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O ruído e sua interferência sobre estudantes em uma sala de aula: revisão de literatura

Resumos

TEMA: a influência do ambiente acústico na aprendizagem. OBJETIVO: analisar alterações que podem ocorrer aos estudantes de uma escola que se encontre sob impacto de ruídos internos ou externos às suas instalações.Para isso, foi realizada uma revisão da literatura sobre temas: processamento auditivo, percepção de fala, acústica em sala de aula, noções básicas de ruído. CONCLUSÃO: a escola se encontra sob forte impacto de ruídos diversos, que se tornam opositores invisíveis à aprendizagem, em um local onde a situação de escuta deveria ser muito privilegiada, e que os Fonoaudiólogos podem auxiliar uma equipe multidisciplinar no monitoramento destas áreas e na implantação de programas de conservação auditiva.

Ruído; Percepção da Fala; Escola


BACKGROUND: influence of the acoustic environment on learning. AIM: to analyze the possible alterations students of schools found under the impact of internal or external noises may present. METHOD: literature review on the following subjects: auditory processing, speech perception, acoustics of classrooms and basic notions about noise. CONCLUSION: schools are under the impact of varied noises that can become invisible opponents to the learning process, especially in a place where the listening situation must be privileged. Audiologists can be part of a multidisciplinary team, helping to monitor these areas and helping to implement hearing conservation programs.

Noise; Speech Perception; School


ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA

O ruído e sua interferência sobre estudantes em uma sala de aula: revisão de literatura* * Trabalho realizado no Instituto de Estudos Avançados da Audição.

Raquel Cecília Fischer DreossiI,1 1 ( dreossi@dglnet.com.br) ; Teresa Momensohn-SantosII

IFonoaudióloga Clínica. Mestre em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

IIFonoaudióloga. Professora Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana - Campo Fonoaudiológico da Universidade Federal de São Paulo. Professora Titular do Departamento de Clínica Fonoaudiológica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Raquel Cecília Fischer Dreossi Al. Joviano Alvim, 388 - Atibaia SP - CEP: 12946-080.

RESUMO

TEMA: a influência do ambiente acústico na aprendizagem.

OBJETIVO: analisar alterações que podem ocorrer aos estudantes de uma escola que se encontre sob impacto de ruídos internos ou externos às suas instalações.Para isso, foi realizada uma revisão da literatura sobre temas: processamento auditivo, percepção de fala, acústica em sala de aula, noções básicas de ruído.

CONCLUSÃO: a escola se encontra sob forte impacto de ruídos diversos, que se tornam opositores invisíveis à aprendizagem, em um local onde a situação de escuta deveria ser muito privilegiada, e que os Fonoaudiólogos podem auxiliar uma equipe multidisciplinar no monitoramento destas áreas e na implantação de programas de conservação auditiva.

Palavras-Chave: Ruído; Percepção da Fala; Escola.

Introdução

Muito tem se falado em ruído, poluição sonora, alterações psicofísicas exercidas pelo ruído sobre o ser humano e por isso muitos profissionais que atuam em escolas se questionam sobre o impacto deste ruído sobre as atividades rotineiras e educacionais ali desenvolvidas.

Diversos meios de comunicação de massa, como jornais e revistas têm divulgado em suas matérias, diversas discussões e enfoques sobre os transtornos ocorridos sempre que as pessoas se encontram sob o impacto do ruído em sua vida cotidiana. O mais interessante é que nem percebemos que convivemos diariamente com ruído moderado, e que ele se torna um inimigo de nosso organismo. Podemos notar que mesmo em atividades de lazer, somos expostos a fortes intensidades de ruído e as pessoas assumem uma postura passiva, não parecendo ter consciência de seus malefícios e nem mesmo esboçando tentativa de diminuição do mesmo (Celani e Costa Filho, 1991).

O objetivo deste artigo é analisar as alterações que podem ocorrer aos estudantes de uma escola, sempre que seu ambiente de estudo, seja a sala de aula, o pátio, a biblioteca, a sala de reuniões ou de palestras, estiverem sob a influência de ruídos originados dentro e/ou fora da própria escola. Gostaríamos de poder auxiliar o fonoaudiólogo na árdua tarefa de monitoramento destas áreas que se tornam o celeiro natural do aprendizado de toda uma juventude que muitas vezes poderá estar tendo seu desenvolvimento intelectual alterado por influências negativas no meio ambiente.

