões em 2011, R$ 57,2 milhões em 2012 e R$ 69 milhões em 2013, ou seja, nos últimos cinco anos a empresa aumentou seu faturamento em 53,33% ou R$ 24 milhões. Se considerarmos que a inflação no período (de 2009 a 2013) foi de 28,47%, o crescimento real do faturamento no período foi de 24,86% ou média anual de 5,64%.

6.1 Início da produção

O Entrevistado 1 menciona que a produção orgânica teve início em 2001, por meio de uma parceria com o Centro Ecológico de IPÊ que é

[...] uma entidade também sem fins lucrativos que eles trabalham só com produção orgânica e eles prestam assessoria, assistência técnica pra quem tem interesse.

Diante disso, três associados da cooperativa entraram nesse projeto da produção orgânica convertendo parte do parreiral. A cooperativa tinha interesse em produzir um produto diferenciado. A produção desses três associados representou 2.800 garrafas de vinho orgânico no primeiro ano.

São mencionadas, pelo Entrevistado 2, dificuldades de ordem financeira principalmente na década de 1990, e isso fez com que

[...] ela [a cooperativa] parasse de investir, logicamente, não tinha dinheiro, não tinha recurso. Bom, ela sobreviveu, de uma década pra cá, 10, 15 anos pra cá especialmente na gestão do atual presidente é que ela começou a se focar mais em produtos de valor agregado maior pra poder ter sobrevivência, pra poder tá numa condição melhor. Se ela tivesse permanecido com a mesma matriz de produção e foco comercial de 15 anos pra traz, hoje provavelmente ela estaria com um faturamento exagerando de 25, 30 milhões, e esse ano nós vamos bater a casa dos 70, porque ela tava focada em produtos de baixo valor agregado, especialmente vinhos a granel que nos últimos anos foi, foi morrendo, a venda de vinho a granel caiu muito.

Então, uma das maneiras encontradas pelos gestores foi direcionar parte da produção para produtos com maior valor agregado, no caso os orgânicos.

As dificuldades iniciais se deram principalmente devido à desconfiança dos cooperados com a produção orgânica, na qual é relatada pelo Entrevistado 1,

[...] porque na cabeça deles era muito difícil produzir sem defensivos químicos, sem né... é, então era motivo difícil...Mas aí como já faz um bom período que tem esse projeto, os primeiros que começaram e se mantiveram no projeto acabam sendo, servem de exemplo pros demais.

Além disso,

[...] o retorno do mercado era uma coisa que tava começando, como são doze anos atrás o espaço dos produtos orgânicos no mercado praticamente não existia ou então era muito pequeno. Então tinha uma certa resistência no mercado por conta do produto diferenciado, tá bom eu vou pagar mais caro pro produto pra deixar junto com o produto convencional. Então essa foi a principal resistência que se encontrou no começo.

Percebe-se, neste aspecto mencionado pelo presidente da cooperativa, a dificuldade inicial em superar barreiras culturais dos produtores de uva. A maior parte dos associados tinha idade média mais elevada, contribuindo para a desconfiança na adoção de um novo método de produção. Uma das vantagens relatadas pelo Entrevistado 4 (gerente agrícola) diz respeito à garantia da compra da produção orgânica,

[...] tu vai fazer o associado a produzir, plantar e chegar na hora e dizer ah nós não vamos mais receber, e seria muito ruim pra nós e pra ele também, imagina o produto tá pronto e dizer que não recebe. Então a gente dá essa garantia assim, quer produzir o orgânico nós recebemos a uva.

Entretanto, chama a atenção alguns produtores de uva orgânica que não são cooperados e se comprometem a entregar a produção à cooperativa pelo acordo verbal “fio de bigode”. Em 2013, o volume processado de uva orgânica foi de um milhão de quilos.

