Acessibilidade / Reportar erro

Maturação do processamento auditivo em crianças com e sem dificuldades escolares

Resumos

TEMA: maturação do processamento auditivo em escolares com e sem dificuldades escolares. OBJETIVO: verificar a melhora de resposta com o aumento da idade em habilidades do Processamento Auditivo em crianças com idades de oito, nove e dez anos, com e sem dificuldades escolares, e realizar estudo comparativo. MÉTODO: foram avaliadas 89 crianças sem queixas de dificuldades escolares (Grupo I) e 60 com queixas de dificuldades escolares (Grupo II). Os testes do processamento auditivo aplicados foram o Pediatric Speech Inteligibility (PSI), o Fala com Ruído, o Dicótico Não Verbal (DNV) e o Sttagered Spondaic Word (SSW). RESULTADOS: no Grupo I, foi verificado melhor desempenho na resposta entre as idades de oito e dez anos para todos os testes, mas com diferenças estatisticamente significantes apenas para os testes PSI e SSW. Para o Grupo II, também foi verificado melhor desempenho na resposta com o aumento da idade, com diferenças estatisticamente significantes, para todos os testes. No estudo comparativo entre o Grupo I e o Grupo II, para o desempenho em cada teste e para cada faixa etária, verificou-se melhor desempenho no grupo de crianças sem dificuldades escolares, nas três faixas etárias, nos testes PSI, DNV e SSW. CONCLUSÃO: neste estudo, verificou-se a melhora de resposta com o aumento da idade, estatisticamente significante, no desempenho de habilidades do processamento auditivo para as faixas etárias entre oito e dez anos, tanto em crianças sem dificuldades escolares como nas com queixa de dificuldades escolares. No estudo comparativo, verificou-se que as crianças do grupo com dificuldades escolares apresentaram pior desempenho em todos testes aplicados e para as três faixas etárias, sugerindo atraso na maturação das habilidades do processamento auditivo neste grupo.

Audição; Transtorno da Audição; Percepção Auditiva; Aprendizagem


BACKGROUND: auditory processing maturation in school children with and without learning difficulties. AIM: to verify response improvement with the increase in age of the auditory processing skills in school children with ages ranging from eight to ten years, with and without learning difficulties and to perform a comparative study. METHOD: eighty-nine children without learning complaints (Group I) and 60 children with learning difficulties (Group II) were assessed. The used auditory processing tests were: Pediatric Speech Intelligibility (PSI), Speech in Noise, Dichotic Non-Verbal (DNV) and Staggered Spondaic Word (SSW). RESULTS: a better performance was observed for Group I between the ages of eight and ten in all of the used tests. However, the observed differences were statistically significant only for PSI and SSW. For Group II, a better performance was also observed with the increase in age, with statistically significant differences for all of the used tests. Comparing the results between Groups I and II, a better performance was verified for children with no learning difficulties, in the three age groups, in PSI, DNV and SSW. CONCLUSION: a statistically significant improvement was verified in the responses of the auditory processing with the increase in age, for the ages between eight and ten years, in children with and without learning difficulties. In the comparative study, it was verified that children with learning difficulties presented a lower performance in all of the used tests in the three age groups. This suggests, for this group, a delay in the maturation of the auditory processing skills.

Hearing; Hearing Disorders; Auditory Perception; Learning


ARTIGOS DE PESQUISA

Maturação do processamento auditivo em crianças com e sem dificuldades escolares* * Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP.

Ivone Ferreira NevesI,1 1 ( ifneves@usp.br) ; Eliane SchochatII

IFonoaudióloga. Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Fonoaudióloga do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP

IIFonoaudióloga. Professora Livre-Docente do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ivone Ferreira Neves R. Comendador Elias Assi, 343 - Caxingui - São Paulo - CEP: 05516-000.

RESUMO

TEMA: maturação do processamento auditivo em escolares com e sem dificuldades escolares.

OBJETIVO: verificar a melhora de resposta com o aumento da idade em habilidades do Processamento Auditivo em crianças com idades de oito, nove e dez anos, com e sem dificuldades escolares, e realizar estudo comparativo.