Noções básicas sobre ruído

Muitos autores já preocupados com este tema, levantaram algumas definições para ruído, que se fazem necessárias para que possamos entender a definição básica de som.

Gerges (1991) afirmou que som e ruído são o mesmo fenômeno físico, porém não são sinônimos. Um ruído é apenas um tipo de som, mas um som não é necessariamente um ruído. Sob o ponto de vista psico-acústico, o ruído seria uma sensação desagradável desencadeada pela recepção da energia acústica.

Os sons, música ou ruído, desencadeiam sensações de prazer ou incômodo em um indivíduo e sendo assim, alguns estudiosos interessados nos aspectos psicofísicos, desenvolveram trabalho para avaliar a correlação existente entre ruído, humor e irritabilidade (Lundquist et al., 2003).

Se a noção adequada da definição de um problema já nos remetesse às suas soluções, acreditamos que o controle efetivo do ruído dentro de uma escola já estaria totalmente contornado. Porém o que diferencia estes posicionamentos é justamente a individualidade de cada ser humano quando colocado frente a um processo de aprendizagem em uma situação de escuta desfavorável. Apesar de sabermos que o ruído já faz parte de nossas vidas, não somente para aquelas pessoas que moram em grandes centros, e que estão se tornando cada vez mais pacientes com sons (desejáveis ou não) que podem ser músicas, buzinas, cantos de pássaros, sirene de viaturas, etc.; precisamos nos ater a maneira como lidamos com estes sons quando eles ocorrem concomitantemente às situações de aprendizagem, onde toda a energia do sujeito deverá estar voltada para seus estudos, na árdua tarefa de ouvir, reter e aprender apesar do ruído.

Podemos perceber que cada ser humano se refere a um mesmo ruído competidor de diversas formas. Enquanto uma pessoa nem percebe que está passando um carro com alto-falantes na rua durante sua aula, uma outra poderá ter que recorrer a estratégia de sentar-se mais à frente, outra poderá se desinteressar do assunto, pois não está conseguindo seguir a fala do professor, outro poderá começar a ter incômodos físicos como dor de cabeça, cansaço, dores musculares, etc.

Segundo Bentler (2000), o que mais interfere em uma sala de aula é a relação sinal ruído (S/R). Quanto mais positiva ela se apresentar, melhor situação de escuta será oferecida aos alunos. Quanto mais próxima ao zero ou negativa, pior a situação para que os alunos possam entender a fala do professor.

A elucidação sobre esta relação é importante. Vamos pensar em uma sala de aula. A voz do professor será chamada de sinal (S) e o barulho ao qual a sala está subjugada, seja ele advindo de fora ou dentro da escola, será chamado de ruído (R). Ao utilizarmos um medidor de pressão sonora, iremos constatar uma intensidade de voz utilizada por este professor (por exemplo 70dB) e uma intensidade do ruído (por exemplo 80dB). Neste nosso exemplo, a sala de aula estaria à mercê de uma relação S/R de -10dB.

Os alunos sempre relatam que ouvem o que o professor fala, mesmo no fundo de sua classe. Esta afirmação está correta. Porém o que eles não conseguem notar é que a fala perde sua inteligibilidade, pois a fala perde parte de sua energia desde a frente até o fundo da classe.

Devemos ressaltar aqui que existe recomendação para que os níveis médios de ruído dentro de uma sala de aula estejam entre 35 a 45dB (Tabela 1), pois níveis entre 50-65dB (embora aceitáveis) provocam um estresse leve, dando início ao desconforto auditivo, vigilância e agitação (Thiery e Meyer, 1988).

Para que um fonoaudiólogo possa ter noção da relação S/R estabelecida dentro das salas de aula de uma determinada escola é necessário que um medidor de pressão sonora seja utilizado para que o profissional possa realizar diversas medições do barulho de determinado local em diferentes horários do dia. Desta forma ele poderá traçar um perfil do ruído médio desta sala, assim como mapear horários de maiores intensidades de ruído competitivo.

Percepção de fala

Pesquisas científicas sobre percepção de fala começaram desde 1950 (Jusczyk e Luce, 2002) e se tornaram área de estudo muito motivadora e produtiva.

