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Gestão de suprimentos e oportunidades de melhoria: estudo de caso em uma empresa fabricante de equipamentos médico-odontológicos

Resumos

Resumo

A gestão de suprimentos é reconhecida como uma área que tem impacto significativo no sucesso da empresa, pois operações de suprimentos bem gerenciadas podem contribuir significativamente para a geração de lucros. Este trabalho tem como objetivo analisar a gestão de suprimentos de uma empresa que fabrica equipamentos médico-odontológicos e propor, com base na literatura, possíveis melhorias em suas políticas e práticas de gestão. Para atingir esse objetivo, realizou-se um estudo de caso em uma grande empresa do setor, utilizando entrevistas, análise de documentos e observação direta para coleta de dados. A comparação das práticas da empresa com a literatura de gestão de suprimentos considerada neste trabalho permitiu a proposição de uma nova maneira de segmentar os fornecedores da empresa que pode orientar a formulação de políticas e práticas específicas e adequadas a cada segmento.

Palavras-chave:
Gestão de suprimentos; Indústria de equipamentos médico-odontológicos; Propostas de melhoria


Abstract

Supply management is recognized as an area of importance to a company’s success, as well-managed supply operations can significantly contribute to the generation of profits. This article aims to analyze the supply management of a medical-dental equipment manufacturing company, and to propose, based on the literature, possible improvements in its management policies and practices. To achieve this goal, we performed a case study at a large company of the sector, using interviews, document analysis, and direct observation for data collection. The comparison of the company’s practices with those found in the literature substantiated the proposal of a new way of segmenting the company’s suppliers, in order to guide the formulation of policies and practices specific and appropriate to each segment.

Keywords:
Supply management; Medical-dental equipment industry; Improvement proposals


1 Introdução

A área de gestão de suprimentos e de compras tem sido reconhecida, já há algum tempo, como um recurso competitivo importante, pois materiais diretos e serviços representam cerca de 60% dos custos totais em uma empresa de manufatura ( Baily et al., 2000 Baily, P., Farmes, D., Jessop, D., & Jones, D. (2000). Compras: princípios e administração. São Paulo: Atlas. ; Krause et al., 2001 Krause, D. R., Pagell, M., & Curkovic, S. (2001). Towards a measure of competitive priorities for purchasing. Journal of Operations Management, 19(4), 497-512. http://dx.doi.org/10.1016/S0272-6963(01)00047-X.
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). Por esse motivo, a função compras vem exercendo papel central na estratégia de operações da empresa ( Krause et al., 2001 Krause, D. R., Pagell, M., & Curkovic, S. (2001). Towards a measure of competitive priorities for purchasing. Journal of Operations Management, 19(4), 497-512. http://dx.doi.org/10.1016/S0272-6963(01)00047-X.
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; Prahinski & Benton, 2004 Prahinski, C., & Benton, W. (2004). Supplier evaluations: communication strategies to improve supplier performance. Journal of Operations Management, 22(1), 39-62. http://dx.doi.org/10.1016/j.jom.2003.12.005.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jom.2003.12...
; Yang et al., 2013 Yang, C.-L., Lin, R.-J., Krumwiede, D., Stickel, E., & Sheu, C. (2013). Efficacy of purchasing activities and strategic involvement: an international comparison. International Journal of Operations & Production Management, 33(1), 49-68. http://dx.doi.org/10.1108/01443571311288048.
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; Rebolledo & Jobin, 2013 Rebolledo, C., & Jobin, M. H. (2013). Manufacturing and supply alignment: Are different manufacturing strategies linked to different purchasing practices? International Journal of Production Economics, 146(1), 219-226. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijpe.2013.06.027.
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), contribuindo para a redução de custos operacionais e de transação e para o aumento das margens de lucro finais.

Pode-se admitir, então, que práticas eficazes e eficientes na gestão de suprimentos, que impliquem redução de custos, melhoria de qualidade e maior agilidade nas entregas, podem trazer benefícios significativos para as empresas. Segundo Slack et al. (2002) Slack, N., Chambers, S., & Johnston, R. (2002). Administração da produção (2a ed.). São Paulo: Atlas. , tais benefícios incluem a aquisição de produtos e de serviços na qualidade certa, a entrega no momento certo, na quantidade e no preço corretos. Hartmann et al. (2012) Hartmann, E., Kerkfeld, D., & Henke, M. (2012). Top and bottom line relevance of purchasing and supply management. Journal of Purchasing and Supply Management, 18(1), 22-34. http://dx.doi.org/10.1016/j.pursup.2011.12.001.
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, em uma pesquisa survey envolvendo 306 empresas de oito setores industriais, indicam que a implementação de práticas avançadas na área denominada Compras e Gestão de Suprimentos (CGS) contribuiu para a melhoria de resultados da própria área e, indiretamente, para o sucesso das empresas.

De acordo com Spina et al. (2013) Spina, G., Caniato, F., Luzzini, D., & Ronchi, S. (2013). Past, present and future trends of purchasing and supply management: an extensive literature review. Industrial Marketing Management, 42(8), 1202-1212. http://dx.doi.org/10.1016/j.indmarman.2013.04.001.
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, há poucas dúvidas em relação ao aumento da relevância da área de CGS em empresas de vários setores, incluindo manufatura e serviços. A intensificação da terceirização, da globalização e do comércio eletrônico tem gerado rápidas mudanças nos ambientes externos e internos das organizações, colocando o profissional da área diante de novos desafios e tornando a função mais estratégica e complexa. A CGS é importante na indústria em geral e, também, em particular, na indústria médico-odontológica.

No Brasil, esta indústria, embora constitua um segmento produtivo importante, tem sido pouco estudada, diferentemente de outros segmentos industriais como o automotivo e o de linha branca, por exemplo, que já tiveram algumas de suas cadeias de suprimentos analisadas ( Martins, 1999 Martins, M. F. (1999). Análise da função suprimentos nas empresas de manufatura: o caso das empresas da indústria de linha branca (Tese de doutorado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. ; Salerno et al., 2003 Salerno, M. S., Marx, R., & Zilbovicius, M. (2003). A nova configuração da cadeia de fornecimento na indústria automobilística no Brasil. Revista de Administração da Universidade de São Paulo , 38(3), 192-204. ; Di Serio et al., 2007 Di Serio, L. C., Sampaio, M., & Pereira, S. C. F. (2007). A evolução dos conceitos de logística: um estudo na cadeia automobilística no Brasil. Revista de Administração e Inovação, 4(1), 125-141. http://dx.doi.org/10.5585/rai.v4i1.73.
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; Calife et al., 2010 Calife, N. F. S., Nogueira, E., & Alves, A. G., Fo. (2010). Empresas do setor de linha branca e suas estratégias competitivas e de produção. Produção Online, 10(2), 274-296. http://dx.doi.org/10.14488/1676-1901.v10i2.293.
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; Cerra et al., 2014 Cerra, A. L., Maia, J. L., Alves, A. G., Fo., & Nogueira, E. (2014). Cadeias de suprimentos de montadoras dos setores automotivo e de linha branca: uma análise comparativa por meio de estudos de caso. Gestão & Produção , 21(3), 635-647. http://dx.doi.org/10.1590/0104-530X193/12.
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). A indústria médico-odontológica no Brasil apresenta características que a diferenciam em alguns aspectos do restante do parque produtor de bens, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios ( ABIMO, 2014 Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios – ABIMO. (2014). Dados econômicos. São Paulo: ABIMO. Recuperado em 5 de maio de 2014, de http://www.abimo.org.br
http://www.abimo.org.br ...
). Dentre os aspectos que a caracterizam, pode-se destacar:

  • o mercado brasileiro é dominado por empresas com capital de origem nacional, representando cerca de 65% do mercado;

  • a produção da indústria é suficiente para atendimento de 80% do mercado nacional;

  • a indústria possui, como seu principal público-alvo, um segmento específico, os cirurgiões-dentistas, público este estimado em 200.000 profissionais no Brasil.

