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Uma análise comparativa entre as competências requeridas na atuação profissional do engenheiro contemporâneo e aquelas previstas nas diretrizes curriculares nacionais dos cursos de Engenharia

Resumo

A noção de competência é cada vez mais presente no ambiente acadêmico e no mundo do trabalho. Nesse contexto, o ensino de engenharia no Brasil estabeleceu, através das Diretrizes Curriculares para a graduação em engenharia, um roll de competências a serem desenvolvidas durante o curso. Com base nessa legislação, surge o questionamento a respeito da adequação dessas definições ao realmente requerido pelos profissionais em atuação. Dessa forma, procedeu-se à pesquisa junto a engenheiros atuantes no mundo do trabalho, a fim de verificar a adequação do estabelecido na legislação e ao requerido na prática. Observa-se que o conhecimento técnico é de fundamental importância e bem desenvolvido nas Instituições de Ensino; contudo, a área de gestão, embora prevista em algum grau nas diretrizes, não é desenvolvida durante a graduação, sendo detectada como uma deficiência a ser corrigida pelos engenheiros.

Palavras-chave:
Competência; Engenharia; Diretrizes Curriculares Nacionais

Abstract

The notion of competence is increasingly present in the academic and professional environments. In this context, engineering education in Brazil has established, through curricular guidelines, a roll of competences to be developed during the undergraduate courses. Based on this legislation, a question arises on the adequacy of these definitions regarding what is actually required to professionals. Thus a survey was conducted with engineers in the work market to verify the adequacy of the established legislation to the competences required in practice. It was observed that technical knowledge is fundamental, and well-developed in educational institutions; however, the management area, although addressed to some degree in the guidelines, is not developed during graduation, becoming a deficiency to be corrected by professional engineers.

Keywords:
Competence; Engineering; National Curriculum Guidelines

1 Introdução

De acordo com Lucena et al. (2008)Lucena, J., Downey, G., Jesiek, B., & Elber, S. (2008). Competencies beyond countries: the re-organization of engineering education in the United States, Europe and Latin America. Journal of Engineering Education, 97(4), 433-447. http://dx.doi.org/10.1002/j.2168-9830.2008.tb00991.x.
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, por mais de dois séculos, “o que” e “para que” o engenheiro deveria aprender dependiam do país ou região em que fosse atuar; contudo, nos dias de hoje, a necessidade de conhecimento e a forma de atuação tendem a ser mais homogêneas, em razão da existência de uma maior mobilidade no exercício profissional, o que, de fato, não ocorria há algumas décadas.

Lucena et al. (2008)Lucena, J., Downey, G., Jesiek, B., & Elber, S. (2008). Competencies beyond countries: the re-organization of engineering education in the United States, Europe and Latin America. Journal of Engineering Education, 97(4), 433-447. http://dx.doi.org/10.1002/j.2168-9830.2008.tb00991.x.
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destacam que as organizações que defendem a educação em Engenharia estão motivadas e se preocupam com a necessidade de as instituições terem um programa de formação condizente com a realidade atual, sobretudo com os níveis de mobilidade e competitividade vigentes no setor.

Aliada à mobilidade de atuação, as alterações ocorridas no mercado de trabalho e na sociedade, como um todo, afetam as características necessárias ao engenheiro contemporâneo para a sua adequada atuação profissional e social. Podem-se citar, por exemplo, os esforços crescentes em se atuar de forma a preservar as condições ambientais, a melhorar e desenvolver processos sustentáveis, com vistas à qualidade de vida da população.

Na década de 1990, o debate sobre o perfil do engenheiro para o novo milênio se intensificou. O termo “competência” passou a ocupar um papel de destaque nos estudos sobre o perfil do engenheiro contemporâneo e, ainda de acordo com Lucena et al. (2008)Lucena, J., Downey, G., Jesiek, B., & Elber, S. (2008). Competencies beyond countries: the re-organization of engineering education in the United States, Europe and Latin America. Journal of Engineering Education, 97(4), 433-447. http://dx.doi.org/10.1002/j.2168-9830.2008.tb00991.x.
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, na Europa e nos EUA, foram iniciados importantes estudos para definir quais seriam as competências necessárias ao engenheiro, bem como tratar sobre a necessidade de reforma no sistema educacional.

Na Europa, foi assinada, em 1999, a Declaração de Bolonha, tendo como um de seus objetivos definir a formação a ser alcançada pelos egressos dos cursos superiores, incluindo os de Engenharia. Nos Estados Unidos, a ABET (Accreditation Board for Engineering and Technology) definiu, em 2000, novos critérios para a acreditação dos cursos de Engenharia, em função das alterações dos perfis exigidos para a atuação dos engenheiros (ABET, 2014ABET. (2014). Recuperado em 2 de janeiro de 2014, de http://www.abet.org/accreditation
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).

No Brasil, seguindo a tendência mundial, também ocorreram discussões acerca do perfil do engenheiro, sendo publicadas, em 2002, com o objetivo de possibilitar a formação de um profissional em consonância com as necessidades atuais da sociedade e do mercado de trabalho, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia, que propõem o perfil do engenheiro com ênfase generalista, humanista, crítica e reflexiva.

Tonini (2011Tonini, A. M. (2011). O perfil do engenheiro contemporâneo a partir da implementação de atividades complementares em sua formação. In: Anais do VIII ENEDS. Ouro Preto., p. 4) explicita os conceitos de formação generalista e crítica, como dado relevante para o ensino da Engenharia, refletindo sobre o papel dos educadores, no sentido de:

[...] contribuir para a formação crítica e generalista do engenheiro – crítica se ele for capaz de organizar o seu conhecimento de forma estruturada e com prioridades para sua formação; e generalista se, ao buscar o conhecimento, o engenheiro fizer com que sua visão de realidade deixe de estar restrita somente ao acúmulo de teorias, num contexto de produção previamente estabelecido, passando a constituir uma matriz explicativa para problemas e enigmas que circundam o homem e sua existência.

Com base no cenário atual, nota-se que a atuação do engenheiro, além de estar pautada em sólidos conhecimentos técnicos, deve estar associada a saberes não técnicos, para que se alcancem os objetivos e anseios da sociedade e do mercado de trabalho. No entanto, a pergunta a ser realizada é se as alterações propostas para o perfil do egresso de Engenharia, a ser alcançado pelas Instituições de Ensino Superior (IES), são compatíveis com aquele necessário à sua prática.

Para obter a resposta de tal questionamento, foi realizada a pesquisa junto a engenheiros atuantes em diversas empresas, com sedes ou filiais em Minas Gerais, de forma a obter a visão desses profissionais em relação às competências mais importantes, no seu âmbito de atuação.

A pesquisa realizada de forma qualitativa utilizou-se dos dados obtidos pelo grupo de pesquisa FORQUAP, no período de 2010 a 2012. Nesse período, o Grupo de Pesquisa em Formação e Qualificação Profissional (FORQUAP) pesquisou, com financiamento e apoio do CNPq, as relações produtivas na situação de trabalho dos profissionais ‒ técnico, tecnólogo e engenheiro ‒ de empresas mineiras. As empresas pesquisadas concentram-se nas áreas automobilística, de energia, mineração e metalurgia, em função da sua grande representatividade no Estado de Minas Gerais.

A pesquisa contou com a participação de seis empresas atuantes no Estado de Minas Gerais, de setores, como mineração, metalurgia e fornecimento de energia. Foram entrevistados 68 indivíduos, entre os quais, 17 engenheiros, que constituem os sujeitos do presente estudo.