A fala, em nosso contexto escolar, é o grande condutor do saber, de informações, de aprendizado, pois é através desta ferramenta que o professor se comunica em sala de aula, passando assim todo o conhecimento necessário para seus alunos. Desta forma, a fala passa a ser o foco principal de nossa atenção, pois caso ela se apresente distorcida ou com seu sinal degradado por interferências externas, poderá prejudicar o entendimento de seus alunos, o tempo de atenção, seu comportamento e seu aprendizado.

Devemos entender que em situação de aprendizado em sala de aula, o aluno fica submetido a dois tipos diferentes de estímulos: o principal, que é a voz do professor e ao qual o aluno deverá direcionar toda a sua atenção; e o secundário, que é o ruído competitivo, que o aluno deverá ser capaz de negligenciá-lo para que a mensagem principal não seja distorcida.

Para nós fonoaudiólogos inseridos nesta situação, o importante é estabelecer alguns pontos importantes para melhoria desta situação de escuta:

. caracterização do tipo de ruído predominante nesta sala de aula;

. características da voz do professor;

. distância entre o professor e seus alunos;

. tipo de distribuição das cadeiras dentro desta sala de aula;

. aspectos da sala de aula (piso, parede, ventilação, etc.).

A caracterização do tipo de ruído que ocorre na sala é importante para que possamos ter uma idéia do espectro deste som, assim saberemos se é um ruído mais agudizado, grave, constante, intermitente, de impacto, etc. Isto nos leva a entender quais sons de fala seriam mais prejudicados em sua presença.

O tipo de voz do professor também é de grande importância, uma vez que poderemos traçar o alcance desta voz, dentro do espaço de sala de aula. Como já é de nosso conhecimento a voz masculina tem uma abrangência mais grave e a feminina mais aguda sendo que Hodgson (2002) comprovou em sua pesquisa que a percepção da fala varia em muito com o nível de voz utilizado pelo professor (Tabela 2).

Um fato que não pode ser descartado e nem deixar de ser mencionado é a ocorrência de reverberação dentro de um espaço fechado como a classe. Reverberação e ruído de fundo controlam a inteligibilidade da fala em uma sala (Bistafa e Bradley, 2000; Pittman e Wiley, 2001; Persson et al., 2001; Van Wijngaarden et al., 2002; Bradley et al., 2003; Yon et al., 2003). Diversos estudiosos ainda se empenham em pesquisas para melhorar a situação de escuta (Johnson, 2000; Da Costa, 2001; Picard e Bradley, 2001; Hodgson e Nosal, 2002; Abdou, 2003; Skarlatos e Manatakis, 2003).

A reverberação, segundo Russo (1999), é um tipo de onda refletida e ocorre quando a onda retorna a fonte num intervalo de tempo menor a 1/10 de segundo, ou que o obstáculo esteja a menos de 17 metros da fonte.

O Fonoaudiólogo não apresenta condições de fazer este tipo de medição, que deverá ser efetuado por um técnico. Mas não poderá negligenciar estas informações, pois estas ondas refletidas dentro da sala de aula prejudicam em muito o entendimento da fala.

O estudo da percepção da fala é importante para que possamos identificar as pistas acústicas que são usadas pelo ouvinte para tomar decisões fonéticas. Por exemplo, o que torna o ouvinte capaz de discriminar estas duas palavras (bula - mula) em um ditado? Uma possível pista a ser utilizada poderá estar baseada na diferença existente na média de energia necessária para a produção de cada fonema (Tabela 3).

Cunningham et al. (2001) assim como Bradlow et al. (2003) afirmaram que dificuldades na percepção de fala podem contribuir para problemas de aprendizado de algumas crianças, sendo que elas apresentam dificuldade em discriminar entre sons acusticamente semelhantes.

A análise acústica da fala quase nunca leva em consideração o contexto, ou seja, a produção combinada de sons para formar sílabas, palavras e frases. A fala normalmente envolve seqüências de sons que ocorrem rapidamente. Neste momento ocorre a co-articulação, onde os sons perdem as características próprias. Este fato pode ser explicado pelo exemplo: na palavra "campo" o /a/ se torna nasal pela antecipação da nasalização do /m/. Na palavra "sul" o /s/ se fala com o arredondamento dos lábios por antecipação do /u/, o que não ocorre em "sapo", onde o /s/ ocorre com abertura dos lábios em função do /a/ posterior.