Neste trabalho, procura-se analisar a gestão de suprimentos de uma empresa fabricante de equipamentos médico-odontológicos com o intuito de propor, com base na literatura, eventuais melhorias em suas políticas e práticas de gestão.

O presente trabalho está estruturado em 5 seções. Na seção 2, faz-se uma revisão de literatura sobre alguns dos principais conceitos e práticas da gestão de suprimentos. Em seguida, na seção 3, apresenta-se o método de pesquisa utilizado neste trabalho. Na seção 4, são então descritas e analisadas as práticas de gestão de suprimentos que vêm sendo adotadas por uma montadora de equipamentos médico-odontológicos, incluindo a caracterização das atividades realizadas para a gestão de relacionamentos com fornecedores. Em seguida, são apresentadas e justificadas algumas propostas de melhorias para as práticas atualmente adotadas pela empresa. Finalmente, nas considerações finais, são sumarizadas as principais conclusões deste trabalho, destacando-se também algumas limitações da pesquisa e proposições de possíveis estudos futuros.

2 Gestão de suprimentos

O processo de aquisição de bens e de serviços em empresas de manufatura é considerado importante por diversas razões – como ficará claro à frente –, mas seu papel na redução dos custos totais da empresa deve ser inicialmente destacado. De acordo com a pesquisa realizada por Lambert (2008) Lambert, D. M. (2008). Supply Chain Management: processes, partnerships, performance (3rd ed.). Florida: Supply Chain Management Institute. , o custo de materiais representa aproximadamente 53% das vendas, considerando todos os tipos de empresas de manufatura nos Estados Unidos. Assim, qualquer melhoria promovida no processo de aquisição pode implicar significativa redução de custo.

De acordo com Baily et al. (2000) Baily, P., Farmes, D., Jessop, D., & Jones, D. (2000). Compras: princípios e administração. São Paulo: Atlas. , a área de compras passou por um processo de evolução em que deixou o papel de simplesmente converter requisições em suprimentos para alcançar uma posição estratégica na empresa que envolve o desenvolvimento de parcerias e alianças com fornecedores, a melhoria do perfil e da preparação técnica da base de fornecedores e, ainda, uma série de possíveis melhorias na cadeia de suprimentos. Nesse processo, muitas empresas alteraram a denominação da função “Compras” para “Gestão de Suprimentos”.

2.1 Atividades da função gestão de suprimentos

Nesse cenário, com suas atividades ampliadas e valorizadas, a gestão de suprimentos passa a lidar com a interface entre a operação (produção) e seus mercados de suprimentos ( Slack et al., 2009 Slack, N., Chambers, S., & Johnston, R. (2009). Administração da produção (3a ed.). São Paulo: Atlas. ). Ballou (2006) Ballou, R. H. (2006). Gerenciamento da cadeia de suprimentos/ logística empresarial (5a ed.). Porto Alegre: Bookman. indica que as atividades associadas a suprimentos incluem: selecionar e qualificar os fornecedores; avaliar o desempenho de fornecedores; negociar contratos; comparar preços, qualidade e serviços; pesquisar bens e serviços; programar as compras; estabelecer os termos das vendas; avaliar o valor recebido; mensurar a qualidade recebida (quando esta não estiver incluída entre as responsabilidades do controle de qualidade); prever mudanças de preços, serviços e, às vezes, da demanda; e especificar a forma em que os produtos devem ser recebidos. Esse conjunto de atividades evidencia a importância da área de gestão de suprimentos para o bom desempenho das operações (produção) e da organização como um todo.

No mesmo sentido, para Watts et al. (1995) Watts, C. A., Kim, K. Y., & Hahn, C. K. (1995). Linking purchasing to corporate competitive strategy. International Journal of Purchasing and Materials Management , 31(1), 2-8. http://dx.doi.org/10.1111/j.1745-493X.1995.tb00197.x.
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, como o papel central da área de compras (suprimentos) é apoiar as atividades de produção e operação com um fluxo ininterrupto de materiais e serviços, as estratégias de compras e produção devem ser consistentes entre si e capazes de contribuir para a estratégia competitiva da organização.

Skinner (1969) Skinner, W. (1969). Manufacturing – missing link in corporate strategy. Harvard Business Review, 47(3), 136-145. , em seu trabalho pioneiro sobre estratégia de produção, destaca que o sistema de produção de uma empresa deve ser projetado para realizar as tarefas demandadas pelo plano estratégico. Dessa forma, a articulação entre as estratégias competitiva e de produção é realizada pelo estabelecimento de prioridades competitivas ou objetivos de produção.

Uma vez que as funções CGS e produção devem ser consistentes e devem apoiar a estratégia competitiva da empresa, a área de suprimentos deve também estar orientada pelas prioridades competitivas estabelecidas. Krause et al. (2001) Krause, D. R., Pagell, M., & Curkovic, S. (2001). Towards a measure of competitive priorities for purchasing. Journal of Operations Management, 19(4), 497-512. http://dx.doi.org/10.1016/S0272-6963(01)00047-X.
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propõem uma forma de avaliar as prioridades competitivas para a área de compras. A proposição é fundamentada na relevância estratégica da função compras e na importância das tarefas de seleção e retenção de fornecedores. A operacionalização dessa avaliação, segundo os autores, pode ser realizada pela mensuração das prioridades qualidade, entrega, custos e inovação da seguinte forma:

  • Qualidade - é mensurada em termos da capacidade dos fornecedores em fornecer insumos com confiabilidade, duráveis e que estão em conformidade com especificações da empresa compradora;

  • Entrega - pode ser medida a partir das seguintes dimensões: capacidade do fornecedor em atender a uma ordem (pedido), rapidez do fornecedor nas entregas, tempo necessário para desenvolver uma peça nova, capacidade de atuar em um sistema JIT (Just in Time), capacidade de entregar nas datas e locais previstos;

  • Custo - avalia-se com base no custo total, na habilidade e disposição do fornecedor em compartilhar dados de custo;

  • Flexibilidade - pode ser medida a partir da capacidade e da disposição do fornecedor de realizar modificações no volume e na variedade dos itens constantes nos pedidos;

  • Inovação - avalia o nível de capacidade tecnológica do fornecedor, sua disposição em compartilhar informações tecnológicas, sua capacidade de desenvolver novos produtos e, também, de promover modificações nos existentes.

Mensuradas as prioridades ou os objetivos, com base em valores de melhoria estabelecidos e prazos definidos, se a equipe de CGS conseguir alcançá-los, a relevância da área para o negócio como um todo ficará evidenciada.

Além de orientar suas atividades para o atingimento de objetivos estratégicos, a escolha adequada de estruturas de governança na relação com fornecedores é de suma importância para o desempenho da área de suprimentos.

2.2 Estruturas de governança na gestão de suprimentos

Segundo Gereffi et al. (2005) Gereffi, G., Humphrey, J., & Sturgeon, T. J. (2005). The governance of global value chains. Review of International Political Economy, 12(1), 78-104. http://dx.doi.org/10.1080/09692290500049805.
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, uma teoria de governança da cadeia de valor pode ser construída com base em três fatores:

  1. a

    A complexidade da informação e da transferência de conhecimento para manter uma transação específica, particularmente com respeito a especificações de produto e de processo;

  2. b

    A extensão em que essa informação e esse conhecimento podem ser codificados e posteriormente transmitidos eficientemente, sem investimentos específicos de transação entre as partes envolvidas; e

  3. c

    As capacidades dos atuais e potenciais fornecedores em relação aos requisitos para realizar a transação.

