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Elaboração e Acompanhamento de Planos Estratégicos em uma universidade pública: uma análise baseada na Estratégia como Prática

Resumo

Neste artigo, procura-se analisar os processos de planejamento estratégico de quatro gestões sucessivas de uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) brasileira. São considerados os papéis de praticantes, práticas e práxis no desenvolvimento e na implementação dos processos de formulação e acompanhamento dos planos, de acordo com a estrutura conceitual que constitui a Estratégia como Prática (ECP), além das principais características do ambiente externo (político) nos períodos das gestões da universidade. Identificou-se que houve uma evolução no desenvolvimento dos processos de planejamento ao longo das sucessivas gestões, tendo sido acumuladas competências essenciais para a implementação de tais processos e adaptadas as práticas adotadas ao contexto específico da instituição estudada. O que é implementado, entretanto, depende sobremaneira das posturas dos reitores e de suas equipes. Os três constructos são interdependentes e compõem um todo significativo no contexto de cada ciclo administrativo, e sua aplicação resultou na viabilização da propositura de um roteiro de análise dos processos de planejamento estratégico das quatro gestões estudadas, configurando-se no principal resultado obtido pela pesquisa efetuada.

Palavras-chave:
Planejamento estratégico; Estratégia; Estratégia como prática; Monitoramento de processos; Formação de estratégia; Universidade Federal

Abstract

This article seeks to analyze the strategic planning processes of four successive administrations of a Brazilian Federal Higher Education Institution (HEI). The roles of the Practitioners, Practices, and Praxis - concepts that constitute the Strategy as Practice view – are considered in each administration, in addition to organization's internal and external context for the analysis of each administration. An evolution on the development of planning processes throughout these subsequent administrations has been identified, which has gathered essential competences to implement such projects and customize the adopted practices to the studied institution’s specific context. However, what is actually implemented is posture-dependent of the deans and their teams. The three constructs are interdependent and compose a meaningful whole in the context of each administrative cycle, and its application enabled the proposition of a strategic planning process analysis script of the four studied administrations, stating it as the core result obtained by the performed research.

Keywords:
Strategic planning; Strategy; Strategy as practice; Processes monitoring; Strategy formation; Federal University

1 Introdução

Neste trabalho, serão abordados os processos de formulação e acompanhamento de planos adotados em quatro gestões sucessivas de uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) no período compreendido entre 1992 e 2008.

Análises desses tipos de processo em universidades são raramente encontradas na literatura, especialmente aquelas de algum modo sustentadas pelo referencial teórico da Estratégia como Prática (ECP) (do inglês, Strategy as Practice), utilizado aqui. Essa é ainda uma abordagem relativamente recente e ainda pouco empregada.

Processos de formulação e acompanhamento de planos em instituições sem fins lucrativos e em universidades públicas apresentam diferenças significativas quando comparados aos adotados em empresas privadas, para as quais a grande maioria das teorias administrativas e de suas ferramentas estão voltadas. Entre as mais importantes diferenças de tais organizações, estão a não lucratividade ou o retorno financeiro e as características dos contextos externos e internos, nos quais aspectos de natureza política (e legal) condicionam a gestão e as ações de cada instituição.

Pode-se exemplificar como condicionantes externos das gestões das IFES: os programas formulados e implementados pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), pelo Ministério da Educação (MEC) e pelas agências de fomento à pesquisa (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP); a Lei nº 8.666/1993, que rege as relações de aquisição de materiais, serviços, equipamentos e obras; o controle do orçamento e dos gastos das IFES pelo Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG); a fiscalização das contas pelo Tribunal de Contas da União (TCU); e a lei sobre carreiras de servidores técnico-administrativos e docentes. Entre os condicionantes internos, estão: o funcionamento das IFES regido por estatutos e regimentos formulados internamente e controlados pelo MEC; a forma de preenchimento de cargos e postos de chefias, uma vez que coordenadores de cursos de graduação e pós-graduação, chefes de departamentos e diretores acadêmicos são eleitos pela comunidade para exercer suas funções por períodos de dois ou quatro anos (os reitores também são eleitos a cada quatro anos); as estruturas organizacionais das IFES, em que as unidades possuem grande autonomia; e as decisões tomadas por órgãos colegiados, nos quais estudantes, servidores técnico-administrativos e docentes têm representação. As relações de poder mais fortemente percebidas advêm do reconhecimento acadêmico-científico existente entre os membros das comunidades interna e externa. Apenas tal característica, como se pode depreender, já afeta diretamente o processo de tomada de decisão nos diferentes níveis hierárquicos, diferenciando-o dos realizados em empresas. Somem-se a ela os demais condicionantes, e as diferenças serão suficientemente significantes para que sejam tratadas e analisadas como não pertencentes a categorias organizacionais equivalentes.

Diante de tal constatação, tornou-se clara a necessidade de se desenvolver uma ferramenta de análise dos processos de elaboração e acompanhamento de planos estratégicos que considerasse as especificidades das IFES. Assim, o principal objetivo da pesquisa desenvolvida foi a proposição de um roteiro de análise dos processos de formulação e acompanhamento de planos estratégicos em universidades públicas, embasada nas análises dos processos de estrategização da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), aplicados durante quatro gestões consecutivas (16 anos). Tais análises foram elaboradas a partir do estudo das práticas utilizadas, das práxis realizadas, dos resultados obtidos, dos seus praticantes e dos contextos vivenciados, a fim de identificar e reunir um conjunto de elementos que contribuíssem para o aprimoramento da elaboração de planos estratégicos nas IFES.

A UFSCar possui algumas particularidades que a distinguem da grande maioria das IFES. Desde a sua criação, foi projetada para atuar na área de pesquisa, com o oferecimento de cursos de graduação distintos dos já ofertados pelas demais instituições universitárias brasileiras. Historicamente, mais de 20% de seu alunado foi composto de mestrandos e doutorandos. Além disso, o total dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), até 2008, sempre foi superior ao de graduação, delineando seu perfil diferenciado. O processo de aculturação vivenciado ao longo dos anos esteve apoiado tanto pela política de qualificação posta em prática em toda sua história quanto pelos processos de contratação, que sempre priorizaram a titulação. Reflexo disso é o alto índice de titulação de seu corpo docente. Em 1992, 89,6% de seus docentes eram titulados. Em 2008, os titulados eram 99,9%, majoritariamente com doutorado. Nesse mesmo período, os contratos em Regime de Dedicação Exclusiva passaram de 97,2% para 98%.