Com base nessas respostas, buscou-se verificar se as competências definidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia no Brasil atendem às necessidades atuais, bem como identificar as competências necessárias à atuação profissional do engenheiro contemporâneo, na visão dos profissionais, além de verificar se as competências requeridas na atuação profissional do engenheiro são compatíveis com aquelas definidas pela Resolução CNE/CES 11, de 11 de março de 2002.

Ressalta-se, contudo, conforme Gama & Silveira (2003)Gama, S. Z., & Silveira, M. A. (2003). As competências do engenheiro: visão do mercado de trabalho. In Anais do COBENGE. Brasília: ABENGE. Recuperado em 1 de fevereiro de 2013, de www.abenge.org.br/Cobenge Anteriores/2003/artigos/PRP089.pdf, que as pesquisas de mercado são úteis para levantar problemas e deficiências; porém, estas devem ser utilizadas como subsídio, pela academia, para traçar soluções e propostas de perfil ou currículo com uma visão de futuro e não simplesmente para definir os objetivos e perfis a serem alcançados em curto prazo, evitando-se assim uma visão imediatista da situação.

2 Competência

Embora tenha ganhado papel de destaque, em especial a partir da década de 1990, o termo “competência” apresenta um significado polissêmico, dificultando a adoção de um conceito comum entre as áreas que o utilizam. Isambert-Jamati (1997Isambert-Jamati, V. (1997). O apelo à noção de competência na revista L’Orientation Scolaire et Profissionelle. In F. Ropé & L. Tanguy (Eds.), Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa (4. ed.). Campinas: Papirus., p. 103) informa que “[...] o termo ‘competência’ (no singular) e os de sua família (competir, competente, competentemente) pertenciam, no fim da Idade Média, à linguagem jurídica”. Nessa mesma direção, Dadoy (2004Dadoy, M. (2004). As noções de competência e competências à luz das transformações na gestão da mão-de-obra. In A. Tomasi (Ed.), Da qualificação à competência. Campinas: Papirus., p. 108) indica que “[...] a noção de competência vem do latim competentia, derivada de competere, ‘chegar ao mesmo ponto’, oriunda de petere, ‘dirigir-se para’. Refere-se ‘ao que convém’; no francês antigo, significava ‘apropriado’”, sendo utilizado, na atualidade, com conceitos distintos, dependendo da área de abordagem na qual o termo está inserido.

Le Boterf (2006)Le Boterf, G. (2006). Avaliar a competência de um profissional: três dimensões a explorar. Reflexão RH, 60-63. Recuperado em 24 de janeiro de 2014, de http://www.guy leboterf-conseil.com/Article%20evaluation%20version%20directe%2 0Pessoal.pdf
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conceitua a competência a partir de três dimensões, a saber: i) a dimensão dos recursos disponíveis, que se refere aos recursos que o indivíduo pode mobilizar para sua ação; ii) a dimensão das ações e dos resultados, que constitui a ação propriamente dita e seus resultados, e iii) a dimensão da reflexividade, que se constitui no distanciamento do indivíduo das dimensões anteriores, permitindo a análise das práticas adotadas e seu aprendizado, a partir da reflexão.

Em relação aos recursos que podem ser mobilizados, Le Boterf (2006)Le Boterf, G. (2006). Avaliar a competência de um profissional: três dimensões a explorar. Reflexão RH, 60-63. Recuperado em 24 de janeiro de 2014, de http://www.guy leboterf-conseil.com/Article%20evaluation%20version%20directe%2 0Pessoal.pdf
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indica que podem ser oriundos dos recursos pessoais do indivíduo, como conhecimentos, saber-fazer, capacidades cognitivas, entre outros, e recursos oriundos do contexto em que ele se encontra, como redes de operações, competências de colegas, base de dados, por exemplo. As ações e resultados, por sua vez, traduzem o saber agir de forma pertinente em relação à situação, acontecimento ou problema apresentado, com base nos recursos mobilizados; “[...] saber agir não pressupõe o domínio de aspectos isolados, implica, sim, ser capaz de combinar diferentes operações”, de forma a atingir o objetivo desejado (Le Boterf, 2006Le Boterf, G. (2006). Avaliar a competência de um profissional: três dimensões a explorar. Reflexão RH, 60-63. Recuperado em 24 de janeiro de 2014, de http://www.guy leboterf-conseil.com/Article%20evaluation%20version%20directe%2 0Pessoal.pdf
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, p. 62). A reflexividade ‒ ou distanciamento ‒ refere-se à dimensão a partir da qual o indivíduo irá analisar a sua prática em relação a um dado acontecimento e aos resultados obtidos.

Em uma concepção semelhante, Zarifian (2012)Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas. apresenta três enunciados para o termo “competência”, com diferentes enfoques. O primeiro enfoque é dado às mudanças na organização do trabalho, em função do recuo da prescrição e do aumento da autonomia, e, sob esse aspecto, a competência é definida como “[...] o ‘tomar iniciativa’ e o ‘assumir responsabilidade’ do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara” (Zarifian, 2012Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., p. 68).

O autor destaca que os termos “tomar iniciativa” e “assumir responsabilidade” estão relacionadas à autonomia que o indivíduo possui no modelo de competência e suas consequências. Tomar iniciativa “[...] significa que o ser humano não é um robô aplicativo, que possui capacidades de imaginação e de intervenção que lhe permitem abordar o singular e o imprevisto” (Zarifian, 2012Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., p. 69), apoiado em seu repertório de conhecimentos, experiências, etc. Já o assumir a responsabilidade é a contrapartida da autonomia, ou seja, o indivíduo é responsável pelas decisões que toma e pelas consequências oriundas de tais decisões (Zarifian, 2012Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., p. 71). Zarifian (2003Zarifian, P. (2003). O modelo da competência: trajetória histórica, desafios atuais e propostas. São Paulo: Senac., p. 85) esclarece, ainda, que “[...] a autonomia é uma condição inevitável do desenvolvimento da competência; o coração desta última, no entanto, reside na tomada de iniciativa”.

A segunda abordagem foca a dinâmica da aprendizagem, definindo a competência como “[...] um entendimento prático de situações que se apoia em conhecimentos adquiridos e os transforma na medida que aumenta a diversidade das situações”. Destaca-se, nesse enfoque, que o indivíduo deva ter um entendimento prático, ou seja, analisar e compreender a situação que lhe é apresentada, auxiliado pelos conhecimentos que ele possui e que serão mobilizados para tal; acrescente-se que, a partir dessa situação singular ou de trabalho, será possível ampliar seus conhecimentos com base na experiência vivenciada (Zarifian, 2012Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., p. 72).

A terceira abordagem enfoca o trabalho em equipe e a corresponsabilidade dos indivíduos, sendo que, nesse caso, o autor apresenta a competência como “[...] a faculdade de mobilizar rede de atores em torno das mesmas situações, é a faculdade de fazer com que esses atores compartilhem as implicações de suas ações, é fazê-los assumir áreas de co-responsabilidade” (Zarifian, 2012Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., p. 74).

A solução de problemas com certo grau de complexidade dificilmente pode ser dada de forma individual. Nesse aspecto, a atuação em conjunto (a mobilização da rede de atores) requer que todos os envolvidos compartilhem o objetivo proposto e que sejam corresponsáveis pelas ações a serem tomadas, o que, por vezes, não ocorre, em função da segmentação da empresa em vários setores, com tarefas interligadas, mas com objetivos distintos (Zarifian, 2012Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas.).