Ainda segundo Gereffi et al. (2005) Gereffi, G., Humphrey, J., & Sturgeon, T. J. (2005). The governance of global value chains. Review of International Political Economy, 12(1), 78-104. http://dx.doi.org/10.1080/09692290500049805.
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, os três fatores combinados, cada um classificado apenas como alto ou baixo, definem os cinco tipos de estrutura de governança apresentados na Tabela 1 . Três dentre as possíveis combinações foram descartadas pelos autores por serem praticamente inviáveis.

Tabela 1
Principais determinantes da governança da cadeia de valor global.

Na governança de “mercado”, as transações são facilmente codificadas, as especificações do produto são simples e os fornecedores têm capacidade de produzir os produtos, sem a participação dos compradores, e de estabelecer especificações e preços. “Como a complexidade da informação trocada é relativamente baixa, as transações podem ser governadas com pouca coordenação explícita […]” ( Gereffi et al., 2005 Gereffi, G., Humphrey, J., & Sturgeon, T. J. (2005). The governance of global value chains. Review of International Political Economy, 12(1), 78-104. http://dx.doi.org/10.1080/09692290500049805.
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, p. 86).

O tipo “modular” pode ocorrer quando a capacidade de codificar especificações se estende a produtos complexos. Isso pode acontecer quando a arquitetura do produto é modular e são poucas as variações dos componentes.

Devido à codificação, informações complexas podem ser trocadas com pouca coordenação explícita, e assim, como na troca de mercado simples, o custo de mudar para novos parceiros permanece baixo ( Gereffi et al., 2005 Gereffi, G., Humphrey, J., & Sturgeon, T. J. (2005). The governance of global value chains. Review of International Political Economy, 12(1), 78-104. http://dx.doi.org/10.1080/09692290500049805.
http://dx.doi.org/10.1080/0969229050004...
, p. 86).

Quando as especificações do produto não podem ser codificadas, as transações são complexas e as capacidades dos fornecedores são altas, a governança do tipo “relacional” é a mais apropriada. A troca de informações complexas e tácitas tende a ocorrer por meio de interações pessoais entre compradores e fornecedores e a ser regida por elevados níveis de coordenação explícita, o que faz com que o custo de mudança para novos parceiros seja alto.

Já, na situação em que a capacidade de codificar e a complexidade das especificações dos produtos são altas, mas as capacidades dos fornecedores são baixas, a governança da cadeia de valor tenderá para o tipo “cativa”. Isto porque a baixa capacidade dos fornecedores exige frequentes intervenções e alto nível de controle por parte da empresa compradora.

Finalmente, o tipo de governança “hierarquia” ocorre quando as especificações dos produtos não podem ser codificadas, os produtos são complexos e fornecedores competentes não são encontrados. Esta situação induz as empresas a desenvolverem e a fabricarem produtos internamente.

Segundo Ashenbaum et al. (2009) Ashenbaum, B., Maltz, A., Ellram, L., & Barratt, M. A. (2009). Organizacional alignment and supply chain governance structure: Introduction and construction validation. International Journal of Logistics Management, 20(2), 169-186. http://dx.doi.org/10.1108/09574090910981279.
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, as pesquisas sobre as relações entre compradores e fornecedores, na maioria das vezes, focalizam a confiança e o compromisso com o relacionamento. Os autores acrescentam que os modelos de pesquisa nessa área poderiam ser aperfeiçoados pela consideração da complexidade da transação ou de percepções sobre as capacidades dos fornecedores como variáveis moderadoras ou contextuais. O que foi parcialmente contemplado pela proposição de Gereffi et al. (2005) Gereffi, G., Humphrey, J., & Sturgeon, T. J. (2005). The governance of global value chains. Review of International Political Economy, 12(1), 78-104. http://dx.doi.org/10.1080/09692290500049805.
http://dx.doi.org/10.1080/0969229050004...
.

Ao considerarem a estrutura de governança da cadeia de valor, os gerentes têm uma maneira inicial de avaliação da rede de suprimentos da empresa e, se desejarem, de especificar a configuração – de tipos de governança e de relações com fornecedores – a ser adotada. Em diferentes setores e em diferentes momentos, esse conhecimento pode ser útil para a tomada de decisões sobre a estrutura de fornecimento.

2.3 Segmentação de fornecedores

Segundo Lambert & Schwieterman (2012) Lambert, D. M., & Schwieterman, M. A. (2012). Supplier relationship management as a macro business process. Supply Chain Management, 17(3), 337-352. http://dx.doi.org/10.1108/13598541211227153.
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, em empresas de manufatura, dois critérios bastante utilizados para a segmentação de fornecedores são a complexidade do item e o volume de gastos com produtos adquiridos junto a fornecedores. Os itens identificados como sendo de baixa complexidade e de baixo volume de gastos são considerados “rotineiros”, e os itens conhecidos como “influentes” são aqueles que geram volumes altos de gastos, mas não são complexos ou estratégicos para o negócio. Os objetivos para esses tipos de itens são: negociar preços com base na minimização dos custos totais e melhorar o serviço por meio da redução do tempo de entrega.

Os itens denominados “gargalos” são aqueles em que as empresas de manufatura têm volumes de gastos baixos, mas os produtos são considerados complexos. Já os itens “estratégicos” são aqueles de alta complexidade e de altos volumes de gastos no orçamento anual. Os fornecedores desses dois tipos de produtos devem ser considerados como fortes candidatos a serem convidados para o desenvolvimento de parcerias ( Lambert et al., 2008 Lambert, D. M., Knemeyer, M. A., & Gardner, J. T. (2008). Developing and Implementing Partnerships in the Supply Chain. In Lambert, D. M. (Eds.), Supply Chain Management: processes, partnerships, performance (3rd ed, pp. 255-282). Florida: Supply Chain Management Institute. ).

Segundo Lambert (2008) Lambert, D. M. (2008). Supply Chain Management: processes, partnerships, performance (3rd ed.). Florida: Supply Chain Management Institute. , a partir da identificação dos fornecedores-chave para o negócio, empresas e fornecedores podem trabalhar em iniciativas de aumento da receita e de redução dos custos que permitam melhorar o desempenho financeiro de ambas as empresas.

2.4 Estratégias, políticas e planos da gestão de suprimentos

Em um processo de planejamento e estruturação para a área de CGS, é ainda necessário abordar algumas decisões estratégicas. Para Martins (1999) Martins, M. F. (1999). Análise da função suprimentos nas empresas de manufatura: o caso das empresas da indústria de linha branca (Tese de doutorado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. , o termo estratégia se refere a um padrão de decisões tomadas pela empresa incluindo:

  • a determinação e revelação dos objetivos e das metas;

  • as principais políticas e planos para atingir as metas;

  • a definição do raio de ação dos negócios que a companhia pretende alcançar; e

  • os benefícios e resultados proporcionados aos acionistas, aos clientes e à comunidade.

Para Martins (1999) Martins, M. F. (1999). Análise da função suprimentos nas empresas de manufatura: o caso das empresas da indústria de linha branca (Tese de doutorado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. , a decisão de comprar deve ser considerada como forma de aumentar a competência da empresa e, consequentemente, realçar sua capacidade competitiva. A gestão de suprimentos nessa situação deve desenvolver suas próprias prioridades estratégicas, consideradas as estratégias competitiva e de produção da empresa, e procurar garantir que os fornecedores possuam ou desenvolvam capacidade suficiente para contribuírem para o atingimento das prioridades de custo, qualidade, prazo de entrega, flexibilidade ou inovação.

Ainda segundo Martins (1999) Martins, M. F. (1999). Análise da função suprimentos nas empresas de manufatura: o caso das empresas da indústria de linha branca (Tese de doutorado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. , uma vez definidas a estratégia de suprimentos e as prioridades, o próximo passo no gerenciamento de compras é formular as políticas e as ações que sustentarão a estratégia. Opta-se aqui por discutir alguns dos principais conjuntos de decisões relacionados a: nível de integração vertical, planos de negociação, definição do número (uma ou duas) de fontes de fornecimento, definição de fonte local ou internacional, mudanças de especificação em conjunto com engenharia e racionalização da base de fornecedores. Estes conjuntos são apresentados a seguir.