O processo eleitoral para o cargo de reitor é feito a partir de consulta à comunidade, de forma democrática e paritária, e, diferentemente da grande maioria das demais universidades federais, inscrevem-se chapas compostas de candidatos a reitor, vice-reitor e pró-reitores, que submetem seus Programas de Gestão à apreciação da comunidade. Tal se reveste de grande importância para este estudo, uma vez que todas as gestões compreendidas no período analisado são de continuidade e encontram nos Programas de Gestão a base para a elaboração de Planos Estratégicos das Gestões.

O método de pesquisa aplicado foi o estudo de caso. Os quatro estudos de caso desenvolvidos são de natureza descritiva. Foram aplicadas entrevistas semiestruturadas, com cada entrevistado (reitores e dois pró-reitores) contatado pessoalmente ou por telefone para convidá-lo a participar do levantamento e para o agendamento de data, horário e local de suas preferências. Sempre que necessário para a complementação de informações e compreensão de algum fato, realizaram-se pesquisas documentais em relatórios de gestão, planos estratégicos e atas de reuniões de conselhos, documentos gerados durante processos de formulação e acompanhamento de planos estratégicos e publicações de indicadores da universidade.

Neste artigo, que tem como tema os processos de formulação e acompanhamento de estratégias em universidades públicas federais, foram utilizados os constructos da ECP para analisar os processos de estrategização ocorridos na UFSCar no período compreendido entre 1992 e 2008. Este trabalho tem como objetivos analisar os processos de formulação e acompanhamento dos planos estratégicos das diferentes gestões e a proposição de um roteiro para análise de tais processos em universidades públicas, federais ou não.

Na seção a seguir, será tratada a ECP, principal corrente teórica aplicada no estudo e, na seção subsequente, serão apresentados o método utilizado, os processos de elaboração e acompanhamento de planos estratégicos de cada gestão e as conclusões obtidas a partir da análise dos casos.

2 Estratégia como prática

Uma vez que essa teoria embasou toda a análise efetuada, faz-se necessário tecer um breve relato sobre algumas de suas características e os principais conceitos que a estruturam.

Uma estratégia é definida e realizada por meio da execução de atividades ou ações, pertencentes ao nível hierárquico superior, intermediário ou operacional. Essa é uma visão que se coaduna com a ECP, a qual, diferentemente das teorias disseminadas e amplamente aplicadas, adota uma visão microscópica para descrever o processo de criação, implantação e monitoramento de estratégias, pois busca explicá-lo a partir da relação entre (1) praticantes, ou estrategistas, (2) práticas e (3) práxis. Nessa visão, estratégia não se resume a algo que a organização possui, mas no que ela faz (Johnson et al., 2007Johnson, G., Langley, A., Melin, L., & Whittington, R. Strategy as practice: research directions and resources. New York: Cambridge University Press; 2007. http://dx.doi.org/10.1017/CBO9780511618925.
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).

A prática está relacionada às ferramentas administrativas, às metodologias, aos sistemas, aos procedimentos e aos processos, que, consolidados, compartilhados e aceitos por todos, são utilizados para criar estratégias. São as rotinas e as normas que regem o trabalho de estratégia ou, mais amplamente, são, conforme Vaara & Whittington (2012Vaara, E., & Whittington, R. (2012). Strategy-as-practice: taking social practices seriously. The Academy of Management Annals, 6(1), 285-336. http://dx.doi.org/10.5465/19416520.2012.672039.
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, p. 11), também “as rotinas de comportamento compartilhadas que ditam as tradições, as normas e os procedimentos utilizados para pensar, agir e usar coisas”. Pode-se citar como exemplos de práticas os modelos utilizados, os “retiros” de planejamento, a metodologia empregada, as teorias, técnicas e tecnologias utilizadas, como gráficos de Gantt, Balanced Scorecard, o modelo das Cinco Forças de Porter etc.

Johnson et al. (2007)Johnson, G., Langley, A., Melin, L., & Whittington, R. Strategy as practice: research directions and resources. New York: Cambridge University Press; 2007. http://dx.doi.org/10.1017/CBO9780511618925.
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destacam como práticas organizacionais institucionalizadas, nas quais as pessoas se engajam para executar sua atividade de estratégia, os procedimentos e os sistemas, por exemplo, o planejamento estratégico e as normas ou os comportamentos roteirizados, que ocorrem por causa da necessidade de se obedecer uma pauta em reuniões.

Já a práxis se refere à atividade real, àquilo que as pessoas realmente fazem para criar e implementar estratégias, sejam atividades formais, sejam atividades informais, que ocorrem no centro e na periferia da organização. Jarzabkowski & Spee (2009)Jarzabkowski, P., & Spee, A. P. (2009). Strategy as practice: a review and future directions for the field. International Journal of Management Reviews, 11(1), 69-95. http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-2370.2008.00250.x.
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a definem seguindo essa mesma linha, como o fluxo de atividades no qual a estratégia é realizada. Esses e outros autores citam como exemplos dessas atividades as apresentações, a elaboração de projetos e planos, a tomada de decisões, o cálculo de preço de produtos, as conversas (formais ou informais), os discursos e outras atividades, executadas pelos e nos diferentes níveis hierárquicos e que consomem recursos organizacionais. Para Whittington et al. (2006)Whittington, R., Molloy, E., Mayer, M., & Smith, A. (2006). Practices of strategising/organizing: broadening strategy work and skills. Long Range Planning, 39, 615-629. http://dx.doi.org/10.1016/j.lrp.2006.10.004.
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, a práxis estratégica aponta para o trabalho efetivo do praticante da estratégia, o qual se dá por meio da busca de modelos de referências, no modo de reproduzi-los e, sempre que necessário, de alterar e adaptar suas práticas estratégicas. A práxis é a ação transformadora, é o ato em si, obrigatório para a realização de uma atividade por meio da aplicação de uma ou mais práticas, visando a resultados. Ela

[...] engloba todas as reuniões, consultas, apresentações, comunicações, elaboração de documentos, entre outras, necessários à elaboração e à execução de estratégias. Em outras palavras, todas as várias atividades envolvidas na formulação e implementação [...] de estratégia [...] (Whittington et al., 2006Whittington, R., Molloy, E., Mayer, M., & Smith, A. (2006). Practices of strategising/organizing: broadening strategy work and skills. Long Range Planning, 39, 615-629. http://dx.doi.org/10.1016/j.lrp.2006.10.004.
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, p. 619).