Entretanto, houve resistência interna na firma em adotar este novo método produtivo, principalmente da área comercial

[...] que por ser um produto que vai ser vendido mais... com um maior valor agregado eu vou ter maior dificuldade de vender. Às vezes é muito mais cômodo vender produto quando se consegue competir com preço né e aí houve uma certa resistência (Entrevistado 1).

Foi decidido pela presidência que seria uma aposta e que o investimento naquele momento era baixo. Outra justificativa pela aposta foi de que a remuneração para o produtor seria maior do que a produção convencional. Então, a cooperativa estaria contribuindo para aumentar a renda dos associados, e criar um produto diferenciado, conforme menciona o Entrevistado 1:

[...] e tem sempre aquela pressão de remunerar mais o produto, só que tu tem limites né, não tem como exagerar... e aí nesse produto se encontro uma forma de valorizar mais, mas com argumentos de forma convincente, ok, com o orgânico consigo vender mais caro, consigo agregar valor, e aí consequentemente eu posso valorizar também um pouco mais a matéria-prima.

Esta questão do incentivo para os produtores também é ressaltada pelo gerente agrícola (Entrevistado 4), ao mencionar que é

[...] em torno de 0,70 centavos o convencional e a uva Isabel então no convencional de 15 graus uma uva boa ele ganha R$ 0,57 centavos e vai ganhar R$1,10 também na orgânica. Aí vocês vão dizer por que a diferença tanta assim, para incentivar o pessoal a produzir a uva Isabel nós tivemos que pagar um pouco mais porque, a dificuldade de produção é maior, o índice de perda ela é maior, porque é uma variedade mais sensível à doença, então a chance de dá errado é muito maior.

Ainda neste sentido, a classificação da uva tem o objetivo de valorizar aqueles produtores que ofertam o produto de melhor qualidade

[...] hoje eles aceitam normal e por incrível que pareça nos últimos anos nós com esse tipo de classificação de uva nós aumentamos o valor da safra, porque de fato a gente acabou premiando quem produzia qualidade e acabou quem não produzia acabou recebendo menos, mas entre quem recebia mais e o que recebe menos os que se sobressai é a uva de maior qualidade (Entrevistado 4).

Além disso, há certificação que atesta a qualidade e o produto como sendo orgânico. Ao contrário do suco convencional, que não precisa de certificação,

[...] pro orgânico é emitido um atestado que o produto de fato não tem contaminante, a gente ganha no final da certificação atendendo a todos os requisitos, tem um certificado de que o produto é orgânico.

Conforme a nova atividade produtiva estava se desenvolvendo e crescendo, os produtores que ainda não tinham adotado este modelo começaram a perceber que associados que já produziam uvas orgânicas estavam tendo um rendimento maior (por hectare) do que aqueles que ainda estavam na produção convencional (com uso de agrotóxicos). Entretanto, o aumento da oferta foi maior do que a demanda, conforme observado pelo Entrevistado 1:

[...] porque no começo o que que aconteceu...eram 4000 kg de uva, foi pra 10, pra 18, foi pra 30, acho que foi pra 60, acho que pra 80, pra 120, e tal...nós ficamos até 3, 4 anos atrás que sempre tinha mais demanda que oferta de produto, então a gente até estimulava eles a aumentar a produção, só que acabou estimulando demais e a produção que tava em 200, 300.000 kg foi para 1.000.000 de kg e o mercado não absorveu, então nós tivemos problema de excesso de produção, o mercado vai crescendo mas naquela faixa de 10, 15, 20% e a produção aumentou muito mais do que isso.

Nesse sentido, a cooperativa decidiu focar mais na produção de suco orgânico e destinar menor quantidade de matéria-prima (uva orgânica) para a produção de vinho. Esse movimento iniciado pela Cooperativa Garibaldi provocou interesse de concorrentes, que hoje também atuam neste mercado de sucos e vinhos orgânicos. Uma das dificuldades enfrentadas atualmente pela cooperativa diz respeito aos poucos compradores que apostaram no produto orgânico e, diante disso, a produção concentra-se num único grande cliente.