MÉTODO: foram avaliadas 89 crianças sem queixas de dificuldades escolares (Grupo I) e 60 com queixas de dificuldades escolares (Grupo II). Os testes do processamento auditivo aplicados foram o Pediatric Speech Inteligibility (PSI), o Fala com Ruído, o Dicótico Não Verbal (DNV) e o Sttagered Spondaic Word (SSW).

RESULTADOS: no Grupo I, foi verificado melhor desempenho na resposta entre as idades de oito e dez anos para todos os testes, mas com diferenças estatisticamente significantes apenas para os testes PSI e SSW. Para o Grupo II, também foi verificado melhor desempenho na resposta com o aumento da idade, com diferenças estatisticamente significantes, para todos os testes. No estudo comparativo entre o Grupo I e o Grupo II, para o desempenho em cada teste e para cada faixa etária, verificou-se melhor desempenho no grupo de crianças sem dificuldades escolares, nas três faixas etárias, nos testes PSI, DNV e SSW.

CONCLUSÃO: neste estudo, verificou-se a melhora de resposta com o aumento da idade, estatisticamente significante, no desempenho de habilidades do processamento auditivo para as faixas etárias entre oito e dez anos, tanto em crianças sem dificuldades escolares como nas com queixa de dificuldades escolares. No estudo comparativo, verificou-se que as crianças do grupo com dificuldades escolares apresentaram pior desempenho em todos testes aplicados e para as três faixas etárias, sugerindo atraso na maturação das habilidades do processamento auditivo neste grupo.

Palavras-Chave: Audição; Transtorno da Audição; Percepção Auditiva; Aprendizagem.

Introdução

A avaliação das habilidades do processamento auditivo tem fornecido uma grande contribuição na identificação e intervenção de crianças com dificuldades escolares.

De acordo com consenso promovido pela American Speech-Language-Hearing Association (Asha), o processamento auditivo foi definido como "mecanismos e processos do sistema nervoso auditivo" (ASHA, 1995), os quais capacitam a decodificação e o entendimento da fala, especialmente em situações desfavoráveis, como na presença de ruído de fundo ou fala competitiva (Jerger e Musiek, 2000).

Os primeiros testes em processamento auditivo surgiram com a necessidade de avaliar a via auditiva central para a identificação e a localização de lesões cerebrais. Bocca et al. (1954) foram uns dos primeiros pesquisadores a utilizar estímulos de fala em apresentação dicótica, verificando respostas piores na orelha contra lateral à lesão hemisférica.

Atualmente, a associação entre dificuldades escolares e alterações no desenvolvimento de habilidades auditivas tem sido um dos principais focos de estudos realizados com testes de processamento auditivo (Bamiou et al., 2001; Chermak e Musiek, 2002; Heiervang et al., 2002; Moncrieff e Musiek, 2002; Phillips, 2002; Purdy et al., 2002; Wertz et al., 2002; King, 2003).

No Brasil, foram elaborados diversos testes de processamento auditivo, como relatados por Pereira e Schochat (1997), e há vários estudos realizados associando o distúrbio de Processamento Auditivo com as dificuldades de aprendizagem (Câmara, 1998; Almeida, 2000; Fellipe, 2000; Lemos, 2000; Garcia, 2001; Fellipe e Colafêmina, 2002; Frota, 2003).

Os distúrbios de processamento auditivo, que apresentam diversidades em suas manifestações, podem ser identificados por meio de testes eletrofisiológicos, os quais verificam a integridade da via auditiva, e por meio de testes comportamentais, os quais avaliam a função auditiva, ou seja, as habilidades auditivas. Da adequada interpretação da avaliação dos processos da audição, irá depender a precisão no diagnóstico audiológico e no direcionamento terapêutico (Bamiou et al., 2001; Chermak e Musiek, 2002).