2.4.1 Integração vertical

Ocorre uma integração vertical quando uma empresa decide produzir um produto, processo ou serviço internamente, deixando de comprá-lo de um fornecedor externo ( Balakrishnan & Cheng, 2005 Balakrishnan, J., & Cheng, C. H. (2005). The theory of constraints and the make-or-buy decision: an update and review. The Journal of Supply Chain Management , 41(1), 40-47. http://dx.doi.org/10.1111/j.1745-493X.2005.tb00183.x.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1745-493X.2...
).

Para Slack et al. (2002) Slack, N., Chambers, S., & Johnston, R. (2002). Administração da produção (2a ed.). São Paulo: Atlas. , o principal critério utilizado para a decisão de fazer ou comprar é financeiro. Se uma empresa pode produzir com custos menores e qualidade melhor do que obteria no mercado, é provável que assim o faça.

Martins & Alt (2001) Martins, P. G., & Alt, P. R. C. (2001). Administração de materiais e recursos patrimoniais. São Paulo: Saraiva. citam algumas vantagens da desverticalização como focalização do seu negócio principal, redução dos custos de investimento em instalações industriais e flexibilidade na alteração de volume de produção. As possíveis desvantagens da desverticalização seriam a perda do controle tecnológico, maior exposição às mudanças do mercado e maior interdependência entre as empresas da cadeia produtiva.

Gerbl et al. (2016) Gerbl, M., Mcivor, R., & Humphreys, P. (2016). Making the business process outsourcing decision: why distance matters. International Journal of Operations & Production Management, 36(9), 1037-1064. http://dx.doi.org/10.1108/IJOPM-04-2014-0192.
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acrescentam que a decisão sobre desverticalização envolve outros fatores, além dos custos de mão de obra e de infraestrutura, como a força competitiva da organização no processo em foco, o potencial de transações associadas a cada opção de localização da unidade a ser terceirizada e a própria experiência da organização com terceirização.

2.4.2 Planos de negociação

Segundo Lewicki et al. (2000) Lewicki, R. J., Saunders, D. M., & Minton, J. W. (2000). Essentials of negotiation . Boston: McGraw-Hill. , a situação de negociação surge quando ocorre uma disputa, um desacordo ou um conflito entre dois grupos, nesse caso, entre empresas da cadeia de abastecimento. Com base na literatura de negociação, duas abordagens distintas podem ser utilizadas em negociações: as estratégias distributiva e integrativa.

Estratégia de negociação distributiva é usada por negociadores que acreditam que eles e suas contrapartes têm interesses fundamentalmente opostos. Como resultado, as negociações essencialmente podem ser descritas como situações ganha-perde, em que se deve tentar argumentar de forma intensa, a fim de convencer a outra parte, por exemplo, de que deve reduzir preços ou aceitar determinadas condições ( Lewicki et al., 2000 Lewicki, R. J., Saunders, D. M., & Minton, J. W. (2000). Essentials of negotiation . Boston: McGraw-Hill. ).

Estratégia de negociação integrativa procura conciliar os interesses divergentes das partes e fornecer, para ambas, benefícios conjuntos como resultado da negociação específica. Como tal, a abordagem valoriza relações “ganha-ganha”. A abordagem integrativa tem sido adotada em parcerias estratégicas, embora evidências empíricas sejam ainda praticamente inexistentes ( Lewicki et al., 2000 Lewicki, R. J., Saunders, D. M., & Minton, J. W. (2000). Essentials of negotiation . Boston: McGraw-Hill. ).

2.4.3 Fonte única ou fontes múltiplas

Segundo Quayle (2001) Quayle, M. (2001). Purchasing in the UK and Switzerland: an empirical study of sourcing decision. European Business Review, 13(1), 42-59. http://dx.doi.org/10.1108/09555340110380646.
http://dx.doi.org/10.1108/0955534011038...
, a decisão de fonte única ou múltipla depende da análise de vários fatores como economia, geografia, política organizacional, cultura, qualidade e confiança, proteção da fonte de fornecimento, competição por preços e inércia do comprador.

Quayle (2001) Quayle, M. (2001). Purchasing in the UK and Switzerland: an empirical study of sourcing decision. European Business Review, 13(1), 42-59. http://dx.doi.org/10.1108/09555340110380646.
http://dx.doi.org/10.1108/0955534011038...
desenvolve um modelo para tomada de decisão sobre fonte única ou fontes múltiplas de abastecimento, no qual reúne, em três grupos, oito variáveis identificadas na literatura que podem afetar a decisão sobre a forma de fornecimento. No primeiro grupo, denominado “contingências”, reúnem-se as variáveis: indivíduos, produtos, organização e mercados. No segundo grupo, estão os “critérios”: econômico, poder, risco e social. No terceiro, denominado “forma de abastecimento”, tem-se: fonte única ou múltipla. Dessa maneira, as contingências influenciam os critérios que, por sua vez, influenciam as formas de abastecimento. A Figura 1 ilustra o modelo proposto.

Figura 1
Estrutura analítica sobre a decisão de fonte única ou fontes múltiplas. Fonte: Adaptada de Quayle (2001) Quayle, M. (2001). Purchasing in the UK and Switzerland: an empirical study of sourcing decision. European Business Review, 13(1), 42-59. http://dx.doi.org/10.1108/09555340110380646.
http://dx.doi.org/10.1108/0955534011038...
.

2.4.4 Fonte local ou fonte internacional

De acordo com Slack et al. (2009) Slack, N., Chambers, S., & Johnston, R. (2009). Administração da produção (3a ed.). São Paulo: Atlas. , uma das principais alterações relativas à cadeia de suprimentos dos últimos anos tem sido a expansão da proporção de produtos e (ocasionalmente) de serviços comprados fora do país. Segundo esses autores, existem várias razões para isso:

  • A formação de blocos de comércio em diferentes partes do mundo, que tem tido o efeito de baixar as barreiras tarifárias, ao menos dentro desses blocos;

  • As infraestruturas de transporte, que são consideravelmente mais sofisticadas e baratas do que antes; e

  • A concorrência mundial acirrada, que forçou as empresas a reduzirem seus custos totais.

Entretanto, ainda segundo Slack et al. (2009) Slack, N., Chambers, S., & Johnston, R. (2009). Administração da produção (3a ed.). São Paulo: Atlas. , existem problemas com as compras globais e, portanto, os riscos de aumentar a complexidade e a distância precisam ser administrados cuidadosamente.

Segundo Fredriksson & Jonsson (2009) Fredriksson, A., & Jonsson, P. (2009). Assessing consequences of low-cost sourcing in China. International Journal of Physical Distribution & Logistics Management , 39(3), 227-249. http://dx.doi.org/10.1108/09600030910951719.
http://dx.doi.org/10.1108/0960003091095...
, comprar produtos da China e de outros países de baixo custo é comum entre empresas nos dias atuais. Benefícios desejados desse movimento incluem maior eficácia, maior flexibilidade, investimentos reduzidos e acesso ao mercado e a custos menores.

2.4.5 Alterações de especificações dos produtos

Segundo Arthur D. Little (2008) Arthur D. Little. (2008). Design to Customer Value - how to develop products that fulfill customers needs at the lowest possible cost. USA: Engineering & Manufacturing Insight . Recuperado em 2 de junho de 2014, de http:// www.adlittle.com , melhorias de custo e de qualidade no sistema de produção podem ser alcançadas por meio de focalização contínua dos principais problemas identificados relacionados a clientes, projeto, produção e suprimentos. Essa abordagem pode resultar em melhorias, em média, de 16% no desempenho do produto e de 10% em complexidade (quociente entre quantidade e variedade de partes).