Com base nas definições apresentadas, conclui-se que, de forma geral, a noção de competência está centrada no indivíduo, pois depende de suas ações, frente a uma dada situação, e do seu conhecimento ou saber, a ser utilizado como elemento balizador para sua tomada de decisão, de forma a ter o resultado desejado ou esperado.

Destaca-se, ainda, que a competência se evidencia em situação prática, necessitando da ação do indivíduo. Segundo Ropé & Tanguy (1997Ropé, F., & Tanguy, L. (Eds.). (1997). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa (4. ed.). Campinas: Papirus., p. 16), “[...] a competência é inseparável da ação”. De forma análoga, Perrenoud (1999Perrenoud, P. (1999). Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed., p. 7) ressalta que a noção de competência inclui a necessidade de o indivíduo ter “[...] uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação”. Em sua definição, Fleury & Fleury (2000Fleury, A., & Fleury, M. T. L. (2000). Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas., p. 21) reforçam a necessidade de “[...] um saber agir responsável e reconhecido”.

O conhecimento é também elemento fundamental para a competência, uma vez que irá apoiar as decisões e ações do indivíduo nas situações práticas, de maneira que ele possa obter os resultados almejados com suas ações. Segundo Zarifian (2012Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., p. 72), “[...] não há exercício da competência sem um lastro de conhecimentos que poderão ser mobilizados em situação de trabalho”. Por sua vez, Perrenoud (1999Perrenoud, P. (1999). Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed., p. 7) ressalta que

“[...] para enfrentar uma situação da melhor maneira possível, deve-se, via-de-regra, por em ação e em sinergia vários recursos cognitivos complementares, entre os quais estão os conhecimentos”.

Observa-se que a noção de competência está associada a elementos, como o trabalho em grupo, a comunicação, a responsabilidade e a ética, uma vez que o aumento da complexidade das situações vividas pelo indivíduo, na maioria das vezes, impossibilita que ele atue de forma isolada, sendo necessária, para alcançar seus objetivos, a atuação em equipe.

Outro ponto a se destacar, na noção de competência, é que o indivíduo deve buscar o aprendizado e o conhecimento oriundos das situações singulares com as quais se depara, aumentando o seu repertório de saber e ações para situações futuras que irá enfrentar.

Autores, como Le Boterf e Zarifian, apresentam definições de competência segundo a concepção francesa, em que o modelo de competência tem por objetivo romper com a lógica taylorista e propor uma nova forma de organização do trabalho, com o foco no indivíduo.

Por outro lado, a linha de conceituação americana propõe a competência como um elemento do indivíduo e que esta irá contribuir para o desempenho ótimo na execução de suas tarefas. Propõe, ainda, uma prescrição dessas competências em função do tipo de tarefa a ser realizada. Observa-se que o conceito americano reforça o modelo taylorista, residindo, nesse aspecto, uma das suas diferenças em relação à corrente francesa. Autores, como Boyatzis, Spencer, McLand e McClelland, são exemplos da vertente americana nos estudos sobre competência.

Citado por Boyatzis (1982Boyatzis, R. E. (1982). The competent manager. New York: John Wiley & Sons. Recuperado em 20 de janeiro de 2014, de http://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=uc1.b4906221;view=1up;seq=57
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, p. 21, tradução nossa), Klemp apresenta o conceito de competência como “[...] características básicas de uma pessoa que resultam numa performance efetiva e/ou superior numa tarefa”. Nesse aspecto, conforme discutido anteriormente, a competência é tratada como uma característica individual, que possibilita um desempenho superior e, para tanto, deve ser combinada com outros dois aspectos, que são o tipo de trabalho e o ambiente organizacional da empresa.

Esse conceito remete à prescrição do posto de trabalho do modelo taylorista, sendo atribuídas competências específicas para determinado posto de trabalho, e o indivíduo, para atingir o desempenho superior, deve possuir os conhecimentos, habilidade e atitudes, ou seja, as competências, então prescritas para aquele posto de trabalho, reforçando, assim, as diretrizes tayloristas de organização do trabalho.

Destaca-se, por fim, que o conceito de competência, na forma estudada pelos franceses, continua polissêmico nos dias atuais, pois, como bem apontam Ropé & Tanguy (1997Ropé, F., & Tanguy, L. (Eds.). (1997). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa (4. ed.). Campinas: Papirus., p. 16), “[...] os usos da noção de competência não permitem uma definição conclusiva. Ela se apresenta, de fato, como uma dessas noções cruzadas, cuja opacidade semântica favorece seu uso inflacionado em lugares diferentes”, ao passo que o conceito apresentado na linha americana é conclusivo. Ressalta-se, ainda, que a utilização do conceito de competência é crescente, sendo cada vez maior a quantidade de empresas e instituições de ensino que o adotam, em algum grau, os modelos a ele relacionados.

3 Diretrizes Curriculares Nacionais

Em decorrência da necessidade crescente de atualização dos currículos dos cursos de Engenharia, bem como da pressão exercida pelo meio acadêmico e pelo mercado de trabalho, o MEC publicou o Edital n.º 04/97, com o objetivo de realizar a discussão com as Instituições de Ensino Superior e com a sociedade científica sobre as novas diretrizes curriculares a serem elaboradas para os cursos de graduação em Engenharia. Em 2002, como resultado desse edital, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia no Brasil, Resolução n.º 11/2002 (CNE/CES), com avanços significativos em relação à legislação de 1976. As novas Diretrizes Curriculares passam a definir um novo perfil do egresso, voltado para uma sólida formação técnica e aquisição de habilidades e competências, com certa flexibilidade para a instituição atingir tal objetivo, a ser explicitado em seu projeto político-pedagógico, em substituição ao foco na grade curricular da legislação anterior. O ensino deixa de ser centrado no professor e passa a ser centrado no aluno, e o currículo, antes focado no conteúdo, passa a priorizar o desenvolvimento de habilidades e competências. Segundo Ferreira (1999Ferreira, R. S. (1999). Tendências curriculares na formação do engenheiro do Ano 2000. In I. Von Linsingen (Ed.), Formação do engenheiro: desafios da atuação docente, tendências curriculares e questões da organização tecnológica. Florianópolis: EDUFSC., p. 130), tal ação desencadeou

[...] uma nova tendência curricular que, ao invés de impor um currículo mínimo, visa definir diretrizes curriculares com o objetivo de servir de referência para as IES na organização dos seus programas de educação.

Contudo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Engenharia não trazem em sua redação a definição adotada para competências e habilidades. Pesquisando-se na base de documentos do MEC, foi possível encontrar a definição de competência no documento básico do ENEM/INEP (Brasil, 2002aBrasil. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. (2002a). ENEM: documento básico. Brasília: MEC/INEP. Recuperado em 1 de dezembro de 2013, de http://dominiopublico.mec.gov.br/dowload/texto/ me000115.pdf
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) e a definição de competência profissional, na Resolução CNE/CEB n.º 04/1999, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Nível Técnico, e na Resolução CNE/CP n.º 03/2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos cursos superiores de tecnologia.