Dentre os vários aspectos envolvidos na avaliação diagnóstica do processamento auditivo, Musiek e Gollegly (1988) ressaltaram o da maturação auditiva. Os autores afirmaram que os testes auditivos são dependentes da função neural e devem ser interpretados dentro de um contexto "neuromaturacional".

Schochat (2001), em seu estudo, salientou que os principais objetivos da avaliação auditiva central são justamente verificar a integridade e o estado de neuromaturação da via auditiva.

A maturação da via auditiva foi bastante documentada em diversos estudos com os testes eletrofisiológicos (Ponton et al., 2000; Kraus, 2001; Schochat, 2001; Purdy et al., 2002), nos quais foram verificadas respostas melhores desde o nascimento até aproximadamente a idade de 12 anos, quando os padrões de respostas tornaram-se semelhantes aos dos adultos.

Quanto aos testes comportamentais do processamento auditivo, em alguns estudos, foi relatada uma evidente melhora quantitativa nas respostas com o aumento da idade, especialmente entre as idades de oito e dez anos (Musiek e Gollegly, 1988; Chermak e Musiek, 1992; Câmara, 1998; Almeida, 2000; Schochat et al., 2000; Phillips, 2002; Costa et al., 2004). No entanto, são poucos os estudos que tiveram como proposta central a verificação do efeito da maturação auditiva nas respostas comportamentais.

Musiek e Gollegly (1988), em estudo realizado com crianças com distúrbios de aprendizagem, encontraram pouca melhora de resposta com o aumento da idade, principalmente, nos testes dicóticos. Os autores associaram este dado com a possível maturação tardia de corpo caloso, área envolvida nos testes dicóticos. Na conclusão, afirmaram que os aspectos da maturação são de especial interesse em casos de distúrbio de aprendizagem, pois ocorrem em crianças que freqüentemente apresentam atraso no desenvolvimento de habilidades auditivas.

Ponton et al. (2000) afirmaram que a verificação da maturação de respostas auditivas fornece dados para que sejam realizadas estimulações adequadas de acordo com o grau do atraso encontrado.

Schochat (2001), em seu trabalho, teve como objeto principal de estudo o efeito da maturação no desempenho de testes de processamento auditivo. A autora verificou a maturação para a habilidade de ordenação temporal em crianças normouvintes, com idades entre sete e dezesseis anos e encontrou melhora no desempenho dos testes até a idade de onze e doze anos, quando o padrão das respostas passou a ser semelhante ao dos adultos. Neste estudo, a autora concluiu que a avaliação comportamental pode refletir a imaturidade do sistema neural, e este é um fator essencial para o diagnóstico e gerenciamento em processos de reabilitação.

A correta interpretação dos testes comportamentais, na avaliação do processamento auditivo exigirá portanto, a determinação de critérios de normalidade com relação aos processos de maturação.

Assim, o objetivo deste trabalho foi verificar a maturação de habilidades do processamento auditivo em crianças com e sem dificuldades escolares, nas faixas etárias de oito, nove e dez anos.

Para este estudo, a melhora significante nas habilidades auditivas, com o aumento da idade, foi associada ao processo de maturação auditiva ainda presente nestas faixas etárias. Além disso, acredita-se que o pior desempenho em tarefas do processamento auditivo, de crianças com dificuldades escolares, possa ser uma manifestação de atraso na maturação.

Neste estudo, foram verificadas quatro habilidades auditivas em relação a três faixas etárias (oito, nove e dez anos de idade). Acredita-se que crianças estão aptas para responderem testes comportamentais de processamento auditivo a partir da idade de sete anos (Pereira e Schochat, 1997), e que possa haver melhora no desempenho até, aproximadamente, a idade de dez anos (Chermak e Musiek, 1992; Câmara, 1998; Almeida, 2000; Schochat et al., 2000).

Método

Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com o protocolo de pesquisa nº 731/01.

Casuística

Participaram desta pesquisa 149 escolares, 82 do gênero feminino e 67 do gênero masculino, pertencentes ao Ensino Fundamental de escolas da rede pública da cidade de São Paulo, com idades de oito, nove e dez anos.