Esclarecendo um pouco mais tal conceito, Vaara & Whittington (2012)Vaara, E., & Whittington, R. (2012). Strategy-as-practice: taking social practices seriously. The Academy of Management Annals, 6(1), 285-336. http://dx.doi.org/10.5465/19416520.2012.672039.
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se referem à práxis como sendo as atividades envolvidas no “strategy-making”, por exemplo, aquelas que se envolvem nos processos de planejamento estratégico.

A distinção entre a prática e o que acontece de fato aponta para o terceiro conceito, o de praticante, de cuja habilidade e iniciativa dependem as atividades. São aquelas pessoas de diferentes níveis hierárquicos que concebem, implantam e acompanham as estratégias, ou seja, são os estrategistas. Nas palavras de Maia (2010Maia, J. L. (2010). Gestão competitiva em empresas brasileiras: a prática da estratégia por meio de suas visões, ferramentas e atores do processo (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., p. 74), “[...] são os atores do processo estratégico que lançam mão das práticas para agir e produzir a práxis”. Ao agirem de tal modo, podem aperfeiçoar ou reproduzir as práticas existentes, ou mesmo criar novas.

Para melhor elucidar as relações entre eles, a Figura 1 apresenta uma estrutura contendo a integração entre esses conceitos. Whittington (2006)Whittington, R. (2006). Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, 27(5), 613-634. http://dx.doi.org/10.1177/0170840606064101.
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, que a elaborou, esclarece que, na base da figura, encontram-se os praticantes da estratégia, identificados pelas letras de “A” a “D”, tipicamente membros da alta direção da empresa, seus consultores e assessores, mas também outros atores da organização (ou fora dela), como média gerência e chefias. Nota-se que três desses praticantes são internos à empresa (“A”, “B” e “C”), enquanto o praticante “D” é externo, parte de uma organização representada pelo quadrado externo maior. A figura focaliza cinco “episódios” da práxis estratégica, os quais, como citados anteriormente, podem ser reuniões de conselho, análises, cálculos ou mesmo conversas informais. Na formulação das estratégias, os praticantes lançam mão de práticas disponíveis no contexto organizacional ou extraorganizacional; as que são aceitas como legítimas por essa organização estão representadas no paralelogramo superior.

Figura 1
Integrando práxis, práticas e praticantes.

As setas verticais representam a utilização e a retroalimentação das práticas – conforme os estrategistas as utilizam nos diversos episódios da práxis, eles reproduzem e ocasionalmente alteram o conjunto de práticas disponíveis.

A ECP propõe a análise de microatividades gerenciais e, portanto, refere-se ao modo como os gerentes realmente fazem estratégia. Para o autor, a perspectiva da ECP retira o foco de preocupação com as competências centrais da corporação e o transfere para o das competências práticas do gerente enquanto estrategista.

Destaca-se que essa corrente teórica não concebe o processo estratégico composto de etapas distintas como sendo elaborado por um grupo de pessoas e implementado por outro. O processo é único, e suas etapas, interdependentes. Daí o conceito de “estrategização”, termo utilizado para englobar todas as práticas contínuas e todos os processos que se dão desde o momento em que a estratégia é concebida, mantida e renovada até quando é executada. É com esse sentido que passa a ser utilizado neste artigo.

Isso posto e dado que cada gestão analisada foi realizada por diferentes gestores e ocorreu em momentos distintos, a proposta apresentada a seguir considerou, além dessa visão, a influência que os contextos interno e externo tiveram sobre dirigentes e planos.

3 Análise das gestões

Previamente à descrição e à análise dos processos de estrategização de cada gestão, é apresentado o método utilizado para o estudo dos casos analisados, sendo cada gestão entendida como um caso.

Descreveu-se e analisou-se o processo de estrategização de cada gestão pertencente ao período de cobertura desta pesquisa a partir dos seguintes elementos: o contexto em que ocorreu a gestão, o processo de formulação do plano e o processo de acompanhamento do plano.

O contexto foi encarado como externo e interno, enquanto os processos de formulação e acompanhamento do plano foram decompostos nos três constructos da ECP.

A análise das gestões se deu a partir da comparação entre esses elementos de cada uma delas.

O modelo desenvolvido visou comparar os processos ocorridos nas diferentes gestões, os quais se encontram destacados na Figura 2.

Figura 2
A interdependência existente no processo de estrategização.

Essa análise foi estruturada por tópicos, tornando-a modular e de fácil compreensão. Primeiro, analisaram-se os contextos em que ocorreram e, posteriormente, as práticas, as práxis e os praticantes envolvidos nos processos.

Partiu-se do ponto de vista que as variáveis analisadas não são controláveis, à exceção das práticas empregadas.

No entanto, sabe-se que tais variáveis influenciam nos processos de elaboração e acompanhamento dos planos e em seus resultados. Tanto o processo de elaboração como o de acompanhamento são dependentes de seus praticantes, das práticas utilizadas, das práxis executadas e do contexto em que ocorrem.

3.1 Gestão 1992-1996

Essa gestão foi a introdutora do planejamento estratégico enquanto ferramenta gerencial na UFSCar.

3.1.2 Contextualização

Itamar Franco assumiu interinamente a presidência em 29 de setembro de 1992 e, em 29 de dezembro daquele mesmo ano, tornou-se presidente da República após renúncia de Fernando Collor de Mello. Na esfera econômica, vivia-se um processo hiperinflacionário, com a inflação atingindo a marca de 1.100% naquele ano e, no seguinte, saltando para aproximadamente 2.500%. Em 30 de junho de 1994, foi implantado o Plano Real, quando a inflação era de aproximadamente 46,6%. Posteriormente, Fernando Henrique Cardoso (FHC) se elegeu presidente da República e deu continuidade às ações preconizadas pelo Plano Real, ainda com maior ímpeto.