O documento do ENEM/INEP conceitua competência e habilidade, fazendo a distinção entre ambas, apresentando um conceito de habilidade como um saber-fazer das competências desenvolvidas, o que remete ao conceito apresentado por Perrenoud (1999Perrenoud, P. (1999). Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed., p. 26): quando o indivíduo realiza “[...] ‘o que deve ser feito’ sem sequer pensar, pois já o fez, não se fala mais em competências, mas sim em habilidades ou hábitos”. Segundo o documento do ENEM/INEP:

Competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber-fazer”. Por meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências (Brasil, 2002aBrasil. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. (2002a). ENEM: documento básico. Brasília: MEC/INEP. Recuperado em 1 de dezembro de 2013, de http://dominiopublico.mec.gov.br/dowload/texto/ me000115.pdf
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, p. 11).

As Resoluções CNE/CEB n.º 04/1999 e CNE/CP n.º 03/2002 apresentam a definição de competência profissional e, embora existam algumas diferenças no texto adotado, ambas as definições remetem à necessidade de mobilizar, articular e colocar em ação os repertórios do indivíduo para o desempenho eficaz em sua prática profissional. Verificam-se, nessas definições, traços da corrente francesa, especialmente no que se refere à mobilização dos recursos ou repertórios do indivíduo para solução das situações de trabalho; porém, apesar do esforço do CNE, bem como do uso do verbo “mobilizar”, a definição apresentada remete fortemente à vertente americana de competência, em especial, à necessidade de conhecimento, habilidades e atitudes, para o desempenho superior.

Art. 6º – Entende-se por competência profissional a capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho (Brasil, 1999Brasil. Conselho Nacional de Educação. (1999, 7 de outubro). Resolução CNE/CEB 04/1999, aprovada em 05 de outubro de 1999. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Nível Técnico (seção 1, pp. 52). Brasília, DF: Diário Oficial da União. – Resolução CNE/CEB nº 04/1999).

Art. 7º – Entende-se por competência profissional a capacidade pessoal de mobilizar, articular e colocar em ação conhecimentos, habilidades, atitudes e valores necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho e pelo desenvolvimento tecnológico (Brasil, 2002cBrasil. Conselho Nacional de Educação. (2002c, 23 de dezembro). Resolução CNE/CP 03/2002, aprovada em 18 de dezembro de 2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos cursos superiores de tecnologia (seção 1, pp. 162). Brasília, DF: Diário Oficial da União. – Resolução CNE/CP nº 03/2002).

Além de as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação de Engenharia focarem o ensino nas competências, também são definidas, no art. 4.o, quais são as competências e habilidades gerais que o engenheiro deve possuir, a saber:

I - aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, tecnológicos e instrumentais à engenharia;

II - projetar e conduzir experimentos e interpretar resultados;

III - conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos;

IV - planejar, supervisionar, elaborar e coordenar projetos e serviços de engenharia;

V - identificar, formular e resolver problemas de engenharia;

VI - desenvolver e/ou utilizar novas ferramentas e técnicas;

VI - supervisionar a operação e a manutenção de sistemas;

VII - avaliar criticamente a operação e a manutenção de sistemas;

VIII - comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica;

IX - atuar em equipes multidisciplinares;

X - compreender e aplicar a ética e responsabilidade profissionais;

XI - avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental;

XII - avaliar a viabilidade econômica de projetos de engenharia;

XIII - assumir a postura de permanente busca de atualização profissional (Brasil, 2002bBrasil. Conselho Nacional de Educação. (2002b, 25 de fevereiro). Resolução CNE/CES 11/2002, aprovada em 11 de março de 2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia (seção 1, pp. 17). Brasília, DF: Diário Oficial da União. – Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Engenharia – Resolução CNE/CES nº 11/2002).

Observa-se que as competências listadas incluem aquelas de caráter não técnico, como o trabalho em equipe e a formação continuada, por exemplo, ao tempo que suscita a questão se as competências elencadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais são compatíveis com o requerido na atuação profissional do engenheiro.

4 As competências requeridas do engenheiro contemporâneo

No total, foram analisadas as entrevistas de 17 engenheiros, de seis empresas que atuam no Estado de Minas Gerais.

Destaca-se que 11 dos entrevistados realizaram um curso de pós-graduação, evidenciando a necessidade de um estudo continuado para a atuação na área. Os entrevistados, em sua maioria, ainda relataram que os cursos são devidos à necessidade, detectada pela empresa ou pelo próprio engenheiro, de complementar o conhecimento em determinada área.

Nesse primeiro ponto, já é possível observar a necessidade do engenheiro em se manter em constante atualização, competência definida nas Diretrizes Curriculares como “XIII - assumir a postura de permanente busca de atualização profissional”.

Em relação à faixa etária dos sujeitos da pesquisa, verifica-se que 53% estão compreendidos entre 30 e 39 anos, 30% entre 40 e 49 anos, 12% entre 20 e 29 anos e 5% entre 50 e 59 anos.

A formação dos entrevistados encontra-se dividida nas engenharias elétrica (06 engenheiros), mecânica (05 engenheiros), metalurgia (02 engenheiros), civil (01 engenheiro) e produção (03 engenheiros). Esclarece-se que foram realizadas entrevistas com áreas distintas da engenharia, uma vez que as Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecem as condições gerais para os cursos de Engenharia, não havendo diretrizes particulares para um curso ou outro. Dessa forma, as competências propostas devem atender a todos os egressos e, portanto, a análise foi realizada em um grupo com formações diversas.

Ressalta-se que não foram detectadas necessidades especiais, em termos de competência, em relação aos apontamentos realizados pelos entrevistados das áreas distintas da engenharia presentes no estudo.

Procurou-se identificar as competências apontadas como necessárias para a atuação do engenheiro, segundo sua perspectiva. Para tanto, foi solicitado aos entrevistados que expusessem seu ponto de vista, apontando as competências julgadas essenciais na sua atuação diária.

Ressalta-se que dois pontos se destacam no conceito de competência, segundo os quais se apresenta a categorização do Quadro 1, com base na fala dos entrevistados, a saber: i) tomar a iniciativa, o agir, e ii) o repertório que o indivíduo possui e que é utilizado como elemento balizador na sua ação. Nesse aspecto, a competência é o tomar a iniciativa, o agir, diante de dado acontecimento, sob o apoio do repertório que o indivíduo possui.

Quadro 1
Atributos identificados como competências pelos entrevistados divididos por categorização.

Ainda, com base nas respostas dos 17 entrevistados, obtivemos, desdobrando a categorização apresentada anteriormente, o quadro de competências, apresentado a seguir (Quadro 2). É importante ressaltar a forma de lançamento das informações do quadro, uma vez que as competências foram listadas considerando-se a concepção francesa do termo, em que pese também a identificação de elementos da concepção americana, também presentes na fala dos entrevistados.

Quadro 2
Atributos identificados como competências pelos entrevistados.

Esclarece-se que tal medida foi adotada levando-se em conta a fala dos entrevistados, em que as competências listadas como essenciais à sua atuação correspondiam àqueles atributos que serviam como base para a solução dos problemas ocorridos em situação de trabalho. Esse aspecto está muito associado à noção de acontecimento, tratada por Zarifian (2012Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., p. 41), como sendo “[...] o que ocorre de maneira parcialmente imprevista, inesperada, vindo a perturbar o desenrolar do sistema normal de produção”, cabendo, ao indivíduo, o confronto e a resolução desse problema gerado pelo acontecimento. O Eng7, Emp3 destaca a importância de atuar voltado para situações que não são rotineiras na empresa:

Eng7: Precisamos fazer o que o cliente pede. Personalizado. Assim, precisamos dar pareceres mais adequados. Além do que precisamos fazer ajustes de processos, projetos de aço, para sempre evoluir. E as atividades seriam desenvolvimentos de novos produtos, ou resolver problemas de sistemas. O trabalho do técnico bem capacitado suporta e dá muita liberdade para o engenheiro de produto trabalhar num estágio não tanto voltado para a rotina (Eng7, Emp3, grifo nosso).