Estes participantes foram alunos, cujos pais ou responsáveis concordaram em participar voluntariamente do estudo, após informações obtidas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (protocolo número 731/01). O número de participantes foi adequado para a proposta desta pesquisa.

Para a inclusão neste estudo, foram adotados os critérios de ausência de alteração neurológica evidente, ausência de transtorno psíquico evidente, ausência de alteração audiológica, pertencer ao Ensino Fundamental de escola da rede pública, e possuir idade entre oito e dez anos.

De acordo com entrevistas realizadas com os professores de cada escola, e pais ou responsáveis, os participantes foram incluídos em dois grupos de estudo, com e sem dificuldades escolares. O Grupo I foi constituído por 89 participantes sem dificuldades escolares, sendo 34 com idade de oito anos, 29 com nove anos, e 26 com dez anos. O Grupo II foi constituído por 60 participantes com dificuldades escolares, sendo 20 com idade de oito anos, 20 com nove anos, e 20 com dez anos.

Método

Os equipamentos empregados para a avaliação audiológica foram: otoscópio da marca Heine; cabina acústica; audiômetro da marca Grason-Stadler, modelo GSI-61 (ANSI, 1989); fone TDH-50; listas de vocábulos de trissílabas e monossílabas; analisador de orelha média da marca Grason-Stadler, modelo GSI-33 (ANSI, 1987).

Para a avaliação dos testes comportamentais do processamento auditivo, utilizou-se CD-player, da marca Panasonic, acoplado ao audiômetro GSI-61; os CDs volume 1 e volume 2, com a gravação dos testes, e os posters com as ilustrações das respostas para os testes Pediatric Speech Inteligibility (PSI) e Dicótico Não Verbal (DNV), editados por Pereira e Schochat (1997).

Todos os participantes realizaram avaliação audiológica básica (Audiometria Tonal, Testes de Fala e Imitanciometria), e do processamento auditivo, no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica (LIF) em Processamento Auditivo do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

A aplicação dos testes seguiu as indicações estabelecidas no 'Manual de Avaliação do Processamento Auditivo', publicado por Pereira e Schochat (1997).

Deste manual, foram aplicados dois testes de escuta monótica, o PSI, para a habilidade de atenção seletiva com apoio visual, e o Fala com Ruído, para a habilidade de fechamento auditivo. Foram aplicados, também, dois testes de Escuta Dicótica, o Dicótico Não Verbal (DNV) de Escuta Direcionada, para a habilidade de atenção direcionada, e o Sttagered Spondaic Word (SSW), para a habilidade de análise-síntese auditiva.

O teste PSI envolveu a identificação de frases com mensagem competitiva, havendo apoio visual para a resposta correta. O participante recebeu a instrução de que ouviria uma estória e, ao mesmo tempo e na mesma orelha, seria solicitado que apontasse um dos desenhos apresentados no quadro à sua frente.

Para o teste Fala com Ruído, foi orientado de que ouviria uma série de palavras (monossílabas) juntamente com um ruído, sendo que deveria procurar repetir as palavras que ouviu.

Para o teste DNV, que envolve a identificação de dois sons não verbais diferentes, apresentados um em cada orelha simultaneamente, foi pedido primeiramente que apontasse os desenhos referentes aos sons dados só na orelha direita e, em seguida, aos sons dados só na orelha esquerda.

Para o teste SSW, que envolve a identificação de quatro dissílabos diferentes apresentados simultaneamente nas duas orelhas, foi solicitado que repetisse as quatro palavras ouvidas.

Conforme os objetivos desta pesquisa, a análise estatística aplicada visou a verificação de diferenças significantes no desempenho de habilidades auditivas, de acordo com a idade. Para isto, foi utilizado o teste paramétrico de comparação de médias por meio da variância ANOVA (Análise de Variância). O nível de significância utilizado foi de 0,05 (5%), sendo que para valores maiores que 0,05, concluiu-se a hipótese nula (igualdade entre os grupos) e, para o caso contrário, concluiu-se pela hipótese alternativa (diferenças estatisticamente significantes entre os grupos).