Hoje eu acho que metade da produção vai pro Pão de Açúcar que é uma rede de supermercados que apostou no orgânico, tem outras várias redes que têm um potencial semelhante ao Pão de açúcar só que eles têm o produto, mas ele tá lá junto com o convencional e o consumidor acaba não vendo esse produto diferenciado né, não tem um apelo pelo produto diferenciado, então talvez essa questão das redes de varejo ainda não assumiram assim a questão de oferecer pro consumidor um produto orgânico (Entrevistado 1).

A participação financeira na cooperativa com a produção dos orgânicos é em torno de 5% a 6% do faturamento total.

Isso cresceu bem nos últimos anos, mas assim não chega a ter um impacto muito decisivo, mas com certeza ajuda, mas ele agrega muito valor isso que é interessante né, desde a produção até a venda porque a gente paga às vezes o dobro para o associado pela uva orgânica. Dependendo do tipo de uva e da qualidade dela chega a receber quase 100% mais do que uma uva comum normal né. A nossa venda de produto orgânico ela normalmente está em torno de 30% o valor tá em torno de 30% acima do produto integral normal, que dizer ele ajuda bastante na agregação de valor, mas ainda é um volume relativamente pequeno no negócio como um todo, claro que ajuda bastante, não chega a ser decisivo (Entrevistado 2).

Outro aspecto importante na adoção desta produção orgânica é que os produtores começaram a se preocupar mais com meio ambiente, conforme relata o Entrevistado 1:

[...] além de serem produtos mais saudáveis eles acabam protegendo o meio ambiente porque uma coisa que a gente percebia no interior também, o produtor não tava muito preocupado em proteger as nascentes, proteger o riozinho, eles matavam e não tinha essa consciência...Hoje tá totalmente diferente, ele já tá, ele já tem essa consciência que ele tem que proteger o arroio, ele tem que proteger as coisas porque ele que vai acabar pagando amanhã né.

6.2 Aspectos estratégicos da produção orgânica

A principal vantagem competitiva com a produção de suco e vinho orgânicos é que no início deu visibilidade maior (marca) à cooperativa por estar sendo ofertado um

[...] produto com maior valor ele acabou sendo uma porta de entrada porque há vinho, há espumante, não sei o que, já tem um monte... orgânico, opa isso não tenho, então ele acabou servindo de porta de entrada e consequentemente depois ele puxava outros produtos, então no começo foi assim (Entrevistado 1).

Atualmente, os produtos orgânicos são considerados um segmento de atuação na cooperativa, devido à sua importância econômica, pela rentabilidade e por

[...] trabalhar a questão da sustentabilidade por ser um produto mais limpo mas dá renda maior ao associado da cooperativa, mas que isso também gere receita pra cooperativa continuar existindo, então a gente tá vendo ele como um bom negócio, que ele tá dando retorno (Entrevistado 1).

Além disso, é considerado um produto diferenciado para a empresa, conforme o Entrevistado 4:

[...] a nossa menina dos olhos, então pra imagem da Garibaldi, foi um produto diferenciado que a gente colocou no mercado e que nos deu uma certa diferença em credibilidade porque é um produto totalmente diferente até então tínhamos dentro da Garibaldi.

A principal dificuldade enfrentada atualmente pela cooperativa diz respeito ao valor dos produtos orgânicos pagos pelos consumidores. As redes de supermercados ainda consideram que, por se tratar de um produto diferenciado, deve ter um valor superior aos demais produtos e, com isso, limitando a abrangência de consumo por parte das famílias consumidoras. A perspectiva futura é de que

[...] com o passar do tempo, com a disseminação maior, com o aumento do volume tudo, acaba a questão do preço também fica uma coisa um pouco mais em conta digamos. Porque você acaba vendendo pro mercado um pouco mais caro ok, mas o mercado pega aquele preço e dobra não tá nem aí... e no produto convencional normalmente ele coloca seus 30, 40% de marca que é o que o varejo trabalha, no orgânico não, é 100% (Entrevistado 1).