O contexto reinante desde o início da gestão foi o resumidamente traçado. As medidas adotadas para a contenção de gastos públicos tiveram fortes reflexos para as IFES, as quais tiveram seus orçamentos contingenciados. Houve também o congelamento salarial de docentes e técnico-administrativos e a proibição de reposição de quadros.

Internamente, no início da gestão, havia resistência à equipe eleita por meio de um processo democrático e altamente competitivo. A universidade havia praticamente se dividido ao meio ao apoiar uma das chapas concorrentes, o que implicou dificuldades durante os primeiros meses de gestão. Com o passar do tempo e a partir das realizações obtidas, esse quadro foi se modificando e, ao término do período, a gestão contava com o apoio da grande maioria da comunidade.

3.1.3 Processo de formulação do plano de gestão

Implantado pela primeira vez durante a gestão 1992-1996, o processo de planejamento estratégico da UFSCar aplicou diferentes métodos e procedimentos para sua elaboração.

Marcada pela visão de que a administração pública

[...] não poderia prescindir da adoção criteriosa de metodologias de gestão (que fossem) compatíveis com os princípios da autonomia, democracia, qualidade e criticidade (que) auxiliassem na consecução dos objetivos acadêmicos [...],

a gestão 1992-1996 deu início ao que pretendia ser

[...] o primeiro passo visando uma sólida e definitiva implantação da prática de planejamento estratégico na administração da UFSCar [...] (UFSCar (1996Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. (1996). Planejamento estratégico 1993-1996. São Carlos: UFSCar., p. 6).

A partir desse raciocínio, foi dado início ao processo do planejamento estratégico para aquela gestão, tendo como suporte básico os princípios direcionadores do plano de ações (proposta de governo) apresentado à comunidade acadêmica pela equipe candidata ao processo sucessório e por meio do qual foi eleita. Desse plano de ações constavam 11 tópicos que foram exaustivamente analisados em reuniões que definiriam o plano estratégico para o período.

Gerou-se um plano do qual constaram 76 objetivos, 290 metas e 535 atividades. Empregou-se, para seu desenvolvimento, uma adequação da metodologia clássica de planejamento, ao buscar suas potencialidades e suas necessidades, tendo como pano de fundo análises de potenciais ocorrências, positivas ou não, o que remete aos preceitos do SWOT, que se baseia na análise de pontos fortes (Strengths), pontos fracos (Weakness), oportunidades (Opportunities) e ameaças (Threats).

A proposta foi levada ao conhecimento do Conselho Universitário em 24 de março de 1994. As priorizações de metas e atividades foram eleitas em função do volume de recursos disponibilizados à universidade e do exame de necessidades e urgências conjunturais, por meio dos órgãos colegiados superiores.

Sob o ponto de vista da ECP, serão destacados agora as práticas, as práxis e os praticantes desse processo de formulação do plano.

  • Práticas

Foram empregadas durante a formulação do plano as seguintes práticas: estrutura adotada para as reuniões de planejamento, nas quais a palavra era livre e as opiniões se revestiam de igual peso e importância para todos os participantes; sistematização de “prestações de contas” bianuais às unidades departamentais e setoriais com docentes e técnico-administrativos; sistematização de “prestações de contas” bianuais aos alunos de graduação e pós-graduação; plano de ações da equipe eleita, empregado como suporte para as definições do plano de gestão, uma vez que representavam os anseios da comunidade; o modelo tradicional de planejamento, utilizando-se de um SWOT simplificado; enfoque participativo adotado para prover o processo de maior representatividade; e emprego de rotinas voltadas à elaboração e à apresentação de textos analíticos sobre o que estava em realização em cada unidade e o que seria necessário implementar para que obtivesse maior possibilidade de sucesso.

  • Práxis

Durante essa etapa, a práxis do reitor foi a de definir quais, como e por quem os trabalhos deveriam ser feitos. Ao mesmo tempo que coordenava cada encontro de trabalho, participava também enquanto membro de uma equipe, debatendo propostas dos demais gestores, elaborando suas próprias, participando do processo decisório sobre objetivos, metas e atividades que deveriam ser inseridos no plano. Outras de suas ações que compuseram sua práxis foram: contatar membros da equipe de elaboração do plano com o objetivo de convencê-los a se responsabilizarem por alguma tarefa de apoio às decisões das reuniões, como elaboração de documentos, levantamento de dados etc.; solicitar-lhes empenho na resolução de tarefas; e coordenar as reuniões nos departamentos acadêmicos e administrativos e com o corpo discente.

Os demais membros tiveram como práxis a elaboração de proposta de objetivos, metas e atividades, focadas em análises do tipo SWOT, sua apresentação à equipe de planejamento durante os encontros de formulação do plano, além de participar de debates e decisões sobre o conteúdo do plano.

  • Praticantes

Os praticantes foram o reitor e sua equipe, composta de vice-reitor, pró-reitores, secretários gerais, diretores diretamente vinculados à reitoria, prefeito universitário e chefe de gabinete.

3.1.4 Processo de acompanhamento do plano de gestão

O fato de não existir uma cultura de planejamento instalada desencadeou um processo intuitivo de gerenciamento e controle das atividades, capitaneado pelo reitor, que, no mínimo anualmente, realizava reuniões com a equipe para obter informações sobre o desenrolar das atividades previstas e dos resultados obtidos. Cada gestor era responsável pela elaboração de um relatório de monitoramento de suas atividades, o qual seria utilizado nas reuniões. Seus sentimentos, seus conhecimentos e sua experiência determinavam como estava o desenvolvimento rumo à concretização dos objetivos e das metas declarados, uma vez que não lhes foram formalmente atribuídos indicadores de resultado.

Houve visitas da equipe gestora aos departamentos acadêmicos e administrativos para apresentação das realizações do plano (e da gestão). Nessas ocasiões, obtinham-se de docentes, funcionários e estudantes críticas e sugestões ao plano. Após passar por um processo de consolidação, o material produzido alimentava as oficinas de acompanhamento e atualização do plano.

  • Práticas

As seguintes práticas foram utilizadas durante o acompanhamento do plano de gestão: elaboração de relatórios de cada responsável sobre a situação das atividades em relação ao projetado; visita aos departamentos acadêmicos e administrativos; elaboração de relatório das visitas contendo uma sistematização das críticas e sugestões ao plano; estrutura adotada para as reuniões de planejamento, nas quais a palavra era livre e as opiniões se revestiam de igual peso e importância para todos os participantes; e enfoque participativo praticado para dotar o processo de maior representatividade.