Resultados

Na Tabela 1 estão descritos os resultados encontrados para o Grupo I, constituído por crianças sem dificuldades escolares.

No Grupo I, foram verificadas respostas melhores com o aumento da idade em todos os testes. No entanto, foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre as médias de acertos somente nos testes PSI e SSW.

Portanto, para a determinação da faixa etária que causou a diferença significante, foram realizadas comparações, duas a duas, para estes dois testes (Tabela 2).

No Grupo I, para o teste PSI, foram encontradas diferenças estatisticamente significantes na comparação das médias de acertos entre as faixas etárias de oito e nove anos, e entre oito e dez anos. Para o teste SSW, foi encontrada diferença estatisticamente significante entre as médias de acertos da faixa etária de oito e nove anos.

O Gráfico 1 ilustra as médias de acertos para cada faixa etária, nos quatro testes aplicados, no Grupo I.


Na Tabela 3, estão descritos os resultados encontrados no Grupo II, constituído por crianças com dificuldades escolares.

No Grupo II, em todos os testes, foram encontradas diferenças estatisticamente significantes, entre as médias de acertos, com o aumento da idade. Da mesma maneira, foi necessária a análise de duas em duas faixas etárias para verificar em qual a diferença estaria ocorrendo.

No Grupo II, para o teste PSI, as diferenças foram significantes entre as faixas etárias de oito e nove anos, e entre oito e dez anos. Para o teste Fala com Ruído, houve diferenças significantes entre as faixas etárias de oito e dez anos, e entre nove e dez anos. Para o teste DNV, as diferenças foram significantes entre as faixas etárias de oito e nove anos. Para o teste SSW, houve diferenças significantes entre as faixas etárias de oito e nove anos, e entre oito e dez anos.

O Gráfico 2 ilustra as médias de acertos para cada faixa etária, nos quatro testes aplicados, no Grupo II.


Na maioria dos testes aplicados, verificou-se pior desempenho no grupo de participantes com queixas escolares (Grupo II), em relação ao grupo de participantes sem queixas escolares (Grupo I). No entanto, para cada teste aplicado, as diferenças significantes ocorreram em faixas etárias distintas.

No teste PSI, foi encontrada diferença significante entre as médias de acertos do Grupo I e do Grupo II, apenas para a idade de nove anos.

No teste Fala com Ruído, foi encontrada diferença significante entre as médias de acertos do Grupo I e do Grupo II, na faixa etária de dez anos.

No teste DNV, houve diferenças estatisticamente significantes entre as médias de acertos do Grupo I e do Grupo II, para nas faixas etárias de oito e dez anos.

No teste SSW, houve diferenças estatisticamente significantes entre as médias de acertos do Grupo I e do Grupo II, nas três faixas etárias.

Discussão

A maturação neural é um dos processos que ocorrem no desenvolvimento do indivíduo para a estruturação e funcionalidade completa do sistema nervoso (Kolb e Whishaw, 2002). Neste estudo, foi estabelecida uma correlação entre o comportamento e o desenvolvimento neural, ou seja, entre o desenvolvimento da habilidade auditiva e a maturação neural (Chermak e Musiek, 1992; Ponton et al., 2000; Kraus, 2001; Moore, 2002; Phillips, 2002).

Com relação ao Grupo I, com participantes sem queixas de dificuldades escolares, verificou-se melhora no desempenho, com o aumento da idade, nos quatro testes do processamento auditivo (PSI, Fala com Ruído, DNV e SSW) aplicados, embora as diferenças tenham sido estatisticamente significantes somente para os testes PSI e SSW (Tabela 1 e 2; Gráfico 1). Verificou-se, assim, uma diferença evidente de desempenho entre as idades de oito e dez anos, em todos os testes, sendo que a idade de nove anos poderia ser considerada como uma idade de transição, ora com desempenho semelhante ao de oito anos, e ora ao de dez anos.

Embora não tenham sido encontrados estudos nacionais com a análise por faixa etária, em testes de processamento auditivo, os resultados encontrados foram comparados com os que envolveram crianças em idade escolar.