Essa visão também é do Entrevistado 3, quando menciona que

[...] o suco de uva é um pouco caro perto dos néctar que tem aí, então eu acho que com certeza é a pessoa que com o poder aquisitivo melhor e com formação melhor também né, o suco de uva hoje não tá barato se comparar R$ 8, 9, 10,00 um litro de suco de uva se torna caro para consumo diário, diante de um néctar a R$3,00 a R$ 4,00, mas acho que é a cultura, acho que é predominante.

Além disso, conforme o diretor administrativo (Entrevistado 2), o crescimento do suco orgânico está sendo menor do que o crescimento do suco integral (tradicional), devido aos seguintes fatores:

[...] um fator é esse aumento de competidores, entrou muita gente né, a produção cresceu muito e talvez o mercado não acompanhou, ele era um mercado crescente, um mercado disputado, mas um mercado crescente, mas não no mesmo ritmo que cresceu a produção e a entrada de concorrentes esse é um aspecto.

Outro aspecto elencado pelo Entrevistado 2 refere-se ao perfil do consumidor,

[...] não estava disposto a pagar uma diferença tão grande pro produto orgânico, falei em torno de 30% a mais, acho que a diferença é muito grande. Ainda falta muito o trabalho de conscientização pra esse mercado, entender o quê é um produto orgânico pra despertar o interesse no consumidor.

6.3 Perspectivas da atividade

Em relação ao futuro da Cooperativa Garibaldi, o presidente comenta que

[...] ela tá bem vista, que ela como foi a pioneira, foi a primeira que chegou no grande varejo, dentro do mercado de orgânicos ela seria referência, essa a impressão que eu tenho.

Agora dentro do segmento de orgânicos, eu acredito que a imagem seja boa e assim já bem difundida né, porque como a gente chegou por primeiro acabou criando uma certa referência né.

Com isso, por ter sido pioneira na produção de suco e vinho orgânicos os clientes sabem reconhecer, em momentos em que a oferta está maior do que a demanda, os produtos da cooperativa são mantidos e de concorrentes não são ofertados. Ou seja, tendo em vista a firma ter sido pioneira neste mercado, criou-se uma vantagem competitiva em relação aos concorrentes que vieram posteriormente. Esse aspecto é complementado pelo Entrevistado 2 ao mencionar

[...] que a contribuição do orgânico pra Garibaldi especialmente é a questão da imagem da empresa, por ele fazer parte do portfólio do produto, poder fazer parte da estratégia da empresa dentro do conceito de sustentabilidade que é o que a gente tem vendido forte lá fora é fundamental em qualquer apresentação que a gente faz da Garibaldi sempre destaca o nosso cliente de orgânico com muito orgulho até. É a nossa menina dos olhos que isso era algo que no início lá ninguém apostava, todo mundo desacreditou até mesmo comercialmente acho que não vai dar certo até a área técnica e teve algumas pessoas que compraram a ideia principalmente o presidente, olha o que tá hoje chegou a ter 1 milhão de quilos de uva orgânica.

Além disso, na opinião do Entrevistado 3,

[...] futuramente com certeza vai ser um mercado bastante atraente. Nós iniciamos em 2001 e praticamente éramos só nós que consumimos, hoje já tem ali, uma gama de quatro, cinco empresas com suco de uva orgânico no mercado. Futuramente, eu vejo que é uma bela perspectiva.

Complementa dizendo que

[...] como a gente foi praticamente os pioneiros na linha de orgânicos, às vezes se abra pedido até nisso né... ó temos uma linha de orgânicos... Ah nós fomos os primeiros a lançar o suco, abre porta, ainda abre portas.