Dessa forma, ao listarem, por exemplo, o conhecimento técnico como competência, os entrevistados se baseiam na ideia de que a mobilização desse conhecimento é a chave para a resolução de problemas e o poder de argumentação com a equipe ou com determinado cliente, possibilitando resolver uma dada situação. Ressalta-se que o importante é a utilização ou mobilização do conhecimento técnico em situação de trabalho, como destaca Perrenoud (1999Perrenoud, P. (1999). Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed., p. 54): “[...] um 'simples erudito', incapaz de mobilizar com discernimento seus conhecimentos diante de uma situação complexa, que exija ação rápida, não será mais útil do que um ignorante”. O Eng5, Emp2 ressalta que “é necessário ter um conhecimento técnico para discutir uma opção ou alternativa ofertada pelo técnico da área” e o Eng6, Emp3 afirma que “é importante que se tenha conhecimento teórico bem fundamentado, para que se possa desenvolver bem a sua prática”.

De forma análoga, os demais termos listados também dizem respeito à sua utilização prática e estão relacionados aos verbos “saber”, “agir”, “mobilizar”, “comunicar”, etc.

Observa-se que o “conhecimento técnico” foi o mais citado pelos entrevistados como sendo relevante para a atuação profissional, reforçando a importância de se ter uma formação sólida, no que se refere ao conteúdo a ser ministrado nas Instituições de Ensino Superior. O destaque para o conhecimento técnico ratifica sua posição como elemento-chave que possibilita a competência do indivíduo, uma vez que, conforme apontado por Zarifian (2012)Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., é apoiado em conhecimento que o indivíduo se orienta para tomar as atitudes necessárias em uma dada situação. Da mesma forma, Fleury & Fleury (2000Fleury, A., & Fleury, M. T. L. (2000). Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas., p. 21) destacam que o conhecimento é importante para gerar competência. Contudo, esclarecem que “os conhecimentos e o know-how não adquirem status de competência a não ser que sejam comunicados e trocados. A rede de conhecimento em que se insere o indivíduo é fundamental para que a comunicação seja eficiente e gere competência”. Le Boterf (2006Le Boterf, G. (2006). Avaliar a competência de um profissional: três dimensões a explorar. Reflexão RH, 60-63. Recuperado em 24 de janeiro de 2014, de http://www.guy leboterf-conseil.com/Article%20evaluation%20version%20directe%2 0Pessoal.pdf
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, p. 61), por sua vez, assevera que “[...] para agir de forma pertinente, um profissional deve, não só deter, mas também saber combinar e pôr em prática um conjunto coerente de recursos”.

Desse modo, observa-se, nesse item, que o conhecimento técnico é importante, sendo esse aspecto reconhecido pelos entrevistados como a base para a sua atuação profissional, ao mobilizá-lo em situação de trabalho.

A concepção americana também ressalta a importância do conhecimento para que o indivíduo possa ser competente. Boyatzis (1982)Boyatzis, R. E. (1982). The competent manager. New York: John Wiley & Sons. Recuperado em 20 de janeiro de 2014, de http://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=uc1.b4906221;view=1up;seq=57
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destaca que o conhecimento é um dos elementos para possibilitar que o indivíduo tenha um alto desempenho e, consequentemente, seja reconhecido como competente.

Ao se verificarem as competências previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais, observa-se que o conhecimento técnico é base de vários itens, entre os quais, podemos destacar: “I - aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, tecnológicos e instrumentais à engenharia” (Brasil, 2002bBrasil. Conselho Nacional de Educação. (2002b, 25 de fevereiro). Resolução CNE/CES 11/2002, aprovada em 11 de março de 2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia (seção 1, pp. 17). Brasília, DF: Diário Oficial da União. – Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Engenharia – Resolução CNE/CES n.º 11/2002).

A gestão de pessoas é outro item citado constantemente pelos entrevistados. Nesse quesito, verificam-se alterações na forma taylorista/fordista de trabalho. O profissional contemporâneo tem de saber gerir e motivar a sua equipe, em busca dos resultados esperados pela organização. Evidencia-se, assim, a necessidade, por parte do profissional, de saber lidar com a equipe de forma a envolvê-la no processo, de tal maneira que, conforme Zarifian (2012)Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., a rede de atores mobilizada em tal situação, objetivo ou projeto, assuma os campos de corresponsabilidade e compartilhe as implicações de uma dada situação, o que consiste em um desafio para as organizações.

Observa-se, ainda, que a gestão de pessoas não está listada, nas Diretrizes Curriculares Nacionais, como uma das competências a serem desenvolvidas pelas Instituições de Ensino Superior, quando da formação do aluno, o que, de fato, é relatado pelos profissionais como uma carência em sua formação.

Assim como a gestão de pessoas, a relação interpessoal, também apontada como necessária pelos entrevistados, apresenta-se como elemento-chave para a consecução dos objetivos propostos, em especial, para a atuação junto a outras áreas da empresa, a clientes e fornecedores. Os problemas ou acontecimentos com que o profissional se depara estão cada vez mais complexos, o que, segundo Zarifian (2012)Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., muitas vezes ultrapassa a capacidade de se solucionar o problema/acontecimento, individualmente. Nesse contexto, a capacidade de relacionamento interpessoal é indispensável para que se tenha um trabalho em equipe, e, em muitos casos, a solução de problemas multidisciplinares. Se, na gestão de pessoas, é importante saber motivar seus subordinados, também é importante:

Eng2,Emp1: Habilidade interpessoal. Estamos lidando com um cliente o tempo todo. Se você tem um projeto, ele é para atender às suas necessidades, então, eu tenho que atendê-lo de maneira satisfatória.

Eng3,Emp1: Hoje, na parte de coordenador quanto na de assessor, o relacionamento interpessoal é imprescindível.

Destaca-se que a Gestão de Pessoas difere do Relacionamento Interpessoal, uma vez que a primeira estabelece uma relação de subordinação, o que não necessariamente ocorre no segundo caso. A negociação também guarda relação com o relacionamento interpessoal, pois, havendo um bom relacionamento, a negociação se torna mais fácil. Fleury & Fleury (2000Fleury, A., & Fleury, M. T. L. (2000). Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas., p. 26) definem a negociação como:

Ter capacidade de discutir, estimular e influenciar positivamente outras pessoas a colaborarem, efetivamente, para atingir os objetivos organizacionais, conduzir processos para obtenção de consenso, objetivando resultados satisfatórios para as partes envolvidas e, principalmente, para a organização, em situações externas e internas, argumentar coerentemente, de forma a persuadir as pessoas na venda de ideias, e aceitar pontos diversos dos seus (Fleury & Fleury, 2000Fleury, A., & Fleury, M. T. L. (2000). Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas., p. 26).

Em ambos os casos, a competência definida como “IX - atuar em equipes multidisciplinares”, presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais, contempla a possibilidade de desenvolvimento do relacionamento interpessoal e da capacidade de negociação, que serão elementos importantes para a atuação em equipe.