No PSI, os resultados encontrados estiveram de acordo com os encontrados por Garcia (2001), que encontrou média de 89,6% para crianças com idades acima de nove anos. Estes dados confirmaram a melhora no desempenho do teste PSI entre a faixa etária de oito e dez anos de idade.

No teste Fala com Ruído, os resultados verificados estiveram de acordo com os encontrados por Frota (2003), se considerarmos as faixas etárias envolvidas nos estudos, que avaliou crianças com idades entre nove e 12 anos e obteve médias de acertos maiores que as deste estudo (81,0%). A melhora de resposta entre as idades de oito e dez anos também foi verificada para o teste Fala com Ruído.

Para o teste DNV, foram observadas as melhores médias de acertos deste estudo, e este resultado esteve de acordo com Lemos (2000) e Frota (2003), que referiram médias de acertos elevadas (95% e 96%). Estes dados podem indicar que, para a faixa etária estudada, a maturação habilidade auditiva envolvida no DNV ocorreu em idades menores que oito anos.

Para o teste SSW, as médias de acertos foram menores do que outros da literatura. Câmara (1998) encontrou média de 91,2% de acertos para a faixa etária entre nove e dez anos, e Frota (2003) encontrou média de 90,1% de acertos para crianças com idades entre nove e 12 anos. Talvez, a diferença no nível sociocultural dos participantes dos três estudos possa justificar as diferenças encontradas. Além disso, como já referido, as autoras não tiveram como objeto de estudo a análise por faixa etária, o que dificulta a comparação dos resultados. No entanto, no estudo atual, o qual envolveu uma faixa etária menor (oito anos), ocorreram os menores índices de acertos, quando comparados com os de Câmara (1998) e Frota (2003).

Com estes resultados, foi possível afirmar que aspectos da maturação neural interferiram de maneira significante no desempenho de testes comportamentais do processamento auditivo, nas idades de oito, nove e dez anos.

Com relação ao Grupo II, com participantes com queixas de dificuldades escolares, verificou-se melhora de resposta com o aumento da idade, com diferenças estatisticamente significantes, em todos os testes aplicados. (Tabela 3 e 4; Gráfico 2). Este resultado indicou que o aspecto da maturação também interferiu no desempenho dos testes, porém, de maneira menos gradual e mais discrepante entre uma faixa etária e outra.

O estudo comparativo entre o Grupo I e o Grupo II, para as idades de oito, nove e dez anos, foi realizado para cada teste aplicado.

Nas Tabelas 5, 6, 7 e 8, verificou-se que as médias de acertos dos participantes do Grupo II foram menores que os do Grupo I, em três dos testes aplicados (PSI, DNV e SSW).

Este resultado esteve de acordo com relatos da literatura que referem a associação entre o distúrbio do processamento auditivo e as dificuldades escolares, indicando a necessidade da avaliação das habilidades auditivas em crianças com estas dificuldades (Câmara, 1998; Almeida, 2000; Lemos, 2000; Bamiou et al., 2001; Garcia, 2001; Moncrieff e Musiek, 2002; Frota, 2003).

No Quadro 1, estão descritas as médias de acertos, para cada teste, em cada faixa etária, no Grupo I e no Grupo II.


No Quadro 1, verificou-se melhora de respostas com o aumento da idade para ambos os grupos, sendo que no Grupo II, de participantes com dificuldades escolares, as respostas foram piores que as do Grupo I, indicando atraso de maturação nas habilidades auditivas de atenção direcionada, figura-fundo e análise-síntese.

Quanto à habilidade de fechamento auditivo, verificado pelo teste Fala com Ruído, verificou-se desempenho semelhante no Grupo I e no Grupo II, para as idades de oito e nove anos. Para a idade de dez anos, neste teste, observou-se melhor desempenho no Grupo II, indicando não ser muito adequado para distinguir grupo de crianças com e sem dificuldades escolares.