  • Práxis

A práxis realizada pelo reitor foi a de coordenar o processo, determinando como cada gestor deveria prestar contas das atividades. Previamente às oficinas de acompanhamento do plano, recebia os relatórios de cada gestor e os analisava, obtendo uma visão completa sobre eles e se seus resultados estavam condizentes com a estratégia institucional. Fazia parte de sua práxis a realização sistemática de cobrança de avanços e resultados, bem como de celeridade na elaboração dos relatórios individuais de prestação de contas. Sua práxis também se deu externamente, por meio da busca de oportunidades provenientes de diferentes ministérios e de submissão de projetos visando ao financiamento de atividades previstas ou não no plano.

Já para os demais membros da equipe, as práxis foram a de operacionalizar as atividades de cada meta e, periodicamente, elaborar relatório sobre o desenvolvimento delas. Participavam ainda das reuniões de acompanhamento do plano, apresentando seus relatórios, dos debates e das decisões sobre inclusão, alteração ou exclusão de atividades de todo o plano.

  • Praticantes

Os seguintes praticantes participaram dessa etapa do processo, além dos membros da equipe de gestão já citados pela etapa anterior, durante as reuniões de prestação de contas e captação de críticas e sugestões ao plano: docentes, técnico-administrativos e estudantes.

3.2 Gestão 1996-2000

Nessa gestão, foi introduzido o método planejamento estratégico situacional (PES) na UFSCar.

3.2.1 Contextualização

O ano de 1996 marcou o início do aprofundamento das divergências entre as IFES e o MEC. Foram implantadas ações restritivas ao custeio das IFES por meio da promulgação de medidas provisórias ou decretos. Esse contexto era ainda influenciado pela proibição de contratações, vigente desde o início do governo. No relatório parcial de gestão, de maio de 1999, foi assim expresso o contexto vigente:

[...] medidas como a proibição de reposição e contratação de pessoal [...], a drástica redução dos recursos financeiros e orçamentários [...]; a diminuição das cotas de bolsas de pesquisa [...] são apenas alguns dos graves problemas enfrentados [...] (UFSCar, 1999Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. (1999). Relatório de Gestão 1996-2000. São Carlos: UFSCar., p. 7).

pelas universidades federais. Apontava-se para a necessidade de se estabelecer um protocolo de intenções entre os reitores das IFES, propondo uma expansão de vagas para se obter um equilíbrio do quantitativo de pessoal em todo o sistema federal de ensino superior.

Internamente, passava-se por um momento de unidade, por ter a UFSCar se firmado enquanto uma instituição capaz de levar a cabo e a contento seus projetos, sentimento esse florescido a partir dos resultados alcançados pela administração anterior e que, em boa parte, permaneceu vigente nessa gestão.

3.2.2 Processo de formulação do plano

Nessa gestão, optou-se pelo emprego da metodologia do PES em substituição ao modelo anteriormente utilizado, em virtude de se objetivar a aplicação de práticas que viabilizassem maior participação da comunidade no processo, envolvendo, principalmente, a área acadêmica.

Houve a realização de uma série de seminários com o conjunto da equipe de gestão, tendo como principal resultado a elaboração do plano geral para os quatro anos de gestão. Foram aplicados os passos metodológicos do PES, do método ZOPP (Zielorientierte Projektplanung- planejamento de projetos orientado por objetivos) e do Planejando a Ação Estratégica (PAE).

O processo de desenvolvimento do plano contou com a participação dos membros da equipe gestora e, esporadicamente, de dois diretores de centros acadêmicos, além de dois assessores externos.

Como subsídio de análise estratégica para a formulação desse plano, foi realizado e sistematizado um debate sobre os principais jogos sociais em que a universidade estava inserida (Ciência e Tecnologia e Perspectivas da Economia Nacional; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Rumos da Educação; e Reforma do Estado e Democratização da Esfera Pública).

Foram efetuadas reuniões entre a equipe gestora e os diferentes departamentos acadêmicos e administrativos, visando ao levantamento de problemas e dificuldades vivenciados pela comunidade, os quais, posteriormente, foram levados à análise para a equipe de planejamento, ampliando sua capacidade de percepção da realidade.

Em um segundo momento, dando continuidade à incorporação do método PES à gestão acadêmica, diversos membros da equipe dirigente e de seus colaboradores participaram de cursos sobre o método, de competências conversacionais, de administração universitária e de treinamento para a utilização de software voltado à informatização do processo de elaboração e gerenciamento do planejamento estratégico.

A UFSCar viabilizou várias das ações envolvidas nesse processo, como a reestruturação da Secretaria Geral de Planejamento e a implantação de um “grupo gestor”, responsável por assessorar a reitoria na definição de prioridades e na realização de análise e resolução de problemas.

  • Práticas

As práticas utilizadas para a formulação do plano foram: método PES de planejamento; método ZOPP para obtenção de visão consensuada e norteadora para a fase de diagnóstico da situação; métodos PAE, mapeamento cognitivo e visualização móvel, além do programa de gestão, contendo as propostas da equipe para a comunidade à época sobre o pleito para o cargo de reitor; estrutura das oficinas de planejamento, em que todos têm direito à voz e, se necessário, ao voto, não havendo distinção quanto à função exercida pelos participantes; debates sobre jogos sociais relevantes ao futuro da UFSCar; oficinas de planejamento; e uso de software dedicado à elaboração e ao acompanhamento do plano.

  • Práxis

A práxis empregada pelo reitor nessa etapa foi a de delegar seu desenvolvimento técnico aos assessores externos de planejamento, mantendo para si a coordenação política do processo. Desempenhava o papel de líder da equipe, ao mesmo tempo que participava de debates, análises e desenvolvimento das atividades previstas no modelo em igualdade de condições com os demais membros.

Sua práxis concretizou a reestruturação da Secretaria Geral de Planejamento e contatos em ministérios em busca de viabilização de ações dependentes de recursos financeiros ou de pessoal.

As práxis dos membros da equipe foram participar de eventos de capacitação em PES e outros métodos de apoio ao desenvolvimento de planos e projetos, realizar propostas e análises, bem como decidir sobre as operações e as ações que compuseram o plano e suas prioridades.