Ainda segundo Arthur D. Little (2008), custos excessivos de produtos tipicamente resultam de uma falha em considerar as implicações do design do produto para fabricação, montagem e serviço de pós-venda. Essas falhas incluem:

  • Funcionalidades excessivas para produtos e variantes que clientes não estão dispostos a pagar (produtos com engenharia excessiva);

  • Especificações inválidas remanescentes de produtos anteriores ou não relevantes;

  • Engenharia de produto que falha em considerar questões de fabricação e montagem; e

  • Falta de padronização de peças compradas, levando a altos custos de aquisição.

Arthur D. Little (2008), conforme Figura 2 , apresenta uma metodologia para otimização de especificações chamada “Design to Customer Value” ou “Projeto de Valor para o Cliente” que incorpora as estratégias descritas acima e abrange uma série de atividades, por exemplo, análise das necessidades do mercado e dos clientes, análise de custo e análise técnica do produto e do desenvolvimento de novos conceitos de produtos.

Figura 2
Principais atividades estruturadas ao longo do tempo. Fonte: Adaptado de Arthur D. Little (2008).

2.4.6 Racionalização da base de fornecedores

Para Yang et al. (2013) Yang, C.-L., Lin, R.-J., Krumwiede, D., Stickel, E., & Sheu, C. (2013). Efficacy of purchasing activities and strategic involvement: an international comparison. International Journal of Operations & Production Management, 33(1), 49-68. http://dx.doi.org/10.1108/01443571311288048.
http://dx.doi.org/10.1108/0144357131128...
, determinar o número adequado de fornecedores é a principal decisão para a racionalização da base de fornecimento. Tal decisão pode reforçar a seleção eficaz dos fornecedores, a consolidação de volume e a junção de partes (modularização), que, por sua vez, contribuem para a redução de custos e para a melhoria da qualidade.

Ainda segundo Yang et al. (2013) Yang, C.-L., Lin, R.-J., Krumwiede, D., Stickel, E., & Sheu, C. (2013). Efficacy of purchasing activities and strategic involvement: an international comparison. International Journal of Operations & Production Management, 33(1), 49-68. http://dx.doi.org/10.1108/01443571311288048.
http://dx.doi.org/10.1108/0144357131128...
, softwares de aquisição comercial (e-procurement ) podem ser utilizados como ferramenta para a racionalização da base de fornecedores, pois permitem a realização de compras eletrônicas que incluem maior quantidade e qualidade de informações, reduzindo assim a incerteza nas atividades de suprimentos, bem como um processamento mais rápido em atividades de aquisição.

Em síntese, foram abordados nesta seção alguns dos principais temas relacionados à gestão de suprimentos como: papéis e atividades, estrutura de governança, segmentação de fornecedores e as estratégias, políticas e planos de trabalho para a função.

O estudo de tais temas, considerados importantes na literatura, possibilitou o levantamento de algumas variáveis para uma análise estruturada da gestão de suprimentos de uma empresa e, consequentemente, a proposição de melhorias quando possível. Os temas e variáveis mencionados na revisão de literatura aqui realizada estão apresentados esquematicamente na Tabela 2 e orientaram a pesquisa de campo que será relatada na seção 4. A próxima seção aborda os aspectos metodológicos considerados na pesquisa de campo: um estudo de caso em uma empresa do setor de equipamentos médico-odontológicos.

Tabela 2
Síntese da Seção 2.

3 Método de pesquisa

No presente trabalho, desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, pois o objetivo era analisar de maneira ampla a gestão de suprimentos de uma montadora de equipamentos médico-odontológicos, visando propor aperfeiçoamento nas práticas utilizadas e, com isso, propiciar uma melhoria do desempenho dessa importante função na empresa estudada.

Para isso, foi utilizada uma abordagem qualitativa, uma vez que o estudo visava proporcionar uma compreensão aprofundada da gestão de suprimentos na empresa. Isto exigiu a permanência de um dos pesquisadores na empresa por prolongados períodos e reuniões frequentes com profissionais da empresa. O método de pesquisa utilizado foi o estudo de caso.

A escolha da empresa para o estudo de caso, neste trabalho denominada de Alfa, deveu-se a sua importância na indústria brasileira de equipamentos médico-odontológicos, uma vez que atualmente é líder de vendas no mercado nacional.

Para a obtenção de informações e realização de entrevistas, foram selecionados gerentes e coordenadores de suprimentos da montadora, devido à natureza das informações a serem solicitadas pela pesquisa e, também, por serem as pessoas diretamente responsáveis pelas decisões que ocorrem na área de suprimentos.

A coleta de dados foi realizada a partir da utilização de três fontes de evidência: entrevistas, análise de documentos e observação direta. As entrevistas, principal fonte de coleta de dados, foram realizadas a partir da aplicação de um roteiro contendo “perguntas abertas”. A análise de documentos foi feita por meio de consultas a relatórios gerenciais e ao sistema de informação da empresa. Por fim, a observação direta foi realizada por meio de visitas à fábrica, podendo-se verificar a introdução de novas máquinas adquiridas para a internalização de processos de fabricação, os casos mais recentes de projetos de redução de custo por meio do desenvolvimento de novas fontes de fornecimento, de alteração de itens com apoio da engenharia e da aquisição de itens no mercado externo.

Dessa forma, pôde-se ter uma compreensão da gestão de suprimentos da montadora estudada e então propor melhorias nas práticas utilizadas.

4 Gestão de suprimentos da Alfa

A Alfa é uma empresa nacional privada de grande porte que atua em todo o território nacional e também no exterior. Fabrica e distribui diretamente ou através de seus revendedores uma ampla carteira de equipamentos, é proprietária de várias marcas, sendo que as principais possuem imagens consolidadas no mercado.

A empresa oferece ao mercado uma linha completa de equipamentos médico-odontológicos e preocupa-se em estar à frente nas inovações de seu segmento, ofertando produtos diferenciados com qualidade superior. Além disso, a empresa também se destaca pela agilidade no lançamento de novos produtos que atendam às necessidades dos consumidores.

O mercado brasileiro é disputado por cinco principais empresas, entre elas a Alfa, que detêm mais de 80% de participação nas vendas do setor. Também participam do mercado empresas de pequeno porte que atuam em segmentos de produtos mais populares. O principal mercado da Alfa é o nacional, para o qual são direcionados de 85% a 90% do total produzido. A definição dos produtos, dos modelos e dos volumes de exportação é uma questão estratégica para a Alfa e muito complexa, pois envolve análises de custo, contratos de câmbio, estratégias geográficas e formas de diferenciação.

A cadeia de suprimentos de Alfa a jusante é formada por revendedores regionais exclusivos e filiais de venda da própria empresa, além do consumidor final. Já a montante, principal foco deste trabalho, a cadeia é formada principalmente por dois tipos de fornecedores: fornecedores de matéria-prima e fornecedores de componentes.

A base de fornecedores de material direto da Alfa corresponde a aproximadamente 540 empresas, das quais 13 são internacionais. A Alfa possui uma base muito diversificada de fornecedores, sendo responsável por um montante, em valores monetários, que representa 36% do volume total de vendas anuais da empresa. Esses números ressaltam a relevância de uma boa gestão de suprimentos e de esforços contínuos para sua melhoria na empresa estudada.

4.1 Atividades da função suprimentos na Alfa

As atividades associadas à gerência de suprimentos, segundo classificação de Ballou (2006) Ballou, R. H. (2006). Gerenciamento da cadeia de suprimentos/ logística empresarial (5a ed.). Porto Alegre: Bookman. , divididas entre as três coordenações de suprimentos da Alfa, distribuem-se da seguinte forma:

  1. a

    Coordenação “Estratégica de Suprimentos”: selecionar os fornecedores, classificar o desempenho do fornecedor, negociar contratos, comparar preços, qualidade e serviços, pesquisar produtos e serviços, e prever preços e serviços;

  2. b

    Coordenação “Gestão de Fornecedores”: determinar quando comprar, determinar prazos de vendas, e avaliar o valor recebido;

  3. c

    Coordenação “Qualidade de Fornecedores”: qualificar os fornecedores, avaliar o valor recebido, medir a qualidade de entrada – caso esta não seja de responsabilidade do setor de controle de qualidade – e especificar a forma na qual os produtos serão recebidos.