A preocupação com os produtores de uvas orgânicas é constante por parte da cooperativa, haja vista se um deles resolver adicionar algum agrotóxico para melhorar a produtividade, os reflexos serão sentidos por todos os demais produtores. Neste caso, a imagem do produto ficará comprometida e perderá a confiança por parte do consumidor final. Então, mais do que certificação de um produto, a imagem do vinho e do suco orgânico representa uma garantia de produção livre de agrotóxicos.

A preocupação da qualificação constante das atividades e processos produtivos é mencionada pelo Gerente de Produção (Entrevistado 5), haja vista estarem elaborando manuais de processos, visando descrever os processos de cada atividade produtiva da Cooperativa.

7 Análise do caso

Os resultados apresentados refletem a iniciativa da empresa em adotar uma nova maneira de produzir sucos e vinhos, conforme preconizavam Porter (1989)Porter, M. E. (1989). Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Elsevier. e Barney (2001)Barney, J. B. (2001). Gaining and sustaining competitive advantage. Upper Saddle River: Prentice Hall., com a criação de vantagens competitivas em relação aos concorrentes. Sem o acréscimo de agrotóxicos, os produtos orgânicos representaram uma inovação na produção e na comercialização de produtos diferenciados, com maior valor agregado para a cooperativa e maior rentabilidade para os produtores. Desse modo, conforme observa Bharadwaj et al. (1993)Bharadwaj, S. G., Varadarajan, P. R., & Fahy, J. (1993). Sustainable competitive advantage in service industries: a conceptual model and research propositions. Journal of Marketing, 57(4), 83-99. http://dx.doi.org/10.2307/1252221.
http://dx.doi.org/10.2307/1252221...
, a empresa conquistou vantagem competitiva pelo fato de ter implementado uma estratégia de inovação capaz de criar valor para o mercado.

Entretanto, no início da produção de uvas orgânicas, ocorreram muitas dificuldades e desconfianças a serem superadas pela cooperativa, sobretudo com os produtores em substituir o tradicional processo produtivo por um modelo sem o uso de agrotóxicos (Quadro 1). Além disso, a própria área comercial da empresa enxergava com desconfiança estes novos produtos, pois a novidade obriga a organização a sair de uma zona de conforto pelo potencial risco associado ao desconhecido. O crescimento da atividade produtiva e da comercialização superou as dificuldades iniciais, provocando, inclusive, nos últimos anos, excesso de oferta. Com a entrada de novos competidores, a produção de suco e vinho orgânicos na cooperativa apresentou crescimento menor do que os demais produtos convencionais.

Quadro 1
Principais características da atividade produtiva analisada.

Do ponto de vista da estratégia de inovação, observa-se a inovação apresentada como uma forma incremental do portfólio, não substituindo outras fontes de renda, mas com impactos sobre o processo produtivo. Essa estratégia mostrou-se positiva, na medida em que novos concorrentes também lançaram produtos no mercado de sucos orgânicos, reduzindo a vantagem competitiva da cooperativa. Também observa-se a utilização de parcerias e a transferência tecnológica como habilitadores da inovação.

Do ponto de vista mercadológico, atualmente, os produtos orgânicos ainda são vistos pelas grandes redes de supermercados como produtos diferenciados e, por isso, abusam do preço para o consumidor final, provocando restrições ao consumo.

Em relação às principais vantagens competitivas conquistadas pela introdução das inovações, essas referem-se ao fato de que produtos orgânicos são abridores de pedido, possibilitando a entrada em novos mercados ou em novas redes de supermercados. O produto orgânico atua conjuntamente com os demais produtos convencionais, e a vantagem competitiva para a empresa está na variedade e focos distintos do conjunto de novos produtos ofertados, à luz da Figura 1. Além disso, embora a produção e comercialização de produtos orgânicos tenha pequena participação no total da empresa, resulta em retornos financeiros maiores do que os produtos convencionais. E esse retorno maior também é repassado ao produtor, tornando mais atrativa a produção de uvas orgânicas do que a convencional. Do ponto de vista de sua marca, a imagem da cooperativa fortaleceu-se perante o mercado consumidor, tendo em vista a preocupação com a produção sustentável e, em consequência, com a saúde dos produtores e consumidores.