  • Praticantes

Os praticantes dessa etapa do planejamento foram o reitor e sua equipe (vice-reitor, pró-reitores, secretários gerais, prefeito universitário, chefe de gabinete e diretores diretamente vinculados à reitoria), que contaram com o apoio de dois assessores externos (da Escola de Governo da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP) na condução técnica das atividades.

3.2.3 Processo de acompanhamento do plano

O processo de monitoramento do plano desenvolveu-se efetivamente de modo integrado ao detalhamento periódico das operações. À medida que se realizavam as oficinas definindo as ações e as subações para cada trimestre, processava-se paralelamente o balanço de realizações e de resultados obtidos no que dizia respeito ao período anterior, ao mesmo tempo que se registravam as atividades realizadas e não previstas originalmente.

O processo de levantamento da situação com os vários gestores e o seu processamento se deram por meio da realização de entrevistas periódicas realizadas com os gestores. Foram realizadas duas grandes oficinas de balanço e revisão do plano, nas quais se identificaram as linhas gerais de avanço na implementação dele, assim como as principais dificuldades enfrentadas. Realizou-se uma avaliação do contexto geral da atuação institucional que gerou readequações pontuais nas prioridades e nas opções estratégicas anteriormente assumidas.

Desse modo, manteve-se, ao longo de todo o período coberto pelo plano, não apenas sua vitalidade como instrumento orientador da gestão, mas também uma forma adequada de direcionamento estratégico.

Foram incorporadas ao plano aquelas atividades que, embora não previstas originalmente, desempenhavam importante função em relação aos objetivos buscados. Assim, ações “emergentes” (Mintzberg & Quinn, 2001Mintzberg, H., & Quinn, J. B. (2001). O processo da estratégia (3. ed.). Porto Alegre: Bookman.) foram anexadas para viabilizar estratégias deliberadas ou não formuladas durante o processo de elaboração do plano.

Os principais encontros gerais de monitoramento e atualização do plano sempre ocorreram com a participação integral dos membros da equipe dirigente e, eventualmente, de dois diretores de centros acadêmicos da universidade, fato que também diferenciou esse processo de planejamento estratégico do anterior.

Foram oferecidos cursos internos de planejamento estratégico aos gestores e realizadas oficinas de trabalho com outras metodologias de apoio à gestão, como é o caso do “mapeamento cognitivo”.

Ao final da gestão e com o intuito de proporcionar a continuidade das atividades julgadas essenciais, foram efetuadas reuniões entre as equipes 1996-2000 e 2000-2004, com o objetivo de repassar aos membros dessa última a situação de cada operação quanto ao planejado, seus avanços, dificuldades etc., possibilitando a execução dessas atividades durante (e até mesmo após) o processo de transferência do governo da universidade.

  • Práticas

Destacam-se as seguintes práticas aplicadas durante o monitoramento do plano: disponibilidade de sistema informatizado de gestão de planos elaborados com a metodologia PES; instituição do grupo gestor de apoio à reitoria na solução de problemas; questionário empregado para a obtenção da situação de cada operação em relação ao projetado; entrevistas com gestores; e reuniões (ou oficinas) de monitoramento do plano.

  • Práxis

A práxis do reitor foi a de coordenador político e membro da equipe, nos moldes do que ocorrera na etapa de concepção do plano. Realizou-a por meio de atividades de cobrança de resultados e cumprimento de prazos, bem como pela instituição de um grupo de docentes incumbidos de auxiliá-lo em processos decisórios com base na realização de análises de problemas existentes e potenciais.

Os demais membros da equipe de acompanhamento do plano tiveram como práxis a participação em cursos e oficinas de planejamento estratégico, mapeamento cognitivo e gerenciamento de projetos, preenchimento de questionário sobre a evolução das operações e ações, apresentação ao grupo de planejamento dos avanços e das dificuldades para o atendimento ao preconizado pelo plano.

  • Praticantes

Os praticantes, responsáveis pela execução de ações empreendidas, foram o reitor e sua equipe, os assessores de planejamento, o especialista em mapeamento cognitivo, os membros do grupo gestor e três bolsistas.

3.3 Gestão 2000-2004

Foi no decorrer dessa gestão que se elaborou o plano de desenvolvimento institucional (PDI) da UFSCar, com o envolvimento de representantes de todas as categorias e unidades acadêmicas e administrativas internas e de organismos externos.

3.3.1 Contextualização

O atual reitor, durante a gestão anterior, havia exercido o cargo de vice-reitor, configurando-se em mais uma gestão com a mesma visão político-acadêmica das anteriores.

De 2000 a 2002, no nível macro, houve continuidade da política praticada até então pelo governo FHC, praticando-se um processo de enxugamento orçamentário para as IFES, e as restrições de contratação e reposição de pessoal permaneceram vigentes até o término do governo FHC e início do governo Lula.

Boa parte desse contexto já fora descrito como vigente à época da gestão anterior. O ano de 2003 foi um marco no histórico de relacionamento entre os reitores das IFES e o governo federal. Pela primeira vez um presidente da República recebeu em audiência a totalidade dos reitores das IFES, acompanhado do ministro da Educação. Nela, o presidente listou, entre as prioridades para a educação, a manutenção do sistema público de ensino superior, a ampliação dos cursos noturnos e o aumento do número de vagas de graduação de 524 mil para 1 milhão. Além disso, foram discutidas melhorias nos orçamentos de 2004 e posteriores.

Internamente, existia certo desânimo da comunidade em razão do descaso sistemático que o governo federal vinha dispensando às IFES. A política salarial também influenciava no humor de docentes e técnico-administrativos, há oito anos sem atualização salarial. A mudança no governo federal veio contagiar positivamente a comunidade, uma vez que crescia a expectativa de alteração das políticas para a educação superior, de se ter alocações orçamentárias mais adequadas e aprovada a autonomia de gestão das IFES.

3.3.2 Processo de formulação do plano

Em um primeiro momento, decidiu-se projetar operações para atingir resultados significativos nos primeiros seis meses da gestão, com o papel de angariar recursos e apoio para a implementação de ações futuras.

Elaborou-se também o plano estratégico para a gestão, que teve como pilares dois eixos, que definiram as prioridades de ação da equipe administrativa: (i) projeto acadêmico integrado e (ii) universidade gerida de modo planejado, participativo e sustentável.