As atividades de previsão de mudanças da demanda na Alfa são de responsabilidade da coordenação de planejamento e controle de produção (PCP), que, por sua vez, é subordinada à gerência de operações.

4.2 Objetivos Estratégicos da gestão de suprimentos na Alfa

Os objetivos estratégicos das atividades associadas à gerência de suprimentos considerados nesse trabalho como prioridades competitivas, divididas entre as três coordenações de suprimentos da Alfa, distribuem-se conforme detalhado a seguir:

  1. a

    Coordenação “Estratégica de Suprimentos”:

    - Custo: busca-se reduzir os preços dos itens comprados, pois quanto maior é a proporção dos custos de materiais em relação aos custos totais, maior é o efeito de redução dos custos de materiais na lucratividade. Um aspecto importante trabalhado pela equipe de suprimentos da Alfa e que tem um efeito sobre os custos da empresa é o prazo médio de pagamento para os fornecedores. A equipe trabalha para estender o prazo de pagamento de toda a base de fornecimento e, consequentemente, melhorar o ciclo operacional da empresa, equilibrando os valores das áreas de contas a pagar e de contas a receber de cada mês.

  2. b

    Coordenação “Gestão de Fornecedores”:

    - Entrega: trabalha-se para que os fornecedores entreguem as encomendas na data prevista no pedido. Para tanto, além de estabelecer o período de fornecimento, os fornecedores são informados a respeito das necessidades atuais e futuras da Alfa, visando facilitar sua programação. Atrasos nas entregas podem acarretar perdas de vendas, prejuízo na produção e insatisfação dos clientes.

  3. c

    Coordenação “Qualidade de Fornecedores”:

    - Qualidade: procura-se melhorar a qualidade dos componentes junto ao fornecedor, garantindo que o material adquirido esteja de acordo com as especificações e não sejam rejeitados na inspeção de recebimento. Dessa forma, os fornecedores devem ser parceiros no processo de gerenciamento da qualidade.

Os objetivos “flexibilidade” e “inovação” são trabalhados informalmente na Alfa, mas têm sua importância sentida no dia a dia com fornecedores.

A flexibilidade refere-se à capacidade do fornecedor de realizar modificações nos pedidos, no que diz respeito a volume e variedade, visando ajustes necessários que têm origem nas flutuações da demanda dos vários produtos. Se os fornecedores não desenvolverem tais capacidades para lidar com as contingências de forma satisfatória, acabam recebendo, por parte da Alfa, uma avaliação negativa.

A inovação, que considera o nível de capacidade tecnológica do fornecedor, o seu interesse de compartilhar informações tecnológicas e sua capacidade de projetar novos produtos ou fazer alterações em produtos existentes, é fator importante na seleção e avaliação de fornecedores, pois a Alfa valoriza aqueles que conseguem acompanhar os novos desenvolvimentos. Os objetivos relacionados à quantidade, como citado por Martins (1999) Martins, M. F. (1999). Análise da função suprimentos nas empresas de manufatura: o caso das empresas da indústria de linha branca (Tese de doutorado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. , na Alfa, são de responsabilidade da coordenação de planejamento e controle de produção (PCP), e implicam considerar o trade-off entre redução de custos e disponibilidade de materiais.

Identifica-se aqui, como oportunidade de melhoria, a inclusão na gestão de suprimentos da Alfa de indicadores formais para os objetivos “flexibilidade” e “inovação”, avaliando sua utilidade por pelo menos um período de um ano para incorporá-los, ou não, definitivamente no processo de gestão.

4.3 Estruturas de governança na gestão de suprimentos da Alfa

Na gestão de suprimentos da Alfa, assim como na maioria das empresas, segundo Ashenbaum et al. (2009) Ashenbaum, B., Maltz, A., Ellram, L., & Barratt, M. A. (2009). Organizacional alignment and supply chain governance structure: Introduction and construction validation. International Journal of Logistics Management, 20(2), 169-186. http://dx.doi.org/10.1108/09574090910981279.
http://dx.doi.org/10.1108/0957409091098...
, não existem estudos que considerem os tipos de estrutura de governança que caracterizam as relações com seus fornecedores.

Como proposta de melhoria, seguindo a proposição de Ashenbaum et al. (2009) Ashenbaum, B., Maltz, A., Ellram, L., & Barratt, M. A. (2009). Organizacional alignment and supply chain governance structure: Introduction and construction validation. International Journal of Logistics Management, 20(2), 169-186. http://dx.doi.org/10.1108/09574090910981279.
http://dx.doi.org/10.1108/0957409091098...
, será considerada a complexidade das transações e as percepções quanto às capacidades dos fornecedores para caracterizar as relações que a empresa deve manter com estes.

Avaliando-se a governança que rege a relação entre a Alfa e cada um dos 540 fornecedores ativos, com base nos fatores “complexidade das transações”, “habilidade de codificar as transações” e “capacidade da base de fornecimento”, classificados em alto ou baixo, distribuiu-se toda a base de fornecedores pelos cinco tipos de estrutura de governança existentes, conforme proposto por Gereffi et al. (2005) Gereffi, G., Humphrey, J., & Sturgeon, T. J. (2005). The governance of global value chains. Review of International Political Economy, 12(1), 78-104. http://dx.doi.org/10.1080/09692290500049805.
http://dx.doi.org/10.1080/0969229050004...
. Os resultados dessa distribuição podem ser observados na Tabela 3 .

Tabela 3
Quantidade de fornecedores da Alfa em cada tipo de governança.

Essa classificação elaborada ao longo do desenvolvimento deste estudo pode servir como orientação para a adoção, pela empresa Alfa, de estrutura de governança mais adequada às características de sua base de fornecedores.

A partir da definição dos tipos de governança, desdobram-se decisões importantes quanto a, por exemplo, fornecimento de projetos, gestão do relacionamento, definição das providências mais indicadas para otimização da base de fornecimento, entre outras ações apresentadas na continuidade do presente trabalho.

4.4 Segmentação de fornecedores da Alfa

A Alfa segmenta seus fornecedores, utilizando uma ferramenta denominada “ranking de fornecedores”, pela qual monitora volume de gastos com os produtos adquiridos, classificando-os em ordem de importância do maior para o menor valor denominado “total buy”. Com base nessa informação, a gerência de suprimentos da Alfa define, como fornecedores estratégicos, os trinta primeiros colocados na ferramenta “ranking de fornecedores” que fornecem produtos complexos. Esses fornecedores são caracterizados dessa forma por demandarem de três a seis meses de desenvolvimento, caso seja tomada a decisão de substituição por uma nova fonte de fornecimento.

Como proposta de melhoria para esse processo, a Alfa poderia utilizar como referência para a segmentação dos fornecedores a caracterização dos tipos de governança (mercado, modular, relacional, cativo e hierarquia) proposta por Gereffi et al. (2005) Gereffi, G., Humphrey, J., & Sturgeon, T. J. (2005). The governance of global value chains. Review of International Political Economy, 12(1), 78-104. http://dx.doi.org/10.1080/09692290500049805.
http://dx.doi.org/10.1080/0969229050004...
e a metodologia citada por Lambert & Schwieterman (2012) Lambert, D. M., & Schwieterman, M. A. (2012). Supplier relationship management as a macro business process. Supply Chain Management, 17(3), 337-352. http://dx.doi.org/10.1108/13598541211227153.
http://dx.doi.org/10.1108/1359854121122...
, que considera a complexidade e o volume de gastos com produtos adquiridos junto a seus fornecedores.