A voz do professor é outro ponto de real interesse quando pensamos em percepção de fala, pois dela depende a grande tarefa de transmissão de conhecimento, tendo a exigência de ser clara, harmoniosa, inteligível e sobrepor-se a todo e qualquer ruído competitivo, pois caso contrário os alunos não acompanharão seus ensinamentos.

Porém em uma sala de aula ruidosa, o professor normalmente tem de superar os ruídos competitivos para ser entendido, e assim sobrecarrega seu aparelho fonador, exigindo que sua voz seja mais forte do que deveria e em um período prolongado de tempo, o que pode, muitas vezes, desencadear alterações de pregas vocais (edemas, nódulos, fendas, etc.).

Isto caracteriza o que é chamado de "Efeito Lombard", ou seja, a tendência que o falante tem em manter uma constante relação entre o nível de sua fala e o ruído competitivo.

De Lucca e Dragone (2003) acreditam que o professor pertence a um grupo que utiliza a voz profissionalmente e que necessita voltar sua atenção a cuidados especiais inclusive com a implantação de programas educacionais visando a prevenção de problemas vocais (Russel et al., 1998), assim como utilização de diversos recursos (Jonsdottir et al., 2001; Mendel et al., 2003).

Mattiske et al. (1998) relacionaram diversos estudos sobre a voz do professor e puderam constatar que:

1. as desordens da voz do professor podem reduzir a inteligibilidade da fala e se tornarem esteticamente inaceitável, o que traz prejuízos sociais, pessoais, econômicos, etc.;

2. os professores são profissionais de risco para problemas de voz;

3. o impacto das alterações vocais é imenso entre os professores;

4. os professores que continuam a lecionar na presença de um transtorno vocal são freqüentemente obrigados a fazer mudanças nos seus estilos de lecionar e ao reduzir a sua demanda vocal, os professores têm dificuldades em estabelecer ou manter o controle sobre a classe;

5. uma disfunção vocal pode levar a finalização precoce de uma carreira.

Podemos notar que a literatura normalmente nos informa que os professores afirmam que o ruído: incomoda ao ministrar aulas; exige aumento do volume para falar, o que traz problemas de voz; diversos alunos têm dificuldade para entender sua voz e percebem grande dispersão dos alunos, o que prejudica sua saúde, seu aprendizado e seu bem estar.

Processamento auditivo

Processamento auditivo (PA) é a decodificação e interpretação das ondas sonoras, desde a orelha externa, até o córtex auditivo. Resumidamente, é o que fazemos com o que ouvimos (Katz et al., 1992). Este estudo torna-se importante no momento em que deveremos analisar de que forma o estudante recebe as informações em sala de aula.

Segundo vários autores especialistas, esse processo ocorre no sistema auditivo periférico (orelha externa, média, interna e VIII par), no sistema auditivo central (tronco cerebral, vias subcorticais, córtex auditivo) e também nas áreas não auditivas centrais (lobo frontal, conexão temporoparietal, lobo occipital).

Por meio da orelha externa, média e interna, a energia sonora é traduzida em energia mecânica, hidráulica, química e elétrica. Nas vias auditivas centrais, o sinal elétrico será analisado e distribuído de forma a favorecer a compreensão das mensagens. Em algumas estações de transmissão da via auditiva as fibras se cruzam, e outras estimulam o hemisfério cerebral correspondente à orelha estimulada. É no cérebro que a informação auditiva será interpretada, decodificada e processada.

O PA requer que algumas habilidades auditivas estejam intactas assim como as habilidades lingüisticamente dependentes da percepção auditiva como sendo: memória, síntese, fechamento, atenção, associação e cognição.

A redução das redundâncias intrínsecas e extrínsecas causam incerteza no ouvinte, de acordo com Musiek e Rintelmann (2001), enquanto que uma percepção de fala em condições apropriadas se torna recompensadora e encoraja a criança a desenvolver suas habilidades perceptuais.

Os fatores que auxiliam na percepção de fala incluem o conhecimento do assunto, a familiaridade com o vocabulário utilizado, o conhecimento dos aspectos fonêmicos da fala e a familiaridade com as regras do idioma, entre outros.