Além de optar por dar continuidade à linha teórica adotada para o planejamento estratégico anterior, julgou pertinente priorizar o estabelecimento de operações que objetivassem o aumento da participação da coletividade no processo de elaboração de um PDI, por meio de um processo democrático, transparente e representativo dos anseios das categorias.

A operacionalização do eixo (ii) desencadeou o processo de elaboração do PDI da UFSCar.

A apresentação das práticas adotadas será dada por plano concebido, mantendo-se inclusive a relação temporal entre cada um. Uma vez que foram as mesmas para o plano de 180 dias e o de gestão, estarão comentados sob o mesmo título, conforme se segue.

  1. a

    Plano de Gestão

    • Práticas

As seguintes práticas foram empregadas para a formulação desse plano: uma simplificação do PES; o programa de gestão; as metodologias PES, ZOPP, PAE e visualização móvel; e a própria estrutura das oficinas de planejamento, já comentada.

Práxis

A práxis pelo reitor foi a de coordenar o processo político de planejamento, delegando a coordenação técnica à assessoria externa e à Secretaria de Planejamento. Sua coordenação se deu por meio da definição da necessidade de se realizar um processo de construção do PDI amplamente participativo e que propiciasse uma evolução harmônica da universidade, integrando os aspectos organizacional, acadêmico, físico e ambiental.

Praticantes

Os praticantes são os mesmos descritos anteriormente: reitor e membros da equipe ampliada de gestão.

  1. b

    Plano de desenvolvimento institucional (PDI)

    • Práticas

O processo de concepção do PDI se utilizou de práticas variadas, uma vez que, para cada um dos quatro aspectos analisados, houve a liberdade de se escolher aquelas que melhor se adequassem metodologicamente.

Introduziu-se a prática relativa ao método de trabalho orientado por grupos definidos por aspectos a analisar e coordenado por outro com a incumbência de sistematizar as ações dos anteriores. Além disso, contratou-se assessoria especializada na metodologia de pesquisa-ação e em técnicas voltadas à construção de consenso. Uma vez elaborado o projeto, ele foi submetido ao Conselho Universitário, que o aprovou, tornando-o corporativo, ou institucional, e não mais da equipe dirigente.

Práticas

Para a coordenação do processo de formulação do PDI, as práticas foram: determinação de que deveriam ser definidos princípios, diretrizes gerais e específicas, por aspecto analisado; determinação da estruturação de grupos de trabalhos para cada aspecto; debates para definição de quais metodologias seriam empregadas; composição do grupo âncora, que foi instituído para gerir o processo; e reuniões de acompanhamento e sistematização.

Práxis

A práxis do grupo âncora foi a de leitura e sistematização de documentos e propostas de cada grupo, evitando definições de princípios e diretrizes antagônicas ou repetitivas.

Os grupos específicos lançaram mão das seguintes práticas: reuniões com departamentos e entidades estudantis vinculadas a cada curso; metodologia de trabalho com grandes grupos; Conferência de Busca do Futuro; reuniões com representantes de docentes, técnico-administrativos e sindicais e ex-reitores e ex-diretores de centro; seminários, mesas-redondas e conferências sobre meio ambiente; e seminários sobre planejamento físico de campus universitário.

3.3.3 Processo de acompanhamento do plano

Nessa gestão, as práticas e as práxis foram as mesmas das anteriormente estabelecidas, com a realização de reuniões de atualização do plano. Como o PDI havia derivado de um eixo do plano de gestão, enquanto se desenvolvia aquele, dava-se prosseguimento a este. Porém, a importância e a expectativa dadas ao PDI, tanto pela comunidade como pela equipe de gestão, acarretaram uma subvaloração da etapa de acompanhamento do plano de gestão ou mesmo dele próprio. A prática do reitor até então presente não veio acompanhada de uma práxis efetiva de cobrança para que prestassem as informações e priorizassem essa atividade. Embora tivessem ocorrido, em tais oficinas o clima foi diverso das anteriores, quando a readequação do plano era entendida como essencial para o sucesso do plano.

Com relação ao planejamento como um todo, a práxis do reitor foi a de coordenar as etapas de formulação e acompanhamento, exercendo forte controle sobre seu andamento, por meio constantes cobranças à sua equipe quanto à busca dos resultados definidos pelo plano.

3.4 Gestão 2004-2008

3.4.1 Contextualização

Diferentemente das anteriores, essa gestão passou a enfrentar desafios que o governo federal colocou às IFES: a expansão das vagas do ensino superior público. O primeiro passo dado nesse sentido foi o lançamento, em 2005, do Projeto de Interiorização das IFES. A investida seguinte foi o Projeto de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, lançado em 2007, que tinha como meta dobrar o número de alunos na graduação em dez anos. Além deles, houve também um programa voltado à implantação de cursos a distância, que objetivava a formação de licenciandos. Ao lado do financiamento a esses projetos governamentais, ocorreu uma gradativa recuperação do orçamento das IFES e aprovou-se a reposição automática de vagas docentes, garantindo a recomposição de quadros de docentes ao mesmo patamar de junho de 2007.

Internamente, a gestão foi marcada pela reeleição do reitor. As expectativas de melhoria das condições orçamentárias advindas da mudança de governo começavam a ser satisfeitas, dado o crescimento até então consumado.

No primeiro ano de gestão, ocorreu o afastamento parcial do reitor, que por um ano esteve à frente da ANDIFES, sendo substituído pela vice-reitora naqueles dias em que se achava afastado. Ao final da gestão, uma vez mais houve o afastamento do reitor, que se licenciou por ter concorrido a cargo eletivo municipal em 2008.

3.4.2 Processo de formulação do plano

A metodologia de planejamento permaneceu a mesma, porém o PES foi aplicado com simplificações em relação às gestões anteriores, suprimindo parte do processo analítico inicial em função das análises efetuadas nos momentos precedentes, como no PDI.

A partir das diretrizes gerais do PDI, foram elencadas as diretrizes específicas para as seguintes áreas identificadas como estruturantes para o plano: (1) processos de formação; (2) ampliação da universidade, acesso a ela e permanência nela; (3) produção e disseminação do conhecimento; (4) capacitação dos servidores da UFSCar; e (5) ambiente adequado.