Os itens identificados como sendo de baixa complexidade e baixo volume de gastos são considerados “rotineiros”, enquanto que os itens conhecidos como “influentes” são aqueles que possuem um volume de gastos alto, mas não são complexos ou estratégicos para o negócio. Os itens denominados “gargalo” são aqueles com os quais as empresas de manufatura têm um volume de gastos baixo, mas os produtos são considerados complexos. Já os itens “estratégicos” são considerados de alta complexidade e de alto volume de gastos dentro do orçamento anual.

O valor considerado limítrofe entre volume alto e baixo de gastos são R$ 50.000,00/ano. Os itens classificados como tipo de governança “mercado” ou “modular” são de baixa complexidade. Os itens classificados como “relacionais” são considerados de alta complexidade. Os itens “cativos”, que envolvem investimento de capital por parte do comprador, são inexistentes na base atual da Alfa. Os itens com tipo de governança “hierarquia”, devido à previsão de verticalização ao longo do tempo, foram desconsiderados na matriz. A Tabela 4 apresenta o resultado da segmentação proposta para a Alfa.

Tabela 4
Segmentação proposta de fornecedores da Alfa.

Segundo Lambert (2008) Lambert, D. M. (2008). Supply Chain Management: processes, partnerships, performance (3rd ed.). Florida: Supply Chain Management Institute. , a partir da identificação dos fornecedores-chave para o negócio, as empresas e os fornecedores podem trabalhar em iniciativas visando o aumento da receita e a redução dos custos que permitam melhorar o desempenho financeiro de ambas as empresas. Além disso, a segmentação possibilita melhor definição dos objetivos de negócios para cada segmento, bem como dos resultados esperados após se atingir os objetivos, como será apresentado a seguir.

4.5 Estratégias, políticas e planos da gestão de suprimentos da Alfa

A estratégia de suprimentos da Alfa é a busca contínua por reduções de custos em sua base de fornecimento, sem afetar de forma negativa o restante de seus indicadores, como qualidade dos componentes, prazo de entrega, entre outros. Nesse conceito, as principais políticas e planos para dar suporte a tal estratégia decorrem de decisões relacionadas a: integração vertical (fabricação própria ou terceirização), planos de negociação, uma ou duas fontes de fornecimento, fonte local ou internacional e mudanças de especificação em conjunto com a engenharia.

Como proposta de melhoria, a Alfa pode utilizar, também, uma política de racionalização da base de fornecedores, pois a redução na quantidade de fornecedores de itens semelhantes proporciona uma base mais concentrada e reduzida, com ganhos de escala nas negociações (“poder de barganha”, maiores volumes de materiais ou componentes nas negociações trazem melhores preços), ganhos na gestão e na operação logística (fretes, estoques, rotas otimizadas, etc.) e melhor gestão da relação com o fornecedor (negociação e administração de contratos, etc.).

A seguir, descreve-se como cada uma das políticas e dos planos são utilizados pela Alfa, bem como as propostas de melhoria identificadas a partir da realização desta pesquisa.

4.5.1 Integração vertical na Alfa

A Montadora Alfa atualmente tem processos de fabricação internos de corte, de dobra e de solda de materiais metálicos, usinagem, pintura, montagem de subconjuntos e de seus produtos finais. Os demais componentes, como sensores 2D e 3D, ampolas de raios X, motorredutores, entre outros, são comprados de fornecedores nacionais e internacionais.

A definição do que deve ser fabricado internamente e do que deve ser comprado envolve decisões estratégicas dos gestores da empresa que avaliam um conjunto de variáveis para tomada de decisão como: custo, complexidade da operação, disponibilidade de capacidade, disponibilidade de investimentos, especialização tecnológica e qualidade. Todos esses fatores são avaliados por meio de um estudo de negócio que envolve as áreas: Suprimentos, Manufatura, Engenharia e Controladoria.

Como proposta de melhoria, sugere-se que a Alfa estruture um plano para estudos de integração vertical, utilizando a proposta de segmentação de fornecedores apresentada na Tabela 4 , com base nos tipos de governança, apenas para os 57 fornecedores “influentes – modulares”, pois é o único grupo com a combinação de complexidade de operação, especialização tecnológica e volume de gastos que justifica a análise (não sendo aplicável para o restante dos fornecedores) conforme Tabela 5 .

Tabela 5
Priorização de políticas e planos para cada segmento de fornecedores da Alfa.

4.5.2 Planos de negociação

A Alfa utiliza a negociação como uma política para alcançar seu objetivo estratégico de redução de custos, abordando sua base de fornecimento com o emprego de estratégias de negociação distributiva (interesses opostos), conforme Lewicki et al. (2000) Lewicki, R. J., Saunders, D. M., & Minton, J. W. (2000). Essentials of negotiation . Boston: McGraw-Hill. , com os compradores usando argumentos a fim de convencer os fornecedores de que os preços devem cair.

A Alfa não tem um plano de negociação bem definido, abordando seus fornecedores, por diferentes motivos, de forma aleatória. Por exemplo, oportunidades de negociação surgem quando há necessidade de reuniões por problemas de abastecimento e qualidade, quando surge uma proposta de outra fonte de fornecimento com preços menores ou solicitações de reajustes de preço por parte do fornecedor. O resultado desse procedimento é, em geral, a obtenção de ganhos menores do que uma política consistente de negociação poderia trazer.

Como proposta de melhoria, a Alfa deve estruturar um plano de negociação, também utilizando a segmentação de fornecedores apresentada na Tabela 4 e definindo, como meta de redução de custo, um percentual factível para cada carteira de fornecimento. Tal iniciativa poderia ser implementada primeiramente com os 38 fornecedores “influentes – mercado”, que representam alto volume de gastos para a Alfa e têm maior probabilidade de aceitar o pedido devido ao risco de substituição. Posteriormente, poderia ser estendida aos fornecedores “rotineiros”, que representam menor potencial de ganho devido ao baixo volume de compra. A Tabela 5 à frente apresenta ordem de prioridade para essas iniciativas.

4.5.3 Fonte única ou fontes múltiplas (Dual Sourcing ) na Alfa

A importância de manter, quando possível, pelo menos dois fornecedores para cada material ou componente ocorre para diminuir a dependência entre montadora e fornecedor e aumentar o poder de negociação do comprador. A existência de um único fornecedor para determinado material pode trazer riscos de desabastecimento devido à falência de fornecedor, a problemas jurídicos destes, a problemas de greve em fábricas, a acidentes, etc. A Alfa define, como prioridade para buscar uma nova fonte de fornecimento, os fornecedores com problemas de abastecimento e de qualidade que solicitam e implementam reajustes de preço com recorrência, não apresentando um plano estruturado para essa ação.

Como proposta de melhoria, a Alfa deve estruturar um plano para o desenvolvimento de novas fontes de fornecimento, utilizando a proposta de segmentação de fornecedores com base no tipo de governança e fazendo uma análise “esforço x impacto” que verifica a complexidade dos componentes e do volume de gastos priorizando as mais indicadas, conforme Tabela 5 .

4.5.4 Fonte local ou fonte internacional na Alfa

A necessidade de buscar fornecedores internacionais na Alfa deve-se a dois fatores principais: necessidade de componentes de alta tecnologia inexistentes no Brasil, como os sensores 3D produzidos nos Estados Unidos e os sensores 2D produzidos na Finlândia, e busca por componentes de menor preço em países com menor tributação e custos de mão de obra, como os países asiáticos, em especial a China e a Coreia do Sul. A Tabela 6 apresenta características de alguns fornecedores da Alfa no exterior.

Tabela 6
Características de fornecedores internacionais da Alfa.