Segundo Lasky (1983), os estímulos auditivos que ocorrem em sala de aula incluem aqueles que são apresentados pelo professor e aqueles apresentados pelos alunos. Os primeiros são os estímulos relevantes e os outros estímulos não são relevantes para a aprendizagem. A criança sintoniza-se em um estímulo selecionado e resiste ao estímulo competitivo através de sua concentração perceptual e seu direcionamento da atenção. Para aprender, a criança deverá manter sua atenção sintonizada no estímulo relevante e desprezar o estímulo competitivo.

Estas habilidades auditivas são cruciais ao ouvinte normal, particularmente em um ambiente escolar, no qual surgem continuamente situações que exigem que o ouvinte ignore informações lingüísticas de uma fonte para concentrar a atenção em uma mensagem principal. A necessidade de manter-se fixado em um estímulo apesar do ruído tende a desenvolver um enorme cansaço e desgaste no jovem, que não consegue manter sua atenção pelo período escolar de quatro horas. Este cansaço se torna aparente através de desatenção, conversas paralelas, dores e falha de aprendizagem.

Dreossi e Momensohn-Santos (2003) realizaram uma pesquisa para análise da percepção de fala frente a ruído competitivo, com alunos da quarta série do ensino fundamental e os resultados foram surpreendentes, uma vez que os estudantes apresentaram muita dificuldade em repetir tanto sentença como palavras apresentadas em CD gravado com ruído competidor, do tipo Babble. Pôde ser observado alteração do comportamento dos alunos ao realizarmos o teste em presença de ruído, pois eles se sentiram bastante incomodados, assumindo uma postura corporal retesada, comprimida, sobrancelhas apertadas, tentativa de colocação de uma orelha em situação mais favorável, busca de uma inclinação do corpo para frente. Ao passo que ao escutar a lista de palavras ou sentenças sem ruído, eles se sentavam novamente de forma confortável na cadeira, relaxavam, abrandavam o tom de sua voz, articulavam melhor e mais pausadamente, tanto as palavras como as sentenças. Muitos deles chegaram mesmo a tecer comentários sobre a dificuldade e o incômodo em realizar a tarefa sob ruído competitivo e o quanto se tornava mais fácil a escuta sem ruído.

Acústica em sala de aula

Knecht et al. (2002) afirmaram que as habilidades para ouvir e aprender podem ser muito prejudicadas pela acústica de uma sala de aula (ruído de fundo e reverberação) e que este malefício prejudica tanto crianças com audição normal como também aquelas com perdas auditivas. De acordo com trabalho de Eniza e Garavellia (2003), as crianças em fase de alfabetização são mais prejudicadas pelo ruído externo do que as crianças mais velhas, por apresentarem ainda um vocabulário reduzido.

A Acoustical Society of América (2000) divulgou estudo tentando alertar os profissionais que trabalham com educação para o fato de que o ruído, embora invisível, traz grandes implicações ao aprendizado e seu controle pode ser feito de maneira econômica e fácil.

Desta forma, podemos concluir que não existe planejamento não só arquitetônico, como também acústico, para a implantação de escolas em diversos locais. Assim sendo, escolas poderão estar sob o impacto de ruídos gerados: na própria escola, na classe e fora dela.

Como ruídos gerados dentro da própria escola encontramos: barulho da cantina, do pátio, da área de lazer, etc. Como ruídos da própria classe temos o arrastar de pés, carteiras, vozes de professor e alunos, ar condicionado, ventilador, etc. Os ruídos fora da escola incluem buzinas, motores de carros, aviões, igrejas, etc.

Os ruídos gerados dentro da classe poderiam ser minimizados com algumas adequações básicas deste espaço. Caso a escola apresente chão frio (do tipo revestido com lajotas, cerâmicas, etc.), que se apresenta como altamente reverberante, seria indicado o seu revestimento com algum material absorvente (carpetes, tapetes, revestimento emborrachado, etc.). As salas de aula sempre deverão estar separadas por paredes, que absorverão muito da energia entre as salas. Caso mesmo assim, o som de uma sala estiver interferindo nas demais, seria indicado o seu revestimento com algum tipo de material (como cortiça, painéis móveis, etc.). As janelas, sempre que não apresentarem tratamento anti-ruído deveriam ter cortinas para minimizar o impacto de ruídos advindos de fora da sala. Se estas salas forem equipadas com ventiladores e/ou condicionadores de ar, o ruído por eles gerados também deverá ser monitorado para avaliação. O ruído de arrastar carteiras é intenso dentro de escolas e ele poderia ser controlado com carpetes ou mesmo colocando-se bolas de tênis perfuradas nos pés das carteiras.