Pelo Quadro 1, também foi possível verificar, além da melhora de respostas com o aumento da idade, melhor desempenho de acordo com a habilidade envolvida. Sendo assim, a habilidade de atenção direcionada para estímulos não verbais (teste DNV) foi a que apresentou melhor desempenho, seguida das habilidades de figura-fundo com apoio visual (teste PSI-MCI), análise-síntese para estímulos verbais, e fechamento auditivo para estímulos verbais (teste Fala com Ruído).

Conclusão

Por meio da análise dos resultados obtidos neste estudo, verificou-se que, no grupo de crianças sem queixas de dificuldades escolares, houve melhora de respostas com o aumento da idade, para todos os testes utilizados, especialmente entre as idades de oito e dez anos, sendo que esta melhora foi estatisticamente significante para os testes PSI e o SSW.

No grupo de crianças com queixas de dificuldades escolares, também foram verificadas respostas melhores com o aumento da idade, para todos os testes aplicados, mas de maneira mais discrepante e não gradual entre as faixas etárias, embora estas tenham sido estatisticamente significantes em todos os testes. Assim, verificou-se que crianças com dificuldades escolares podem apresentar atraso na maturação de habilidades auditivas, importantes e necessárias para o processo de aprendizagem da leitura-escrita.

Este estudo contribuiu para salientar o aspecto da maturação na obtenção de um diagnóstico audiológico preciso. Além disso, ressalta a conveniência da estimulação auditiva nestas faixas etárias, não só como medida terapêutica, mas também para o adequado desenvolvimento das habilidades auditivas.

Recebido em 3.11.2004.

Revisado em 18.01.2005; 17.05.2005; 20.07.2005; 31.10.2005.

Aceito para Publicação em 31.10.2005.