Conhecimentos específicos da empresa, incluindo o conhecimento de equipamento, processos, situação no mercado e suas limitações, por exemplo, são também um elemento com recorrentes citações entre os entrevistados e se referem ao conhecimento adquirido, em geral, em situação de trabalho ou treinamentos internos. Observe-se que esses conhecimentos estão vinculados diretamente à empresa ou à área específica de atuação em que o profissional se encontra. De acordo com Fleury e Fleury (20002), trata-se de uma competência técnica, semelhante ao conhecimento técnico, citado anteriormente, inclusive na sua forma de aplicação, consistindo na mobilização desse conhecimento para possibilitar o saber agir em uma dada situação prática. Fleury & Fleury (2000Fleury, A., & Fleury, M. T. L. (2000). Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas., p. 25) apresentam, como definição de “conhecimentos específicos”:

Deter informações e conhecimentos técnicos relativos a sua área; utilizá-los e atualizá-los constantemente, visando ao cumprimento de atividades, resolução de problemas ou desenvolvimento de projetos/produtos. Disponibilizar os novos conhecimentos desenvolvidos interna ou externamente, garantido sua circulação.

Por se tratar de conhecimento específico da empresa, talvez se possa justificar que não ocorra grande desenvolvimento no ambiente acadêmico. Nesse aspecto, itens relacionados nas Diretrizes Curriculares Nacionais, como analisar e supervisionar sistemas, são desenvolvidos durante a graduação, com base nos conhecimentos teóricos dos processos mais comumente utilizados e não nas peculiaridades de cada empresa. Os relatos abaixo destacam a necessidade de conhecimentos específicos para a atuação profissional, inclusive em relação à inexistência de treinamento externo para tal.

Eng13, Emp4: O profissional precisa ter um bom conhecimento dos processos com os quais vai trabalhar. Não existe treinamento externo para essa demanda. É tudo feito por pessoas da empresa, pois é uma coisa bem específica mesmo (grifo nosso).

Eng7, Emp3: No meu cargo, tem que conhecer de metalurgia em si [...]. De processos. Tem que conhecer processos; conhecer da empresa, das limitações internas, de controle integrado de produto.

Dentro dessa perspectiva, também é necessário que o profissional desenvolva o conhecimento a respeito da empresa, não somente sobre os processos da empresa, mas também sobre sua posição no mercado, seu plano estratégico, seus objetivos, bem como a situação econômica na qual está inserida. Fleury & Fleury (2000Fleury, A., & Fleury, M. T. L. (2000). Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas., p. 45) destacam que:

A perspectiva da estratégia competitiva privilegia o entendimento da relação empresa-indústria. Ou seja, o nível básico de análise é uma indústria, setor ou segmento produtivo, e a estratégia da empresa é estabelecida com base no conhecimento de suas características, sua dinâmica, suas tendências.

Tal necessidade é corroborada pelo depoimento do Eng3, Emp1:

Conhecimento do meio que estou trabalhando, é necessário saber o que está acontecendo no meio siderúrgico porque isso auxilia na tomada de decisões, na parte técnica, na gestão, orientando o melhor caminho. Temos de ter essas visões.

Essa observação também diz respeito à percepção do próprio trabalho no contexto da empresa e à noção de “visão estratégica”, que Fleury & Fleury (2000Fleury, A., & Fleury, M. T. L. (2000). Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas., p. 22) definem como “[...] conhecer e entender o negócio da organização, seu ambiente, identificando oportunidades, alternativas”, ou seja, a importância do seu trabalho e da atuação da empresa, de forma geral.

Outro item relatado, que dificilmente pode ser desenvolvido durante a formação do aluno, no contexto atual, é a “experiência na área de engenharia”. A experiência em engenharia ressalta o caráter da possibilidade de desenvolver competências pelo número/quantidade de experiências singulares em que o profissional pode atuar. Nesse aspecto, Le Boterf (2006)Le Boterf, G. (2006). Avaliar a competência de um profissional: três dimensões a explorar. Reflexão RH, 60-63. Recuperado em 24 de janeiro de 2014, de http://www.guy leboterf-conseil.com/Article%20evaluation%20version%20directe%2 0Pessoal.pdf
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ressalta a necessidade de reflexão do indivíduo sobre a situação pela qual passou para que seu desenvolvimento efetivamente ocorra. De maneira semelhante, Zarifian (2012)Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas. indica que se defrontar com um número de acontecimentos singulares propicia o desenvolvimento da competência do indivíduo, desde que ele saiba aproveitar tais situações.

O Eng4, Emp2 relata que o exercício profissional não depende só da formação: “Ela tem de vir acompanhada da experiência profissional”. Contudo, observa-se que a expectativa é que a experiência profissional seja desenvolvida durante a vida profissional do indivíduo e, dessa forma, era de se esperar que não constasse das Diretrizes Curriculares Nacionais, ainda que o aluno deva realizar o estágio obrigatório durante o curso. Tal estágio é, em geral, de curta duração, o que permite um primeiro contato com o ambiente empresarial, mas não tem o intuito de dotar o aluno de grande experiência na área.

No aspecto da comunicação, para a atuação dos profissionais da engenharia, foi destacada a importância de também estar apto a comunicar-se em inglês. Com a globalização da economia e das empresas, que, não raramente, têm negócios em vários países, a comunicação torna-se um elemento-chave na atuação profissional, e a língua inglesa, em especial, tem destaque na realização da comunicação internacional. Fleury & Fleury (2001Fleury, M. T. L., & Fleury, A. (2001). Construindo o conceito de competência. Revista de Administração Contemporânea, 5(esp), 183-196. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552001000500010.
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, p. 187, grifo nosso) destacam a necessidade de se comunicar apresentando a competência como “[...] o conjunto de aprendizagens sociais e comunicacionais nutridas a montante pela aprendizagem e formação e a jusante pelo sistema de avaliações”.

Verifica-se que o “aprendizado de uma segunda língua” não é apresentado como foco durante a graduação dos alunos, uma vez que não faz parte das Diretrizes Curriculares ou da grade curricular das IES; contudo, o relato dos profissionais ratifica a importância do desenvolvimento do inglês como um segundo idioma.

Entretanto, esclarece-se que o ensino da segunda língua, atualmente, é previsto como obrigação da educação básica, em especial no Ensino Médio, conforme determinado pelo PCN do Ensino Médio do MEC. Nesse ponto, parece que a deficiência na Educação Básica reflete uma carência na vida profissional do indivíduo.

A capacidade de “ouvir”, também citada pelos entrevistados, é um item relacionado ao saber comunicar-se. Saber comunicar-se requer que você ouça e compreenda o que outro necessita ou a mensagem que está sendo repassada. Ao comunicar-se, o saber ouvir é tão importante quanto o saber se expressar, falar, escrever, conforme relata o Eng7, Emp3: “[...] esse profissional tem que saber ouvir. Tem que persuadir as pessoas; ele não deve se impor”.