Os ruídos gerados dentro da escola deverão ser analisados caso a caso, de forma que crianças em horário de recreio e lazer não prejudiquem os estudantes que ainda estiverem em sala de aula; ou que as vozes de um ginásio de esporte não atrapalhem a aulas em curso. Estas estratégias de grade de horário deverão ser analisadas isoladamente. Muitas vezes, somente a alteração de posicionamento das portas de entrada das salas de aula já diminui muito o ruído entre elas, de forma que elas não estejam posicionadas frente a frente ou uma ao lado da outra.

A falta de recursos (Seep et al., 2002) não justifica a falha no controle do ruído em sala de aula, pois o investimento necessário não é alto. O que impede este controle é a falta de percepção sobre o problema e suas prováveis soluções.

Desta forma podemos sistematizar que existem quatro grandes vertentes a serem analisadas nesta situação: reduzir de alguma forma o ruído que chega até a sala de aula, aumentar com a utilização de freqüência modulada (FM) a voz do professor em sala de aula, melhorar a acústica da própria sala de aula (Bistafa e Bradley, 2001; Bradley, 2002; Koszarny e Chyla, 2003) e realizar um trabalho preventivo de conscientização da poluição sonora.

Trabalhos sistematizados para valorização da audição assim como conservação auditiva (Bennet e English, 1999; Folmer et al., 2002) junto às crianças que freqüentam as escolas deveriam ser implantados, para que eles possam reconhecer hábitos e comportamentos nocivos à audição, e possam modificar atitudes inclusive no que se refere aos hábitos de lazer (Wazen e Russo, 2004).

Conclusão

De acordo com o exposto neste artigo, podemos concluir que são inúmeras as variáveis que podem interferir na percepção da fala dentro de uma sala de aula e conseqüentemente, o aprendizado dos alunos desta escola.

Desta forma, o Fonoaudiólogo que atua neste setor, poderia não somente contribuir com seus conhecimentos em acústica, voz, processamento auditivo e etc., como também desenvolver programas de conservação auditiva em escolas, com o intuito de conscientizar as crianças para que desde cedo valorizem sua audição, mudando comportamentos e hábitos que possam prejudicá-la, e para que cresçam protegendo sua audição (utilizando protetores auditivos, não se expondo a locais ruidosos, etc.) assim como usam cintos de segurança, capacetes para andar de bicicletas, óculos escuros, etc.

Acreditamos que precisamos de mais pesquisas realizadas nesta área utilizando-se o Português Brasileiro, evidenciando-se assim a interferência que nossa língua sofre com o impacto do ruído competitivo em sala de aula e sobre a aprendizagem.

Os Fonoaudiólogos envolvidos com Audiologia e/ou Fonoaudiologia Escolar podem auxiliar na educação destas crianças, deixando de simplesmente atuar como indicadores de crianças com alterações e se fortalecer neste novo segmento de atuação preventiva, ou seja, divulgando junto a diretores, orientadores, pedagogos, coordenadores e professores os malefícios desta situação de escuta, de forma a que, gradativamente, as salas de aula sejam adaptadas e repensadas, e para que a inteligibilidade de fala seja privilegiada.

THIERY, Y. MEYER, B. Journal of Acoustical Society of America. v. 84, n. 2, p. 651-659, 1988.

Recebido em 26.02.2004.

Revisado em 27.04.2004; 25.05.2004; 08.06.2004; 14.09.2004; 7.02.2005; 17.03.2005; 28.04.2005.

Aceito para Publicação em 13.05.2005.

Artigo de Revisão de Literatura

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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  • Endereço para correspondência:
    Raquel Cecília Fischer Dreossi
    Al. Joviano Alvim, 388 - Atibaia
    SP - CEP: 12946-080.
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    Trabalho realizado no Instituto de Estudos Avançados da Audição.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      13 Maio 2005
    • Revisado
      28 Abr 2005
    • Recebido
      26 Fev 2004
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