Artigo de Pesquisa

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

  • ALMEIDA, C. C. Processamento auditivo e fonológico em crianças: influência da faixa etária e da alfabetização. 2000. 119 f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação) - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.
  • AMERICAN NATIONAL STANDARS (ANSI). New York, 1987.
  • AMERICAN NATIONAL STANDARS (ANSI). New York, 1989.
  • AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION (ASHA). Central auditory processing: current status of research and implications of clinical practice. Rockville, 1995.
  • BAMIOU, D. E.; MUSIEK, F. E.; LUXON, L. M. Etiology and clinical presentations of auditory processing disorders. Arch Dis. Child, v. 85, n. 5, p. 361-365, 2001.
  • BOCCA, E.; CALEARO, C..; CASSINARI, V. A new method for testing hearing in temporal lobe tumors. Preliminary report. Acta Oto-Laryngol, v. 44, p. 219-221, 1954.
  • CÂMARA, C. C. Testes de escuta dicótica de dissílabos em crianças com e sem evidências de problemas escolares e/ou alteração das habilidades auditivas 1998. 128 f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação) - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.
  • CHERMAK, G. D.; MUSIEK, F. E. Managing central auditory processing disorders in children and youth. Am. J. Audiol, v. 1, n. 3, p. 61-66, july. 1992.
  • CHERMAK, G. D.; MUSIEK, F. E. Auditory training: principles and approaches for remediating and managing auditory processing disorders. Sem. Hear, v. 23, n. 4, p. 297-308, 2002.
  • COSTA, L. P.; PEREIRA, L. D.; SANTOS, M. F. C. dos. Auditory fusion test in scholars. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, Barueri, v. 16, n. 2, p. 187-196, maio-ago. 2004.
  • FELLIPE, A. C. N. Análise comparativa entre testes de processamento auditivo central e o desempenho em tarefas de leitura e escrita 2000. 150 f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação) - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.
  • FELLIPE, A. C. N.; COLAFÊMINA, J. F. Avaliação simplificada do processamento auditivo e o desempenho em tarefas de leitura e escrita. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, Barueri, v. 14, n. 2, p. 225-234, 2002.
  • FROTA, S. Processamento auditivo: estudo em crianças com transtornos específicos da leitura e da escrita. 2003. 240 f. Tese (Doutorado em Distúrbios da Comunicação) - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.
  • GARCIA, V. L. Processamento auditivo em crianças com e sem distúrbio de aprendizagem 2001. 313 f. Tese (Doutorado em Distúrbios da Comunicação) - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.
  • HEIERVANG, E.; STEVENSON, J.; HUGDAHL, K. Auditory processing in children with dyslexia. J. Chil. Psyc. Psych., v. 43, n. 7, p. 931-938, 2002.
  • JERGER, J.; MUSIEK, F. E. Report of the consensus conference on the diagnosis of auditory processing disorders in school-aged children. J. Am. Acad. Audiol., v. 11, n. 9, p. 467-474, 2000.
  • KING, W. M. Comorbid auditory processing disorder in developmental dyslexia. Ear Hear, v. 24, n. 5, p. 448-456, 2003.
  • KOLB, B.; WHISHAW, I. Q. Neurociência e comportamento Barueri: Manole, 2002.
  • KRAUS, N. Auditory pathway enconding and neural plasticity in children with learning. problems. Audiol. Neurotol, v. 6, n. 4, p. 221-227, 2001.
  • LEMOS, S. M. A. Análise de sons não verbais sobrepostos por escolares: influência dos distúrbios da comunicação e da audição. 2000. 201 f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação) - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.
  • MONCRIEFF, D. W.; MUSIEK, F. E. Interaural asymmetries revealed by dichotic listening tests in normal and dyslexic children. J. Am. Acad. Audiol, v. 13, n. 8, p. 428-437, 2002.
  • MOORE, J. K. Maturation of human auditory cortex: implications for speech perception. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol., v. 11, n. 5, p. 7-10, 2002.
  • MUSIEK, F. E.; GOLLEGLY, K. M. Maturational considerations in the neuroauditory evaluation of children. In: BESS, H. Hearing impairment in children Maryland: York Press, 1988. cap. 15, p. 231-250.
  • PEREIRA, L. D.; SCHOCHAT, E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise, 1997. Parte 2, Parte 1, cap. 5, p. 49-60.
  • PHILLIPS, D. P. Central auditory system and central auditory processing disorders. Sem. Hear., v. 23, n. 4, p. 251-261, 2002.
  • PONTON, C. W.; EGGERMONT, J. J.; KWONG, B.; DON, M. Maturation of human central auditory system activity: evidence from multi-channel evoked potentials. Clin. Neurophysiol, v. 111, n. 2, p. 220-236, 2000.
  • PURDY, S. C.; KELLY, A. S.; DARVIES, M. G. Auditory brainstein response, middle latency response, and late cortical evoked potentials in children with learning disabilities. J. Am. Acad. Áudio, v. 13, n. 7, p. 367-382, 2002.
  • SCHOCHAT, E. Desenvolvimento e maturação do sistema nervoso auditivo central em indivíduos de 7 a 16 anos de idade 2001. 155 f. Tese (Livre-Docência) - Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • SCHOCHAT, E.; RABELO, C. M.; SANFINS, M. D. Processamento auditivo central: testes tonais de padrão de freqüência e de duração em indivíduos normais de 7 a 16 anos de idade. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, Barueri, v. 12, n. 2, p. 1-7, 2000.
  • WERTZ, D.; Hal III, J. W.; Davis II, W. Auditory processing disorders: management approaches past to present. Sem. Hear, v. 23, n. 4, p. 277-285, 2002.
  • Endereço para correspondência
    Ivone Ferreira Neves
    R. Comendador Elias Assi, 343 - Caxingui -
    São Paulo - CEP: 05516-000.
  • *
    Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP.
  • 1
    (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      31 Out 2005
    • Recebido
      03 Nov 2004
    • Revisado
      31 Out 2005
    Pró-Fono Produtos Especializados para Fonoaudiologia Ltda. Condomínio Alphaville Conde Comercial, Rua Gêmeos, 22, 06473-020 Barueri , São Paulo/SP, Tel.: (11) 4688-2220, Fax: (11) 4688-0147 - Barueri - SP - Brazil
    E-mail: revista@profono.com.br