Como proposta de melhoria, a Alfa poderia utilizar o mesmo plano para desenvolvimento de novas fontes de fornecimento já recomendado para fornecedores nacionais. A única diferença seria não considerar a carteira de itens de fornecedores “influentes – mercado”, pois estes comercializam itens com pouca tecnologia envolvida e não empregam quantidades relativamente altas de mão de obra nos processos de fabricação, o que torna improvável encontrar fornecedores internacionais competitivos, conforme Tabela 5 .

4.5.5 Alterações de especificações dos produtos na Alfa

A Alfa utiliza as alterações de especificação conjunta entre engenharia e suprimentos como uma política para alcançar seu objetivo estratégico de redução de custos. Um exemplo mencionado por um dos entrevistados foi a substituição de vários itens necessários para montagem interna do sistema de elevação de um dos produtos da Alfa por um subsistema de elevação que é fornecido pronto por um fornecedor internacional. Esta substituição resultou em um custo total 30% menor e, ainda, em qualidade superior.

A política mencionada acima não envolve uma metodologia e um plano de prospecção e de execução de novos projetos, sendo implementada a partir da identificação pela engenharia de projetos de melhoria de qualidade e de propostas de fornecedores que entram em contato com a Alfa para oferecer novos produtos.

Como melhoria, sugere-se que a Alfa utilize a metodologia proposta pela Arthur D. Little (2008) para otimização de especificações e que estruture um plano de prospecção e de execução de novos projetos de melhoria de produto, considerando a nova segmentação de fornecedores proposta neste estudo e os graus de complexidade dos componentes e os correspondentes volumes de gastos, conforme indica a Tabela 5 .

4.5.6 Racionalização da base de fornecedores na Alfa

A Alfa não vem implementando uma política de racionalização da base de fornecedores visando o objetivo estratégico de redução de custos. Isto pode ser verificado pelo número excessivo de fornecedores classificados na categoria de itens “rotineiros” com tipo de governança “mercado ou modulares” (ver Tabela 4 ), ou seja, que fornecem produtos sem alta complexidade tecnológica.

Como proposta de melhoria, propõe-se que a Alfa estruture um plano para racionalização da base de fornecedores, utilizando a proposta de segmentação de fornecedores com base no tipo de governança. O foco principal seria analisar toda a base de fornecedores “rotineiros” visando agrupar cada um dos itens fornecidos por essas 303 empresas ao grupo de 237 fornecedores pertencentes aos outros segmentos. Esta ação, se bem conduzida, tem um potencial de reduzir em 50% a quantidade de fornecedores “rotineiros” existentes, devido à similaridade desses itens com aqueles pertencentes ao segmento de fornecedores “influentes”, conforme Tabela 5 .

Trabalhando de forma estruturada, a Alfa tende a atingir melhores resultados em médio e em longo prazo na sua estratégia de suprimentos de busca contínua por reduções de custo, sem afetar de forma negativa o restante de seus indicadores.

Um resumo das principais propostas de políticas e de planos para a Alfa atingir seu objetivo estratégico é apresentado na Tabela 5 .

Essa tabela resumo pode servir de orientação para a equipe, formada pelos coordenadores e pelo gerente da área de compras e suprimentos da Alfa, implementar uma nova política de suprimentos. Estão indicadas na tabela as ordens de priorização quanto às ações a serem realizadas em cada uma das dimensões da política de suprimentos examinadas neste estudo. Desse modo, a Alfa poderá otimizar os esforços e o tempo dedicados ao alcance de suas prioridades competitivas relacionadas à área de compras e suprimentos.

5 Considerações finais

Retomando-se o objetivo deste trabalho que consiste na análise da gestão de suprimentos de uma montadora de equipamentos médico-odontológicos, visando propor melhorias nas práticas atualmente utilizadas, pode-se mencionar:

  • As atividades da função suprimentos na montadora são distribuídas com coerência entre os membros da equipe e têm responsáveis bem definidos não havendo necessidade de mudanças e proposição de melhorias;

  • A equipe de suprimentos possui quatro objetivos definidos: redução de custos e melhoria de prazo de pagamento, qualidade e prazo de entrega, porém poderiam ser adicionados mais dois objetivos relacionados a “flexibilidade” e “inovação” e avaliá-los durante o período de um ano para entender se realmente podem trazer resultados positivos para a montadora;

  • Assim como na maioria das empresas, segundo Ashenbaum et al. (2009) Ashenbaum, B., Maltz, A., Ellram, L., & Barratt, M. A. (2009). Organizacional alignment and supply chain governance structure: Introduction and construction validation. International Journal of Logistics Management, 20(2), 169-186. http://dx.doi.org/10.1108/09574090910981279.
    http://dx.doi.org/10.1108/0957409091098...
    , a Alfa não considera os tipos de estrutura de governança que regem as relações com seus fornecedores, mas deveria fazê-lo, pois a segmentação dos fornecedores conforme os tipos de governança – “mercado”, “modular”, “relacional”, “cativo” e “hierarquia”, conforme proposta de Gereffi et al. (2005) Gereffi, G., Humphrey, J., & Sturgeon, T. J. (2005). The governance of global value chains. Review of International Political Economy, 12(1), 78-104. http://dx.doi.org/10.1080/09692290500049805.
    http://dx.doi.org/10.1080/0969229050004...
    – possibilita que cada segmento seja administrado de acordo com as características dos fornecedores que o compõem trazendo significativos benefícios à empresa;

  • Combinada com a segmentação proposta no item acima, a montadora deve empregar a metodologia de Lambert & Schwieterman (2012) Lambert, D. M., & Schwieterman, M. A. (2012). Supplier relationship management as a macro business process. Supply Chain Management, 17(3), 337-352. http://dx.doi.org/10.1108/13598541211227153.
    http://dx.doi.org/10.1108/1359854121122...
    que propõe a subdivisão da base de fornecedores em quatro grupos: “Estratégicos”, “Influentes”, “Gargalo” e “Rotineiros”. Isto seria implementado em substituição a uma política apenas baseada no gasto com cada fornecedor e poderia gerar uma série de aperfeiçoamentos nas práticas adotadas pela empresa na área de compras e gestão de suprimentos. A segmentação proposta torna ainda possível uma priorização das ações na área em função das importâncias relativas dos segmentos identificados;

  • Para atingir seu objetivo estratégico de redução de custos, a Alfa utiliza políticas de “integração vertical”, “planos de negociação”, “fonte única ou fontes múltiplas”, “fonte local ou fonte internacional” e “alteração de especificações de engenharia e de suprimentos”, porém poderia adotar, também, uma política de racionalização da base de fornecedores, pois a redução na quantidade de fornecedores de itens semelhantes poderia proporcionar ganhos de escala nas negociações, melhorias na gestão de suprimentos e, ainda, ganhos na operação logística.

Desta forma, pode-se concluir que a análise feita neste estudo indica uma série de oportunidades para a melhoria da gestão de área de compras e suprimentos da empresa Alfa.

Embora apresente contribuições para a área, a presente pesquisa está limitada ao estudo de uma única empresa da indústria de equipamentos médico-odontológicos, o que não permite a generalização das informações e resultados aqui apresentados. O estudo, entretanto, sugere um método e critérios para a definição de políticas de gestão de suprimentos.

Como já foi destacado na introdução deste trabalho, um dos objetivos de um estudo exploratório como este é formular problemas mais precisos que possam sugerir a realização de trabalhos futuros. Assim, poder-se-ia, por exemplo, realizar um estudo mais amplo que contemplasse uma amostra de empresa da indústria estudada e até mesmo de outras indústrias, com o objetivo de mapeamento e análise das políticas de gestão de suprimentos. Outra sugestão seria a da realização de um estudo que envolvesse a implementação em uma empresa da política de gestão de suprimentos delineada neste trabalho com base na realidade (situação) encontrada na empresa Alfa.

  • Suporte financeiro: Nenhum.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2018
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2017
  • Aceito
    18 Maio 2018
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