As diretrizes específicas dessas áreas foram alocadas a grupos de trabalho, com cada um deles contemplando três temáticas específicas. O grupo que analisou determinado tema trabalhou com suas diretrizes específicas para definir as operações que deveriam ser levadas a cabo visando às realizações pretendidas. Foram definidas as ações do plano de gestão, seus responsáveis, os indicadores de desempenho, os prazos e as prioridades envolvidas.

  • Práticas

Trabalhou-se com o auxílio de facilitadores, fazendo-se uso da técnica de visualização móvel e da construção da “árvore de problemas” (Matus, 1993Matus, C. (1993). Política, planejamento & governo (Tomos I e II). Brasília: IPEA.). As práticas disponibilizadas nessa etapa foram o PES, o emprego da carta-programa da equipe e a estrutura adotada para as reuniões de planejamento.

  • Práxis

A práxis adotada pelo reitor nessa sua segunda gestão diferiu da anteriormente utilizada. A partir do surgimento das oportunidades geradas pelo governo federal, sua práxis voltou-se à viabilização do ingresso da UFSCar nos projetos propostos pelo MEC, para os quais constituiu coordenações e comissões com a intenção de que elaborassem projetos que seriam submetidos ao Conselho Universitário para aprovação.

A práxis dos membros da equipe de acompanhamento ocorreu a partir da análise do PDI e da seleção de princípios e diretrizes que tivessem correspondência com a carta-programa, para, a partir de grupos de trabalho, a definição das operações e das ações que comporiam o plano.

  • Praticantes

Os praticantes dessa etapa foram o reitor e sua equipe. A partir dessa gestão, não mais se contou com a assessoria externa. O reitor instituiu um assessor interno que, em conjunto com a Secretaria de Planejamento, coordenou tecnicamente as atividades.

3.4.3 Processo de acompanhamento do plano

Projetos de grande envergadura, como a oferta de cinco cursos a distância para 19 polos e a criação do curso de Medicina, ao lado de outros de importância social, como o de ações afirmativas, consumiram tempo e recursos para serem implementados com sucesso, concorrendo diretamente com as demais operações previstas no plano. Tais projetos foram incorporados ao plano com alta prioridade de execução, possuindo, cada um deles, uma coordenação e sistemática específicas. A realização do monitoramento do plano ocorreu por meio de reuniões de acompanhamento e revisão das operações e ações sem uma periodicidade predefinida por causa do acúmulo de atividades dos responsáveis pelas suas execuções.

  • Práticas

As práticas foram as normalmente existentes para essa etapa, como reuniões de monitoramento e avaliação, disponibilização das técnicas de visualização móvel e de análise de cenário.

  • Práxis

A práxis se voltou, principalmente, à introdução da UFSCar nos projetos governamentais de expansão das IFES, aprovados de acordo com os princípios e as diretrizes estabelecidos no PDI e incorporados ao plano, porém não acompanhados pela equipe de planejamento. A operacionalização de sua práxis se deu por meio de reuniões rotineiras entre o reitor e os coordenadores dos projetos, acompanhando-os de modo isolado do plano. Realizou visitas ao MEC em busca de recursos necessários e assumiu a coordenação geral das atividades de planejamento.

  • Praticantes

Os praticantes dessa etapa foram o reitor, sua equipe e os coordenadores locais de projetos governamentais ou institucionais de grande porte, os quais prestavam contas ao reitor sobre o andamento de suas atividades, o que viabilizava a atualização do plano.

4 Considerações finais

As análises efetuadas forneceram uma visão sobre os processos de planejamento de cada período da administração da UFSCar, com base na abordagem ECP, permitindo comparações entre elas. A importância da aplicação dessa teoria reside no fato de que se pode analisar sistemicamente cada um dos elementos estruturais adotados, uma vez que a variação em um deles pode implicar adaptação de outros para alcançar os resultados.

Na análise do caso da UFSCar, pôde-se constatar que houve significativa evolução dos processos de planejamento e acompanhamento de planos adotados nas sucessivas gestões. Diversos gestores puderam vivenciar e aprender com gestões antecessoras, adotando, adaptando e alterando práticas anteriormente implementadas. A incorporação de uma cultura de planejamento pela equipe de gerenciamento (reitor, vice-reitor, pró-reitores etc.) permitiu avanços traduzidos em adaptações sucessivas em práticas usadas para elaboração e monitoramento de planos.

Neste estudo, verificou-se que, além das práticas (ou para além delas) e do contexto político-econômico que condiciona diretamente o funcionamento do ensino superior, praticantes e suas práxis – especialmente os reitores nas diferentes gestões – determinaram os processos aqui examinados. Práticas são importantes, mas a compreensão dos reitores quanto à importância dos processos no contexto da organização determina como tais processos serão conduzidos e promove o estabelecimento de relações entre os profissionais que definem a prática estratégica.

Uma particularidade da ECP, abordagem escolhida neste estudo, reside na visão de que as estratégias devem ser vistas como atividade social, portanto as análises realizadas durante o planejamento estratégico devem considerar não apenas aspectos técnicos e econômicos, mas também compreender conexões e relações entre profissionais, práticas e práxis, bem como entre eles, a estrutura organizacional e o ambiente externo à organização. Tal concepção impacta os processos de elaboração, a avaliação dos planos e a escolha ou a adaptação de métodos e ferramentas de gerenciamento ao longo de todo o ciclo de planejamento estratégico.

Condicionantes político-econômicos influenciaram os resultados nas diferentes gestões da UFSCar, e, para que fossem alcançados, práticas, praticantes e práxis dos processos de planejamento e acompanhamento de planos exerceram papéis centrais. Em um ambiente organizacional em que processos participativos são valorizados pela comunidade acadêmica, uma condução do ciclo de planejamento estratégico que propicie a avaliação contínua e reflexiva tende a favorecer a introdução de adaptações para a implementação eficaz (das propostas já delineadas) e promover o aproveitamento de oportunidades que eventualmente surjam.

  • Como citar: Zabotto, M. A. C., & Alves Filho, A. G. (2019). Elaboração e Acompanhamento de Planos Estratégicos em uma universidade pública: uma análise baseada na Estratégia como Prática. Gestão & Produção, 26(2), e2546. https://doi.org/10.1590/0104-530X2546-19
  • Suporte financeiro: Nenhum.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2017
  • Aceito
    27 Maio 2018
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