Alguns desafios e perspectivas para o futuro da atividade foram identificados nas entrevistas. O mercado de produtos orgânicos continuará seu crescimento, principalmente com a preocupação que as pessoas estão tendo com sua saúde. Relacionada a este aumento do mercado, há a necessidade de maior divulgação dos produtos orgânicos, mostrando para o mercado consumidor as diferenças e vantagens no consumo de produtos sem o uso de agrotóxicos. E em relação ao processo produtivo, com a finalidade de melhorar o retorno financeiro, há o desafio de desenvolver uma nova embalagem com menor custo em substituição ao vidro utilizado atualmente.

8 Considerações finais

O objetivo principal deste estudo foi identificar como a(s) inovação(ões) contribuem para alcançar vantagens competitivas na firma analisada. Para o atingimento deste objetivo, foram realizadas cinco entrevistas em profundidade com gestores da cooperativa.

Conforme os resultados apresentados, a empresa estruturou e implementou a atividade produtiva de vinhos e sucos orgânicos, ocasionando mudanças significativas na estrutura e nos elos da cadeia produtiva. A principal barreira na introdução da inovação (produção orgânica) foi a desconfiança dos envolvidos na atividade, principalmente os produtores rurais. Entretanto, com o passar do tempo e o desenvolvimento da produção, os produtores que ainda não estavam inseridos nesta atividade perceberam as vantagens financeiras e de saúde, e a empresa conquistou algumas vantagens competitivas, como a oferta de produtos diferenciados no mercado em que atua, percepção por parte dos consumidores da responsabilidade social da organização, demonstração de ser uma empresa pioneira na produção e oferta destes produtos e maior retorno financeiro para a empresa e para os produtores/cooperados.

  • Suporte financeiro: nenhum.