Sob esse aspecto, considera-se que o ouvir, assim como o saber comunicar-se, está contemplado nas Diretrizes Curriculares no item VIII - comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica;

Atualmente, também é crescente a delimitação de projetos para cumprir determinado objetivo ou estratégia da empresa. Em geral, por se tratar de objetivo importante da empresa, o profissional envolvido na demanda deve realizar o planejamento e gerenciamento do projeto, o que resulta em um processo com a participação de outras áreas e pessoas. Assim, esse item remete a outros, como o conhecimento técnico e específico, o relacionamento interpessoal, associado ao controle de prazo e custos em uma organização. O Eng2, Emp1 apresenta, de forma objetiva, como se dá a gestão de um projeto

Basicamente, para um projeto ser bem sucedido, ele tem de ser concluído dentro do prazo, dentro do custo estabelecido e com qualidade. Um gestor de projetos é responsável pela comprovação dessas três técnicas, ao mesmo tempo. Ele tem de avaliar o desempenho da empresa. Verificar se tudo foi contratado e está sendo executado dentro do previsto. Verificar se estão seguindo atividades não previstas e se estas implicam em custos extras. Verificar se o projeto está sendo executado a contento, dentro do nível de produtividade esperado pela empresa. O gestor de projetos é responsável pelo controle para que nenhuma dessas três vertentes saia do equilíbrio.

Pela exposição acima, verifica-se que a “gestão de projetos” engloba também diversas competências propostas nas Diretrizes Curriculares, a saber: III - conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos; IV - planejar, supervisionar, elaborar e coordenar projetos e serviços de engenharia; XI - avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental; XII - avaliar a viabilidade econômica de projetos de engenharia.

Contudo, os entrevistados relatam uma carência, em seu aprendizado, da gestão de projetos ou elementos associados, como se verifica no depoimento abaixo:

Eng14, Emp5: A universidade poderia desenvolver disciplinas principalmente na área de gestão de projetos. [...] É exigido do engenheiro gestor uma análise de risco, um estudo de viabilidade, enfim, um planejamento inicial para que a execução aconteça.

Nesse aspecto, pode se levantar, como hipótese, o fato de as Instituições de Ensino Superior não estarem desenvolvendo todas as competências previstas nas Diretrizes Curriculares ou podem realizar de forma descontextualizada, dificultando, para o aluno, utilizá-las de forma concomitante e prática, durante a vida profissional.

Quanto à “liderança”, observa-se que tem um conceito polissêmico. No presente contexto, pode ser interpretada como uma característica do indivíduo, que influencia o grupo em que está inserido de forma a conduzi-lo ao alcance dos resultados almejados; porém, outros conceitos podem ser utilizados. Para Maximiniano, citado por Merighi et al. (2013Merighi, C. C., Lima, T. B., Albuquerque, F. B., & Ormedo, R. (2013). Estudos do comportamento da liderança na Cooperativa de Crédito Rural Centro Norte do Mato Grosso do Sul, unidade Chapadão do Sul, como fator de desenvolvimento local. Interações, 14(2), 165-176. Recuperado em 23 de março de 2014, de http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_ arttext&pid=S1518-70122013000200003&lng=en&nrm=iso
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, p. 167), a liderança é definida como “o processo de conduzir e influenciar as ações para a realização dos objetivos estipulados pelas organizações”. Observa-se que, no que se refere à gestão de pessoas, o indivíduo também influencia o grupo para o alcance de resultados:

Eng7, Emp3: A gente precisa das pessoas. A partir do momento que você consegue acreditar no seu trabalho, a equipe consegue ver os resultados acontecendo. É habilidade de liderança. De conseguir ao interagir com outras áreas; de conduzir para a solução minha, mas para a empresa.

Assim como a Gestão de Pessoas, não há item específico nas Diretrizes Curriculares que foque o desenvolvimento de liderança no profissional. Contudo, o tema “liderança” é complexo, composto por várias concepções e vertentes, o que exige um aprofundamento sobre o item, a fim de verificar como se dá sua necessidade no profissional de engenharia.

“Solucionar problemas” é um dos pontos-chave da competência. Há situações singulares com as quais o indivíduo se depara e que exigem sua tomada de iniciativa. A mobilização dos conhecimentos para enfrentar acontecimentos singulares, explicitados por Zarifian (2012)Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., pode ser expressa como a capacidade de solucionar problemas. E, à medida que o profissional se depara com mais acontecimentos singulares, maior se torna sua experiência e, consequentemente, a sua possibilidade de antever problemas, ou seja, solucionar problemas e antever problemas são dois itens relacionados, e, quanto maior o desenvolvimento da competência do indivíduo, maiores são as possibilidades de ele se mostrar capaz de solucionar ou antecipar-se aos problemas com os quais se depara.

Eng1, Emp1: É importante que o funcionário saiba lidar com prazo, que saiba negociar, porque todos os dias nós estamos em negociação com os fornecedores, que saiba analisar criticamente a situação do projeto, que anteveja problemas futuros.

A solução de problemas é uma competência prevista no item V - identificar, formular e resolver problemas de engenharia; porém, pode-se considerá-la também com um objetivo das demais competências e habilidades listadas pelos entrevistados e pelas Diretrizes Curriculares, uma vez que boa parte da atuação dos engenheiros, verificada nas entrevistas, relaciona-se, de alguma forma, com a solução de problemas ou a sua antecipação, como resolver conflitos, gerir os projetos de forma a evitarem-se os erros ou falhas (problemas), gerir a equipe (solucionando impasses, conflitos pessoais), etc.

Em relação à “produtividade”, citada pelos entrevistados, esta pode ser caracterizada como o resultado que se espera do profissional. Do ponto de vista da concepção americana, a produtividade (desempenho) superior pode ser considerada como o indicativo de competência do profissional, como destaca Boyatzis (1982)Boyatzis, R. E. (1982). The competent manager. New York: John Wiley & Sons. Recuperado em 20 de janeiro de 2014, de http://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=uc1.b4906221;view=1up;seq=57
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, ou como a agregação de valor econômico, segundo a ótica de Fleury & Fleury (2000)Fleury, A., & Fleury, M. T. L. (2000). Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas., para a definição de competência.

Nesse contexto, a produtividade está relacionada aos objetivos alcançados pela atuação do indivíduo de forma competente e, dessa forma, era de se esperar que não constasse como uma competência específica a ser listada nas Diretrizes Curriculares, como, de fato, não consta.

A capacidade de “tomar decisão”, também indicada nas entrevistas, é outro aspecto essencial da competência:

Entrevistador: Além das competências técnicas, quais são as outras habilidades, outros conhecimentos que um engenheiro precisa para desenvolver bem o seu trabalho?

Eng3, Emp1: Habilidade de tomar decisão.

Le Boterf (2003)Le Boterf, G. (2003). Desenvolvendo a competência dos profissionais. São Paulo: Artmed. assinala que o indivíduo deve saber tomar decisão, escolher a melhor forma de agir dentro do contexto que lhe é apresentado. Entre as várias possibilidades a serem seguidas, o indivíduo toma a decisão julgando adotar aquela que seja mais adequada. Para Zarifian (2012)Zarifian, P. (2012). Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas., a tomada de decisão é consequência da autonomia e da responsabilidade delegadas ao indivíduo, no modelo de competência.

Embora não apareça de forma explícita o termo “tomar decisão” nas Diretrizes Curriculares, a sua necessidade de desenvolvimento está implícita nos demais itens; aliás, “tomar decisão” é elemento fundamental para que o profissional possa desenvolver as demais competências relacionadas nas Diretrizes Curriculares. Elementos, como resolver problemas, projetar, conceber, supervisionar e coordenar, presentes nas Diretrizes Curriculares, exigem a tomada de decisão por parte do indivíduo.

A seguir, o Quadro 3, que apresenta a comparação entre o previsto nas Diretrizes Curriculares e as correspondências entre as competências indicadas pelos engenheiros, durante as entrevistas.

Quadro 3
Competências definidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais e aquelas elencadas pelos engenheiros entrevistados.

De forma geral, observa-se que as Diretrizes Curriculares Nacionais abrangem uma ampla parte da necessidade dos engenheiros contemporâneos, no que se refere às competências a serem desenvolvidas, o que reforça o avanço obtido em relação à legislação de 1976. Necessidades profissionais frequentemente elencadas pelos engenheiros como, por exemplo, conhecimento técnico, gestão de projetos e relacionamento interpessoal, estão contempladas na legislação vigente.

Ressalta-se, ainda, que há uma série de competências relacionadas pelos entrevistados de caráter não técnico e julgadas essenciais na atuação do engenheiro contemporâneo, o que reforça as pesquisas realizadas anteriormente por Ferreira (1999)Ferreira, R. S. (1999). Tendências curriculares na formação do engenheiro do Ano 2000. In I. Von Linsingen (Ed.), Formação do engenheiro: desafios da atuação docente, tendências curriculares e questões da organização tecnológica. Florianópolis: EDUFSC., Salum (1999)Salum, M. J. G. (1999). Os currículos de Engenharia no Brasil: estágio atual e tendências. In I. Von Linsingen (Ed.), Formação do engenheiro: desafios da atuação docente, tendências curriculares e questões da organização tecnológica. Florianópolis: EDUFSC. e Nose & Rebelatto (2001)Nose, M. M., & Rebelatto, D. A. N. (2001). O perfil do engenheiro segundo as empresas. In Anais do COBENGE. Brasília: ABENGE. Recuperado em 1 de fevereiro de 2013, de www.abenge.org.br/CobengeAnteriores/ 2001/trabalhos/DTC007.pdf, indicando que o engenheiro atualmente não deve dispor somente de grande conhecimento técnico para sua atuação, mas sim conjugá-lo com competências não técnicas.

Dessa forma, observa-se que as competências listadas pelos entrevistados podem ser divididas em três blocos principais, a saber: i) competências a serem desenvolvidas durante a graduação, conforme previsto nas Diretrizes Curriculares; ii) competências identificadas como requeridas, porém que não constam das Diretrizes Curriculares, e iii) competências a serem desenvolvidas durante a vida profissional do indivíduo.

Em relação ao primeiro ponto, destaca-se a gestão de projetos, pois, embora as Diretrizes Curriculares apresentem os itens III, IV, XI e XII, que possibilitam o desenvolvimento dessa competência pelo futuro engenheiro durante a graduação, deve-se considerar a definição de gestão de projetos apresentada pelos entrevistados. As entrevistas evidenciam a grande carência desse quesito na formação dos engenheiros participantes da pesquisa.

No que se refere ao conhecimento técnico, os entrevistados afirmam ser este quesito bem desenvolvido nas Instituições de maior prestígio; contudo, alertam para a quantidade de instituições que vêm sendo abertas sem o mesmo adequado padrão de qualidade.

Em relação ao segundo ponto, destaca-se a gestão de pessoas, indicada pelos entrevistados como essencial para a atuação do engenheiro contemporâneo; porém, a gestão de pessoas não está relacionada nas Diretrizes Curriculares Nacionais como uma competência a ser desenvolvida durante a graduação.

No terceiro bloco, estão as competências listadas pelos engenheiros como necessárias, porém que serão desenvolvidas ao longo da vida profissional, como, por exemplo, a experiência profissional e conhecimentos específicos da empresa. Observa-se, inclusive, que há o reconhecimento dos profissionais em relação à impossibilidade de desenvolvimento de certas competências em ambiente externo, em função das especificidades a que se está sujeito em determinados itens.

5 Considerações finais

Verifica-se que a noção de competência tem ganhado espaço constantemente no mundo do trabalho e no âmbito acadêmico, gerando alterações na formação e no modo de atuação dos engenheiros. Considerando-se as novas formas de organização do trabalho, com o modelo de competência sendo adotado em menor ou maior grau de abrangência, aliadas à mobilidade profissional acelerada e facilitada pela globalização, as Instituições de Ensino Superior vêm sendo pressionadas a adotar e desenvolver competências em seus alunos, de maneira a manter a sintonia com a sociedade e com o mundo do trabalho, a fim de possibilitar o ingresso e o desenvolvimento dos seus egressos no novo cenário mundial.

No caso do Brasil, as modificações no sistema educacional decorreram das alterações da legislação que definem diretrizes para os currículos, realizadas pelo Ministério da Educação, e precedidas de consulta às IES. Observa-se que as novas diretrizes curriculares apresentam avanços importantes, com a inclusão de competências não técnicas a serem desenvolvidas durante a graduação, além, claro, das competências técnicas.

Ressalta-se que as modificações das Diretrizes Curriculares de 2002, em relação às estabelecidas em 1976, trouxeram avanços na formação dos engenheiros brasileiros, de forma a possibilitar que a sua formação seja realizada em sintonia com as mudanças da sociedade. Entretanto, deve ser observado que a necessidade de melhorias e adequações será constante no novo cenário político e econômico delineado atualmente, e que estudos para definirem qual direção tomar serão cada vez mais requisitados. A título de exemplo, pode-se verificar que as pesquisas realizadas no final da década de 1990, por Salum (1999)Salum, M. J. G. (1999). Os currículos de Engenharia no Brasil: estágio atual e tendências. In I. Von Linsingen (Ed.), Formação do engenheiro: desafios da atuação docente, tendências curriculares e questões da organização tecnológica. Florianópolis: EDUFSC. e Ferreira (1999)Ferreira, R. S. (1999). Tendências curriculares na formação do engenheiro do Ano 2000. In I. Von Linsingen (Ed.), Formação do engenheiro: desafios da atuação docente, tendências curriculares e questões da organização tecnológica. Florianópolis: EDUFSC., não indicavam de forma tão explícita a necessidade de desenvolvimento de competências relacionadas à gestão de pessoas/projetos, na forma em que foi verificada tal necessidade, no presente estudo.

De forma geral, observou-se que 11 das 14 competências definidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais foram citadas ou estão diretamente relacionadas com as que foram mencionadas, pelos entrevistados, como essenciais na atuação do engenheiro contemporâneo.

Contudo, o estudo demonstrou uma deficiência no desenvolvimento das competências não técnicas durante a graduação, a exemplo da carência de competências relacionadas à gestão de pessoas, considerada, atualmente, pelos entrevistados, como um elemento-chave na atuação do engenheiro. Observou-se, também, que as competências técnicas vêm sendo mais bem desenvolvidas, o que pode ser resultado do longo período de orientação tecnicista dos cursos de engenharia no Brasil, aliado ao amplo conhecimento técnico dos docentes da área.

Verifica-se, ainda, a necessidade de adequação das instituições de ensino, de forma a possibilitar o desenvolvimento das competências definidas nas Diretrizes Curriculares e também apontadas como essenciais pelos entrevistados, porém, com deficiência no enfoque acadêmico durante a graduação.

É importante, no entanto, salientar que foram citadas competências que não são abordadas nas Diretrizes Curriculares, o que pode indicar a necessidade de adequações futuras, em especial, no que se refere à gestão de pessoas, pela recorrência, nas citações, como necessidade no âmbito profissional e como carência nos currículos de graduação.

  • Suporte financeiro: Nenhum.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2017
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2015
  • Aceito
    24 Dez 2015
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