Referências

  • Aaker, D. A., Kumar, V., & Day, G. S. (2011). Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas.
  • Barney, J. B. (1991). Firms resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, 17(1), 99-120. http://dx.doi.org/10.1177/014920639101700108
    » http://dx.doi.org/10.1177/014920639101700108
  • Barney, J. B. (2001). Gaining and sustaining competitive advantage. Upper Saddle River: Prentice Hall.
  • Barros, L. A. M. (2001). Inovação como fator de competitividade: o segmento da indústria eletroeletrônica (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Administração de Empresas, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.
  • Bharadwaj, S. G., Varadarajan, P. R., & Fahy, J. (1993). Sustainable competitive advantage in service industries: a conceptual model and research propositions. Journal of Marketing, 57(4), 83-99. http://dx.doi.org/10.2307/1252221
    » http://dx.doi.org/10.2307/1252221
  • Coyne, K. P. (1986). Sustainable competitive advantage: what it is, what it isn’t. Business Horizons, 29(1), 54-61. http://dx.doi.org/10.1016/0007-6813(86)90087-X
    » http://dx.doi.org/10.1016/0007-6813(86)90087-X
  • Darolt, M. R. (2007). Alimentos orgânicos: um guia para o consumidor consciente (2nd ed.). Londrina: IAPAR. 36 p.
  • Day, G. S., & Reibstein, D. J. (1999). A dinâmica da estratégia competitiva. Rio de Janeiro: Campus.
  • Dosi, G. (1982). Technical paradigms and technological trajectories: a suggested interpretation of the determinants and directions of technical change. Research Policy, 11(3), 147-162.
  • Fanti, C. A. (2011). La nostra cooperativa. Flores da Cunha: Novo Ciclo.
  • Ferraz, J. C., Kupfer, D., & Haguenauer, L. (1995). Made in Brazil: desafios competitivos para indústria. Rio de Janeiro: Campus.
  • Financiadora de Estudos e Projetos – Finep. (2004). Manual de Oslo: proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Brasília. Recuperado em 10 de março de 2014, de www.finep.gov.br/imprensa/sala_imprensa/oslo2.pdf
  • Giget, M. (1997). Techonology, innovation and strategy: recent developments. International Journal of Technology Management, 14(6-7-8), 613-634. http://dx.doi.org/10.1504/IJTM.1997.002583
    » http://dx.doi.org/10.1504/IJTM.1997.002583
  • Hall, W. K. (1980). Survival strategies in a hostile environment. Harvard Business Review, 58, 75-85.
  • Hitt, M. A., Ireland, D. R., & Hoskisson, R. B. (2002). Administração estratégica: competitividade e globalização. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.
  • Ito, N. C., Hayashi, P., Jr., Gimenez, F. A. P., & Fensterseifer, J. E. (2012). Valor e vantagem competitiva: buscando definições, relações e repercussões. Revista de Administração Contemporânea, 16(2).
  • Machado, D. D. P. N. (2007). Organizações inovadoras: estudo dos fatores que formam um ambiente inovador. Revista de Administração e Inovação, 4(2), 5-28.
  • Malhotra, N. K. (2001). Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada (3. ed.). Porto Alegre: Bookman.
  • Nelson, R., & Rosenberg, N. (1993). Technical innovation and national systems. In R. Nelson (Org.), National innovation systems: a comparative analysis. Oxford: Oxford University Press.
  • Nelson, R., & Winter, S. (1982). An evolutionary theory of economic change. Cambridge: Harvard University Press.
  • Paiva, E. L., & Carvalho, J. M., Jr., & Fensterseifer, J. E. (2004). Estratégia de produção e operações. Porto Alegre: Bookman.
  • Pelegrin, I., & Antunes, J. A. V., Jr. (2013). Inovação: uma discussão conceitual a partir da perspectiva da cadeia de valor. In A. Proença, D. P. Lacerda, J. A. V. Antunes, J. L. Tavora & M. S. Salerno (Orgs.), Gestão da inovação e competitividade no Brasil: da teoria à prática. Porto Alegre: Bookman.
  • Porter, M. E. (1989). Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Elsevier.
  • Porter, M. E. (1990). Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus.
  • Porter, M. E. (1999). Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Elsevier.
  • Porter, M. E. (2000). A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus.
  • Printec Comunicação. (2014). The Future Report Food. Release sobre pesquisa: alimentos no mundo. São Paulo. Recuperado em 10 de agosto de 2014, de www.printeccomunicacao.com.br
  • Quandt, O. C. (2013). Inovação em clusters emergentes. Campinas: Com Ciência. Recuperado em 13 de dezembro de 2013, de http://www.comciencia.br
    » http://www.comciencia.br
  • Ricardo, D. (1982). Princípios de economia política e tributação (Coleção Os Economistas). São Paulo: Abril Cultural.
  • Sampieri, R. H. (2006). Metodologia de pesquisa (3rd ed.). São Paulo: McGraw-Hill.
  • Schumpeter, J. (1977). Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar.
  • Tigre, P. B. (1998). Inovação e teorias da firma em três paradigmas. Revista de Economia Contemporânea, 3.
  • Yin, R. (2001). Estudo de caso: planejamento e métodos (2nd ed.). Porto Alegre: Bookman.
  • Zawislak, P. A. (1995). A relação entre conhecimento e desenvolvimento: essência do progresso técnico. Análise, 6(1), 125-149.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2016
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2014
  • Aceito
    12 Fev 2016
Universidade Federal de São Carlos Departamento de Engenharia de Produção , Caixa Postal 676 , 13.565-905 São Carlos SP Brazil, Tel.: +55 16 3351 8471 - São Carlos - SP - Brazil
E-mail: gp@dep.ufscar.br